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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0405/21.3BESNT
Data do Acordão:02/29/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:SECTOR PÚBLICO EMPRESARIAL
EMPRESA PÚBLICA
EMPRESA PARTICIPADA
TAP
PENSÃO DE APOSENTAÇÃO
NULIDADE DECISÓRIA
NULIDADE PROCESSUAL
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
PROCESSO EQUITATIVO
PODERES DE COGNIÇÃO
PODER DE SUBSTITUIÇÃO
CPTA
QUESTÃO DE FACTO
QUESTÃO DE DIREITO
RESOLUÇÃO DO CONSELHO DE MINISTROS
VENCIMENTOS PÚBLICOS
Sumário:I - O princípio da tutela jurisdicional efetiva e o direito constitucional a um processo equitativo, emanado do n.º 4, do artigo 20.º da Constituição e do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, que encontra consagração legal expressa no n.º 3, do artigo 3.º do CPC e no n.º 1, do artigo 2.º do CPTA, impõem que as normas processuais assegurem aos sujeitos processuais meios efetivos de defesa dos seus direitos e paridade entre as partes na dialética que protagonizam no processo.
II - O princípio do contraditório deve assegurar às partes o poder de expor perante o Tribunal as suas razões de facto e de direito antes que ele tome a decisão, pronunciando-se sobre as questões que lhes digam respeito, pelo que, constitui uma decorrência do direito de acesso aos tribunais e à justiça e a um processo equitativo, no sentido de que cada uma das partes deve poder exercer uma influência efetiva no começo e no desenvolvimento do processo.
III - A nulidade decorrente da preterição do contraditório diz respeito a atividade anterior à prolação da decisão, assumindo-se como processual, enquanto desvio entre o formalismo prescrito na lei e o formalismo efetivamente seguido no processo, revestindo a natureza de nulidade secundária, pelo que o seu conhecimento depende de arguição.
IV - O disposto no artigo 149.º do CPTA permite ao TCA, como tribunal de recurso, conhecer de questões que a decisão recorrida deixou de conhecer, não porque sejam questões novas, que não são, mas porque, tendo sido invocadas pelas partes nos articulados, não foram objeto de apreciação.
V - A tal não obsta a eliminação de um grau de jurisdição, pois é a própria lei a conferir tais poderes de pronúncia substitutivos ao tribunal de recurso.
VI - Está em causa um regime processual que tem por finalidade a realização da justiça material e privilegiar a emissão de pronúncias de mérito, sob o princípio pro actione, que melhor tutelam os direitos e interesses legalmente protegidos das partes, assim como, a eficiência e eficácia da justiça, visando a resolução global e definitiva do litígio, no menor tempo possível, sob preocupações de economia processual e de celeridade.
VII - Por isso, se constituir fundamento do recurso alguma nulidade decisória, prevista no artigo 615.º do CPC ou alguma nulidade processual a que se subjaza um juízo de não comprometimento ou influência negativa para a decisão da causa, o juiz reconhece o vício da decisão recorrida, mas não manda baixar o processo, passando a conhecer, em substituição, do mérito do pedido.
VIII - Decidindo o tribunal de recurso revogar a decisão de procedência da exceção dilatória de caso julgado proferida pela 1.ª instância, enquanto questão que não poderia ter sido decidida sem a prévia audição das partes, fica sanada a respetiva nulidade processual, além de se poder formular o juízo de que essa omissão do ato processual devido não influi no exame e na decisão sobre o fundo da causa.
IX - Neste sentido, não tem razão de ser defender uma interpretação restritiva do disposto no n.º 1, do artigo 149.º do CPTA, como propugnam os Recorrentes, de forma que esta norma legal apenas contemple as nulidades decisórias, sem ter aplicação às nulidades secundárias respeitantes à omissão de um ato ou de uma formalidade prescrita na lei, designadamente, quanto esteja em causa uma nulidade secundária cuja irregularidade não influi no exame ou na decisão da causa, como no presente caso.
X - Não há necessidade de este Supremo Tribunal mandar baixar os autos para ampliação da matéria de facto, pois as Resoluções do Conselho de Ministros embora sejam atos que não são legislativos, para efeitos da Constituição (artigo 112.º da Constituição a contrario sensu), foram publicados no jornal oficial, nos termos do disposto na al. p), do n.º 2, do artigo 3.º da Lei n.º 74/98, de 11/11, sendo públicos e de eficácia externa, além de previstos na Constituição, na al. c), do n.º 1 do artigo 200.º da Constituição, podendo ser conhecidos nesta última instância.
