Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0855/11
Data do Acordão:11/23/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:IVA
CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
NULIDADE INSUPRÍVEL
DECISÃO DE APLICAÇÃO DE COIMA
Sumário:I – O requisito da decisão administrativa de aplicação de coima “descrição sumária dos factos” (artigo 79.º, n.º 1, alínea b), primeira parte, do RGIT) deve interpretar-se tendo presente o tipo legal de infracção no qual se prevê e pune a contra-ordenação imputada ao arguido, pois que os factos que importa descrever, embora sumariamente, na decisão de aplicação da coima serão precisamente os factos tipicamente ilícitos declarados puníveis pela norma fiscal punitiva aplicada.
II – O facto tipificado como contra-ordenação no n.º 2 do artigo 114.º do RGIT reporta-se à tipificação constante do n.º 1 do mesmo preceito legal, mas cometido de forma negligente, sendo seu pressuposto essencial a prévia dedução da prestação tributária não entregue.
III – Neste sentido, a falta de entrega da prestação tributária de IVA, não preenche o tipo legal de contra-ordenação acima referido, uma vez que no IVA a prestação a entregar não é a prestação tributária deduzida, mas sim a diferença positiva entre o imposto suportado pelo sujeito passivo e o imposto a cuja dedução tem direito.
Nº Convencional:JSTA00067269
Nº do Documento:SA2201111230855
Data de Entrada:09/27/2011
Recorrente:A..., SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PENAFIEL PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO
Legislação Nacional:RGIT01 ART11 A ART26 N4 ART63 N1 D ART79 N1 B ART114 N1 N2
CIVA84 ART2 N1 I J ART6 N8 N10 A N13 N16 N17 B N19 N22 ART19 N1 A B C D E N2 ART20 N1
Jurisprudência Internacional:AC STA PROC241/09 DE 2009/04/29
AC STA PROC540/09 DE 2009/09/16
AC STA PROC593/09 DE 2009/09/16
AC STA PROC85/10 DE 2010/04/21
AC STA PROC887/09 DE 2009/12/02
AC STA PROC624/09 DE 2009/11/25
AC STA PROC279/08 DE 2009/05/28
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA E OUTRO REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS ANOTADO PAG435
EMANUEL VIDAL IVA ANOTADO E COMENTADO 8ED PAG416
ALFREDO JOSE DE SOUSA E OUTRO CÓDIGO DE PROCESSO TRIBUTÁRIO COMENTADO E ANOTADO 3ED PAG456
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – Vem a A………. SA, recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel proferida nos autos de recurso de contra-ordenação n° 0060201006004741, decisão essa que julgou improcedente o recurso por si interposto, nos termos do art. 80° do RGIT, da decisão do Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Castelo de Paiva, que lhe aplicou a coima de € 4.449,00.
Termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
«1. O presente recurso visa obter a revogação da douta sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que não concedeu provimento ao recurso que, nos termos do art. 80° do RGIT, a ora recorrente interpôs no sentido de ser revogado a decisão do Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Castelo de Paiva, que lhe aplicou a coima de € 4.449,00 no processo de contra-ordenação n° 0060201006004741.
Com efeito:
2. Ao contrário do que entendeu a douta sentença recorrida, a referida decisão de aplicação de coima é nula, dado que não observa o disposto no art. 79° do RGIT.
3. Na verdade, a dita decisão:
i. não descreve, de forma concreta e rigorosa, ainda que sumariamente, os factos que a arguida, ora recorrente, por acção e ou por omissão, terá praticado, designadamente, em termos de modo, tempo e lugar;
ii. não refere com clareza os preceitos legais que rigorosa e correspondentemente prevêem e punem esses eventuais factos;
iii. não atende à situação económica e financeira da ora recorrente, visto que nada de concreto menciona a esse respeito;
iv. para além do carácter vago e genérico do termo, nada indica que permita concluir que a "Frequência da prática" de infracções pela recorrente é "Acidental";
v. também não indica porquê e como foi apurado o valor de € 4.449,00 correspondente à coima aplicada.
4. Assim, deve ser declarada a nulidade da decisão recorrida, com as legais consequências.
5. A douta sentença recorrida violou, entre outros, o disposto no art. 79° do Regime Geral das Infracções Tributárias»
A Fazenda Pública não contra-alegou.
