Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0161/06.5BELRA
Data do Acordão:02/21/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CONTRATO DE ASSOCIAÇÃO
REPOSIÇÃO DE QUANTIAS
Sumário:Não é de admitir a revista interposta de acórdão que, julgando improcedente o vício de usurpação de poderes e afirmando a autonomia, face à decisão disciplinar, da ordem de reposição de quantias em resultado da aplicação indevida dos apoios financeiros concedidos ao A. ao abrigo de contratos de associação e do Despacho n.º 256-A/ME/96, de 11/2, parece ter decidido acertadamente.
Nº Convencional:JSTA000P31931
Nº do Documento:SA1202402210161/06
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DA CIÊNCIA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:
1. O A..., LDA. intentou, no TAF, contra o MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, acção administrativa especial, para impugnação do despacho, de 3/8/2005, do Secretário de Estado Adjunto e da Educação, que lhe aplicou a pena disciplinar de multa, graduada em 20 salários mínimos nacionais (€ 7.474,00) e determinou que procedesse à reposição da quantia de € 2.413.770,33.
Foi proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente e anulou o despacho impugnado.
O Ministério da Educação reclamou para a conferência, tendo o TAF, por acórdão de 7/4/2015, julgado a reclamação improcedente e confirmado a sentença.
Deste acórdão, a entidade demandada apelou para o TCA-Sul, o qual, por acórdão de 09/11/2023, concedeu provimento ao recurso, revogou o acórdão recorrido “na parte em que anulou a ordem de reposição nos cofres do Estado da importância de 2.413.770,33 €” e julgou a acção improcedente nesta parte.
É deste acórdão que o Autor vem pedir a admissão do recurso de revista.

2. Tem-se em atenção a matéria de facto considerada pelo acórdão recorrido.

3. O art.° 150.°, n.° 1, do CPTA, prevê que das decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos possa haver excepcionalmente revista para o STA “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como decorre do texto legal e tem sido reiteradamente sublinhado pela jurisprudência deste STA, está-se perante um recurso excepcional, só admissível nos estritos limites fixados pelo citado art.° 150.°, n.° 1, que, conforme realçou o legislador na Exposição de Motivos das Propostas de Lei n°s. 92/VIII e 93/VIII, corresponde a uma “válvula de segurança do sistema” que apenas pode ser accionada naqueles precisos termos.
O despacho impugnado - proferido após a instauração ao A. de um processo disciplinar, na sequência de uma acção de fiscalização realizada pela IGE aos contratos da associação que celebrara com a DREC para os anos lectivos de 1998/1999, 1999/2000 e 2000/2001 - aplicou àquele a pena de multa de 20 salários mínimos nacionais, nos termos do art.° 99.°, n.° 1, al. b), do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, aprovado pelo DL n.° 553/80, de 21/10 e art°s. 1.°, al. b) e 3.°, als. c) e g), ambos da Portaria n.° 207/98, de 28/3, e ordenou-lhe que devolvesse aos cofres do Estado o montante em que este fora lesado no valor de € 2.413.770,33.
O TAF entendeu que este despacho enfermava de vício de violação de lei por falta de base legal, dado que o art.º 99.°, n.° 4, do referido Estatuto e, inerentemente, o regime constante da Portaria n.° 207/98, padecia “de inconstitucionalidade material decorrente da fixação do regime sancionatório aplicável às escolas privadas sem a densidade que, “ratione materiae” seria constitucionalmente exigida, e destarte violar o disposto no art.° 112.°, n.° 5, da CRP”.
O acórdão recorrido, para conceder provimento à apelação que incidia apenas sobre a anulação da parte do despacho que ordenara ao A. a reposição da quantia de € 2.413.770,33, considerou o seguinte:
"(…).
O objeto do juízo de constitucionalidade é o direito sancionatório disposto em conjunto pelo DL n° 553/80 e pela Portaria n° 207/98 (que regulamentou o direito sancionatório já definido no DL n° 553/80) ex vi art 180°, al e) do CPA/91, a que se refere a 1a parte do despacho impugnado.
