Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0920/12
Data do Acordão:12/19/2012
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:MADEIRA DOS SANTOS
Descritores:ACIDENTE DE SERVIÇO
PRAZO DE CADUCIDADE
AGRAVAMENTO DE LESÕES
Sumário:I - O prazo de dez anos previsto no art. 24º, n,º 1, do DL n.º 503/99 para o sinistrado requerer a sua submissão a nova junta médica por se considerar em situação de agravamento, recidiva ou recaída conta-se desde a data da entrada em vigor do diploma, se a alta aconteceu anteriormente.
II - A previsão desse prazo não é desrazoável ou desproporcionada, nem fere o núcleo essencial do direito constitucional dos sinistrados à «justa reparação».
III - E essa previsão também não é inconstitucional por suposta ofensa do princípio da igualdade, já que a desigualdade entre regimes normativos só poderá ser constitucionalmente relevante quando eles coexistam no tempo, e não quando sejam sucessivos.
Nº Convencional:JSTA00068017
Nº do Documento:SA1201212190920
Data de Entrada:09/10/2012
Recorrente:SINTAP - SIND DOS TRABALHADORES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE SANTA MARIA DA FEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCA NORTE
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM GER - FUNÇÃO PUBL
DIR SEG SOCIAL
Legislação Nacional:DL 503/99 DE 2011/11/20 ART24 N1 ART3 N1 ART20 ART38
L 98/09 DE 2009/09/04
Jurisprudência Nacional:AC TC155/03 DE 2003/03/19; AC TC612/08 DE 2008/12/10
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo:
O SINTAP - Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública interpôs a presente revista do acórdão do TCA-Norte confirmativo da sentença em que o TAF de Aveiro julgara improcedente a acção movida pelo ora recorrente contra o Município de Santa Maria de Feira para que o réu submetesse a junta médica um associado do autor, acidentado em serviço há vários anos, e o indemnizasse pelos prejuízos que ele sofreu com a demora dessa submissão.
O recorrente terminou a sua alegação de recurso oferecendo as conclusões seguintes:
1- O Associado do Autor, no ano de 1993, foi vítima de um acidente de serviço que lhe afectou o joelho direito.
2- Após ser submetido a uma cirurgia, o referido acidente resultou, para o Associado do Autor, numa incapacidade permanente de 6%, confirmada por Junta Médica a 4 de Maio de 2001, de acordo com o n° 1 do art. 38° do DL 503/99.
3- Havendo necessidade de a incapacidade ser confirmada por Junta Médica da CGA, o prazo conta-se a partir de 4 de Maio de 2001, encontrando-se o Associado do Autor em tempo para pedir uma reavaliação da IPP.
4- O Acórdão que aqui se impugna deve ser considerado nulo, por aceitar a violação da Constituição da República Portuguesa.
5- Foi intenção do legislador fazer convergir o regime dos acidentes em serviço na Administração Pública com os acidentes do regime geral dos acidentes de trabalho, contudo ainda não o fez, porque o prazo de 10 anos mantém-se para os trabalhadores da Administração Pública e não para os outros trabalhadores do Regime Geral.
6- Daqui resulta uma violação ao princípio da igualdade consagrado no artº. 13° da Constituição, e também ao artº 59º, nº 1, al. f) da mesma Lei Fundamental.
7- O Tribunal Constitucional já por várias vezes considerou inconstitucional este prazo de 10 anos, estabelecendo a Constituição, no artº 59, n.°1, al. f), da Constituição um direito fundamental dos trabalhadores à «assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional».
8- Da mesma forma, vária doutrina se tem pronunciado face a esta alteração legislativa e à anterior jurisprudência do Tribunal Constitucional, entendendo que não deve manter-se uma interpretação restritiva da legislação que impeça a reavaliação da incapacidade para as situações anteriores à data da entrada em vigor do DL. nº 503/99, estando em causa o princípio da igualdade.
9- Assim sendo, é inconstitucional a aplicação do prazo de 10 anos, no caso em apreço.
10- Com efeito, o direito à assistência e justa reparação das vítimas de acidentes de trabalho, consagrado no artigo 59º, nº 1, alínea f), da CRP, é um direito de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias.
11- Ao analisar uma qualquer situação, um Juiz tem sempre que respeitar o art. 204° da Lei Fundamental que consagra: “nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.”

O município recorrido contra-alegou, concluindo do modo seguinte:
1 - O sócio do Autor é trabalhador em funções públicas no Município de Santa Maria da Feira.
2- No ano de 1993, foi vítima de um acidente em serviço;
3- Tendo-lhe sido dada alta no dia 5 de Abril de 1994, conforme consta de documento de alta entregue pela seguradora, do qual resultou o reconhecimento de uma incapacidade parcial permanente com uma desvalorização de 6%.
4- Na sequência da referida alta, o mesmo regressou ao serviço.
5- A referida incapacidade parcial permanente com uma desvalorização de 6% foi confirmada pela Caixa Geral de Aposentações (doravante CGA) no dia 04/05/2001, nos termos do n° 5 artigo 20° do D.L. n.°503/99, de 20 de Novembro.
6- No dia 7 de Fevereiro de 2011, o sócio do A. deu entrada nos serviços do Município de um pedido de submissão a junta médica, instruído com um exame médico, nos termos do disposto no n°1 do artigo 24° do DL. nº 503/99, de 20 de Novembro.
7- Conforme o entendimento sufragado pela jurisprudência:
I - Os acidentes em serviço ocorridos antes de 1/5/2000, data da entrada em vigor do DL nº 503/99, de 20/11, são regulados pelo DL nº 38523, de 23/11.
II - As recidivas, recaídas ou agravamentos desses acidentes, ocorridas após essa data, são regulados pelo DL nº 503/99, com excepção dos direitos dos sinistrados previstos nos artigos 34.° a 37.° deste mesmo diploma relativos às incapacidades da responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações.
III - O prazo de 10 anos para requerer junta médica para reconhecimento de recidivas de acidentes ocorridos antes da referida data, estabelecido no artº 24° do DL nº 503/99, que não existia na vigência do DL nº 38523, em que podia ser requerida a todo o tempo (artigo 20°, nº 1), conta-se a partir da entrada em vigor daquele diploma, como resulta da interpretação conjugada dos artigos 56.°, nº 1, alínea c), e 24°, nº 1, do DL nº 503/99, artigo 20.° do DL nº 38523, artigo 297º, nº 1, do CC e artigos 59°, nº 1, alínea f), e 18.°, nº 3, da CRP.”
8- Não padecendo de inconstitucionalidade o n°1 do artigo 24.° do DL n° 503/99, de 20/11, que estabelece o prazo de 10 anos para requerer junta médica, atendendo à interpretação e aplicação que lhe foi dada pela jurisprudência;
9- Sendo que a data da confirmação da incapacidade pela CGA é irrelevante para a contagem do prazo.
10- No caso em apreço, desde a entrada em vigor do diploma (1/05/2000), o sócio do autor não apresentou qualquer pedido de recidiva, recaída ou agravamento decorrentes de acidentes em serviço, no período de 10 anos.
11- Ora, o prazo contado nos termos referidos, estabelecido como prazo limite à ocorrência de recidivas, agravamentos ou recaídas, para a revisão da incapacidade de trabalho, não ocorreu qualquer actualização clínica intercalar nesses 10 anos do grau de incapacidade, não afronta os direitos constitucionalmente consagrados, designadamente o direito à assistência e justa reparação das vítimas de acidentes de trabalho.
12- Pelo que, nos termos legalmente estabelecidos e conforme entendimento sufragado pela jurisprudência, o pedido apresentado pelo sócio do A. em 7 de Fevereiro de 2011 foi extemporâneo, fundamento pelo qual foi indeferido pelo Município.
13- Quanto às referências feita pelo A., mormente quanto à legislação e jurisprudência, não poderemos deixar de referir que a mesma se aplica aos trabalhadores do sector privado, existindo assim e ainda dois regimes distintos, que resultam da própria denominação de cada um deles.
14- Procedendo a invocação da inconstitucionalidade da questão «sub judice» por violação do disposto no artigo 13.° da Constituição da República Portuguesa, conforme pretende o A., poria em causa todo o regime do sector público que, por ser distinto do regime do sector privado, seria, segundo o entendimento de A. na sua integralidade inconstitucional.
15- Não obstante, a convergência dos dois regimes ser uma questão de actualidade, parece-nos que o legislador intencionalmente, mantém a sua distinção e tal é perfeitamente visível aquando da aprovação, quase contemporaneamente, do novo Código de Trabalho (aprovado pela Lei n.°7/2009) e da Lei n°98/2009, de 4 de Setembro, e do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Publicas, aprovado pela Lei n° 59/2008, de 11 de Setembro.

A revista foi admitida pelo acórdão de fls. 255 e ss., da responsabilidade da formação a que alude o art. 150º, n.º 5, do CPTA.

A Ex.ª Magistrada do MºPº neste STA emitiu douto parecer no sentido do provimento do recurso, por inconstitucionalidade da norma que determinara a improcedência da acção.

A matéria de facto pertinente é a dada como provada no acórdão «sub censura», a qual aqui damos por integralmente reproduzida – como se estabelece no art. 150º, n.º 5, do CPTA.

Passemos ao direito.
O acórdão recorrido confirmou a sentença do TAF de Aveiro que julgara improcedente a acção para reconhecimento de direito dos autos por entender que o município ora recorrido procedera bem ao negar seguimento, por extemporaneidade, ao pedido do associado do autor de que, por «agravamento das lesões» por ele anteriormente sofridas num acidente ao serviço do réu, o submetessem a uma junta médica.
Na sua conclusão 4.ª, o recorrente diz que o aresto «sub specie» é nulo «por aceitar a violação da CRP». Mas, relendo-se a minuta de recurso, vê-se que essa pretensa «aceitação», violadora da Lei Fundamental, radica apenas no facto de o TCA se ter recusado a desaplicar determinada norma, tida pelo aqui recorrente como inconstitucional. Sendo assim, o que ele deveras imputa ao aresto é um erro decisório – e não uma genuína nulidade, designadamente qualquer das previstas no art. 668º do CPC. Donde se segue que tal conclusão carece de um antecedente fáctico-jurídico que a justifique, devendo necessariamente improceder.
No demais, a presente revista recoloca duas sucessivas questões, já tratadas pelo TCA: a de saber se o prazo de dez anos para que o sinistrado em situação de recidiva, agravamento ou recaída requeira a sua submissão a nova junta médica – prazo esse previsto no art. 24º, n.º 1, do DL n.º 503/99, de 20/11 – foi cumprido, «in casu», pelo associado do recorrente; e a de saber se a previsão desse prazo é inconstitucional, por ofensa do disposto nos arts. 13º e 59º, n.º 1, al. f), da CRP.
A primeira questão foi correctamente resolvida pelo TCA. Aquele art. 24º só confere relevo às situações de «recidiva, agravamento ou recaída» (conceitos definidos no art. 3º, n.º 1, als. o), p) e q) do diploma) para efeitos de submissão a junta médica desde que elas ocorram «no prazo de 10 anos contado da alta». A matéria de facto diz-nos que o associado do autor, após o acidente em serviço que sofrera, teve alta no dia 5/4/1994. E este dado factual nunca poderia ser negado pela circunstância da CGA só em 4/5/2001 ter confirmado a sua IPP, já que esta intervenção da CGA, destinada a aferir do direito dele a pensões ou outras prestações, nada tem a ver com a alta e os seus imediatos efeitos (cfr. os arts. 3º, n.º 1, al. n), 5º, n.º 3, 20º e 38º do DL n.º 503/99).
Nesta conformidade, pareceria que aquele prazo de dez anos se contava desde 5/4/94. Não é, contudo, assim. O art. 56º, n.º 1, al. c), do DL n.º 503/99, de 20/11, estabeleceu que o diploma seria imediatamente aplicável «às situações de recidiva, recaída ou agravamento decorrentes de acidentes em serviço, ocorridos antes» da entrada em vigor do decreto-lei. Ora, aquele prazo de dez anos não estava previsto no DL n.º 38.523, de 23/11/51, revogado pelo DL n.º 503/99. Donde decorre que, nos termos do art. 297º, n.º 1, do Código Civil, tal prazo só pode contar-se a partir da entrada em vigor da «lex nova». E, como o art. 58º do DL n.º 503/99, de 20/11, diferiu o início de vigência do diploma para o «dia 1 do 6.º mês seguinte à data da sua publicação», conclui-se que o mesmo prazo de dez anos se conta desde 1/5/2000 (cfr. os acórdãos deste STA de 12/11/2009 e de 14/4/2010, proferidos, respectivamente, nos processos ns.º 837/09 e 1232/09). Consequentemente, tal prazo já fora excedido quando, em 7/2/2011, o associado do recorrente requereu nos serviços do município ora recorrido a sua submissão a junta médica, por alegado «agravamento das lesões».
