Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0852/17.5BESNT
Data do Acordão:02/20/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
ADMISSÃO
Sumário:I - O recurso de revista excepcional previsto no artigo 150º do CPTA não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas “como uma válvula de segurança do sistema”, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
II - Dada a relevância social fundamental da questão, justifica-se a admissão de revista excepcional sobre a questão de saber se a arguição da invalidade da venda em execução fiscal de um imóvel que constitua a casa de morada de família do executado ou do seu agregado familiar, em violação do disposto no n.º 2 do artigo 244.º do CPPT (na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 13/2016, de 23/05), está ou não sujeita ao regime de “anulação da venda” previsto no artigo 257.º do CPPT, máxime aos prazos aí fixados.
Nº Convencional:JSTA000P24238
Nº do Documento:SA2201902200852/17
Data de Entrada:11/12/2018
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A Autoridade Tributária e Aduaneira – AT, vem, nos termos do disposto nos artigos 141.º, 144.º e 150.º do CPTA, interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 21 de Junho de 2018, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgara totalmente procedente a reclamação judicial deduzida por A…………., com os sinais dos autos, do indeferimento do pedido de anulação da venda executiva realizada no âmbito da execução fiscal n.º 3131-2008/106149.6 e apensos, que corre termos no 1.º Serviço de Finanças da Amadora.
A recorrente conclui a sua alegação de recurso nos seguintes termos:
a) As questões que se pretendem ver melhor analisadas pelo tribunal “ad quem” no presente recurso, são, por um lado: a de saber se o ato correspondente à venda é um ato materialmente administrativo ou um puro ato trâmite da execução fiscal, e
Por outro lado:
b) A de saber qual a lei aplicável ao caso concreto, se o regime da invalidade dos atos administrativos previsto nos arts. 161.º e 162.º do CPA ou se o disposto no art. 257.º, n.º 1 al. c) do CPPT;
c) No acórdão recorrido entendeu-se que o ato de venda do imóvel é um ato materialmente administrativo e, como tal, suscetível de ser declarado nulo ao abrigo dos arts. 161.º e 162.º do CPA, sendo, tal vício no entendimento que obteve vencimento no acórdão, invocado a todo o tempo;
d) Entendendo-se assim que (no acórdão recorrido), in casu, não se aplica o disposto no art. 257.º, n.º 1 do CPPT;
e) Já para a FP o acórdão recorrido incorreu em erro de interpretação e subsunção dos factos e do direito – em clara violação de lei substantiva -, o que afeta e vicia a decisão proferida, tanto mais que assentou e foi fruto, de um desacerto ou de um equívoco;
f) Assim, entendemos que o acórdão recorrido não deve manter-se, sendo, a admissão deste recurso de revista, claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;
g) In casu, o presente recurso é absolutamente necessário para uma melhor aplicação do direito, uma vez que, o acórdão aqui em crise incorre em erro de interpretação, sendo certo que, o erro de julgamento é gerador da violação de lei substantiva;
h) Desta forma, a necessidade de uma melhor aplicação do direito justifica-se, porquanto, em face das características do caso concreto, existe a possibilidade de este ser visto como um caso-tipo, não só porque contem uma questão bem caracterizada e passível se se repetir no futuro, como a decisão da questão se revela ostensivamente errada, juridicamente insustentável ou suscita fundadas dúvidas, o que gera incerteza e instabilidade na resolução dos litígios, sendo, assim, fundamental, a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema, como condição para dissipar dúvidas;
Vejamos:
i) Em primeiro lugar e contrariamente ao entendimento sufragado neste acórdão, entende, a FP, que o ato correspondente à venda não é um ato meramente administrativo. É, sim, à semelhança de outros atos praticados na execução fiscal, um ato de tramitação da execução fiscal não incluído no âmbito do art. 148.º do CPA (anterior art. 120.º do CPA);
j) É também este o entendimento da jurisprudência e da doutrina dominante;
k) Neste sentido, entre muitos outros, o acórdão do STA de 26/05/2010, exarado no processo n.º 0343/10, prevê que:
“Ora, em rigor, o acto em causa não se trata de um acto administrativo verdadeiro e próprio.