A ordem de reposição de quantia não constitui uma sanção (acessória, como lhe chama a recorrida), prende-se com os poderes de autoridade da Administração em relação ao cocontratante particular nos contratos administrativos de associação, nos termos previstos nas als d) e a) do art 180° do CPA/81- não está abrangida pela declaração de inconstitucionalidade do art 99°, n°4 do DL n°553/80 e da Portaria n°207/98.
Como decidiu o Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão proferido a 11.5.2004, no processo n° 21/03, o conteúdo da decisão encerra assim duas partes distintas quanto à decisão e quanto à natureza da matéria, ainda que tenham aparecido juntas devido à sua ligação funcional.
Na primeira parte a decisão aplica a sanção administrativa prevista no artigo 99.° do DL 553/80, de 21.11 e no n.° 1 al. b) da Portaria 207/98, de 28.3, com fundamento em que o Colégio não cumpriu o estipulado no contrato de associação de não utilizar os montantes recebidos no pagamento de encargos do pessoal docente e numa segunda parte ordena a reposição das quantias ao Estado e a devolução de outras a particulares como obrigação que resultaria daquela aplicação indevida dos apoios financeiros.
Ou seja, as duas decisões, ainda que partindo do mesmo facto de incumprimento de contrato de associação, retiram dele diferentes consequências, uma sancionatória e outra constitutiva de deveres de prestar.
Os vícios que vêm apontados aos dois atos assentam em diferentes questões jurídicas, os apontados ao primeiro ato são atinentes a questões do direito sancionatório e os vícios apontados ao segundo assentam em questões da disciplina dos contratos administrativos de associação.
Neste caso, o primeiro ato, que aplicou a sanção, foi anulado, com fundamento em inconstitucionalidade do art 99°, n° 4 do DL n° 553/80 e da Portaria n° 207/98, e a sentença, nessa parte, transitou em julgado por dela não ter sido interposto recurso.
O segundo ato, a ordem de reposição das quantias, não tem a ver com o direito sancionatório, não está abrangido pela declaração de inconstitucionalidade, a legalidade do mesmo prende-se com a disciplina dos contratos administrativos de associação e com as normas dos arts 179°, 180°, als a), d) e 185°, n°3 do CPA.
Pelo que não deve esta parte do despacho de 3.8.2005 ser anulada com fundamento em inconstitucionalidade do art 99°, n°4 do DL n° 553/80 e da Portaria n°207/98.
(...).
Os factos apurados pela inspeção, descritos na al F) do probatório, foram obtidos a partir do que constava da escrita da autora, pelo que os montantes que foram pagos como custos do ensino, correspondem ao orçamentado que serviu de base de cálculo ao financiamento.
A prestação da autora não foi executada nas condições previstas nos Contratos de Associação e no Despacho ...6, e em virtude desse facto o Ministério da Educação decidiu modificar em conformidade o conteúdo da sua prestação ordenando a reposição.
A ordem de devolução de quantias surge assim como consequência da utilização das importâncias adiantadas no pagamento de encargos de forma ou por montantes diferentes dos previstos no contrato e dos custos diferentes dos orçamentados pela escola privada para pedir e obter o apoio, pelo que as verbas não utilizadas conforme o previsto não eram devidas e foram recebidas sem justificação.
A verba mandada devolver aos cofres do Estado, pelo despacho impugnado, no montante de € 2.413.770,33, foi determinada por ato unilateral da Administração, fazendo uso do poder previsto no art 180°, al a) do CPA/91.
Entende a autora/recorrida que estando vinculada por contratos administrativos de associação não pode ser-lhe imposto por ato da Administração o dever de restituir prestações contratuais, efeito que apenas através dos tribunais administrativos seria legalmente possível de ser atingido. Por ser assim, o fundamento da ordem de reposição nas normas dos arts 179°, 180°, als a) e d) e 185°, n° 3 do CPA/91, inquina o ato de vício de usurpação de poderes.
Sobre este tema limitamo-nos a transcrever o que o Supremo Tribunal Administrativo disse no Acórdão de 11.05.2005, no processo n° 2004/02, com o qual concordamos e que traduz jurisprudência pacífica:
(...).
