Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01/20.2BCPRT
Data do Acordão:11/19/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ADRIANO CUNHA
Descritores:TRIBUNAL ARBITRAL
ARBITRO
NOMEAÇÃO
RECORRIBILIDADE
PROCESSO URGENTE
PROCESSO SIMPLES
OBJECTO DO PROCESSO
Sumário:I - O nº 7 do art. 10º da Lei de Arbitragem Voluntária (Lei 63/2011) afasta a recorribilidade das decisões de designação de árbitro(s) pelo tribunal estadual competente, isto é, das decisões de escolha, em si mesma, de árbitro(s), mas não das decisões que, alegadamente, ofendam os pressupostos dessa competência, designadamente, decisões de recusa – alegadamente ilegal – de nomeação de árbitro(s), assim impedindo a constituição do tribunal arbitral.
II - O processo de designação de árbitro pelo tribunal estadual competente, previsto nos arts. 10º nº 4, 59º nº 1 a) e 60º da LAV, é um processo que reveste carácter “urgente” por determinação legal (art. 60º nº 4 da LAV), pretendido como simples e expedito, destinado exclusivamente à designação de árbitro(s) em falta, não cabendo, no seu âmbito, ao tribunal estadual, apreciar outras questões, como, nomeadamente, a competência do tribunal arbitral formando para o julgamento do litígio a ele submetido – questões que devem ser colocadas perante e decididas pelo tribunal arbitral constituído.
Nº Convencional:JSTA000P26789
Nº do Documento:SA12020111901/20
Data de Entrada:10/14/2020
Recorrente:ÁGUAS DO CENTRO LITORAL, SA
Recorrido 1:ÁGUAS DE COIMBRA, E.E.M E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I - RELATÓRIO

1. “ÁGUAS DO CENTRO LITORAL, S.A.”, requereu ao Presidente do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), a designação de árbitro, ao abrigo do disposto nos artigos 10º nº 4, 16º nº 1 e 59º nºs 1 a), 2 e 3, da “Lei da Arbitragem Voluntária (LAV)”, e de cláusula compromissória constante de convenção arbitral inserta em contrato de recolha de efluentes celebrado, em 30/12/2004, entre o “Município de Coimbra” e a “Águas do Mondego – Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento do Baixo Mondego-Bairrada, S.A.” (sociedade a que a ora Requerente sucedeu, nos termos do DL 92/2015, de 29/5).

Alegou que a “AC, ÁGUAS DE COIMBRA, E.M.” (entidade gestora do sistema municipal de abastecimento de água e de saneamento do Município de Coimbra) veio «submeter à arbitragem a interpretação e execução do contrato de recolha no que à medição dos volumes de efluentes a tratar respeita ou a sua determinação para efeitos de pagamento do serviço prestado», o que fez por carta dirigida à ora Requerente datada de 14/1/2019, na qual designou como árbitro o Dr. A……………………..

Referiu que, após várias vicissitudes, o Tribunal Arbitral ficou formado, tendo a Requerente designado como árbitro o Prof. B………….. e tendo sido nomeado como Presidente o Prof. C…………..

Porém, em 18/12/2019, o árbitro Dr. A………… renunciou ao exercício das funções de árbitro, com fundamento numa alegada incapacitação para o exercício de funções, pelo que a Requerente se pronunciou no sentido de que, estando em causa a cessação de funções do árbitro designado pelos Demandantes, deveriam estes proceder à designação do árbitro substituto, o que deveria suceder, face à ausência de estipulação das partes a este propósito, no prazo de 30 dias, nos termos do art. 10º nº 4 da LAV.

Ora, atendendo a que já haviam decorrido mais de 30 dias sobre a renúncia apresentada pelo árbitro Dr. A…………. e sobre o requerimento apresentado pela Demandada – ora Requerente - em que pedia que os Demandantes procedessem à nomeação de árbitro substituto, sem que os Demandantes tivessem designado um árbitro substituto, alegou a Requerente ser aplicável o disposto no artigo 10º nº 4 da LAV, nos termos do qual “se, no prazo de 30 dias a contar da recepção do pedido que a outra parte lhe faça nesse sentido, uma parte não designar o árbitro que lhe cabe escolher […] a designação do árbitro ou árbitros em falta é feito, a pedido de qualquer das partes, pelo tribunal estadual competente” – no caso, o Presidente do TCAN.

2. Os Requeridos, “Município de Coimbra” e “AC, Águas de Coimbra, EME”, manifestaram a sua oposição à requerida designação de árbitro, argumentando que por Acórdão do TCAN de 31-10-2019, no proc. 579/18.0BECBR, fora decidido, com trânsito em julgado, que a competência para o julgamento do litígio ali em causa pertencia à jurisdição administrativa, reconhecendo-se que a pretensão da ali Autora, aqui Requerente, não estava abrangida pela convenção de arbitragem.

3. Por despacho de 22/7/2020, o Presidente do TCAN (em exercício/turno), indeferiu a requerida designação de árbitro, proferindo a seguinte decisão, ora recorrida:

«Águas do Centro Litoral, S.A., nos termos do disposto nos artigos 10º, nº4, 16º nº1 e 59º, nº 1, a), nº2 e nº3 da LAV, veio requerer a designação de árbitro substituto na arbitragem iniciada por Município de Coimbra e AC – Águas de Coimbra, E. M. contra a Requerente.
Os Requeridos opõem-se ao deferimento do pedido, sustentando que não deve ser designado qualquer árbitro, uma vez que pelo Acórdão deste TCAN de 31-10-2019, Proc. 579/18.0BECBR, respeitante à mesma questão controvertida que se pretende ver submetida à arbitragem, foi decidido, com trânsito em julgado, no sentido da competência para a causa ser pertinente à jurisdição administrativa, destacando do mesmo a asserção «é manifesto que a questão suscitada na presente acção – isto é, a pretensão da Autora, ora Recorrente [Águas do Centro Litoral, S.A.] não está abrangida pela convenção de arbitragem, tendo, pelo contrário, sido expressamente excepcionada da competência atribuída aos tribunais arbitrais».
Cumpre decidir.
Como se vê com facilidade de todas as diversas disposições da LAV pertinentes, incluindo as invocadas pela requerente, se devidamente interpretadas e conjugadas entre si, a incumbência do Presidente deste TCAN, considerado o artigo 59º/1 da LAV, limita-se à designação da individualidade que, na falta de acordo das partes, há-de ser investida no cargo de árbitro. Sendo pressuposto, como dado adquirido, que as partes estão de acordo quanto à necessidade da nomeação de um árbitro para garantir a normal constituição e funcionamento do Tribunal Arbitral.
Nem o artigo 16º/1 da LAV, por exemplo, escapa à força gravítica desse princípio. A aparentemente incondicional expressão «Em todos os casos em que, por qualquer razão, cessem as funções de um árbitro, é nomeado um árbitro substituto…» apenas poderia impressionar um intérprete desprevenido e ignorante de que a interpretação da lei tem sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico (artigo 9º do C. Civil).
Em suma, não há árbitros sem tribunal arbitral.
Basta atentar na tese bem plausível, sustentada pelos Requeridos, de que mediante o identificado acórdão deste TCAN “a cláusula compromissória deixou de estar apta a produzir os seus efeitos” nos termos do artigo 5º/1 in fine da LAV.
Obviamente não compete ao Presidente do TCAN dirimir um conflito que, sob a veste fantasiosa de falta de consenso sobre árbitro a nomear, radica realmente na falta de consenso sobre a própria subsistência legal e frutífera do tribunal arbitral.
Neste contexto, só por jogo pueril se esperaria que o Presidente do TCAN perdesse tempo com a tarefa de nomear um árbitro para um tribunal arbitral que, no entendimento de uma das partes, está esvaziado de funções.
DECISÃO
Pelo exposto indefere-se o requerido.
Porto, 22 de Julho de 2020».