Neste Supremo Tribunal Administrativo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso (cf. fls. 86 e segs), propondo, no entanto, a alteração da medida da coima com a seguinte fundamentação:
«a) o art.25° RGIT (redacção originária) estabelecia o cúmulo material das sanções aplicadas, em caso de concurso de contra-ordenações
b) a redacção da norma conferida pelo art.113° Lei n° 64-A/2008, 31 Dezembro (Lei OGE 2009) tornou imperativa a aplicação de coima única em cúmulo jurídico, com limite máximo e mínimo definidos por critérios precisos.
c) a redacção posterior da norma é aplicável a infracções praticadas antes do início da sua vigência, por força da aplicação retroactiva da lei penal mais favorável ao arguido, com expressa consagração na CRP e no CPenal, igualmente aplicável no domínio contra-ordenacional por expressa remissão legal (art.29° CRP; art.2° nº4 CPenal/art.32° RGCO aprovado pelo DL n° 433/82, 27 Outubro/art.3° al.b) RGIT)
d) a débil situação económica e financeira da infractora e a prática acidental da infracção, com relevância na graduação da coima, justificam a aplicação de coima única
situada no mínimo da moldura legal, equivalente à mais elevada das coimas individuais aplicadas ao concurso de infracções, no caso concreto correspondendo a 4 389,00 (arts. 25° nº 3 e 27° nº1 RGIT)
3 No caso em apreço não está em causa a subsunção dos factos imputados à arguida à previsão do art.114° nº 2 RGIT, porquanto não é alegado nem resulta provado que não tenha havido recebimento do imposto pelo sujeito passivo antes da entrega da declaração periódica à administração tributária (cf. acórdão STA-SCT 28.05.2008 processo n° 279/08 e posterior jurisprudência alinhada)
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser revogada e substituída por acórdão condenatório da arguida na coima única de € 4 389,00».
II. Colhidos os vistos dos Exmos. Adjuntos, cumpre decidir
1. Em sede factual apurou-se na primeira instância a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão da causa: «A decisão recorrida consta de fls. 13 a 16 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido».
Em tal decisão, na parte relevante para a decisão do Recurso, lê-se:
«Descrição Sumária dos Factos
Ao (À) arguido(a) foi levantado Auto de Noticia pelos seguintes factos: Aos dez dias do mês de Dezembro do ano de dois mil e dez, encontrando-me eu B………., Inspector Tributário Nível II, em serviço na Direcção de Finanças de Aveiro, na Divisão de Inspecção Tributária no exercício das minhas funções, verifiquei directa e pessoalmente, em resultado da acção de inspecção externa efectuada no âmbito da ordem de serviço 01201002297. de âmbito parcial (RB IVA 0703T), cujos actos de inspecção decorreram de 2010-09-06 a 2010-11-11, abrangendo a análise do pedido de reembolso de IVA apresentado no 1° trimestre de 2007. levada a efeito ao sujeito passivo A………., SA. contribuinte nº …, com domicilio fiscal em … … Castelo de Paiva, pertencente à área da Serviço de Finanças de Castelo de Paiva (0060), registado para efeitos de IVA no regime normal de periodicidade trimestral para o exercício da actividade de Turismo no Espaço Rural, CAE 55202, e tributado em IRC pelo regime geral de acordo com o Relatório de Inspecção Tributária elaborado em conformidade com o artigo 62" do Regime Complementar do Procedimento da inspecção Tributária, realizado nesta data e que se encontra arquivado nesta Direcção de Finanças, o seguinte: O pedido de reembolso de IVA solicitado com a declaração periódica de IVA referente ao 1º trimestre de 2007, no valor de 102.859,98, respeita ao acumular de sucessivos créditos de IVA e ao reporte desses créditos pelo menos desde o ano 2000.: Por se tratar de uma situação de reporte, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito, conforme dispõe o artigo 45º da Lei Geral Tributária, ou seja, no caso vertente, a declaração de IVA submetida para o período de 0703T.; No âmbito da análise efectuada apurou-se que o sujeito passivo deduziu IVA suportado em aquisição de serviços (estudos e projectos), para desafectação de parte do terreno e posterior loteamento, operação de índole urbanística e isenta de imposto, conforme artigo 9,° do Código do IVA; Assim sendo, é indevida a dedução de imposto no valor de 19.950,00 efectuada na declaração periódica de IVA relativa ao período de 0612T.; Sem prejuízo do exposto, foram ainda apuradas deduções indevidas de IVA relativas aos mesmos estudos e projectos, nos períodos e valores seguintes: 0303T(1,900,00); 0306T (4.750,00); 0409T (19.000.00) e 0512T (19,950,00), as quais não são objecto de procedimento contra-ordenacional dado que as infracções se encontrarão prescritas.: Nos períodos de 0609T e 0612T, deduziu ainda IVA nos valores de 12,87 e 7,50, respectivamente, os quais não haviam sido repercutidos pelo fornecedor, dado que se encontra no regime de isenção previsto no artigo 53º do Código do IVA; As correcções relativas às deduções indevidas foram levadas a efeito na declaração periódica de IVA do 0703T, e ascendem a um total de 65.570,37 .: No quadriénio 2005/2008 o Conselho de Administração da A………. era formado por: C……….., NIF … (Presidente); D………., ….; E……….. NIF ….; F………., …; e G……….., NIF …; Em Janeiro de 2010 renunciaram aos cargos C………., e F………., tendo assumido a presidência do Conselho de Administração D………., os quais se dão como provados»
Normas Infringidas e Punitivas
Os factos relatados constituem violação do(s) artigo(s) abaixo indicado(s), punidos pelo(s) artigo(s) do RGIT referidos no quadro, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 05/07, constituindo contra-ordenação(ões).

