Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0470/14
Data do Acordão:01/21/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:AUTOLIQUIDAÇÃO
TRIBUTAÇÃO AUTONOMA
DESPESAS DE REPRESENTAÇÃO
VEÍCULO LIGEIRO
PASSAGEIRO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:I - Nas tributações autónomas não se trata de tributar um rendimento no fim do período tributário, mas determinado tipo de despesas, que constituem o facto gerador de imposto, uma vez que cada despesa é um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável em IRC, no fim do período, sendo irrelevante que esta parcela de imposto só venha a ser liquidada num momento posterior e conjuntamente com o IRC.
II - A taxa a aplicar a cada despesa é a que vigorar à data da sua realização, uma vez que o facto tributário se verifica no momento em que se incorre nas despesas sujeitas a tributação autónoma, não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo do ano, mas perante um facto tributário instantâneo.
III - Não pode a lei agravar o valor da taxa de tributação autónoma, relativamente a despesas já efectuadas aquando da sua entrada em vigor, incorrendo a norma do artigo 5.º, nº 1, da Lei nº 64/2008, de 5 de Dezembro, ao determinar a retroacção de efeitos a 1 de Janeiro de 2008 da alteração do artigo 81.º, nº 3, do CIRC, em inconstitucionalidade por violação da proibição imposta no artigo 103.º, nº 3, da Constituição.
IV – Uma vez que a AT está sujeita ao princípio da legalidade (cfr. artº. 266.º, n.º 2, da CRP e artº. 55.º da LGT), não pode deixar de aplicar uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, a menos que o TC já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral (cfr. artº. 281.º da CRP) ou se esteja perante o desrespeito por normas constitucionais directamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cfr. artº. 18.º, n.º 1, da CRP), o que não é o caso.
Nº Convencional:JSTA000P18491
Nº do Documento:SA2201501210470
Data de Entrada:04/16/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A Fazenda Pública, inconformada, recorreu da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (TAF de Sintra) datada de 29 de Outubro de 2012, que julgou procedente a impugnação que a ora recorrida A………. Lda contra ela havia instaurado, na sequência do indeferimento expresso de reclamação graciosa contra o acto tributário de autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2008, anulando o acto tributário e condenando a entidade liquidadora a pagar à impugnante juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento até à data da emissão da respectiva nota de crédito.