4. Inconformada com esta decisão do Presidente do TCAN de não proceder à requerida designação de árbitro, a Requerente “Águas do Centro Litoral, S.A.” interpôs, da mesma, o presente recurso jurisdicional para este Supremo Tribunal Administrativo, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

«A) Por despacho de 22 de julho de 2020, o Senhor Juiz a quo indeferiu o pedido de designação de árbitro substituto apresentado pela Recorrente.

B) A Recorrente não se conforma com tal decisão, porque padece de um clamoroso erro na aplicação do Direito, concretamente das normas da LAV, e porque a recusa de designação de árbitro substituto, impedindo a reconstituição do Tribunal Arbitral, redunda na total denegação do direito à tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 20.º, n.º 1, da CRP.

C) O despacho sub judice é recorrível, nos termos do disposto nos artigos 142.º, n.º 1, do CPTA, 29.º, n.º 1, alínea g), do ETAF e 59.º, n.º 8, da LAV.

D) Com efeito, a decisão que recusa a designação de árbitro não está compreendida no âmbito da irrecorribilidade prevista no artigo 10.º, n.º 7, da LAV e, ainda que estivesse – o que apenas se admite por dever de patrocínio, sem conceder –, tal norma sempre seria inconstitucional, por ofensa do artigo 268.º, n.º 4, da CRP, que assegura aos interessados o recurso de «quaisquer atos administrativos», mesmo que só materialmente administrativos, como é o caso da nomeação de árbitro por presidente de um tribunal estadual.

E) O despacho recorrido incorre em manifesto erro de julgamento, na medida em que
a) A falta de competência do tribunal arbitral não constitui fundamento para recusa de designação de árbitro;
b) O Acórdão proferido pelo TCAN no processo n.º 579/18.0BECBR não produz quaisquer efeitos quanto à competência do Tribunal Arbitral e o Tribunal Arbitral já proferiu decisão a este propósito;
c) A ausência de acordo das partes quanto à competência do Tribunal Arbitral e à necessidade de designação de árbitro não constitui fundamento para a recusa de designação de árbitro.

F) O despacho proferido pelo Senhor Juiz Presidente do TCAN, ao julgar o Tribunal Arbitral incompetente e ao fundamentar na referida incompetência a recusa de designação de árbitro, violou a regra da competência constante do artigo 18.º, n.º 1, da LAV.

G) Mesmo que o Tribunal Arbitral se tivesse julgado incompetente para dirimir o litígio, nem assim poderia o Senhor Juiz Presidente do TCAN fundamentar em tal incompetência a recusa de designação de árbitro, sob pena de comprometer a urgência do processo e o acesso à justiça pelas partes.

H) O Acórdão proferido pelo TCAN no processo n.º 579/18.0BECBR, porquanto aí não se decidiu que a convenção de arbitragem fosse nula, ineficaz ou inexequível (cfr. artigo 5.º, n.º 1, da LAV), não tem qualquer impacto sobre a competência do tribunal arbitral, ao qual compete, em primeira instância, apreciar a sua própria competência para dirimir o litígio que lhe é submetido.

I) A decisão do Senhor Juiz Presidente do TCAN é também ilegal por se pronunciar sobre uma questão – o impacto do Acórdão do TCAN de 31 de outubro de 2019 na arbitragem – já decidida pelo Tribunal Arbitral.

J) Com efeito, o Tribunal Arbitral declarou-se preliminarmente competente para dirimir o litígio, conforme decorre do despacho proferido no dia 12 de março de 2020, junto pela Recorrente aos presentes autos no dia 20 de março.

K) É absurdo o entendimento, contido no despacho recorrido, de que o acordo das partes quanto à competência do Tribunal Arbitral e à necessidade de designação de árbitro é um requisito necessário para que o tribunal estadual designe o árbitro em falta.

L) Se a inaceitável tese do Senhor Juiz Presidente do TCAN vingasse, quase todas as arbitragens estariam condenadas à nascença e terminariam assim que fosse invocada a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral.

M) Se fosse exigido o acordo das partes quanto à necessidade da designação do árbitro em falta, quase nunca tal designação seria feita, já que os demandados na arbitragem, o mais das vezes, se opõem à designação.

N) Caso a decisão recorrida transitasse em julgado, a Recorrente ver-se-ia numa situação em que, por um lado, não poderia obter a tutela dos seus direitos na arbitragem, face à incompletude do Tribunal Arbitral, e, por outro lado, também não poderia recorrer aos tribunais estaduais, já que continua vinculada a uma convenção arbitral que a impede de o fazer.

O) Estaria, assim, a Recorrente totalmente impedida de obter a tutela dos seus direitos em todas as jurisdições, ficando o seu direito à tutela jurisdicional efetiva prejudicado de forma definitiva e irremediável.

P) Deste modo, interpretação do artigo 10.º, n.ºs 4 e 6, da LAV, no sentido de que os tribunais estaduais podem recusar a designação de árbitro se entenderem que o tribunal arbitral não é competente ou se não existir acordo de todas as partes quanto à competência do tribunal arbitral e quanto à necessidade de designação de um árbitro, é inconstitucional, por violação da norma constante do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição.

Termos em que deverão V. Ex.as conceder provimento ao presente recurso, revogando o despacho recorrido e designando árbitro substituto, com todas as consequências legais».

5. Os Requeridos “Município de Coimbra” e “AC, Águas de Coimbra, E.M.” contra-alegaram, rematando com o seguinte quadro conclusivo:

«A) O Tribunal Arbitral encontra-se composto pelos três árbitros, o Presidente e os nomeados pelas partes, pelo que o presente recurso é inútil.

B) A Recorrente não tem interesse processual ou interesse em agir, pressuposto da sua legitimidade.

C) O douto despacho recorrido é um despacho meramente interlocutório, que não conhece do mérito da causa, não tendo sido proferida decisão final (art.º 142º, n.º 1 do CPTA.)

D) O n.º 7 do art.º 10º da LAV estabelece que: “Não cabe recurso das decisões proferidas pelo tribunal estadual competente ao abrigo dos números anteriores do presente artigo.”

E) O n.º 7 do art.º 10 da LAV interditando o recurso das decisões de nomeação de árbitro, necessariamente interdita todas as decisões que a essa matéria respeitem, seja a da nomeação, seja a de não nomeação, não sendo lícito em sede de interpretação restringir o seu campo de aplicação.

F) O douto despacho recorrido apenas é susceptível de recurso em sede de recurso da sentença arbitral e com fundamento em deficiente composição do tribunal arbitral e ao abrigo do disposto no n.º 3, al.) iv do art.º 46º da LAV: “A sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal estadual competente se: (…) a composição do tribunal arbitral ou processo arbitral não forem conforme a convenção das partes…

G) O valor do impulso processual da Recorrente no TCAN, não admite recurso para este Supremo Tribunal Administrativo.

H) A irrecorribilidade da decisão do douto despacho do Sr. Presidente do TCAN apenas se fica a dever à falta de verificação dos pressupostos de admissibilidade (art.º 10º, n.º 7 da LAV), não ocorrendo qualquer denegação de justiça e muito menos ofensa ao princípio da tutela jurisdicional efectiva.

I) O Art.º 10º, nº 4 e 7 da LAV encontra-se subjacente ao douto “Despacho” recorrido do Exmº Presidente do TCAN, constituindo uma norma especial do nosso ordenamento jurídico.

J) Em 31 de Outubro de 2019 foi proferido o Acórdão do TCAN transitado em julgado, no proc. nº 579/18.0BECBR, que julgou competente para conhecer do objecto desta acção o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra e na qual se entendeu que, como da sua fundamentação consta;
Trata-se, indiscutivelmente, de questão respeitante à facturação emitida pela Recorrente e à falta do seu pagamento, questão essa que o 1º Recorrido e a Recorrente expressamente excluíram do âmbito da cláusula compromissória, atribuindo a competência à Comarca de Coimbra (cfr. cláusula 10ª, nº 3, do contrato de recolha de efluentes).

É claro que, para determinar se as quantias facturadas e peticionadas pela Recorrente são ou não devidas pelos Recorridos, o Tribunal poderá ter de apreciar uma variedade de questões, como, por exemplo, a de saber se a facturação foi feita nos termos contratados.
É evidente que, para decidir questões respeitantes à facturação e à falta do seu pagamento, o Tribunal poderá ser chamado a interpretar o contrato ao abrigo do qual as facturas foram emitidas e a analisar o modo como o mesmo deve ser executado pelas partes”.
(…)
“Quando a Recorrente e o 1º Recorrido acordaram que poderiam ser submetidas ao tribunal arbitral “todas as questões relativas à interpretação ou execução deste contrato, com excepção das respeitantes à facturação emitida pela sociedade e ao seu pagamento ou falta dele”, manifestaram a vontade de poder submeter à arbitragem todas as questões de interpretação ou execução do contrato de recolha de efluentes que não respeitassem à facturação.” (o negrito e sublinhado é nosso)

K) Ao declarar o referido Acórdão competente o Tribunal Administrativo, a cláusula compromissória constante do contrato de recolha de efluentes nela ajuízado, tornou-se supervenientemente ineficaz ou inexequível, deixando de estar apta a produzir os seus efeitos, ou seja, para que o tribunal arbitral tenha competência para conhecer “… da identificada questão de interpretação e execução do contrato no que à medição e determinação dos volumes de efluentes a tratar respeita.”, questão esta, que é a constante dos ofícios n.ºs S000308- 2019-P5OF_GERAL-000232-DAG da AC – Águas de Coimbra, E. M. e 4565 de 18 de Março de 2019 do Município de Coimbra, com que se iniciou a arbitragem, ofícios ajuizados na dita acção para fundamentar a nela alegada preterição do tribunal arbitral (art.º 33, n.º 1 da LAV).

L) A renúncia e incapacitação manifestada pelo árbitro, Sr. Dr. A…………., foi por entender que o litigio submetido à arbitragem foi “… expressamente excepcionada da competência atribuída aos tribunais arbitrais» (sic); “, como se escreve no dito Acórdão e escreveu na carta que comunicou aquela renúncia e incapacitação.

M) O douto despacho recorrido ao entender como nele se escreve; “Em suma, não há árbitros sem tribunal arbitral”, não designando árbitro para substituir o referido árbitro renunciante, que renunciou pelas referidas razões, limita-se a respeitar o referido Acórdão do TCAN, de 31 de Outubro de 2019, transitado em julgado, proferido no proc. nº 579/18.0BECBR.

N) Não existindo qualquer questão a submeter à arbitragem, para além daquela constante daqueles ofícios n.ºs S000308- 2019-P5OF_GERAL-000232-DAG da AC – Águas de Coimbra, E. M. e 4565 de 18 de Março de 2019 do Município de Coimbra e da acção que a Recorrente deu entrada no TAF-Coimbra em 15 de Novembro de 2019, não é correcto afirmar que o Sr. Dr. Juiz Desembargador Presidente do TCAN, “entendeu recusar a designação de árbitro com fundamento na alegada falta de competência do tribunal arbitral para julgar a arbitragem em apreço”, como o faz e escreve a Recorrente.

O) Só “na falta de disposições aplicáveis na presente lei …” (art.º 30, n.º 3 da LAV) é que o Tribunal Arbitral pode definir “as regras processuais que entender adequadas” (art.º 30, n.º 3 da LAV), pelo que não tendo as Recorridas apresentado a petição inicial a que se refere o artigo 33º, n.º 2 da LAV, outra coisa não restava ao tribunal arbitral senão “por termo ao processo arbitral…” (n.º 1 do art.º 35º da LAV).

P) Tem plena aplicação ao vertente caso, o disposto no art.º 5º, nº 3 da LAV: “O processo arbitral cessa logo que um tribunal estadual considere, mediante decisão transitada um julgado que o tribunal arbitral é incompetente para julgar o litígio …»;
E bem assim o disposto no n.º 1 do mesmo preceito legal: “O tribunal estadual no qual seja proposta acção relativa a uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem deve, (…) absolvê-lo da instância, a menos que verifique que, manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível.” (o negrito e sublinhado é nosso)

Q) O Tribunal Arbitral, sendo a arbitragem consensual na sua origem, está a “obrigar” as Recorridas a nela permanecer contra a sua vontade, contra a vontade de quem a requereu e dela desistiu (face ao transito em julgado do douto Acórdão do TCAN), contra a vontade de quem não apresentou a respectiva petição inicial e para tanto só elas têm legitimidade para o poder fazer.
Os árbitros inicialmente designados não têm competência para “iniciar” uma outra arbitragem, que nem as Recorridas nem a Recorrente requereu (art.º 33, n.º 1 da LAV), não podendo a dos autos as Recorridas, passar de “Demandantes” a “Demandadas”, e a “Demandada” a “Demandante” nem, a “Demandada” a “Demandada/Reconvinte” e as “Demandantes” a “Demandantes/Reconvindas” e uma vez que as Recorridas não apresentaram a petição inicial para poder haver pedido reconvencional.

R) Ainda com interesse e a este respeito se pronunciou ainda o Acórdão do STJ de 20 de Janeiro de 2011 que seguidamente se transcreve:
Apenas nos casos em que for manifesta a nulidade, a ineficácia ou a inaplicabilidade da convenção de arbitragem, o juiz pode declará-lo e, consequentemente, julgar improcedente a excepção” (Ac. STJ de 20.1. 2011: Proc. 2207/09. 6TBSTB.E.J. S.I. dgsi. Net) – (o negrito é nosso).
E quando “o Tribunal Arbitral declarou-se preliminarmente competente para dirimir o litígio, conforme decorre do despacho proferido no dia 12 de março de 2020, junto pela Recorrente aos presentes autos no dia 20 de março.”, como ela alega e constitui a conclusão da alínea J), já há muito tinha transitado em julgado o douto Acórdão de 31 de Outubro de 2019, proferido pelo TCAN, no proc. n.º 579/18.0BECBR, do qual resultou “…a ineficácia ou a inaplicabilidade da convenção de arbitragem…

S) O Tribunal Arbitral deve também ordenar o encerramento do processo arbitral ao abrigo do n.º 2, al.) c) do art.º 44, por verificar “que a prossecução do processo se tornou, por qualquer razão, inútil ou impossível” e como já foi determinado por despacho de 04 de Agosto de 2020 do Exmº árbitro Presidente e que mereceu o voto de concordância do Exmº árbitro renunciante, Sr. Dr. A…………., despacho este que se reproduz;
Mantem-se assim o entendimento de acordo com o qual, a partir do momento que ocorrer o trânsito em julgado da decisão do Senhor Presidente do Tribunal Central Administrativo Norte de não designar árbitro substituto do Senhor Dr. A……….., o Tribunal Arbitral deverá ser encerrado de acordo com o estatuído no artigo 44.º, número 2, alínea c) da LAV.
Coimbra, 4 de Agosto de 2020 (Juíz Árbitro Presidente do Tribunal Arbitral)
Termos em que deve ser declarado irrecorrível o recurso do despacho de 22 de Julho de 2020 do Exmº Sr. Dr. Juiz Desembargador Presidente do TCAN que indeferiu o pedido de designação de árbitro substituto efectuado pela Águas do Centro Litoral, S.A., e bem assim declarar-se a sua falta de interesse processual e de agir, e em todo o caso confirmar-se o despacho, concluindo-se como nele: “Em suma, não há árbitros sem tribunal arbitral».

6. Por despacho de 13/10/2020 (cfr. fls. 655 SITAF), a Presidente do TCAN admitiu o presente recurso jurisdicional, nos seguintes termos:

«Admito o recurso tempestivamente interposto, por quem tem legitimidade e interesse processual em agir [de acordo com a informação prestada pelo Tribunal arbitral, o árbitro nomeado pela parte (que renunciou) apenas se encontra em exercício de funções até à nomeação judicial de árbitro nestes autos, pelo que é manifesto o interesse do recorrente na tutela judicial pretendida e o efeito útil do recurso interposto] para a Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, a subir imediatamente nos próprios autos.
Notifique.
Após remetam-se os autos ao STA».

7. O Ministério Público junto deste STA, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art. 146º nº 1 do CPTA, nada veio referir sobre o mérito do presente recurso.

8. Sem vistos (atento o disposto nos arts. 36º nºs 1 e 2 e 147º do CPTA e 60º nº 4 da LAV), mas com prévia divulgação do projeto de acórdão pelos Srs. Juízes Adjuntos, o processo vem submetido à Conferência, cumprindo apreciar e decidir.

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II - DAS QUESTÕES A DECIDIR

9. Constitui objeto do presente recurso:
- apreciar se é admissível o presente recurso jurisdicional para este STA da decisão do Presidente do TCAN que recusou designar árbitro para Tribunal Arbitral, como lhe fora requerido pela ora Recorrente;
- concluindo-se pela sua admissibilidade, apreciar se é legal aquela decisão de recusa da requerida designação de árbitro, em face do disposto no art. 10º nº 4 da LAV.

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III - FUNDAMENTAÇÃO

III. A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

10. Resulta dos autos, relevantemente, o seguinte quadro factual:

1) Em 30/12/2004, o “Município de Coimbra” e a “ÁGUAS DO MONDEGO – SISTEMA MULTIMUNICIPAL DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA E DE SANEAMENTO DO BAIXO MONDEGO-BAIRRADA, S.A.” (sociedade a que a ora Requerente sucedeu, por força do disposto no Decreto-Lei n.º 92/2015, de 29 de maio) celebraram um contrato de recolha de efluentes - Doc. 1 junto com o r.i.;

2) Na cláusula 10ª do referido contrato de recolha de efluentes, foi inserta convenção arbitral, com a seguinte redação:
«Cláusula 10ª
1. Em caso de desacordo ou litígio relativamente a interpretação ou execução deste contrato, as partes diligenciarão no sentido de alcançar, por acordo amigável, uma solução adequada e equitativa.
2. No caso de não ser possível uma solução negociada e amigável nos termos previstos no número anterior, cada uma das partes poderá a todo o momento recorrer à arbitragem, nos termos dos números seguintes
3. Ao tribunal poderão ser submetidas todas as questões relativas à interpretação ou execução deste contrato, com excepção das respeitantes à facturação emitida pela Sociedade e ao seu pagamento ou falta dele, casos em que o foro competente será o da Comarca de Coimbra.
4. A arbitragem será realizada por um tribunal arbitral constituído nos termos desta cláusula e de acordo com o estipulado na Lei nº 31/86, de 29 de Agosto.
5. O tribunal arbitral será composto por um só árbitro nomeado pelas partes em desacordo ou litígio. Na falta de acordo quanto à nomeação desse árbitro, o tribunal arbitral será então composto por três árbitros, dos quais um será nomeado pelo Município, outro pela Sociedade, e o terceiro, que exercerá as funções de presidente do tribunal, será escolhido por aqueles. Na falta de acordo, o terceiro árbitro será nomeado pelo Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra.
6. O tribunal arbitral funcionará em Coimbra em local a escolher pelo árbitro único ou pelo presidente do tribunal, conforme o caso».

3) Ao abrigo da citada cláusula 10ª do referido contrato de recolha de efluentes, a “AC, ÁGUAS DE COIMBRA, E.M.” (entidade gestora do sistema municipal de abastecimento de água e de saneamento do Município de Coimbra) veio «submeter à arbitragem a interpretação e execução do contrato de recolha no que à medição dos volumes de efluentes a tratar respeita ou a sua determinação para efeitos de pagamento do serviço prestado», o que fez por carta dirigida à ora Requerente e datada de 14/1/2019 - DOC. 2 junto com o r.i;

4) Na mesma carta, a “AC, ÁGUAS DE COIMBRA, E.M.” designou como árbitro único o Senhor Dr. A………………., nos termos do nº 5 da cláusula 10ª do aludido contrato, referindo que:
«Para a hipótese da falta de acordo da identificada pessoa para exercer as funções de árbitro requerer-se que o Tribunal seja composto por três árbitros, sendo um nomeado pelo município e outro por essa sociedade, sendo o Presidente por ambos nomeado. E não havendo acordo tal terceiro árbitro será nomeado pelo Senhor Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra. De todo o modo, afigurando-se o árbitro indicado, como pessoa idónea e isenta, a requerente AC, Águas de Coimbra, E.M., indica-o desde já para seu árbitro de parte, sendo o Tribunal Coletivo, ou seja, composto por três árbitros» (cit. DOC. 2 junto com o r.i);

5) Em resposta, mediante carta datada de 5/2/2019 - DOC. 3 junto com o r.i. -, a ora Requerente comunicou à “AC, ÁGUAS DE COIMBRA, E.M.”, fundamentando, que o pedido que esta lhe havia dirigido de submissão de litígio a arbitragem não reunia «as condições necessárias para dar início a um processo arbitral, ao abrigo da cláusula 10ª do contrato de recolha»;

6) Na sequência dessa missiva, a Câmara Municipal de Coimbra veio «ratificar e fazer seu o ofício nº S000308-2019-P50F-GERAL da ACEM» (ou seja, a carta de 14/1/2019), interpelando a ora Requerente para «declarar se aceita o árbitro único nele designado e identificado e, em caso negativo, indicar no prazo legal o seu árbitro de parte para que, conjuntamente com o indigitado por este município, ambos possam acordar pelo terceiro árbitro, presidente» - carta de 18/3/2019, junta como DOC. 4 com o r.i.);

7) Por carta de 17/4/2019 (junta como DOC. 5 com o r.i.), a ora Requerente respondeu ao Senhor Presidente da “Câmara Municipal de Coimbra”, com conhecimento para o Senhor Presidente do Conselho de Administração da “AC, ÁGUAS DE COIMBRA, E.M.”, designando como árbitro o Senhor Professor Doutor B………….. e alargando o objeto do litígio, passando o mesmo a incluir «a condenação ao pagamento dos montantes titulados por faturas emitidas pela AdCL [aqui Requerente], relativas à prestação do serviço público de saneamento previsto no contrato de recolha e no contrato de concessão em vigor, nos termos previstos no Anexo IV do contrato de concessão»;

8) Subsequentemente, e na sequência de pedido apresentado pela Demandada nos termos do disposto no nº 5 da convenção de arbitragem (no qual se prevê, quanto à designação do árbitro presidente, que “[n]a falta de acordo, o terceiro árbitro será nomeado pelo Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra”, o Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra designou como árbitro Presidente o Prof. Dr. D……………. - DOC. 6 junto com o r.i.;

9) Notificado da designação, o Prof. Dr. D………..…….. apresentou, em 11/9/2019, pedido de escusa do exercício das funções de árbitro - DOC. 7 junto com o r.i.;

10) Tendo tomado conhecimento do pedido de escusa apresentado, o Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra procedeu, por despacho de 17/9/2019, a nova designação, tendo nomeado como árbitro presidente o Prof. Dr. C……………………. - DOC. 7 junto com o r.i.;

11) Os árbitros designados aceitaram o encargo e, no dia 11/12/2019, houve lugar a uma primeira audiência do processo arbitral - DOC. 8 junto com o r.i.;

12) Por Acórdão de 31/10/2019 (proc. 579/18.0BECBR), transitado, o TCAN, revogando sentença de 1ª instância do TAF/Coimbra, e dando provimento a recurso de apelação da aqui Requerente “Águas do Centro Litoral, S.A.”, julgou que o litígio ali em causa - referente a “questões relativas à faturação, ainda que a análise desta pressuponha a apreciação de uma divergência sobre a medição dos volumes de efluentes faturar”, no âmbito do contrato aludido em 1) – é da competência dos tribunais administrativos.

13) No dia 18/12/2019, o árbitro Dr. A…………….. renunciou ao exercício das funções de árbitro, com fundamento numa alegada incapacitação para o exercício de funções - DOCs. 9 e 10 juntos com o r.i.;

14) A Demandada, ora Requerente, pronunciou-se sobre a renúncia do árbitro Dr. A…………….. através de requerimento apresentado no dia 19/12/2019, o qual foi devidamente notificado aos Demandantes - DOCs. 11 e 12 juntos com o r.i.;

15) Nesse requerimento, a Demandada, ora Requerente, referiu expressamente, nos parágrafos 22 a 24, que face à cessação de funções do árbitro por si designado, deveriam os Demandantes proceder a nova designação - DOC. 11 junto com o r.i.:
«22. Nesta matéria, rege o disposto no artigo 16.º, n.º 1 da LAV, nos termos do qual:
“Em todos os casos em que, por qualquer razão, cessem as funções de um árbitro, é nomeado um árbitro substituto, de acordo com as regras aplicadas à designação do árbitro substituído, sem prejuízo de as partes poderem acordar em que a substituição do árbitro se faça de outro modo ou prescindirem da sua substituição”.
23. Deste modo, estando em causa a cessação de funções do árbitro designado pelos Demandantes / Reconvindos, devem estes proceder à designação do árbitro substituto.
24. A referida designação deverá ser feita, face à ausência de estipulação das partes a este propósito, no prazo de 30 dias (cfr. artigo 10.º, n.º 4 da LAV)».

16) Até à apresentação, em 4/2/2020, pela Requerente/Recorrente, do requerimento ao Presidente do TCAN para designação de árbitro, os Demandantes, aqui Requeridos/Recorridos, não haviam designado um árbitro substituto.


III.B – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

- Da admissibilidade do presente recurso jurisdicional

11. Como vimos, defendem as Recorridas/Requeridas nas suas contra-alegações que o presente recurso jurisdicional é inadmissível uma vez que o n.º 7 do art.º 10º da LAV estabelece que «não cabe recurso das decisões proferidas pelo tribunal estadual competente ao abrigo dos números anteriores do presente artigo», norma que, ao interditar o recurso das decisões de nomeação de árbitro, necessariamente interditará todas as decisões que a essa matéria respeitem, sejam as de nomeação, sejam as de não nomeação, não sendo lícito em sede de interpretação restringir o seu campo de aplicação.

Em seu entendimento, o despacho recorrido do Presidente do TCAN recusando a nomeação de árbitro, apenas seria susceptível de recurso “em sede de recurso da sentença arbitral e com fundamento em deficiente composição do tribunal arbitral”.

Mais argumenta que “o valor do impulso processual da Recorrente no TCAN, não admite recurso para este Supremo Tribunal Administrativo”.

12. Pelo contrário, a Recorrente/Requerente alega que o presente recurso jurisdicional é admissível, como foi bem admitido por despacho da Presidente do TCAN, uma vez que o citado nº 7 do art. 10º da LAV apenas pretende ter como definitiva uma decisão do Presidente do TCA (ou de Tribunal da Relação, conforme os casos) que proceda à nomeação de um árbitro, tendo por objetivo subtrair a recurso a opção sobre a individualidade concretamente escolhida para árbitro. De outra forma, estar-se-ia perante uma clara e inadmissível omissão de tutela jurisdicional, pois que o tribunal arbitral se veria impedido de funcionar na sequência de uma decisão irrecorrível.

13. Entendemos que, tal como alegado pela Recorrente/Requerente, é admissível recurso do despacho proferido de recusa da requerida nomeação de árbitro – e para este STA (Secção de Contencioso Administrativo), tribunal hierarquicamente superior a que se refere o nº 8, “in fine”, do art. 59º da LAV (em deferimento legal previsto e permitido, no caso deste STA, no art. 24º nº 1 i) do ETAF).

14. Como, a este propósito, se refere em “Lei da Arbitragem Voluntária”, Coordenação de Mário Esteves de Oliveira, Almedina, 2014, págs. 165 e 166 (anotação ao art. 10º):

«Se configurarmos a referida escolha como correspondendo a uma atividade administrativa, a um ato administrativo (de um órgão do Poder Judicial) – que nos parece ser a hipótese menos verosímil -, então a norma contida neste nº 7 do art. 10º da LAV, sobre a inadmissibilidade de recurso das decisões proferidas pelos Presidentes das Relações ou dos Tribunais Centrais Administrativos no exercício da competência para a nomeação de árbitros que aí se lhes comete, é materialmente inconstitucional, por violação do art. 268º/4 da Constituição.
Ainda que (por em alguns aspetos ela ser de carácter discricionário) se aceitasse que não caberia recurso quanto à escolha feita, em si mesma – parecendo-nos, porém, que se deveria admiti-lo sempre com fundamento (pelo menos) em erro grosseiro sobre as qualidades da pessoa nomeada -, o que se repudia seguramente é que esse recurso possa ser constitucionalmente denegado quando a nomeação de árbitros pelo presidente dos referidos tribunais se faça sem que se verifiquem os pressupostos da respetiva competência.
(…) Não há alternativa possível: o art. 268º/4 da CRP, que institui a garantia fundamental do recurso contencioso de “quaisquer atos administrativos” – ainda que materialmente administrativos, claro -, seria de aplicação direta a tal caso, arredando a aplicação da norma (pelo menos, parcialmente) inconstitucional do nº 7 do art. 10º da LAV.
Por outro lado, a qualificar-se tal atividade como sendo de jurisdição voluntária, entende-se que da respetiva decisão caberá à mesma recurso, por se cingir então a irrecorribilidade com que a lei a impregna à escolha feita pelo presidente do tribunal, isto é, se cingir ela à adequação de pessoa escolhida ao desempenho do cargo de árbitro. Já não porém quanto à inexistência dos pressupostos da sua intervenção.
Em tais circunstâncias, recusar ao interessado a possibilidade de recurso corresponderia a uma violação do princípio de tutela dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.
Em qualquer dos casos, portanto, estaríamos perante a inconstitucionalidade material da referida regra deste nº 7 do art. 10º (…)».

E, mais adiante, ainda na mesma anotação ao art. 10º, a pág. 168:

«Se das decisões de designação judicial não pudesse recorrer-se, como dispõe este nº 7 do art. 10º, já daquelas pelas quais o presidente do tribunal estadual competente se recusa a fazer uma nomeação que lhe haja sido requerida por uma das partes (…) de tais decisões denegatórias, dizia-se, parece-nos, mesmo não aderindo a quaisquer das teses que propusemos (…) que deveria poder recorrer-se, por estarem aí em causa decisões sobre a (não) constituição do tribunal arbitral.
Aliás, o que se dispõe neste nº 7 é que são irrecorríveis as “decisões proferidas pelo tribunal estadual competente ao abrigo dos números antecedentes”, sugerindo que é o mérito das designações feitas – não a sua falta – que aí se recusa poder ser apreciado em recurso.
Por outro lado, se o tribunal arbitral não se constituir por causa de uma recusa de intervenção do tribunal estadual, num caso em que lhe tenha sido requerida a designação ou do árbitro único ou dos árbitros de parte ou do árbitro presidente, tal recusa torna-se definitiva, contém a resolução final de uma situação legalmente carente de decisão judicial, e deveria portanto, de acordo até com os princípios gerais da tutela judicial efetiva do art. 20º da CRP, ser passível de recurso».

Sobre este entendimento, refere-se ainda em “Lei da Arbitragem Voluntária Anotada”, Coordenação de Dário Moura Vicente, Almedina, 3ª edição, 2017, anotação ao nº 7 do art. 10º, nota 48, a págs. 40 e 135:

«Esteves de Oliveira, ob. cit., págs. 164-8, argumenta com grande solidez sobre os riscos desta norma e sobre a possibilidade de a mesma vir a ser considerada inconstitucional (…)».

Seguindo este entendimento, julgamos que a irrecorribilidade expressa no nº 7 do art. 10º da LAV se circunscreve às decisões de escolha, em si mesma, de árbitros, e não às decisões que infrinjam os pressupostos do exercício de tal competência, designadamente – como é o caso dos autos – de recusa, alegadamente ilegal, de requerida nomeação de árbitro.

Por outro lado, defender, como fazem as Recorridas/Requeridas, que o despacho em causa, de recusa de nomeação de árbitro, só será recorrível “em sede de recurso da sentença arbitral e com fundamento em deficiente composição do tribunal arbitral”, carece de sentido, já que a recusa de nomeação do árbitro decidida em tal despacho impedirá a formação do tribunal arbitral e, consequentemente, o seu funcionamento e a prolação de uma sentença arbitral.

Aliás, por esta mesma circunstância – isto é, por se tratar de uma decisão de recusa que impede a formação do tribunal arbitral e o consequente desenvolvimento da lide arbitral -, sempre o recurso é admissível, nos termos do art. 142º nº 3 d) do CPTA, independentemente da questão do valor da causa levantada pelas Recorridas/Requeridas.

Pelo exposto, conclui-se pela admissibilidade do presente recurso jurisdicional, como defendido pela Recorrente/Requerente, e como decidido e fundamentado no despacho de admissão do recurso prolatado pela Presidente do TCAN (cfr. supra, ponto 6), cujos termos se secundam.


- Da legalidade da decisão de recusa da requerida designação de árbitro, em face do disposto no art. 10º nº 4 da LAV

15. O Presidente do TCAN (em exercício) recusou a nomeação de árbitro solicitada pela Recorrente/Requerente ponderando que a incumbência do Presidente do TCAN, considerado o artigo 59º/1 da LAV, limita-se à designação da individualidade que, na falta de acordo das partes, há-de ser investida no cargo de árbitro, sendo pressuposto que as partes estão de acordo quanto à necessidade da nomeação de um árbitro para garantir a normal constituição e funcionamento do Tribunal Arbitral, pois que “não há árbitros sem tribunal arbitral”.

E considerando plausível a tese sustentada pelos Requeridos de que, em face do Acórdão do TCAN de 31/10/2019 (proc. 579/18.0BECBR), a cláusula compromissória deixou de estar apta a produzir os seus efeitos, nos termos do artigo 5º/1 in fine da LAV, concluiu que não competia ao Presidente do TCAN dirimir um conflito que, a pretexto de falta de consenso sobre árbitro a nomear, radica realmente na falta de consenso sobre a própria subsistência legal e frutífera do tribunal arbitral.

16. Esta tese é secundada pelos Recorridos/Requeridos, nas suas contra-alegações e nos vários requerimentos que sucessivamente têm vindo a apresentar insistindo que não deve ser deferido o requerimento de designação de árbitro uma vez que o TCAN julgou, pelo citado Acórdão, serem competentes os tribunais estaduais, e designadamente os tribunais administrativos, para a apreciação e julgamento da ação intentada relativamente ao contrato celebrado pelas partes.

17. Por seu lado, a Recorrente/Requerente tem respondido aos vários e sucessivos requerimentos dos Recorridos/Requeridos insistindo pelo cumprimento do objetivo do seu requerimento inicial – a designação do árbitro em falta, para substituição do árbitro renunciante -, lembrando e relembrando que se trata este de um processo urgente, de designação de árbitro pelo tribunal estadual, em que não cabe analisar ou decidir sobre o litígio em causa no tribunal arbitral mas tão-somente garantir a sua integral composição, para permitir o seu funcionamento.

18. É nosso entendimento que tem razão a Recorrente/Requerente, uma vez que o que aqui se trata, efetivamente, através da previsão legal do nº 4 do art. 10º da LAV, é, tão-somente, de garantir a plena composição do tribunal arbitral, através da «designação do árbitro ou árbitros em falta».

E, sendo apenas este o objetivo da norma, é, portanto, exclusivamente esta a competência do «tribunal estadual competente». Aliás, é este o único entendimento que é congruente com a natureza urgente da designação em questão, resultando dos arts. 59º nºs 1 a) e 3 e 60º nº 4 da LAV que o legislador pretendeu prever um processo rápido e expedito – objetivo legal que os presentes autos não têm manifestamente assegurado, considerando que o requerimento para designação do árbitro em falta foi apresentado há já mais de 9 meses, em 4/2/2020 (cfr. supra, facto 16 do ponto 10).

Como, a propósito, refere Mariana França Gouveia (“Curso de Resolução Alternativa de Litígios”, Almedina, 3ª edição, 2020, pág. 198):

«A LAV [de 2011] vem alterar o regime anterior, criando uma tramitação expedita com audição de ambas as partes. O novo regime deve ser restritivamente interpretado para impedir dilações na constituição do tribunal arbitral. Repare-se, aliás, que a possibilidade do tribunal estadual poder indeferir o pedido de nomeação do árbitro em falta com fundamento em manifesta nulidade da convenção arbitral foi eliminada pelo atual regime. O que deve ser interpretado no sentido de a intervenção do tribunal da relação ser mínima, limitando-se tão só à nomeação do árbitro em falta. Não há aqui lugar a levantar quaisquer objeções à competência do tribunal arbitral (o que equivale à eficácia em sentido amplo da convenção), à regularidade da constituição (até então) do tribunal ou qualquer outro problema que as partes, na sua infinita imaginação, quiserem opor à designação do árbitro. O procedimento destina-se única e exclusivamente à designação do árbitro, todos os restantes problemas devem ser colocados perante e decididos pelo tribunal arbitral».

E é este o entendimento também seguido em “Manual de Arbitragem” (António Pedro Pinto Monteiro/Artur Flamínio da Silva/Daniela Mirante, Almedina, 2020, pág. 256, nota 1111):

«(…) Em todo o caso, conforme adverte Mariana França Gouveia, importa salientar que este novo regime previsto na LAV [de 2011] deve ser restritivamente interpretado, de forma a impedir dilações na constituição do tribunal arbitral. Com efeito, não podemos esquecer que a intervenção do tribunal estadual visa apenas, e tão só, proceder à nomeação dos árbitros em falta; consequentemente, o contraditório da parte contrária deverá limitar-se a tal nomeação. Quer dizer, “não há aqui lugar a levantar quaisquer objeções à competência do tribunal arbitral (o que equivale à eficácia em sentido amplo da convenção), à regularidade da constituição (até então) do tribunal ou qualquer outro problema que as partes, na sua infinita imaginação, quiserem opor à designação do árbitro” – o procedimento em causa (e o contraditório a ele subjacente) reporta-se apenas à designação do(s) árbitro(s), pelo que “todos os restantes problemas devem ser colocados perante e decididos pelo tribunal arbitral” (Mariana França Gouveia, “Curso de Resolução Alternativa de Litígios”, cit., p. 198). Em sentido próximo, veja-se Pedro Metello de Nápoles, in Dário Moura Vicente (Coordenador), “Lei da Arbitragem Voluntária Anotada”, cit., p. 182».

Também Elsa Dias Oliveira (“Arbitragem Voluntária: Uma Introdução”, Almedina, 2020, pág. 66:

«Este mecanismo de nomeação dos árbitros pelo tribunal estadual ou por terceiros, conforme seja acordado, previne situações de impasse bem como manobras dilatórias que visem impedir ou atrasar a constituição do tribunal».

No sentido de que o processo para designação de árbitro(s) se pretende muito expedito – até pelo carácter urgente legalmente imposto pelo nº 4 do art. 60º da LAV -, com o único e exclusivo propósito de proceder-se à nomeação do(s) árbitro(s), ainda que justificando-se a novidade introduzida pela LAV de 2011 de impor a audição de ambas as partes sobre o perfil do(s) árbitro(s) a designar, veja-se Pedro Metello de Nápoles, in “Lei da Arbitragem Voluntária Anotada” (Coordenação de Dário Moura Vicente), Almedina, 4ª edição, 2019, págs. 205/206, em anotação ao art. 60º da LAV:

«O objetivo deste artigo foi o de regular, de uma forma muito simples, os trâmites do processo através do qual o tribunal estadual competente (Tribunal da Relação ou Tribunal Central Administrativo) deverá exercer os poderes que lhes são conferidos em matéria de arbitragem, mas apenas no que respeita aos procedimentos tratados nas alíneas a) a d) do nº 1 do artigo 59º (os outros processos são objeto de diferente regulamentação). O resultado é um processo que se pretende muito expedito.
De notar que o processo de nomeação de árbitro, que até agora decorria à revelia da parte contrária, passou agora a prever expressamente a audição da mesma. A razão de ser da alteração foi a de que não se justificava negar nesse caso específico o princípio do contraditório, tanto mais que o tempo envolvido na audição da contraparte não acarretará delonga excessiva para o processo. Apesar de o propósito deste procedimento, no caso da alínea a) do nº 1 do artigo 59º, ser única e exclusivamente o de proceder à nomeação do árbitro, justifica-se que ambas as partes se possam pronunciar sobre o perfil do árbitro a designar (…)».

19. No seguimento deste entendimento, que consideramos ser o mais correto, não deveria a requerida nomeação do árbitro em falta ter sido indeferida com o fundamento de que o TCAN, em Acórdão proferido em determinada ação, julgara que a apreciação do litígio ali colocado competia aos tribunais administrativos e não ao tribunal arbitral. Esta é uma questão a ser apreciada pelo próprio tribunal arbitral (como bem explica Mariana França Gouveia), competindo a este retirar as consequências daquele aresto do TCAN. Aliás, defendendo a aqui Recorrente/Requerente que a deliberação de tal aresto não cobre a totalidade do litígio, não exaurindo, por isso, a competência do tribunal arbitral, não cabe certamente ao Presidente do TCAN – e, muito menos, no âmbito de um processo urgente e expedito de designação de árbitro para constituição do tribunal arbitral – apreciar e decidir tal questão, competindo a mesma ao próprio tribunal arbitral, o qual, de resto, é competente para se pronunciar sobre a sua própria competência nos termos do art. 18º da LAV.

20. Também se nos afigura incorreto, no despacho recorrido de indeferimento de designação de árbitro, a sua fundamentação por apelo ao art. 5º nº 1 “in fine” da LAV, entendendo que “a cláusula compromissória deixou de estar apta a produzir os seus efeitos”.

A norma em causa determina que um tribunal estadual deve recusar-se a julgar uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem, a menos que tenha esta convenção por manifestamente nula, ineficaz ou inexequível. Porém, é esta uma norma manifestamente inaplicável ao caso dos autos, que é de processo expedito para designação de árbitro em falta, e não de ação para julgar questão abrangida por convenção de arbitragem.

21. Por último, temos também por incorreto o fundamento utilizado para indeferir a designação de árbitro consistente na circunstância de a designação ter sido apenas requerida por uma das partes (a Recorrente/Requerente), com oposição das Recorridas/Requeridas, “sendo pressuposto, como dado adquirido, que as partes estão de acordo quanto à necessidade da nomeação de um árbitro” – tese que consideramos incompatível com a letra do nº 4 do art. 10º da LAV que, de forma clara, prescreve que: «a designação do árbitro ou árbitros em falta é feita, a pedido de qualquer das partes, pelo tribunal estadual competente».

Como se lê em “Manual de Arbitragem” (António Pedro Pinto Monteiro/Artur Flamínio da Silva/Daniela Mirante), cit., págs. 253/254, nota 1100:

«Acrescente-se, ainda, que não obstante a referência que se faz (e bem) a “qualquer das partes”, sabendo que a divergência na nomeação conjunta se verifica, com mais frequência, do lado dos demandados, tal significa que, por norma, a intervenção será requerida pelo(s) demandante(s). De todo o modo, nada impede que a mesma seja requerida, de boa fé, pelos próprios demandados. Neste sentido, vide Pedro Metello de Nápoles/Carla Góis Coelho, “A arbitragem e os tribunais estaduais…”, cit., p. 202».

22. Em suma, o processo “urgente” para designação de árbitro pelo tribunal estadual, previsto nos arts. 10º nº 4, 59º nº 1 a) e 60º da LAV, tem como único e exclusivo objetivo o procedimento de escolha do árbitro em falta, não cabendo, no seu âmbito, apreciar outras questões, como, designadamente, a competência do tribunal arbitral para o julgamento do litígio – questões “que devem ser colocadas perante e decididas pelo tribunal arbitral”.


*

IV – DECISÃO

Nestes termos, e por tudo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202º da Constituição da República Portuguesa, em:

- Conceder provimento ao presente recurso jurisdicional deduzido pela Recorrente/Requerente “Águas do Centro Litoral, S.A.”, revogando-se o despacho de 22/7/2020 do Presidente do TCAN (em exercício) e determinando-se que o mesmo seja substituído por outro que, deferindo o requerido, designe o árbitro em falta, nos termos previstos no art. 10º nº 4 da LAV.

Custas a cargo dos Recorridos/Requeridos.

D.N.

Lisboa, 19 de novembro de 2020 – Adriano Cunha (relator, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art. 15º-A do DL nº 10-A/2020, de 13/3, aditado pelo art. 3º do DL nº 20/2020, de 1/5, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, Conselheiro Jorge Artur Madeira dos Santos e Conselheiro José Francisco Fonseca da Paz) – Madeira dos Santos – Fonseca da Paz.