Normas Infringidas Artº 19° nºs 1 e 2 (T) CIVA -Dedução indevida de imposto Normas punitivas Artigo 114º nº 2 e 26° nº 4 RGIT - Falta de entrega da prestação tributária
Período Tributação 200609T Data da Infracção - 2006-11-15
Normas Infringidas Artº 19° nºs 1 e 2 (T) CIVA - Dedução indevida de imposto Normas punitivas Artigo 114º nº 2 e 26° nº 4 RGIT- Falta de entrega da prestação tributária
Período Tributação 200612T Data da Infracção 2007-02-15
Normas Infringidas Artº 20º nº 1 (T) CIVA - Dedução de Imposto em bens/serviços não utilizados pelo S.P. para realiz. das operações previstas neste artigo
Normas punitivas Artigo 114º nº 2 e 26° nº 4 RGIT- Falta de entrega da prestação tributária
Período Tributação 200612T
Data da Infracção 2007-02-15

Responsabilidade contra-ordenacional A responsabilidade própria do(s) arguido(s) deriva do Art. 7º do Dec-Lei N.° 433/82, de 27/10, aplicável por força do Art. 3º do RGIT, concluindo-se dos autos a prática, pelo(s) arguido(s) e como autor(es) material(ais) da(s) contra-ordenação(ões) identificada(s) supra.
Medida da Coima
Em abstracto, a medida da coima aplicável ao(s) arguido(s) em relação à(s) contra-ordenação(ões) praticada(s) tem como limite mínimo o valor de Eur. 4.389,00 e limite máximo o montante de Eur. 4.449,00, dado tratar(em)-se de pessoa(s) colectiva(s).
Para fixação da coima em concreto deve ter-se em conta a gravidade objectiva e subjectiva da(s) contra-ordenação(ões) praticada(s) para tanto importa ter presente e considerar o seguinte quadro (Art. 27º do RGIT):

Requisitos / Contribuintes
(…)
Actos de Ocultação ---------------------------------- Não
Benefício Económico -------------------------------- 0,00
Frequência da prática ------------------------------- Acidental
Negligência ------------------------------------------- Simples
Obrigação de não cometer a infracção ------------- Não
Situação Económica e Financeira ------------------ Baixa ~
Tempo decorrido desde a prática da infracção --- > 6 meses
(…)”
DESPACHO:
Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no Artº 79.° do RGIT aplico ao arguido a coima de Eur. 4.449,00 cominada no(s) Artº(s) 114.° n.º 2 e 26.° n.º 4º, do RGIT, com respeito pelos limites do Artº, 26.° do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas(eur.51,00) nos termos do n.° 2 do Dec-Lei n.º 29/98 de 11 de Fevereiro. (cfr. fls. 12 e 14).
2. A questão objecto do presente recurso consiste em saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento ao considerar não verificada a nulidade da decisão administrativa de aplicação da coima por violação do disposto no art. 79°, nº 1, als. b) e c) do RGIT.
Entendeu a sentença recorrida que não se verifica nulidade da decisão administrativa quer por falta de descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas, quer por falta de indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima.
Não conformada com tal decisão alega a recorrente, em primeiro lugar, que a decisão do Senhor Chefe do Serviço de Finanças não descreve, de forma concreta e rigorosa, ainda que sumariamente, os factos que a arguida, ora recorrente, por acção e ou por omissão, terá praticado, designadamente, em termos de modo, tempo e lugar e não refere com clareza os preceitos legais que rigorosa e correspondentemente prevêem e punem esses eventuais factos.
Vejamos pois.
Dispõe o art. 79 nº 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias que «A decisão que aplica a coima conterá:
a) a identificação do infractor e eventuais comparticipantes;
b) a descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas;
c) a coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação;
d) a indicação de que vigora o princípio da reformatio in pejus, sem prejuízo da possibilidade de agravamento da coima, sempre que a situação económica e financeira do infractor tiver entretanto melhorado de forma sensível;
e) a indicação do destino das mercadorias apreendidas;
f) a condenação em custas.»
Como esclarecem Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos no seu Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, pag. 435 «os requisitos previstos neste artigo para a decisão condenatória do processo contra-ordenacional tributário visam assegurar ao arguido a possibilidade do exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão».
No que respeita à “descrição sumária dos factos”, há que sublinhar que este requisito da decisão administrativa de aplicação da coima constante da primeira parte da alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, deve interpretar-se tendo presente o tipo legal de infracção no qual se prevê e pune a contra-ordenação imputada à arguida, pois que os factos que importa descrever, embora sumariamente, na decisão de aplicação da coima serão precisamente os factos tipicamente ilícitos declarados puníveis pela norma fiscal punitiva aplicada (cf. neste sentido, entre outros, os Acórdãos desta Secção 241/09, de 29.04.2009, 540/09 de 16.09.2009, e 593/09, de 16.09.2009, todos in www.dgsi.pt).
No caso subjudice a normas legais tidas como violadas pela decisão administrativa são as dos arts. 19° nºs 1 e 2 e 20º nº 1 do CIVA referindo-se na mesma decisão, como normas punitivas os arts. 114º nº 2 e 26° nº 4 RGIT (falta de entrega da prestação tributária)- cf. fls. 13.
A contra-ordenação fiscal imputada à arguida é assim a do artigo 114.º, n.º 2 do RGIT (cfr. a decisão de fixação da coima a fls. 13 e 14 dos autos), ou seja, a de “falta de entrega da prestação tributária” cometida a título de negligência.
A conduta ali tipificada como contra-ordenação consiste na «não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior (…) ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei»
Ora, no que concerne ao preenchimento do tipo legal previsto nos n.º 1 e 2 do artigo 114.° do RGIT a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, tem vindo a afirmar, de forma dominante e consolidada, que «a prévia dedução da prestação tributária não entregue constitui elemento essencial do tipo legal de contra-ordenação em causa e consequentemente para que se cumpra a “descrição sumária dos factos” que há-de constar da decisão administrativa de aplicação da coima, terá de haver referência, ainda que sumária, ao facto da prestação tributária ter sido deduzida» - conferir neste sentido Acórdãos de 21.04.2010, recurso 85/10, de 02.12.2009, recurso 887/09, de 18.11.2009, recurso 593/09, de 25.11.2009, recurso 624/09 e de 16.09.2009, recurso 540/09, todos in www.dgsi.pt.
Com efeito e como se sublinha no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo 279/08 de 28.05.2009, «no âmbito do IVA fala-se de dedução de imposto relativamente ao imposto que o sujeito passivo tem a receber, nos termos dos arts. 19.º a 25.º do CIVA, não se referindo qualquer situação em que o sujeito passivo tenha de entregar imposto que tenha deduzido. De facto, no âmbito do referido direito à dedução, os sujeitos passivos não têm de entregar à administração tributária a prestação tributária que deduziram [o imposto que deduziram, à face da definição dada na alínea a) do art. 11.º do RGIT], mas, antes pelo contrário, apenas têm de fazer entrega do imposto na medida em que excede o IVA a cuja dedução têm direito, isto é, do imposto que não deduziram».
Assim as referências à «prestação tributária que nos termos da lei deduziu» e à «prestação tributária deduzida nos termos da lei», que se utilizam no art. 114.º do RGIT, apenas abrangem situações em que o sujeito passivo procede à dedução do imposto, subtraindo-a de uma quantia global.
Ora, no caso subjudice, é inequívoco que não consta da decisão que aplicou a coima (a fls.13 e 14), nomeadamente da descrição sumária dos factos, o recebimento do imposto anterior à entrega à administração tributária da declaração periódica que aí vem referida, o que afasta a possibilidade de preenchimento da hipótese do art. 114.°, n.° 2, do RGIT (que se reporta à conduta prevista no n.° 1 do mesmo artigo).
Acresce que no caso, há ainda, por força das deficiências patentes na decisão administrativa, uma outra dificuldade.
Com efeito, tendo em conta que o requisito da «descrição sumária dos factos» deve interpretar-se de acordo com o tipo legal de infracção no qual se prevê e pune a contra-ordenação imputada à arguida, no caso essa exigência colide com uma dificuldade adicional dado que a decisão administrativa faz uma remissão genérica para as normas dos arts. Artº 19° nºs 1 e 2 do CIVA e Artº 20º nº 1 do CIVA sem individualizar qual ou quais as alíneas de tais normativos a que se pode subsumir tal factualidade.
Trata-se de referência que não é despicienda e cuja omissão integra, como bem refere a recorrente, nulidade por falta de indicação das normas violadas (art. 79º, nº 1, al. b) do Regime Geral das Infracções Tributárias.
Com efeito o art. 19º nº 1 do CIVA, na redacção em vigor à data dos factos, especifica, sob a epígrafe «Direito à dedução», um certo número de condições formais a que se encontra subordinado o direito à dedução e que dizem respeito essencialmente aos documentos justificativos do imposto suportado.
Assim o sujeito passivo adquirente apenas pode efectuar a dedução de imposto suportado na medida em que se trate de imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos (art. 19º, nº1, al. a), imposto devido pela importação de bens (art. 19º, nº1, al.b), imposto pago pela aquisição dos bens ou dos serviços indicados nas alíneas i) e j) do n.º 1 do artigo 2.º, no n.º 8, na alínea a) do n.º 10 e nos n.os 11, 13 e 16, na alínea b) do n.º 17 e nos n.os 19 e 22 do artigo 6.º (art. 19º, nº1, al.c), imposto pago como destinatário de operações tributáveis efectuadas por sujeitos passivos estabelecidos no estrangeiro, quando estes não tenham no território nacional um representante legalmente acreditado e não tenham facturado o imposto (art. 19º, nº1, al.d) e imposto pago pelo sujeito passivo à saída dos bens de um regime de entreposto não aduaneiro, de acordo com o n.º 6 do artigo 15.º ((art. 19º, nº1, al.e).(Cf. Emanuel Vidal Lima IVA, Anotado e Comentado, 8ª edição, pag. 416.)
Por sua vez o art. 20º, nº 1 do CIVA especifica as condições a que se encontra subordinado o direito à dedução do imposto suportado nas aquisições, dele decorrendo que o sujeito passivo só tem direito à dedução do imposto suportado em aquisições de bens ou serviços que se destinem à realização de operações efectivamente tributadas e das operações isentas referidas nas suas diversas alíneas.
Impunha-se pois que a Administração Fiscal fizesse, para além da adequada descrição sumária dos factos, referência expressa e individualizada, em relação a cada uma das infracções, às normas violadas (não só ao corpo dos preceitos, mas também às alíneas) em ordem a apurar-se, com rigor, qual a previsão legal em que se sustentava a indevida dedução de imposto.
Individualização esta que, além do mais, tem consequências óbvias na própria descrição sumária dos factos, que terá de ser efectuada por referência não só às normas punitivas mas também às violadas.
Assim sendo, e em face de tudo o exposto, não pode ter-se como adequadamente cumprido o requisito a que alude a alínea b) do n.° 1 do art. 79.° do RGIT (descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas), omissão essa que constitui nulidade insuprível(– Vide, neste sentido Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos no seu Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, pag. 435, e, no regime anterior, Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, Código de Processo Tributário, comentado e anotado, 3ª Edição, pag. 456, nota 4.) - art. 63º, nº 1, al. d) do RGIT – procedendo este fundamento do recurso e ficando, desta forma, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas, nomeadamente a questão suscitada pelo Ministério Público relativa à aplicação retroactiva da lei penal mais favorável ao arguido, bem como o invocado erro de julgamento, por falta de indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima (nº 2 do art. 660º do CPC).
III-DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em, dando provimento ao recurso jurisdicional, revogar a decisão recorrida, julgar procedente o recurso judicial e, em consequência, anular a decisão administrativa que aplicou à recorrente a coima aqui em causa.
Sem custas.
Lisboa, 23 de Novembro de 2011. – Pedro Delgado (relator) – Casimiro Gonçalves – Ascensão Lopes.