Pelo contrário, tal acto, como, de resto, outros proferidos pelo órgão de execução fiscal, designadamente, aquele em que se ordena a instauração da execução, a citação dos executados, a penhora dos bens, a venda dos bens penhorados, a anulação da venda, a anulação da dívida e a extinção da execução, ainda que sob controlo jurisdicional pela via da reclamação para o juiz competente, não serão mais que puros actos de trâmite, de tramitação da execução fiscal, não incluídos consequentemente no âmbito do artigo 120.º do CPA.” (negritos nossos);
l) Também no acórdão do STA de 08/08/2012 (exarado no processo n.º 0803/12) que, apelando à doutrina de Lima Guerreiro, se entendeu que:
“Por isso mesmo, concorda-se inteiramente como o comentário que Lima Guerreiro faz ao artigo 103° da LGT, defendendo que «o processo de execução fiscal não tem, segundo o que a norma do número 1 expressamente declara, natureza meramente administrativa ou mesmo mista, mas é unitária e integralmente um processo judicial. Essa natureza integralmente judicial do processo não prejudica, no entanto, a participação dos órgãos da administração tributária nos actos sem natureza materialmente jurisdicional, ou seja, na prática dos chamados actos materialmente administrativos da execução fiscal. Não é, pois, cindível o processo de execução em uma fase formalmente administrativa e outra administrativa judicial. Ele é unitariamente um processo de natureza judicial» (cfr. Lei Geral Tributária – Anotada – Editora, Rei dos Livros, 2000, pág. 421 e 422).
m) Em segundo lugar, não pode, a FP, conformar-se com a aplicação – a um pedido de anulação da venda – do regime da invalidade dos atos administrativos/nulidade, previsto nos art.s 161.º e 162.º do CPA;
n) Desta forma não poderá – como decidido no acórdão recorrido – ser pedida a declaração de nulidade da venda a todo o tempo;
o) Os prazos para pedir a anulação da venda judicial encontram-se previstos no artigo 257.º CPPT, bem como, nos artigos 838.º e 839.º do Código de Processo Civil (CPC), in casu, o pedido de anulação da venda será suscetível de integrar a previsão da alínea c) do n.º 1 do artigo 257.º do CPPT;
p) Nestes termos, o requerimento de anulação da venda teria de ser apresentado no prazo de 15 dias a contar da data da venda (art. 257.º n.º 1 al. c) e n.º 2 do CPPT), uma vez que, como o próprio reclamante reconhece, este foi legal e devidamente notificado para aquele efeito;
q) Neste sentido veja-se, entre muitos, o acórdão do TCA Norte de 12-04-2013, exarado no processo n.º 00653/11.4BEPRT, que, no seu sumário, explica que:
“1 - Nas situações de anulação da venda derivada de nulidades processuais cometidas no processo de execução fiscal, o prazo para requerer a anulação da venda é de quinze dias – alínea c) do n.º 1 do artigo 909.º do Código de Processo Civil e alínea c) do n.º 1 do artigo 257.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.” (o art. 909.º do CPC corresponde ao actual art. 839.º do mesmo código);
r) Em suma e salvo devido respeito, poderemos afirmar que o acórdão recorrido incorreu em erro de interpretação e subsunção dos factos e do direito, em clara violação de lei substantiva, tanto mais que assentou e foi fruto de um desacerto ou de um equívoco, razão pela qual, no nosso entendimento, não deve manter-se, sendo, o presente recurso, absolutamente necessário para uma melhor aplicação do direito.
Por todo o exposto, e o mais que o venerando tribunal suprirá, deve o presente recurso de revista ser admitido e, analisado o mérito ser dado provimento ao mesmo, revogando-se, em conformidade, o acórdão recorrido, com todas as legais consequências, assim se cumprido, por VOSSAS EXCELÊNCIAS, com o DIREITO e a JUSTIÇA!

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o douto parecer de fls. 307 a 309 dos autos, concluindo no sentido da não admissão da revista, por não verificação dos respectivos pressupostos, mas que deve ser admitido o recurso por oposição de julgados também interposto pela recorrente.


Colhidos os vistos legais, cumpre decidir da admissibilidade do recurso.
- Fundamentação -

4 – Matéria de facto
É do seguinte teor o probatório fixado no acórdão recorrido:
1 – No dia 25 de Julho de 2005, o reclamante, A………., e B……….., à data casados no regime de comunhão de adquiridos, adquiriram “a fracção autónoma designada pela letra “O”, correspondente ao …………, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal pela inscrição “F-dois”, sito na Rua ………, números ……..., ………, freguesia da Falagueira – Venda Nova, concelho da Amadora, descrito na Primeira Conservatória do registo Predial de Amadora sob o número cento e noventa (cfr. documento junto a fls. 14 a 20 dos presentes autos);
2 – Na escritura pública de compra e venda, mútuo com hipoteca e fiança, do imóvel identificado no número anterior, o reclamante e B…………. declararam que o referido imóvel seria destinado a sua habitação própria e permanente (cfr. documento junto a fls.14 a 20 dos presentes autos);
3 – Em 1 de Junho de 2008, o 1°. Serviço de Finanças de Amadora autuou o processo de execução fiscal n.º 3131-2008/106149.6 contra B…………., para cobrança coerciva de dívida de Imposto Municipal sobre os Imóveis, no valor de € 143,43 (cfr. documentos juntos a fls.1 e 2 do processo de execução fiscal apenso);
4 – No dia 6 de Junho de 2014, foi registada, na Conservatória do Registo Predial de Amadora, a penhora do imóvel identificado no nº.1 supra, para garantia da quantia exequenda de € 871,13, no processo de execução fiscal n.º 3131-2008/106149.6, na sequência da AP. 3312 com a mesma data (cfr. documento junto a fls.11 a 13 do processo de execução fiscal apenso);
5 – Na caderneta predial urbana do imóvel identificado no nº.1 supra, impressa no dia 6 de Outubro de 2014 pelo 1°. Serviço de Finanças de Amadora, pode ler-se que, naquela data, o prédio estava inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Mina de Água, concelho de Amadora, sob o artigo 4485, com o valor patrimonial, para efeitos de Imposto Municipal sobre os Imóveis, de € 59.521,38, e com os titulares, em partes iguais, A………… (ora reclamante), com morada na Rua ……….., n.º…….. - ………, na Amadora, e B……….. com morada em ………, n.º……… - …….., …………, em Agualva, Cacém (cfr. documento junto a fls.18 e verso do processo de execução fiscal apenso);
6 – No dia 10 de Setembro de 2015, o Conservador da Conservatória do Registo Civil de Amadora proferiu decisão no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento n.º 4104/2015, requerido por B………. e o reclamante, decretando o divórcio por mútuo consentimento e declarando dissolvido o seu casamento (cfr. documentos juntos a fls.23 a 25-verso do processo administrativo de anulação de venda apenso);
7 – Na decisão identificada no número anterior, foi homologado acordo sobre o destino da casa de morada de família, no qual se pode ler que B….….. e o reclamante, "[c]om vista ao divórcio por mútuo consentimento, acordam em que o direito à habitação da casa de morada de família, sita à Rua ….…., n.º …… - ……….., ………., Amadora, que é propriedade de ambos, ficará atribuído ao cônjuge marido, A……….., que está a viver com os filhos” (cfr. documentos juntos a fls. 23 a 25-verso do processo administrativo de anulação de venda apenso),
8 – Em 7 de Dezembro de 2015 o 1.º Serviço de Finanças de Amadora elaborou o ofício n.º 008169, dirigido ao reclamante, no qual se pode ler o seguinte (cfr. documento junto a fls.22 do processo de execução fiscal apenso):
"(...)
Fica V. Exa. por este meio citado(a) nos termos do art.0 220° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), para no prazo de 30 (trinta) dias a contar da assinatura do aviso de recepção, requerer, querendo, a separação judicial de bens, ou juntar certidão comprovativa de a ter já requerido, para efeitos do disposto no art.º 239º do CPPT e n.º 1 do art.º 740° do Código de Processo Civil, sob pena de a execução prosseguir com a venda dos bens penhorados a B………., executado no processo de execução fiscal n.º 3131200801061496 e apensos, instaurado por dívidas de IMI, na quantia de € 598,60 (quantia exequenda) acrescida de juros de mora e custas processuais.
Bem penhorado:
Fracção autónoma designada pela letra "O", afecta a habitação, com a tipologia/divisões: T2, com a área bruta privativa de 72, 1000 m2, área bruta dependente de 3,51000 m2, a que corresponde o …….. do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ………, n.º …………., inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Mina de Água, concelho de Amadora, sob o art.º 4485 e descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Amadora, pela ficha n.º 190/19860407 - O (...)"
9 – O ofício identificado no número anterior foi remetido ao reclamante para a Rua ……….., n.º …….. - ……….., na Amadora, e foi por aquele recebido no dia 10 de Dezembro de 2015 (cfr. documentos juntos a fls.22 e 23 do processo de execução fiscal apenso);
10 – No dia 14 de Dezembro de 2015, B………… foi notificada da penhora do imóvel identificado no nº.1 supra e que ficava nomeada fiel depositária do mesmo (cfr. documentos juntos a fls.20 e 21 do processo de execução fiscal apenso);
11 – Por despacho de 25 de Fevereiro de 2016 da Chefe do 1°. Serviço de Finanças de Amadora, foi determinado proceder-se à venda, através da modalidade de leilão electrónico, do imóvel identificado no nº.1 supra e que o valor base a anunciar era de 42.602,43 (cfr. documento junto a fls.27 do processo de execução fiscal apenso);
12 – No dia 26 de Fevereiro de 2016 foi elaborado edital para a venda n.º 3131.2014.421 e convocação de credores, cuja cópia se encontra a fls. 28 do processo de execução fiscal apenso, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor;
13 – O 1.º Serviço de Finanças de Amadora elaborou o ofício n.º 001501, de 2 de Março de 2016, dirigido ao reclamante, no qual se pode ler que "[n]os termos do nº.1 do art.º 35º do Código do Procedimento e Processo Tributário, fica V. Exa. notificado de que foi proferido despacho pela Chefe de Finanças, designando a venda por leilão electrónico, no próximo dia 02 de Junho de 2016, pelas 10h45m, do bem penhorado no processo executivo n.º 3131200801061496 e apensos, identificado no edital cuja cópia se junta" (cfr. documento junto a fls.30 do processo de execução fiscal apenso);
14 – O ofício identificado no número anterior foi remetido ao reclamante para a Rua ……….., n.º ………. - ……….., Amadora, por carta com o registo postal RF 1738 3838 O PT (cfr. documento junto a fls.30 do processo de execução fiscal apenso);
15 – O reclamante recebeu, em data que não é possível precisar, o ofício identificado no nº. 14 (cfr. factualidade admitida pelo reclamante no artº.7 do articulado inicial);
16 – No dia 11 de Março de 2016, foi afixado o edital identificado no nº.12, na entrada do 1°. Serviço de Finanças de Amadora e à porta da entrada do imóvel a vender (cfr. documento junto a fls.85 do processo administrativo de anulação de venda apenso);
17 – No dia 15 de Março de 2016, B………. efectuou o pagamento do montante de € 102,00 no âmbito do processo de execução fiscal n.03131-2008/106149.6 (cfr. documentos juntos a fls.29 e 30 do processo administrativo de anulação de venda apenso);
18 – No dia 27 de Maio de 2016, foi suspensa a venda n.º 3131.2014.421, devido à entrada em vigor da Lei n.º 13/2016, de 23 de Maio (cfr. documento junto a fls.86 do processo administrativo de anulação de venda apenso);
19 – No dia 31 de Maio de 2016, foi proferido despacho da Chefe de Finanças, em regime de substituição, do 1°. Serviço de Finanças de Amadora no sentido de que "[v]erificando-se que o imóvel objecto da venda, não se encontra no âmbito de abrangência da Lei n.º 13/2016, ative-se a venda com vista à sua concretização" (cfr. documento junto a fls.86 do processo administrativo de anulação de venda apenso);
20 – No dia 8 de Agosto de 2016, o 1°. Serviço de Finanças de Amadora emitiu auto de adjudicação do imóvel identificado no nº.1 ao Banco Comercial Português, S.A. (cfr. documento junto a fls.93 e verso do processo administrativo de anulação de venda apenso);
21- No dia 7 de Outubro de 2016, B……………… foi notificada através do ofício n.º 005832, datado de 4 de Outubro de 2016, na qualidade de fiel depositária, para no prazo de quinze dias desocupar e entregar as chaves do imóvel identificado no nº.1 (cfr. documentos juntos a fls.95 e verso do processo administrativo de anulação de venda apenso);
22 – Por carta datada de 8 de Novembro de 2016, o reclamante dirigiu ao 1º. Serviço de Finanças de Amadora um pedido de prorrogação de prazo de entrega do imóvel identificado no nº.1 por "a fracção autónoma que foi adjudicada ao Banco Comercial Português, S.A. na venda judicial n.º 3131.2014.421, constitui casa de morada de família, tendo sido objecto de acordo sobre o direito à habitação da casa de morada de família, entre o requerente e a executada. No imóvel em crise habita o requerente com os filhos menores, de idades compreendidas entre os 8 meses e os 16 anos, não se mostrando o prazo concedido por V. Exas. suficiente para o realojamento do agregado familiar" (cfr. documento junto a fls.32 do processo administrativo de anulação de venda apenso);
23 – No dia 24 de Novembro de 2016, C……….., na qualidade de mandatária do reclamante, enviou correio electrónico à Direção de Finanças de Lisboa, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3131-2008/106149.6, no qual se pode ler que o signatário "envia requerimento para anulação de venda da sua casa de morada de família, NOS TERMOS DO ARTIGO 257.º DO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO" e "junta: peça processual e sete documentos" (cfr. documentos juntos a fls.2 a 32 do processo administrativo de anulação de venda apenso);
24 – No requerimento identificado no número anterior, o reclamante pediu a anulação da venda n.º 3131.2014.421 e a suspensão do processo de execução fiscal n.º3131- 2008/106149.6, baseando-se no artº.244, nº.2, do C.P.P.T., na redacção introduzida pela Lei 13/2016, de 23/05, tudo conforme articulado junto a fls.4 a 9 do processo administrativo de anulação de venda apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
25 – No dia 31 de Janeiro de 2017, foi elaborada a Informação n.º 23/2017, por ……………, técnica da Direcção de Finanças de Lisboa, tendo por assunto a "Anulação de Venda n.º 3131.2014.421 ", na qual se conclui que o pedido formulado se mostra intempestivo, assim devendo ser indeferido, mais se mantendo a venda válida e eficaz nos seus precisos termos, tudo conforme documento junto a fls.107 a 113 do processo administrativo de anulação de venda apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
26 – No dia 6 de Fevereiro de 2017, a Chefe de Divisão de Gestão da Dívida Executiva, no uso da delegação de competências, proferiu despacho de concordância, face aos fundamentos da informação identificada no número anterior e parecer prestado, indeferiu o pedido de anulação de venda (cfr. documento junto a fls. 107 a 113 do processo administrativo de anulação de venda apenso);
27 – No dia 13 de Fevereiro de 2017, o reclamante foi notificado do despacho identificado no número anterior, através do ofício n.º 000615, de 10 de Fevereiro de 2017, remetido pela Adjunta da Chefe do 1°. Serviço de Finanças de Amadora, actuando em delegação de competências (cfr. documentos juntos a fls.116 e 117 do processo administrativo de anulação de venda apenso);
28 – Pelo menos, no período entre o dia 25 de Julho de 2005 e o dia 2 de Março de 2016, o reclamante e os seus filhos residiam no imóvel identificado no nº.1 supra (cfr. documento junto a fls.14 a 20 dos presentes autos; documentos juntos a fls.18, 22, 23 e 30 do processo de execução fiscal apenso; documentos juntos a fls.4 a 9, 25 e 32 do processo administrativo de anulação de venda apenso).

5 - Apreciando.
5.1 Da admissibilidade do recurso
O presente recurso foi interposto e admitido para este STA como recurso de revista, havendo agora que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 5 do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
Dispõe o artigo 150.º do CPTA, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue mais adequado.
4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da secção de contencioso administrativo.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito preceito legal a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o recente Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».
A recorrente alega que a admissão do presente recurso se revela absolutamente necessário para uma melhor aplicação do direito, porquanto, em face das características do caso concreto, existe a possibilidade de este ser visto como um caso-tipo, não só porque contem uma questão bem caracterizada e passível se se repetir no futuro, como a decisão da questão se revela ostensivamente errada, juridicamente insustentável ou suscita fundadas dúvidas, o que gera incerteza e instabilidade na resolução dos litígios, sendo, assim, fundamental, a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema, como condição para dissipar dúvidas.
O acórdão negou provimento ao recurso interposto pela AT da sentença do TAF de Sintra que julgara procedente a reclamação judicial deduzida pelo ora recorrido do despacho de indeferimento -por intempestividade -, do pedido de anulação de venda por ele formulado ao órgão de execução fiscal, pedido este que tinha por fundamento a nulidade da venda decorrente da entrada em vigor da Lei n.º 13/2016, de 23 de Maio, que deu nova redacção aos artigos 219.º, n.º 2 e 244.º n.ºs 2, 4 e 5 do CPPT.
O TCA-Sul, no acórdão em causa nos presentes autos, confirmou o entendimento de 1.ª instância, julgando que o pedido de declaração de nulidade da venda, que não de mera anulação desta, por este concreto motivo, poderia ser apresentado a todo o tempo e pelo reclamante, com fundamento na alteração promovida pela Lei n.º 13/2016, de 23/05, ao art. 244.º n.º 2 do CPPT, desde que reunidos os pressupostos de tal regime de proibição de venda, pois viola o conteúdo fundamental do direito à habitação constitucionalmente protegido, não se lhe aplicando o disposto no art. 257.º, n.º 1 do CPPT, em especial os prazos nele contidos, uma vez que, como resulta da sua epígrafe, aquele preceito legal aplica-se tão-somente aos casos de “anulação da venda” – cfr. acórdão, a fls. 201 dos autos.
Invoca a recorrente que a posição perfilhada no acórdão sindicado, que sustenta o seu entendimento na qualificação da venda realizada em execução fiscal como “acto materialmente administrativo” e lhe aplica o regime dos actos nulos prevista no CPA ao invés do disposto no artigo 257.º do CPPT, para além de ostensivamente errada, é contrária à jurisprudência deste STA e do TCA-Norte.
Não perfilhamos tal entendimento.
O acórdão pode até ter incorrido em erro de julgamento, mas a posição que adopta nem é ostensivamente errada, nem juridicamente insustentável. Encontra-se sustentada, na lei e na doutrina, em termos com os quais se pode ou não concordar, mas que de todo não constituem um manifesto erro de julgamento
E no que respeita aos acórdãos deste STA e o do TCA-Norte invocados pela recorrente, alegadamente contrariados pelo entendimento adoptado no acórdão recorrido, cumpre observar que nenhum deles se pronunciou sobre o concreto motivo de invalidade da venda invocado pelo ora recorrido perante o órgão de execução fiscal, sendo, aliás, anteriores à Lei n.º 13/2016 de 23 de Maio - de protecção da casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal.
O que justifica a admissão da presente revista é, apenas e só, a relevância social fundamental da questão, em concreto, a de saber se a arguição da invalidade da venda em execução fiscal de um imóvel que constitua a casa de morada de família do executado ou do seu agregado familiar, em violação do disposto no n.º 2 do artigo 244.º do CPPT (na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 13/2016, de 23/05), está ou não sujeita ao regime de “anulação da venda” previsto no artigo 257.º do CPPT, máxime aos prazos aí fixados.
Trata-se de questão que, na medida em que contende com o regime processual aplicável a uma alteração legislativa relativamente recente – cuja introdução foi determinada por razões sociais ponderosas que o legislador quis acautelar –, reclama que sobre ela não pairem dúvidas, que possam prejudicar os direitos dos contribuintes e que sejam facilmente dissipáveis através da prolacção de Acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do STA que possa assumir-se como orientação jurisprudencial para casos futuros.

O recurso será, pois, admitido.

- Decisão -
6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se admitir o presente recurso de revista.

Custas a final.


Lisboa, 20 de Fevereiro de 2019. - Isabel Marques da Silva (relatora) – Dulce Neto - Ascensão Lopes.