Alegou, tendo concluído como se segue:
1. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A………., Lda.. NIPC …………, considerando que o n.º 1 do art.º 5º da Lei n.º 64/2008 de 5 de Dezembro que determinou a produção de efeitos desde 1 de Janeiro de 2008 do disposto no art.º 1-A da mesma Lei, o qual alterou o atº 81.º (actual art.º 88º) do CIRC, agravando de 5% para 10% a taxa de tributação autónoma incidente sobre os encargos com viaturas ligeiras de passageiros e despesas de representação, está ferido de Inconstitucionalidade Material, por violação do Princípio da Não Retroactividade da Lei Fiscal, previsto no n.º 3 do artº 103.º da Constituição da República Portuguesa.
II. Não existe razão de princípio para afastar a retroactividade das normas favoráveis aos contribuintes. Analisando toda a nova redacção do art.º 81.º (actual art,º 88º) do CIRC deve entender-se que a alteração ao regime da tributação autónoma apesar de ter sido gravosa para alguns contribuintes, foi muito favorável para outros, uma vez que criou uma exclusão de tributação e criou uma discriminação positiva para os veículos menos poluentes, sendo por isso este regime mais favorável aos contribuintes.
III. Caso, se entenda que a nova redacção do preceito, em crise, é menos favorável aos contribuintes, importa, relembrar que o conceito de Retroactividade tem vindo a ser analisado e trabalhado pela Doutrina e pela Jurisprudência, chegando-se ao entendimento dominante que aquela apresenta 3 (três) graus diferentes de intensidade: a retroactividade de 1º grau, autêntica ou forte abrange seria os casos em que se aplique uma nova lei fiscal a factos que se verificaram por inteiro, no domínio da lei antiga. Na retroactividade de 2º grau ou intermédia, os factos ocorreram no domínio da lei antiga mas ainda não foram totalmente produzidos os seus efeitos, que se vêm a verificar já com a lei nova em vigor. Na retroactividade de 3º grau ou mínima, os próprios factos não se verificaram por inteiro no domínio da lei antiga, prolongando-se a sua produção já com a lei nova em vigor.
IV. Estabelece o n.º 9 do art.º 8.º do CIRC, na redacção dada pela Lei nº 55-B/2004 de 30 de Dezembro, que o “facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação”. Pelo que na linha do Parecer n.º 83 de 19 de Junho de 2012, emitido pelo Digníssimo Magistrado do Ministério Público (neste processo) sustenta-se que “o dia 31 de Dezembro de cada ano é o momento gerador de IRC. O facto da Lei n. º 64/2008, de 5-12 ter entrada em vigor no dia seguinte, o facto gerador do imposto ocorreu no dia 31 de Dezembro desse ano, momento em que se considera encerrado o ano económico, devendo ser aplicada a nova taxa a todo o período gerador do resultado do exercício.
V. Assim, a Retroactividade existente, na norma em crise, é mínima (3º grau), e como tal não abrangida pelo principio contido no n.º 3 do artº 103.º da CRP.
VI. Como é bem afirmado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 18/2011 de 12 de Janeiro, apesar da retroactividade mínima. “nada obsta que a questão seja ainda analisada à luz do princípio da protecção da confiança”.
VII. A tributação autónoma incidente sobre os encargos com viaturas ligeiras de passageiros e despesas de representação visa evitar que através de despesas, as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros pelos sócios ou accionistas, que assim, apenas ficariam sujeitos ao IRC enquanto lucros da empresa, e ficariam longe da tributação em sede de IRS, bem como da segurança social, quer ao nível da TSU, quer ao nível das contribuições obrigatórias, pelo que não se pode esperar que o legislador pretenda conferir o mesmo nível de tutela constitucional que confere a outras situações.
VIII. Seguindo o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 18/2011 de 12 de Janeiro, concluímos que se essas despesas eram efectivamente necessárias “ao desenvolvimento da actividade da empresa e à obtenção do lucro, elas não deixariam de ser realizadas mesmo que fosse já conhecida ou previsível uma alteração da taxa de tributação aplicável; além de que o regime legal, mesmo antes da entrada em vigor da Lei n.º 64/2008, tinha já em vista estabelecer limitações para os encargos de exploração que pudessem figurar como custos ou perdas de exercício.”
IX, Quanto ao pagamento dos juros indemnizatórios em que a AT foi condenada, diga-se que no presente caso estamos perante uma autoliquidação. Nestes casos “tanto a determinação da matéria colectável como a liquidação são levados e cabo pelo próprio contribuinte ou por substituto, pelo que estará afasta da, em regra, a possibilidade de existir erro imputável aos serviços da Administração Tributária, no momento em que são praticados os actos que determinam a quantia a pagar” (cf. Jorge Lopes de Sousa in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Volume I. 6ª Edição, 2011, Pág. 536).
X. “No Direito Constitucional Português não existe a possibilidade de a Administração se recusar a obedecer a uma norma que considera inconstitucional (…) a menos que o TC tivesse já emitido declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral” (Acórdão STA de 12 de Outubro de 2011, Proc,: 0860/10).
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso deve a decisão recorrida ser revogada e a impugnação judicial declarada totalmente improcedente.
PORÉM V. EXAS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.

Não foram produzidas contra-alegações.

O Ministério Público, notificado pronunciou-se pela total improcedência do recurso e pela manutenção do julgado. O Ministério Público não só entendeu que a Fazenda Pública não tinha razão quanto à questão da constitucionalidade do artº 5º nº 1 da Lei nº 64/2008, como ainda relativamente ao pedido de juros indemnizatórios. Para tanto socorre-se de diversos acórdãos deste STA, bem como do Tribunal Constitucional.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A) A lmpugnante encontra-se enquadrada em sede de IRC no regime geral. (Doc. fls. 268 do processo administrativo tributário apenso)
B) Em 27.05.2009, a Impugnante procedeu á entrega da declaração de rendimentos Modelo 22 referente ao exercício de 2008, tendo procedido ao seu pagamento a 30.05.2009. (Doc. fls. 39/43 do processo de reclamação graciosa em apenso)
C) Em 29.04.2010, a Impugnante deduziu reclamação graciosa contra o ato tributário de autoliquidação de IRC, relativo ao exercício de 2008, na parte referente à tributação autónoma incidente sobre os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e os relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos suportados até ao dia 05.12.2008. (Doc. fls.7/37 do processo de reclamação graciosa apenso)
D) Em 29.11.2010, por despacho do Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa foi a reclamação graciosa a que alude a al. C) do probatório indeferida. (Doc. fls. 235/237 da reclamação graciosa em apenso)
E) Em 03.12.2010, a Impugnante foi notificada do despacho de indeferimento a que alude a al. D) do probatório. (Doc. fls. 238/239 da reclamação graciosa em apenso)
F) Em 21.12.2010, deu entrada em juízo a petição inicial que originou os presentes autos. (Cfr. carimbo aposto a fls. 3 dos autos)
Nada mais se deu como provado.

Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido.
A questão colocada neste recurso pela Fazenda Pública já mereceu, por diversas vezes, resposta contrária, quer por este Supremo Tribunal, quer pelo Tribunal Constitucional.
Trata-se de doutrina com a qual se concorda, não se encontrando agora novos argumentos que a possam infirmar, sendo que já foi reafirmada, pelo menos, nos acórdãos proferidos neste Supremo Tribunal nos recursos n.ºs 0281/11, de 06/07/2011, 0757/11, de 14/06/2012, 0166/13, de 17/04/2013, 01375/12, de 14/02/2013 e 01714/13, datado de 22/01/2014.
Com interesse, escreveu-se naquele acórdão n.º 0166/13:
“3. “O artigo 81.º do CIRC, sob a epígrafe «Taxas de tributação autónoma», na redacção dada pela Lei nº 55-B/2004, de 30 de Dezembro, entretanto alterada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, determinava, na parte relevante, o seguinte:
1 - As despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, sem prejuízo da sua não consideração como custo nos termos do artigo 23.º.
2 - A taxa referida no número anterior é elevada para 70% nos casos em que tais despesas sejam efectuadas por sujeitos passivos total ou parcialmente isento., ou que não exerçam, a título principal actividades de natureza comercial, industrial ou agrícola.
3 - São tributados autonomamente, à taxa de 5% os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e os relacionados com viaturas ligeiras ou mistas, motos ou motociclos, efectuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos subjectivamente e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.
4 - São tributados autonomamente, à taxa de 15%, os encargos dedutíveis respeitantes a viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujo custo de aquisição seja superior a € 40.000, quando suportados pelos sujeitos passivos mencionados no número anterior que apresentem prejuízos fiscais nos dois exercícios anteriores àquele a que os referidos encargos digam respeito. (...)
Após a redacção introduzida pela Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, os n.ºs 3 e 4 do mesmo preceito passaram a determinar o seguinte:
3 - São tributados autonomamente, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia eléctrica:
a) À taxa de 10%, os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e os relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos, efectuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos subjectivamente e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola;
b) À taxa de 5%, os encargos dedutíveis, suportados pelos sujeitos passivos mencionados no número anterior, respeitantes a viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujos níveis homologados de emissão de C02 sejam inferiores a 120g/km, no caso de serem movidos a gasolina, e inferiores a 90 g/km, no caso de serem movidos a gasóleo, desde que, em ambos os casos, tenha sido emitido certificado de conformidade.
4 - São tributados autonomamente, à taxa de 20%, os encargos dedutíveis, suportados pelos sujeitos passivos mencionados no número anterior, respeitantes a viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujo custo de aquisição seja superior a € 40.000, quando os sujeitos passivos apresentem prejuízos fiscais nos dois exercícios anteriores àquele a que os referidos encargos digam respeito.
A Lei n.º 64/2008 entrou em vigor no dia seguinte ao da publicação, conforme prevê o artigo 6º, mas a produção de efeitos retroage a 1 de Janeiro de 2008, em função do que estabelece o artigo 5º do mesmo diploma.
3.1. Como ficou consignado na sentença recorrida, cuja fundamentação merece, na íntegra, a nossa adesão, sobre esta questão já este Supremo Tribunal se pronunciou, entre outros, no Acórdão de 6/7/2011, proferido no recurso nº 28/11, onde se conclui que embora a Lei n.º 64/2008, através da nova redacção dada à alínea a) do n.º 3 do artigo 81.º do CIRC, tivesse operado “um agravamento da taxa de tributação aplicável aos encargos mencionados no anterior nº 3 dessa disposição, que se torna aplicável por virtude da retroacção de efeitos, aos encargos e despesas já realizados pelos contribuintes no decurso do ano de 2008 e até à data em que a lei iniciou a sua vigência”, a norma (artº 5º da citada Lei) não viola o princípio da proibição da retroactividade fiscal consagrado no artigo 103.º n.º 3, da Constituição.
Como também refere a sentença recorrida, esta interpretação foi inicialmente acolhida pelo Tribunal Constitucional, entre outros, nos Acórdãos nºs 128/2009 e 85/2010.
No entanto, a Mmª Juíza “a quo” julgou a norma em causa inconstitucional, argumentando, entre o mais, que:
“(…) 6.8. Aqui chegados importa então apurar se o artº 5º da Lei nº 64/2008, de 5 de Dezembro pode aplicar-se retroactivamente à tributação autónoma prevista no artº 83º, nº 1, alínea a) do CIRC.
Adoptando o entendimento de que artigo 103.º, n.º 3, da CRP apenas pretendeu consagrar a proibição da retroactividade autêntica, ou própria, da lei fiscal abrangendo apenas os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, excluindo do seu âmbito aplicativo as situações de retrospectividade ou de retroactividade imprópria, ou seja, aquelas situações em que a lei é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente, como sucede quando a lei é aprovada até ao final do ano a que corresponde o imposto, a situação dos autos não é idêntica à tratada no Acórdão 399/2010 do Tribunal Constitucional, tal como se escreveu Acórdão 18/11, de 12 de Janeiro de 2011, do Tribunal Constitucional, proferido no Processo nº204/2010.
É que, no caso dos presentes autos não está em causa imposto sobre o rendimento (como sucedia no citado acórdão 399/2010), mas sim tributação autónoma sobre a despesa. Como bem refere a recorrente “as tributações autónomas tributam despesa e não rendimento, são impostos indirectos e não directos, que penalizam determinados encargos incorridos pela empresa e apuram-se de forma totalmente independente do IRC e Derrama devidos no exercício, não se relacionando sequer com a obtenção de um resultado positivo. Em boa verdade, as tributações autónomas constantes do Código do IRC poderiam estar inscritas num outro código ou em diploma autónomo” (Conclusão VIIª das alegações).
Por outras palavras, como salienta o Srº Conselheiro Vítor Gomes no seu voto de vencido, aposto no citado acórdão nº 204/2010, “Embora formalmente inserida no CIRC e o montante que permita arrecadar seja liquidado no seu âmbito e a título de IRC, a norma em causa respeita a uma imposição fiscal que é materialmente distinta da tributação nesta cédula, pelo que não podem ser invocados argumentos semelhantes àqueles que naquele segundo acórdão foram mobilizados no sentido de não se configurar um caso de retroactividade proibida pelo n.º 3 do artigo 103.º da Constituição. Com efeito, estamos perante uma tributação autónoma, como diz a própria letra do preceito. E isso faz toda a diferença. Não se trata de tributar um rendimento no fim do período tributário, mas determinado tipo de despesas em si mesmas, pelas compreensíveis razões de política fiscal que o acórdão aponta
Deste modo, o facto revelador de capacidade tributária que se pretende alcançar é a simples realização dessa despesa, num determinado momento. Cada despesa é, para este efeito, um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável em IRC no fim do período, sendo irrelevante que esta parcela de imposto só venha a ser liquidada num momento posterior e conjuntamente com o IRC.
Sendo assim a taxa a aplicar a cada despesa é a que vigorar à data da sua realização, uma vez que o facto tributário se verifica no momento em que se incorre nas despesas sujeitas a tributação autónoma.
Em resumo e concluindo como no voto de vencido acima referido, “O facto gerador de imposto em IRC determina-se por relação ao fim do período de tributação (n.º 9 do artigo 8.º do CIRC), mas a tributação autónoma agora em causa não comunga desse pressuposto, porque não atinge o rendimento (artigo 1.º do CIRC) mas a despesa enquanto tal”.
Por isso, as novas taxas introduzidas pela Lei nº 64/2008, de 5 de Dezembro, só são aplicáveis às despesas realizadas após a sua entrada em vigor, uma vez que não estamos perante rendimento reportado a determinado período e norma publicada nessa fase final do período de tributação, à semelhança do decidido relativamente ao n.º 1 do artigo 68º do Código do IRS, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1º da Lei n.º 11/2010, de 15 de Junho, quando conjugada com o disposto nos artigos 2.º e 3.º da mesma Lei e, também, do mesmo n.º 1 do artigo 68º do Código do IRS, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1º da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, quando conjugada com o disposto no n.º 1 do artigo 20º da mesma Lei. (Acórdão 399/2010).
Assim sendo, estamos perante retroactividade autêntica ou própria da lei fiscal proibida pelo nº 3 do artº 103º da CRP, uma vez que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tinha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, relativamente a despesas já realizadas.”
3.2. Importa apenas salientar que a jurisprudência acabada de expor foi entretanto acolhida pelo Tribunal Constitucional, nos Acórdãos nºs 617/2012, de 19 de Dezembro de 2012 e nº 85/2013, de 5 de Fevereiro de 2013.
No primeiro Acórdão, votado em plenário, o Tribunal Constitucional resolveu a divergência existente entre o Acórdão nº 310/2012 (2ª secção), acórdão recorrido e o Acórdão nº 18/2012, acórdão fundamento, “julgando inconstitucional, por violação do nº 3, do artigo 103º, da Constituição, a norma do artigo 5º, nº 1, da Lei nº 64/2008, de 5 de Dezembro, de 2012, na parte em que faz retroagir a 1 de janeiro de 2008 a alteração do artigo 81º, nº 3, alínea a), do Código do Imposto sobre o rendimento das pessoas Colectivas, consagrada no artigo 1º-A do aludido diploma legal” (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 85/2013).
Neste último Acórdão pode ler-se, entre o mais, que:
“(…) Contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso tributa-se cada despesa efetuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar diretamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação.
Assim, e no caso do IRC, estamos perante um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação (cfr. artigo 8º, n.º 9, do CIRC).
Já no que respeita à tributação autónoma em IRC, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas perante um facto tributário instantâneo.
Esta característica da tributação autónoma remete-nos, assim, para a distinção entre impostos periódicos (cujo facto gerador se produz de modo sucessivo, pelo decurso de um determinado período de tempo, em regra anual, e tende a repetir-se no tempo, gerando para o contribuinte a obrigação de pagar imposto com caráter regular) e impostos de obrigação única (cujo facto gerador se produz de modo instantâneo, surge isolado no tempo, gerando sobre o contribuinte uma obrigação de pagamento com caráter avulso).
Na tributação autónoma, o facto tributário que dá origem ao imposto, é instantâneo: esgota-se no ato de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação (embora, o apuramento do montante de imposto, resultante da aplicação das diversas taxas de tributação aos diversos atos de realização de despesa considerados, se venha a efetuar no fim de um determinado período tributário). Mas o facto de a liquidação do imposto ser efetuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de caráter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efetuadas na determinação da taxa. (…)”
“Neste caso estamos perante um tributo de obrigação única, incidindo sobre operações que se produzem e esgotam de modo instantâneo, em que o facto gerador do tributo surge isolado no tempo, originando, para o contribuinte, uma obrigação de pagamento com caráter avulso. Ou seja, as taxas de tributação autónoma aqui em análise não se referem a um período de tempo, mas a um momento: o da operação isolada sujeita à taxa, sem prejuízo de o apuramento do montante devido pelos agentes económicos sujeitos à referida "taxa" ser efetuado periodicamente, num determinado momento, conjuntamente com outras operações similares, sem que a liquidação conjunta influa no seu resultado.(…)”
“4. Regressando ao caso concreto, é manifesto que se está perante uma hipótese de aplicação retroactiva do disposto no artigo 81º, nº 3, do CIRC, na redacção introduzida pela Lei nº 64/2008, de 5 de Dezembro, ou seja, aplicação de lei nova a factos tributários de natureza instantânea, já completamente formados, anteriores à data da sua entrada em vigor.
Com efeito, o facto gerador da obrigação fiscal - a realização de despesas de representação e viaturas ligeiras de passageiros, relativas ao exercício de 2008, foi agravada, por força da alteração introduzida ao art. 81º (actual 88º) do CIRC, pelo artº 1º-A, da Lei nº 64/2008, de 5 de Dezembro, com o aumento das taxas de tributação autónomas de 5% para 10%, - ocorre, como facto instantâneo, antes da entrada em vigor da lei nova (6 de Dezembro de 2008), por força do art. 5º daquele diploma que determinou a produção de efeitos daquele diploma desde de 1 Janeiro de 2008.
A aplicação da nova lei a este facto ocorrido anteriormente à sua aprovação envolve, pois, uma retroactividade autêntica”.
Como ficou consignado no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 85/2013, “O que releva, face aos princípios constitucionais enunciados, não é o momento de liquidação de um imposto, mas sim o momento em que ocorre o ato que determina o pagamento desse imposto. É esse ato que vai dar origem à constituição de uma obrigação tributária, pelo que é nessa altura, em obediência ao princípio da legalidade, na vertente fundamentada pelo princípio da proteção da confiança, que se exige, como medida preventiva, que já se encontre em vigor a lei que prevê a criação ou o agravamento desse imposto, de modo a que o cidadão possa equacionar as consequências fiscais do seu comportamento.
Uma vez que a alteração efetuada ao artigo 83.º, nº 3, do CIRC, através da Lei nº 64/2008, de 5 de dezembro, veio aumentar a taxa de tributação autónoma aplicável a despesas de representação e com viaturas, agravando a situação dos contribuintes abrangidos, estava-lhe vedada uma eficácia retroativa”.(…)”
Em face do exposto, não pode a lei agravar o valor da taxa de tributação autónoma, relativamente a despesas já efectuadas aquando da sua entrada em vigor, incorrendo a norma do artigo 5.º, nº 1, da Lei nº 64/2008, de 5 de Dezembro, ao determinar a retroacção de efeitos a 1 de Janeiro de 2008 da alteração do artigo 81.º, nº 3, do CIRC, em inconstitucionalidade por violação da proibição imposta no artigo 103.º, nº 3, da Constituição.”.
Improcedem, assim, as conclusões I a VII do presente recurso.

A questão dos juros indemnizatórios.
A questão que se coloca no presente recurso passa por saber se a administração fiscal está ou não obrigada ao pagamento dos juros indemnizatórios à recorrida, uma vez que a autoliquidação do imposto foi anulada e restituído parte do imposto, por se ter considerado que a aplicação retroativa do disposto no artigo 5º, n.º 1, da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, violava o disposto no artigo 103º, n.º 3 da CRP - princípio da proibição da retroatividade fiscal.

Dispõe o artigo 43º da LGT, na parte com interesse, que, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, cfr. n.º 1, devendo considerar-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas, cfr. n.º 2.
Este Supremo Tribunal tem-se pronunciado de forma uniforme sobre as circunstâncias em que a Administração fiscal está obrigada ao pagamento dos juros indemnizatórios, em caso de anulação da liquidação do imposto quando o montante desse mesmo imposto já se encontrasse pago.
Entre outros, escreveu-se no acórdão datado de 04/11/2009, recurso n.º 0665/09, em que se analisou de forma criteriosa a distinção entre a anulação da liquidação com fundamento em ilegalidades procedimentais e a anulação da liquidação com fundamento em ilegalidades substantivas inerentes à relação jurídica tributária:
“As situações em que há lugar a pagamento de juros indemnizatórios são indicadas no art. 43.º da LGT.
Relativamente a anulação de actos tributários em processo judicial, o regime dos juros indemnizatórios é indicado no n.º 1 deste artigo, nos termos do qual «são devidos juros indemnizatórios quando se determine em (...) impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
Assim, à face deste n.º 1, o que é relevante para efeitos da atribuição de juros é que haja um erro que seja imputável aos serviços da Administração Fiscal.
Aquela expressão «erro», sem qualquer qualificativo, abrange tanto o erro de facto como o erro de direito.
Mas, a utilização da expressão «erro», e não «vício» ou «ilegalidade» para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se tiveram em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito…
Na verdade, há vícios dos actos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma e a incompetência, pelo que a utilização daquela expressão «erro» têm um âmbito mais restrito do que a expressão «vício», que é utilizada legislativamente para referenciar qualquer ilegalidade.
Por outro lado, constata-se que no CPPT se utiliza a expressão «vícios» quando se pretende aludir, genericamente, a todas as ilegalidades susceptíveis de conduzirem à anulação dos actos, como é o caso dos arts. 101.º (arguição subsidiária de vícios) e 124.º (ordem de conhecimento dos vícios na sentença).
Por isso, é de concluir que o uso daquela expressão «erro», tem um alcance restritivo do tipo de vícios que podem servir de base ao direito a juros indemnizatórios.
Esta é, aliás, uma restrição que se compreende.
Na verdade, a existência de vícios de forma ou incompetência significa que houve uma violação de direitos procedimentais e formais dos administrados e, por isso, justifica-se a anulação do acto por estar afectado de ilegalidade.
Mas, o reconhecimento judicial de um vício daqueles tipos não implica a existência de qualquer vício na relação jurídica tributária, isto é, não implica qualquer juízo sobre o carácter devido ou indevido da prestação pecuniária cobrada pela Administração Fiscal com base no acto inválido, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar ou cobrar ou preterição de formalidade legal ou a falta de competência da autoridade que a exigiu.
Ora, é inquestionável que, quando se detecta um vício respeitante à relação jurídica tributária, se impõe a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, pois a existência desse vício implica a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito.
Por isso, justifica-se que, nestas situações, não estando em dúvida que a exigência patrimonial feita ao contribuinte implica para ele um prejuízo não admitido pelas normas fiscais substantivas, se dê como assente a sua existência e se presuma o montante desse prejuízo, fazendo-se a sua avaliação antecipada, através da fixação de juros indemnizatórios a favor do contribuinte…”.

Não havendo qualquer dúvida que a anulação da liquidação que vinha impugnada nestes autos ocorreu por razões inerentes à própria relação jurídica tributária, isto é, a autoliquidação fundou-se em norma legal que veio a ser declarada inconstitucional por violar um dos princípios estruturantes do direito fiscal, o da proibição da retroatividade fiscal, artigo 103º, n.º 3 da CRP, só nos resta apurar se esse “erro sobre os pressupostos de direito”, isto é, se a errada consideração no apuramento do imposto a pagar de norma julgada inconstitucional, pode ou não ser imputável aos serviços do fisco.

Já vimos que toda a problemática dos autos teve origem numa autoliquidação de imposto que seguiu as regras estabelecidas pelo disposto no artigo 5º, n.º 1, da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, sendo que, suscitada a apreciação da conformidade constitucional de tal norma ao Tribunal Constitucional, primeiramente, por este veio a ser sufragado o entendimento de que não ocorria a violação daquele princípio da proibição da retroatividade fiscal, cfr. acórdão n.º 18/2011, datado de 12/01/2011, e posteriormente, nos acórdãos n.ºs 310/2012 e 617/2012, respectivamente de 20/06/2012 e de 19/12/2012, veio a ser sufragado o entendimento de que ocorria a violação de tal princípio quando aplicado o disposto naquela norma aos factos ocorridos anteriormente.

Como resulta da matéria de facto que se julgou assente, a recorrida apresentou em 27/05/2009 autoliquidação do IRC do exercício de 2008 e em 29.04.2010 apresentou reclamação graciosa contra aquela autoliquidação, que veio a ser indeferida por despacho datado de 29/11/2010, por se ter entendido ser de aplicar aquele artigo 5º, n.º 1 da Lei n.º 64/2008.

Também se depreende daquela matéria de facto que a autoliquidação não resultou do facto de a recorrente ter seguido quaisquer orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas, nos termos do disposto naquele artigo 43º, n.º 2 da LGT, antes fundou-se na aplicação da Lei vigente.

Portanto, apenas nos resta, agora, saber se a Administração Tributária poderia ou não fazer aquele “julgamento” de conformidade constitucional do disposto no artigo 5º, n.º 1 da Lei n.º 64/2008, para daí podermos concluir que a mesma tenha decidido a reclamação graciosa, ancorada em erro sobre os pressupostos de direito.

Sobre esta questão, e em caso semelhante, já se pronunciou este Supremo Tribunal em sentido negativo, nos seguintes termos:
“…a menos que esteja em causa o desrespeito por normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cfr. art. 18.º, n.º 1, da CRP, a AT não pode recusar-se a aplicar a norma com fundamento em inconstitucionalidade (Com interesse sobre a questão, vejam-se os pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República referidos na Colectânea dos Pareceres da Procuradoria-Geral da República, volume V, pontos 10, 3, 3.2 – respetivamente, com as epígrafes «Fiscalização da constitucionalidade», «Fiscalização sucessiva» e «(In)aplicação de norma inconstitucional (poderes e deveres da Administração Pública)» –, cuja doutrina seguimos.). É que a Administração em geral está sujeita ao princípio da legalidade, consagrado constitucionalmente e a AT está-lo também por força do disposto no art. 55.º da LGT.
A nosso ver, a AT deverá aguardar a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, a emitir pelo Tribunal Constitucional (TC), nos termos do art. 281.º da CRP.
É que, como diz VIEIRA DE ANDRADE, «Este conflito [entre a constitucionalidade e o princípio da legalidade] não pode resolver-se através da prevalência automática do direito constitucional sobre o direito legal. Não é disso que se trata, porque o que está em causa é não a constitucionalidade da lei, mas o juízo que sobre essa constitucionalidade possam fazer os órgãos administrativos. Por um lado, a Administração não é um órgão de fiscalização da constitucionalidade; por outro lado, a submissão da Administração à lei não visa apenas a protecção dos direitos dos particulares, mas também a defesa e prossecução de interesses públicos […]. A concessão ao poder administrativo de ilimitados poderes para controlo da inconstitucionalidade das leis a aplicar levaria a uma anarquia administrativa, inverteria a relação Lei-Administração e atentaria frontalmente contra o princípio da divisão dos poderes, tal como está consagrado na nossa Constituição» (Direito Constitucional, Almedina, 1977, pág. 270.).
No mesmo sentido, JOÃO CAUPERS afirma que «a Administração não tem, em princípio, competência para decidir a não aplicação de normas cuja constitucionalidade lhe ofereça dúvidas, contrariamente aos tribunais, a quem incumbe a fiscalização difusa e concreta da conformidade constitucional, demonstram-no as diferenças entre os artigos 207º [hoje, 204.º] e 266º, nº 2, da Constituição. Enquanto o primeiro impede os tribunais de aplicar normas inconstitucionais, o segundo estipula a subordinação dos órgãos e agentes administrativos à Constituição e à lei.
Afigura-se claro que a diferença essencial entre os dois preceitos decorre exactamente da circunstância de se não ter pretendido cometer à Administração a tarefa da fiscalização da constitucionalidade das leis. O desempenho de tal função, por parte daquela tem de ser visto como excepcional» (Os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores e a Constituição, Almedina, 1985, pág. 157.).
Concluímos, assim, que no Direito Constitucional Português não existe a possibilidade de a Administração se recusar a obedecer a uma norma que considera inconstitucional, substituindo-se aos órgãos de fiscalização da constitucionalidade, a menos que esteja em causa a violação de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados, o que não é manifestamente o caso quando está em causa a aplicação de norma eventualmente violadora do princípio da não retroactividade da lei fiscal…”, cfr. entre outros, os recentes acórdãos datados de 26/02/2014, recurso n.º 0481/13 e de 12/03/2014, recurso n.º 01916/13.

Face a esta doutrina, não podemos deixar de concluir que a Administração Tributária não poderia ter decidido de modo diferente a reclamação graciosa que a recorrente lhe dirigiu, porque não lhe assiste o direito a recusar a aplicação de norma que no seu entender poderia ser inconstitucional, uma vez que não lhe é permitido formular um juízo sobre essa constitucionalidade.
De resto, recentemente já este Supremo Tribunal concluiu -acórdão datado de 29/10/2014, proferido no recurso n.º 01502/12-, que tal obrigação indemnizatória por parte da AT, verificava-se sempre, e independentemente de culpa, quando a ilegalidade não pudesse ser assacada ao contribuinte ou a terceiro -“…assiste-lhe (ao impugnante) o direito a juros indemnizatórios, contados nos termos do nº 3 do artº 61º do CPPT, tendo em conta que a Administração Tributária tem deveres genéricos de actuação em conformidade com a lei (arts. 266º, nº 1, da CRP e 55º da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo ou de terceiro será imputável a culpa dos próprios serviços…”.
Nesse caso concreto era imputada à AT a ilegalidade da liquidação em causa, que deu origem ao pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, precisamente porque a interpretação que a AT fez dos preceitos legais vigentes afrontava directamente o primado do Direito Comunitário, bem como, pelo menos, uma decisão do TJUE, que já se havia pronunciado anteriormente sobre a desconformidade da legislação nacional com a proibição de discriminação em razão da nacionalidade e do direito de livre circulação de capitais, consagrados nos arts. 12º e 56º do Tratado de Roma.

Temos, assim, que concluir que no presente caso, e para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, não pode ser assacado aos serviços do fisco qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, uma vez que não estava na sua disponibilidade decidir de modo diferente daquele que decidiu.

Pelo que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em:
-conceder parcial provimento ao recurso e, nessa medida, revogar a sentença recorrida no segmento em que julgou procedente o pedido formulado pela recorrida no respeitante ao pagamento dos juros indemnizatórios;
-julgar improcedente a impugnação nessa parte;
-no mais, negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a sentença recorrida.

Custas em primeira instância pela recorrida e pela recorrente na proporção do decaimento e nesta instância apenas pela recorrente, também na proporção do decaimento.
D.N.

Lisboa, 21 de Janeiro de 2015. – Aragão Seia (relator) – Casimiro Gonçalves – Francisco Rothes.