Resta ver se a estipulação desse prazo de dez anos, constante do art. 24º, n.º 1, do DL n.º 503/99, é, ou não, inconstitucional. Para o recorrente, tal inconstitucionalidade existiria em absoluto, por a norma consubstanciar uma restrição inadmissível de um direito fundamental dos sinistrados; e existiria ainda de um modo relativo, por a norma contrastar com o regime hoje em vigor para os acidentes de trabalho no âmbito do direito privado, o que configuraria uma violação do princípio da igualdade.
Comecemos pelo primeiro ponto, segundo o qual a inconstitucionalidade existe porque o mencionado art. 24º, n.º 1, ofende, «recte», o art. 59º, n.º 1, al. f), da CRP. O direito dos trabalhadores à «assistência e justa reparação quando vítimas de acidente de trabalho» («vide» o preceito atrás referido) deve ser encarado como um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias. Daí que o mencionado direito só possa ser restringido pela lei ordinária em termos razoáveis, proporcionados e que não atinjam o seu núcleo essencial (arts. 17º e 18º da CRP).
É muito discutível se a previsão de um prazo de caducidade de dez anos, contados da alta, para a invocação de situações de recidiva, agravamento ou recaída fere essencialmente, ou não, o direito à «justa reparação» reconhecido aos trabalhadores vítimas de acidentes de trabalho. Desde logo, porque um prazo desse género parece restringir tal direito, em vez de meramente condicionar o respectivo exercício – o que flui do facto dos dez anos contenderem com a existência ou a presença do direito, e não com o modo de o invocar, «in actu exercito». Depois, porque a «reparação», para ser inteiramente «justa» – e trata-se de uma justiça devida a quem, porque acidentado, se presume posto numa especial situação de fragilidade – deveria acompanhar todas as sequelas do acidente, independentemente das ocasiões temporais em que elas se manifestassem.
Mas, e por outro lado, sabemos que os institutos da prescrição e da caducidade têm, em direito, um vasto campo de acção, justificado por razões de segurança e certeza jurídicas. Com efeito, é compreensível e mesmo desejável que muitas situações se estabilizem com o decurso do tempo, porque convém que as responsabilidades se definam e porque as provas, com o fluir dos anos, vão perdendo certeza e credibilidade. Acresce que a experiência indica que as modificações dos já definidos estados de incapacidade costumam, à medida que o tempo vai passando, progressivamente rarear. E a solicitude reparadora, que é urgentemente devida aos sinistrados, concerne sobretudo aos efeitos que, do acidente, logo decorram, perdendo alguma acuidade quanto a efeitos longínquos e meramente acrescentes aos entretanto indemnizados.
Sendo assim, não cremos que o prazo de dez anos tipificado no art. 24º, n.º 1, do DL n.º 503/99 seja, em si mesmo, desrazoável ou desproporcionado. E também não nos parece que ofenda o conteúdo essencial do direito dos sinistrados à «justa reparação», já que incide sobre desenvolvimentos atípicos e inesperados das lesões – note-se que a alta é a certificação médica de que elas, ou desapareceram, ou são insusceptíveis de modificação (art. 3º, n.º 1, al. n), do DL n.º 503/99. Ora, e na medida em que se situam para além do que é normal e expectável, tais desenvolvimentos podem ser localizados na periferia da norma constitucional protectiva e, por isso, articulados com um prazo de caducidade explicável por razões de certeza e segurança – sem que daí advenha uma afecção essencial dos direitos dos sinistrados.
Deste modo, e embora o ponto não seja isento de dúvidas, propendemos para entender que o art. 24º, n.º 1, do DL n.º 503/99 – no segmento em que nele se prevê um «prazo de 10 anos» – não padece da inconstitucionalidade que o recorrente lhe atribui e que adviria da ofensa do art. 59º, n.º 1, al. f), da CRP. Desta forma, aproximamos o presente julgamento das posições que o Tribunal Constitucional produziu sobre normas semelhantes à que agora está em causa (cfr. os acórdãos desse tribunal de 19/3/2003 e de 10/12/2008, proferidos nos procs. ns.º 155/2003 e 612/2008, respectivamente); e, sobretudo, secundamos o aresto que o Tribunal Constitucional emitiu acerca daquele art. 24º, n.º 1 – acórdão esse citado no parecer do MºPº incidente sobre esta revista – onde se negou a inconstitucionalidade dessa norma e se revogou a pronúncia do STA que decidira ao invés.
Vejamos agora se a norma enferma desse mesmo vício, mas por violação do princípio da igualdade. A este propósito, o recorrente esgrime um argumento «prima facie» impressivo: o tal prazo de dez anos, que não estava previsto para os trabalhadores do sector público (cfr. o DL n.º 38.523, de 23/11/51), passou a abrangê-los para assim os equiparar aos trabalhadores do sector privado – que a ele estavam sujeitos, «ex vi» do art. 25º da Lei n.º 100/97, de 13/9; mas, como estes últimos trabalhadores passaram a poder invocar as situações de agravamento, recidiva ou recaída independentemente de prazo («vide» o art. 70º da Lei n.º 98/2009, de 4/9, revogatória da Lei n.º 100/97), teríamos que o regime do art. 24º, n.º 1, do DL n.º 503/99, de 20/11, culminara num tratamento normativo desigual de um mesmo assunto, desigualdade essa destituída de razão plausível – assim se recaindo numa inconstitucionalidade superveniente.
Não há dúvida que, através da Lei n.º 98/2009, o legislador optou por afastar o prazo de dez anos que, para os sinistrados do sector privado cujas incapacidades se modificassem, se estabelecia no art. 25º da Lei n.º 100/97. E também é indesmentível que, desse modo, o prazo de dez anos previsto no art. 24º, n.º 1, do DL n.º 503/99 deixou de ter correspondência na lei geral agora vigente.
No entanto, o cap. II da Lei n.º 98/2009 – onde se insere o seu art. 70º – só se aplica «a acidentes de trabalho ocorridos após a entrada em vigor» do diploma (art. 187º). De modo que, aos acidentes anteriores, continua a aplicar-se a Lei n.º 100/97 (revogada «in futurum» pela Lei n.º 98/2009) – designadamente a regra inserta no seu art. 25º, ns.º 1 e 2, segundo a qual a revisão das prestações, por agravamento, recidiva ou recaída, «só poderá ser requerida dentro dos 10 anos posteriores à data da fixação da pensão».
Sendo assim, um trabalhador do sector privado que sofresse um acidente de trabalho na data em que o associado do recorrente se acidentou continuaria hoje sujeito, caso invocasse uma situação de recidiva, agravamento ou recaída, ao tal prazo de dez anos, previsto na Lei n.º 100/97. E, em face disto, o recorrente não pode dizer que a sujeição do seu associado a um prazo similar (o do art. 24º, n.º 1, do DL n.º 503/99) configura, em rigor, uma desigualdade de tratamento que obrigasse à desaplicação desta última norma, por ofensa do art. 13º da CRP.
Com efeito, uma desigualdade no tratamento normativo de assuntos iguais («rectior», semelhantes) propicia uma desaplicação dos preceitos discriminatórios ou desfavoráveis, «ex vi» do art. 13º da CRP. Mas essa desigualdade entre regimes jurídicos só pode ser atendível se eles forem coexistentes no tempo; e nunca o será se eles forem sucessivos, pois é inerente à sucessão de regimes alguma mudança e, portanto, uma fatal desigualdade – que só por absurdo se diria coberta pelo princípio acolhido naquele art. 13º.
Temos, portanto, que não convence nenhuma das razões em que o recorrente alicerça a inconstitucionalidade do art. 24º, n.º 1, do DL n.º 503/99. Pelo que as conclusões da revista são improcedentes ou irrelevantes, devendo confirmar-se o aresto «sub judicio».

Nestes termos, acordam em negar a revista e em confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente – dado que a isenção prevista no art. 4º, n.º 1, al. f), do RCP não abrange as hipóteses em que os sindicatos defendam interesses individuais.

Lisboa, 19 de Dezembro de 2012. – Jorge Artur Madeira dos Santos (relator) – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – José Manuel da Silva Santos Botelho.