O acórdão entendeu, assim, que a aludida ordem de reposição de quantias em resultado da aplicação indevida dos apoios financeiros que haviam sido concedidos ao A. ao abrigo dos contratos de associação e do Despacho n.° ...6, de 11/2, não constituía uma sanção acessória abrangida pela declaração de inconstitucionalidade, prendendo-se “com os poderes de autoridade da Administração em relação ao contraente particular nos contratos administrativos de associação, nos termos previstos nas als. d) e e) do art.º 180.° do CPA/91”, não enfermando, por isso, do vício de usurpação do poder judicial.
O A. justifica a admissão da revista com a relevância jurídica e social das questões a decidir e com a necessidade de se proceder a uma melhor aplicação do direito. Para tanto, alega que os contratos administrativos de associação têm um grande impacto na comunidade, podendo a decisão a proferir constituir uma orientação referencial para a apreciação de outros casos e por revestirem complexidade superior ao comum as questões da ilegalidade e inconstitucionalidade do Despacho n.° ...6, por violação do art.º 15.° do DL n.° 533/80 e da verificação do vício de usurpação de poder, bem como que o acórdão recorrido enferma de erros de julgamento porque se a “sanção se vem a revelar inquinada por inconstitucionalidade das normas que a alicerçam é inevitável a contaminação do segmento restante” e uma vez que só os tribunais podiam determinar a reposição da quantia em causa.
Não se descortina a verificação de uma especial relevância social ou de um interesse comunitário significativo no sentido de a decisão a proferir poder constituir uma orientação para a decisão de casos futuros, face aos contornos particulares do caso em apreciação e ao facto de estar em causa um quadro normativo já revogado.
Também não se afigura que se esteja perante questões jurídicas de elevada complexidade em resultado de dificuldades de operações exegéticas a realizar, sendo que a decisão adoptada pelo acórdão recorrido quanto à verificação do vício de usurpação de poder corresponde àquela que se veio a firmar na jurisprudência do STA (cf. os Acs de 11/5/2004 - Proc. n.° 2054/02, de 12/1/2005 - Proc. n.° 020/03, de 11/5/2005 - Proc. n.° 02004/02, de 29/6/2005 - Proc. n.° 01954/02, de 4/10/2005 - Proc. n.° 01985/02, de 21/3/2006 (Pleno) - Proc. n.° 020/03, de 4/5/2006 (Pleno) - Proc. n.° 02014/02, de 23/1/2007 (Pleno) - Proc. n.° 0300/03 e de 29/3/2007 (Pleno) - Proc. n.° 02004/02) e que esta formação tem entendido que as inconstitucionalidades não constituem objecto próprio da revista por poderem ser colocadas separadamente junto do Tribunal Constitucional (cf., entre muitos, os recentes Acs. de 7/12/2023 - Proc. n.° 1065/22.0BESNT e de 1/2/2024 - Proc. n.° 2278/23.2BELSB).
Finalmente, importa atentar que, num sistema onde a redução a dois graus de jurisdição é a regra, para a admissão da revista “não basta a plausibilidade do erro de julgamento, exigindo-se “que essa necessidade seja clara, por se surpreender na decisão a rever erros lógicos em pontos cruciais do raciocínio, desvios manifestos aos padrões estabelecidos de hermenêutica jurídica ou indícios de violação de princípios fundamentais de tal modo que seja evidente a intervenção do órgão de cúpula da jurisdição” (cf. Ac. desta formação de 9/9/2015 — Proc. n.° 0848/15). Ora, o acórdão recorrido, ao julgar improcedente o vício de usurpação de poderes e ao afirmar a autonomia da ordem de reposição da quantia de € 2.413.770,33, não só não incorreu nesse erro como parece ter decidido acertadamente.
Assim, deve prevalecer a regra da excepcional idade da admissão da revista.

4. Pelo exposto, acordam em não admitir a revista.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 21 de fevereiro de 2024. – Fonseca da Paz (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso.