Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:055/17
Data do Acordão:03/15/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:CONTRADITÓRIO
QUESTÃO PRÉVIA
AUDIÇÃO DA PARTE CONTRÁRIA
Sumário:Quando seja suscitada questão que obste ao conhecimento do mérito da acção no último articulado legalmente admissível, deve o juiz endereçar convite expresso à contraparte para que se pronuncie sobre tal questão, para que seja cumprido o contraditório.
Nº Convencional:JSTA000P21591
Nº do Documento:SA220170317055
Data de Entrada:01/19/2017
Recorrente:A........
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A………….., com sinais nos autos, inconformada, recorre da sentença proferida pelo TAF do Porto, datada de 25.11.2016, que absolveu a Fazenda Pública desta instância de Reclamação de actos do órgão de execução, por falta de interesse em agir da recorrente.

Concluiu, sintetizando as suas alegações nos seguintes termos:
i. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou a reclamação apresentada pela ora Recorrente contra o acto do Chefe de Finanças de Vila do Conde, de 25-08-2016, que lhe foi notificado em 30-08-2016, pelo qual decide que «Reanalisada a situação, admitindo-se que possa existir no despacho de reversão alguma deficiência formal de fundamentação e dado que é possível e a lei permite proferir um novo acto de reversão, expurgado dos vícios de forma, revogo a decisão proferida em 05-04-2016, que deu origem à oposição judicial n.º 1450/16.6BEPRT» (cfr. doc. n.º 1 da petição de reclamação), praticado no processo de execução fiscal n.º 1902201001038125 e apensos.
ii. É esta a sentença recorrida:
«No caso dos autos, é manifesto que a Reclamante nenhum interesse em agir tem.
Senão vejamos:
O órgão de execução fiscal decidiu reverter dívidas fiscais contra a Reclamante.
Após tal reversão e após ter sido de deduzida oposição judicial, o órgão de execução fiscal decidiu revogar o ato, considerando que o mesmo padece de falta de fundamentação.
Assim sendo, no rigor dos conceitos deixou pura e simplesmente de existir execução contra a Reclamante, pois o despacho de reversão é o que legitima a citação da Reclamante para os termos da execução.
[ ... ]
Ora, resulta dos factos provados que nenhuma tutela jurídica necessita a Reclamante pois tendo esta exercido o seu direito de deduzir oposição, viu administrativamente alcançada a sua pretensão e, assim sendo, foram apreciadas as suas razões as quais foram suficientes para que a sua pretensão fosse alcançada.
Cumpre ainda referir que a alegação a reclamante tinha direito a ver a procedência do pedido formulado, em primeiro lugar, com fundamentos nos vícios alegados cuja procedência determine a ais estável e eficaz tutela dos interesses ofendidos e não apena por vício de forma, não é aplicável à Administração Tributária.
Em face do exposto, julga-se procedente a invocada exceção de falta de interesse em agir.
III - Decisão
Atento o supra exposto, julgo verificada a exceção dilatória inominada, de falta de interesse em agir da Reclamante e, por conseguinte, absolvo da instância a Fazenda Pública, nos termos art. 576.º, n.º 2, do CPC [aplicável ex vi art. 2.º alínea e), do CPPT}.».
iii. São factos relevantes para a decisão:
a. A Reclamante foi citada, em 08-04-2016, pelo oficio n.º GPS 2016 5 000047192, para o processo de execução fiscal, por reversão contra esta operada por despacho de 05-04-2016, dado pelo Chefe do Serviço de Finanças de Vila do Conde, para cobrança coerciva da quantia de €93.381,83 (noventa e três mil trezentos e oitenta e um euros e oitenta e três cêntimos), originalmente instaurados contra a sociedade B……… LDA, com o NIF ……….. (cfr. doc. n.º 2 da petição e facto provado l.).
b. Por discordar do acto de reversão praticado e da responsabilização que ali lhe era atribuída por obrigações tributárias da devedora originária, a Reclamante apresentou, em 09-05-2016, oposição àquela reversão (cfr. doc. n.º 3 da petição e facto provado 4).
c. Em 30-08-2016, a Reclamante foi notificada, pelo ofício com o n.º 133264 de 26-08-2016, do despacho de 25-08-2016, ora reclamado, pelo qual aquele Chefe do Serviço de Finanças de Vila do Conde decide: «Reanalisada a situação, admitindo-se que possa existir no despacho de reversão alguma deficiência formal de fundamentação e dado que é possível e a lei permite proferir um novo acto de reversão, expurgado dos vícios de forma, revogo a decisão proferida em 05-04-2016, que deu origem à oposição judicial n.º 1450/16.6BEPRT» (cfr. doc. n.º 1 da petição e facto provado 6 e 7).
d. O que o órgão de execução fiscal praticou tal acto sem que tivesse analisado efectivamente todos o vícios invocados pela Reclamante contra o acto de reversão - contrariamente ao que se diz na sentença recorrida, desde logo, sem que tivesse analisado os vícios invocados quanto à falta dos pressupostos substanciais para a reversão (cfr. doc. n.º 1 da petição e factos provados 6 e 7).
e. A Reclamante reagir contra aquele acto de revogação da reversão com os fundamentos constante da petição - nomeadamente invocando também como fundamento a falta de verificação de pressupostos necessário à reversão (cfr. petição e facto provado 9).
iv. Fazenda Pública apresentou resposta quanto à reclamação, invocando nessa sede excepção inominada de alegada falta de interesse da Reclamante em agir em juízo e, sobre tal excepção não foi dada oportunidade à Reclamante de se pronunciar, sendo certo que é exactamente com base no julgamento da procedência de tal excepção que o Tribunal a quo proferiu a sentença recorrida.
v. Como se viu, o Tribunal a quo decidiu pela procedência de excepção invocada pela Fazenda Pública na resposta apresentada quanto à reclamação, sendo que a lei não permite articulado de resposta quanto à resposta à reclamação.
vi. Assim, o Tribunal não deu oportunidade à Reclamante de se pronunciar sobre tal excepção antes de ter proferido a sentença que assentou exactamente no julgamento da procedência daquela - quando a Recorrente não tinha ainda tido oportunidade processual de pronunciar quanto àquela.
vii. Assim, a sentença proferida constitui decisão absolutamente surpresa para a Reclamante, porquanto, não lhe foi dado possibilidade de se pronunciar quanto à matéria de excepção em que assentou a decisão recorrida.
viii. Estando em causa questão de direito sobre a qual a Reclamante não teve oportunidade de se pronunciar, não podia o Tribunal a quo ter proferido decisão sem antes ter chamado a Recorrente a pronunciar-se quanto a tal matéria, e isto sob pena de nulidade da decisão, por violação do princípio do contraditório.
ix. Prevê o art. 3.° do CPC, aplicável por remissão do art. 2.° e) do CPPT, quanto à «Necessidade do pedido e da contradição» que «3 - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.» (sic sublinhado e destaque nosso).
x. O Tribunal a quo não invocar sequer qualquer razão de facto ou direito que pudesse dispensar a necessidade de audição da Recorrente quanto à matéria que serviu de base à decisão recorrida.
xi. O Tribunal a quo não podia ter deixado de dar oportunidade às partes, concretamente à Recorrente, de se pronunciar quer sobre o referido despacho de revogação da reversão quer sobre a eventual inutilidade para a lide que daquele adviesse, sob pena de violação do apontado princípio do contraditório e, por consequência, da nulidade da decisão e, assim sendo, ao decidir como decidiu, incorreu em vício que determina a nulidade da sentença recorrida que, assim, não se pode manter na ordem jurídica.
SEM PRESCINDIR
xii. Prevê o art. 207.° n.º 1 do CPPT, quanto ao "Local da apresentação da petição da oposição à execução "que «1 - A petição inicial será apresentada no órgão da execução fiscal onde pender a execução.» e dispõe o art. 208.° do CPPT, sob a epígrafe "Autuação da petição e remessa ao tribunal" o seguinte:
«1- Autuada a petição, o órgão da execução fiscal remeterá, no prazo de 20 dias, o processo ao tribunal de 1.ª instância competente com as informações que reputar convenientes.
2- No referido prazo, salvo quando a lei atribua expressamente essa competência a outra entidade, o órgão da execução fiscal poderá pronunciar-se sobre o mérito da oposição e revogar o acto que lhe tenha dado fundamento.» (sublinhado e destaque nosso).
xiii. Como se viu, a Reclamante apresentou oposição à reversão em 09-05-2016 e o despacho que determina a sua revogação foi notificado à Reclamante em 30-08-2016 - isto é, muito mais de 20 dias depois de apresentada aquela oposição.
xiv. Com efeito, o órgão de execução fiscal entendeu determinar a revogação do despacho de reversão quando há muito se tinha já esgotado o prazo de que dispunha para aquele efeito, incorrendo, com a prática do acto reclamado no momento em que este foi praticado, em violação do disposto no art. 208.° do CPPT, a implicar a sua anulabilidade, com todas as consequência que daí advêm, não podendo, assim, o despacho de revogação manter-se na ordem jurídica.
xv. Invocado que estava tal vício na petição da reclamação em que foi proferida a sentença posta em crise, não podia o Tribunal a quo deixar de se pronunciar quanto ao mesmo.
xvi. Na sentença recorrida o Tribuna a quo nada diz quanto ao apontado vício do acto reclamado, e, ao assim proceder, incorreu o Tribunal a quo em vício de omissão de pronúncia, o que constitui nulidade que impede que a sentença recorrida se mantenha na ordem jurídica (art. 615.° n.º 1, d) e n.º 4 do CPC).
Sempre SEM PRESCINDIR
xvii. Como se viu, analisado o requerimento inicial de oposição à reversão, é manifesto que a Recorrente invocou naquela muito mais do que a mera falta de fundamentação formal do despacho de reversão atacado, pois que atacou aquele despacho de reversão invocando quanto ao mesmo vício de forma, mas, mais do que isso, invocou também contra aquele despacho de reversão e procedimento que lhe subjaz, vícios de fundo, materiais, nomeadamente invocando a falta de verificação de pressupostos factuais que legitimassem a sua prática.
xviii. Certo é que, no despacho de revogação reclamado, é manifesto que o que serviu de fundamento à revogação foi, meramente, o reconhecimento de que o despacho pretendido revogar padece de vício de forma correspondente a "falta de fundamentação formal": «Reanalisada a situação, admitindo-se que possa existir no despacho de reversão alguma deficiência formal de fundamentação e dado que é possível e a lei permite proferir um novo acto de reversão, expurgado dos vícios de forma, revogo a decisão proferida em 05-04-2016, que deu origem à oposição judicial n.º 1450/16.6BEPRT» (cfr. doc, n.º 1 da petição).
xix. Com efeito, ao acto de revogação reclamado subjaz apenas o reconhecimento de que foi violada a obrigação legal e constitucionalmente consagrada de fundamentação formal do acto, quando os vícios apontados pela Recorrente contra o acto de reversão pretendido revogar vão muito além da violação da obrigação de formal fundamentação do mesmo - nomeadamente pondo em causa a verificação dos pressupostos de facto e de direito para a operada reversão.
xx. Ora, assim sendo, como é, só no caso em que o Serviço de Finanças tenha reconhecido a falta de verificação dos pressupostos para a reversão (pronunciando-se quanto ao mérito da oposição em toda a sua extensão, como prevê o art. 208.° n.º 2 do CPPT, e, com tal fundamento revogasse o acto), é que teria dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do art. 208.° do CPPT - «2 - No referido prazo, salvo quando a lei atribua expressamente essa competência a outra entidade, o órgão da execução fiscal poderá pronunciar-se sobre o mérito da oposição e revogar o acto que lhe tenha dado fundamento.» (sic art. 208.° n.º 2 do CPPT, sublinhado e destaque nosso) - pelo que foi violado o disposto no art. 208.° n.º 2 do CPPT - como expressamente invocado na reclamação apresentada pela Recorrente.
xxi. O Tribunal a quo simplesmente desconsiderou o que a tal propósito foi invocado pela Recorrente, nada dizendo na sentença recorrida quanto à invocada violação pelo acto reclamado do disposto no art. 208.° do CPPT - matéria sobre a qual estava obrigado a pronunciar-se.
xxii. Ao assim decidir, incorreu o Tribunal a quo em novo vício de omissão de pronúncia, a implicar a nulidade da sentença recorrida (art. 615.° n.º 1, d) e n.º 4 do CPC), bem como incorreu, também, em vício de violação daquela norma do art. 208.° n.º 2 do CPPT, sempre a implicar a revogação da sentença recorrida (art. 639.° n.º 2 do CPC), que assim tem de ser substituída por outra que não padeça de tal vício.
Sempre SEM PRESCINDIR
xxiii. Nos termos em que o acto reclamado foi proferido, em que o que lhe subjaz é apenas o reconhecimento de que foi violada a obrigação legal e constitucionalmente consagrada de fundamentação formal do acto, quando, como se viu, e é reconhecido no próprio acto reclamado, os vícios apontados pela Recorrente contra o acto de reversão pretendido revogar vão muito além da violação da obrigação de formal fundamentação do mesmo - nomeadamente pondo em causa a verificação dos pressupostos de facto e de direito para a operada reversão -, o órgão de execução fiscal, no despacho reclamado terá sempre que conhecer de todos os vícios contra àquele invocados, pois que, só assim, a Recorrente teria visto os direitos que invocou em sede de oposição tutelados na sua extensão máxima, da forma mais estável e eficaz.
xxiv. Basta ver que se o Serviço de Finanças tivesse reconhecido a invocada falta de verificação dos pressupostos para a reversão, isto é, se tivesse conhecido dos argumentos de mérito invocados, em lugar de se ter quedado na análise de apenas um dos vícios formais apontados, não mais poderia ser repetido o despacho de reversão, quando, nos termos em que o Serviço de Finanças limitou a sua análise, nada impediria, em teoria, que o órgão de execução viesse, novamente, a proferir aquele acto - como, aliás, fez constar na decisão proferida e ora reclamada.
xxv. Prevê o art. 124.° do CPPT, n.º 2, a) e b) (aplicável à oposição segundo o art. 211.° n.º 1 do CPPT e ao processo de execução ao abrigo do art. 2.° a) do CPPT, bem como ao abrigo do art. 2.° b) da LGT), que o oponente tem direito a ver a procedência do pedido formulado, em primeira linha, com fundamento nos vícios cuja procedência determine a mais estável e eficaz tutela dos interesses ofendidos.
xxvi. Prevê, igualmente, o art. 56.° n.º 1 da LGT, que a Administração Tributária (AT) está obrigada a pronunciar-se sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam colocados pelo contribuinte, estando obrigada a proferir decisão que haverá de conhecer de tudo quanto seja por aquele invocado.
xxvii. Isto é: a Recorrente tem direito a que o Tribunal e, tanto por aplicação subsidiária como directamente ao abrigo das invocadas normas, também o órgão de execução fiscal, conheça de todos os vícios invocados contra a reversão que contra si foi operada a começar por aqueles cuja procedência tutele de modo mais estável e eficaz a sua posição jurídica, o que não ocorreu com o mero conhecimento da anulabilidade do despacho de reversão por falta de fundamentação formal.
xxviii. É este, aliás, o entendimento da nossa doutrina e jurisprudência:
«Trata-se, na verdade, de uma regra que só se pode justificar quando o reconhecimento da existência de um vício impeça definitivamente a renovação do acto, pois, se esta for possível em face do vício reconhecido, será necessário apreciar os restantes, uma vez que o conhecimento destes poderá levar à anulação com base num vício que impeça tal renovação.»
xxix. Na sentença recorrida, a tal propósito, pode ler-se apenas:
«Cumpre ainda referir que a alegação a reclamante tinha direito a ver a procedência do pedido formulado, em primeiro lugar, com fundamentos nos vícios alegados cuja procedência determine a mais estável e eficaz tutela dos interesses ofendidos e não apenas por vício de forma, não é aplicável à Administração Tributária.».
xxx. Como, assim sendo, o despacho reclamado violava o disposto no art. 124.° do CPPT, n.º 2 a) e b), aplicável à oposição segundo o art. 211.° n.º 1 do CPPT e, ao caso dos autos, pelo art. 2.° a) do CPPT, bem como pelo art. 2.° b) da LGT, mais violando o disposto no art. 56.° n.º 1 da LGT, tudo com idêntica consequência de anulabilidade do despacho reclamado, o Tribunal a quo, ao não reconhecer os apontados vícios ao acto reclamado, incorreu, desde logo, em violação também daquelas normas, a implicar a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que não padeça de tal vício.
xxxi. Além disso, o Tribunal a quo nada diz quanto aos fundamentos em que se baseou para concluir, como concluiu, que tal obrigação «não é aplicável à Administração Tributária.», o que constituiu nulidade da sentença recorrida, por vício de fundamentação (art. 615.° n.º 1 b) do CPC).
Sempre SEM PRESCINDIR
xxxii. O Tribunal a quo olvidou que o processo de execução fiscal é um processo de natureza judicial (art. 103.º n.º 1 da LGT), pelo que, também por isso, são aplicáveis aos actos praticados aí pelo órgão de execução fiscal, como o acto reclamado, as normas respeitantes aos actos jurisdicionais, do que resulta, também por isso, que o órgão de execução fiscal, na prática do acto reclamado, estava vinculado ao disposto no art. 124.° do CPPT, n.º 2 a) e b) , ex vi art. 211.°, n.º 1 do CPPT bem como art. 2.° a) do CPPT.
xxxiii. Assim sendo, o Tribunal a quo incorreu, ainda, em violação do disposto no art. 103.º n.º 2 da LGT, e arts. 124.° n.º 2 a) e b), 211.º n.º 1 e 2.° a) do CPPT, que implica a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que não padeça de tal vício.
Sempre SEM PRESCINDIR
xxxiv. A sentença recorrida julgou procedente a excepção de falta de interesse da Recorrente em agir, invocando como fundamentos para tal:
«Assim sendo, no rigor dos conceitos deixou pura e simplesmente de existir execução contra a Reclamante, pois o despacho de reversão é o que legitima a citação da Reclamante para os termos da execução.
[ ... ]
Ora, resulta dos (actos provados que nenhuma tutela jurídica necessita a Reclamante pois tendo esta exercido o seu direito de deduzir oposição, viu administrativamente alcançada a sua pretensão - assim sendo, foram apreciadas as suas razões as quais foram suficientes para que a sua pretensão fosse alcançada.
[ ... ]»
xxxv. Ora: nem a Recorrente «viu administrativamente alcançada a sua pretensão», nem «foram apreciadas as suas razões», pelo que não se verifica nenhum dos fundamentos invocados pelo Tribunal a quo para decidir como decidiu.
xxxvi. No despacho de revogação reclamado, é manifesto que o que serviu de fundamento à revogação foi, apenas, o reconhecimento de que o despacho pretendido revogar padece de vício de forma correspondente a "falta de fundamentação formal", quando os vícios apontados pela Recorrente contra o acto de reversão pretendido revogar vão muito além da violação da obrigação de formal fundamentação do mesmo - nomeadamente pondo em causa a verificação dos pressupostos de facto e de direito para a operada reversão - logo, a Recorrente não viu «apreciadas as suas razões».
xxxvii. É também manifesto que, a Recorrente não «viu administrativamente alcançada a sua pretensão», pois que o que pretendia era que não mais fosse possível a prática de acto de reversão contra si, razão pela qual invocou contra aquele vícios de falta de verificação dos pressupostos materiais para a sua prática.
xxxviii. Aliás, a Recorrente teve o cuidado de o dizer expressamente na reclamação, quando alega que é necessário o conhecimento de todos os vícios invocados contra o acto de reversão revogado, pois que só assim a Recorrente teria visto os direitos que invocou em sede de oposição tutelados na sua extensão máxima, da forma mais estável e eficaz, e quando alega que se o Serviço de Finanças tivesse reconhecido a invocada falta de verificação dos pressupostos para a reversão, isto é, se tivesse conhecido dos argumentos de mérito invocados, em lugar de se ter quedado na análise de apenas um dos vícios formais apontados, não mais poderia ser repetido o despacho de reversão, quando, nos termos em que o Serviço de Finanças limitou a sua análise, nada impediria, em teoria, que o órgão de execução viesse, novamente, a proferir aquele acto - como, aliás, fez constar na decisão proferida e ora reclamada.
xxxix. Assim sendo, como é, o Tribunal incorreu, desde logo, em erro de julgamento, a implicar a revogação da sentença recorrida que assim deverá ser substituída por outra que não padeça de tal vício, bem como incorreu em vício de fundamentação, com idênticas consequências.

Não foram apresentadas contra-alegações e o Ministério Público, junto deste Supremo tribunal, emitiu parecer no sentido da anulação da sentença e baixa dos autos para ampliação da matéria de facto.

Cumpre decidir.

Na decisão recorrida seleccionaram-se, com interesse, os seguintes factos:
1. O processo de execução fiscal nº 1902201001038125 e aps. foi instaurado contra a sociedade " B…………, Lda.", para cobrança de dívidas tributárias - por acordo entre as partes e informação de fls. 141 do processo físico;
2. A 05 de Abril de 2016 foi proferido despacho de reversão contra a Oponente - cfr. fls. 53 a 56 do processo fisco;
3. A reclamante foi citada a 08 de Abril de 2016 pelo oficio 20165000047192, por reversão, para proceder ao pagamento da quantia de € 93.381,83 - cfr. fls. 26 e 27 do processo físico, documento junto com a p.i.;
4. A Reclamante deduziu oposição à reversão a 09 de Maio de 2016 - cfr. fls. 58 a 112 do processo físico;
5. A oposição referida em 5) foi autuada no TAF do Porto sob o nº 1450/116.6BERPRT - consulta no SITAF e fls. 58 do processo físico;
6. Após análise, o representante da Fazenda Pública, propôs a revogação do despacho de reversão contra a aqui reclamante, ao que o Chefe de Serviço de Finanças, concordou revogando o ato por despacho de 25 de Agosto de 2016, o qual se considera aqui integralmente reproduzido - cfr. informação de fls. 141 e fls. 145 a 151 do processo físico;
7. Pelo ofício 133264 de 26 de Agosto de 2016 foi a reclamante notificada do despacho referido em 6 - cfr. fls. 152 e 152 verso do processo físico;
8. No processo referido em 4), foi proferida sentença a 13 de Setembro de 2016, a declarar a inutilidade superveniente da lide, atenta a revogação do despacho de reversão - consulta do SITAF e fls. que se ora se juntam ao processo - a qual foi objeto de recurso a 27 de Setembro de 2016 dirigido ao STA - consulta do SITAF e fls. que ora se juntam - o qual foi admitido por despacho de 13 de Outubro - consulta do SITAF e fls. que ora se juntam;
9. Os presentes autos deram entrada a 09 de Setembro de 2016, considerando-se aqui reproduzido todo o seu teor - cfr. fls. 7 do processo físico.
Nada mais se deu como provado.

Há que conhecer do recurso que nos vem dirigido.
A primeira questão que a recorrente coloca é a da violação do princípio do contraditório por não lhe ter sido permitido emitir pronúncia no que toca à excepção inominada de falta de interesse em agir, conclusões i a xi.
Esta questão é de conhecimento prioritário, sobre as restantes suscitadas no presente recurso, uma vez que se trata de uma nulidade processual cuja ocorrência se dá em momento anterior ao da prolação da sentença recorrida, tendo por isso influência directa na apreciação e decisão da causa, o que, caso se verifique, conduz à nulidade de todos os actos processuais praticados após o momento em que deveria ter ocorrido.
Na resposta apresentada pela Fazenda Pública foi suscitada a excepção da falta de interesse em agir e, em consequência, foi pedida a absolvição da instância.
É certo que tal resposta foi devidamente notificada à recorrente, cfr fls. 166 dos autos, mas como a mesma refere a tramitação deste tipo de processo não autoriza a apresentação de qualquer outro articulado a seguir à resposta, cfr. artigo 278º, n.º 2 do CPPT.
No entanto, não há dúvida que sendo suscitada uma excepção ou questão prévia, na resposta, que possa conduzir à extinção dos autos sem conhecimento do mérito da causa a parte reclamante tem, necessariamente, que ser ouvida quanto à mesma, ou seja, tem que lhe ser dada a oportunidade para se pronunciar quanto à mesma por força do princípio do contraditório consagrado nos artigos 113º, n.º 2 do CPPT e 3º do CPC.
Dispõe o artigo 113º, n.º 2 que, se o representante da Fazenda Pública suscitar questão que obste ao conhecimento do pedido, será ouvido o impugnante, por sua vez resulta daquele artigo 3º, n.ºs. 3 e 4: 3 - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem e 4 - Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.
Estando legalmente estabelecido como regra, em concretização do princípio de um processo equitativo, que as partes devem ser sempre ouvidas sobre as questões suscitadas ao longo do processo que possam ser determinantes para a decisão da causa e havendo processos que não admitem mais articulados além daqueles onde podem ser suscitadas tais questões, impõe-se ao juiz que quando tal aconteça enderece um convite expresso à parte cuja pretensão é afectada com a invocada excepção ou questão prévia para que se pronuncie expressamente sobre tal matéria.
Não sendo formulado tal convite, nem a parte se pronunciando de forma espontânea, ocorre uma omissão processual geradora de uma nulidade que inquina todos os subsequentes actos processuais determinando a sua anulação, cfr. artigo 98º, n.º 3 do CPPT.
Como no caso dos autos não foi endereçado tal convite à reclamante, nem a mesma se apresentou nos autos, de forma espontânea, a emitir pronúncia sobre a excepção da falta de interesse em agir e, por outro lado, não é certo que a audição da reclamante fosse desnecessária, temos que concluir que ocorreu uma nulidade processual que determina a anulação de todos os actos praticados no processo subsequentes à resposta apresentada pela Fazenda Pública.
Fica, assim, prejudicado o conhecimento de todas as restantes questões suscitadas neste recurso.

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, conceder provimento ao recurso e em consequência:
-anular todos os actos processuais subsequentes à resposta apresentada pela Fazenda Pública;
-ordenar a baixa dos autos ao Tribunal a quo para que seja dada oportunidade à recorrente para se pronunciar sobre a excepção suscitada na resposta da Fazenda Pública, seguindo posteriormente os autos a tramitação legalmente prevista.
Sem custas.
D.n.
Lisboa,15 de Março de 2017.- Aragão Seia (relator) – Isabel Marques da Silva – Pedro Delgado.