XI - Toda a evolução da participação societária do Estado, através da B..., na A..., SA, entre 2015 e 2020, nos termos das várias Resoluções de Conselho de Ministros, determina que: (i) com a reprivatização, o Estado satisfez compromissos internacionais e viabilizou o saneamento financeiro da A... SGPS, tendo uma participação minoritária no capital social (34%), com perda de controlo estratégico e sobre a atividade operacional da empresa, existindo correspondência entre participação no capital social (34%) e os direitos económicos detidos;(ii) com a recompra, o Estado recuperou controlo estratégico, mas perdeu direitos económicos, além de assumir maiores responsabilidades na capitalização e no financiamento da empresa, existindo recuperação de controlo estratégico com a posição de maior acionista (50%), considerada indispensável pelo papel determinante da empresa na projeção internacional de Portugal, mas a perda de direitos económicos (para 5%) face ao ganho na participação no capital (para 50%).
XII - Ao contrário do que se verificou no período anterior a 12/11/2015, em que o Estado detinha a maioria do capital, sendo a A... uma empresa pública sob a forma de sociedade anónima, ou seja, uma empresa de capitais maioritariamente públicos, diferentemente no período em que releva na presente ação, a partir de 12/11/2015 a A... tem capital maioritariamente privado ou nunca ultrapassa 50% da participação societária, sendo uma empresa participada, por ter no seu capital social, uma parte minoritária ou igualitária de capitais públicos, mas com reduzidos direitos económicos.
XIII - O n.º 1, do artigo 78.º do EA, no respetivo elenco de entidades abrangidas, não contempla as empresas participadas, pois referindo-se a um vasto conjunto de entidades, a saber, “quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica”, “empresas públicas”, “entidades públicas empresariais”, “entidades que integram o setor empresarial regional e municipal” e “demais pessoas coletivas públicas”, não consta do referido elenco as empresas participadas.
XIV - Nem pode haver dúvidas de que o regime legal das empresas participadas é distinto de qualquer um dos tipos de entidades referidos no n.º 1, do artigo 78.º do EA.
XV - É o legislador que embora integrando as empresas participadas no setor empresarial do Estado, autonomiza e distingue no artigo 5.º do RJSPE, diversos tipos de “empresas públicas”, onde inclui as “empresas públicas”, que podemos designar como stricto sensu e as “entidades públicas empresariais”, distinguindo-se claramente das empresas participadas, como consta do disposto no n.º 2, do artigo 2.º do RJSPE.
XVI - A relação de trabalho estabelecida entre os Autores e a A..., SA, rege-se pelo direito privado e não pelo direito público, não apenas para efeitos do regime aprovado pelo RJSPE, como para efeitos do regime do n.º 1, do artigo 78.º do EA.
XVII - As empresas participadas colaboram com a Administração, mas não fazem parte, nem integram a Administração Pública.
a. Sendo a empresa A.... SA, no período temporal ora em causa, entre novembro de 2015 e outubro de 2020, enquanto empresa participada, uma empresa privada, regida pelo direito privado, incluindo em matéria laboral, rege-se exclusivamente pelo direito privado, estando as remunerações auferidas pelos respetivos trabalhadores excluídas do conceito de vencimentos públicos, nos termos e para os efeitos da aplicação do disposto nos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação.
XVIII - A proibição do exercício de funções remuneradas no setor público a que se reporta o disposto no n.º 1, do artigo 78.º do E.A. aplica-se ao universo das entidades nele previstas, que não inclui as empresas participadas, como a A..., SA, não sendo finalidade da norma, nem seu alcance substancial consagrar uma proibição que abranja também as situações do exercício de funções remuneradas no sector privado, por aposentados, pensionistas da segurança social ou outros, que se processam no quadro de uma relação estabelecida com uma empresa participada, que tem natureza privada e se rege pelo direito privado, incluindo em matéria laboral dos seus trabalhadores e em relação aos quais não se prevê qualquer regime excecional ou transitório, como se verifica em relação às empresas públicas, por não estar em causa o exercício e funções públicas, nem o pagamento de vencimentos públicos.
Nº Convencional:JSTA00071826
Nº do Documento:SA1202402290405/21
Recorrente:AA
Recorrido 1:CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
Votação:UNANIMIDADE
Decisão:CPTA ART149 N1 N3
ESTATUTO DA APOSENTAÇAO (na redação dada pela Lei nº 75-A/2014, de 30/9) ART78 ART79
RJSPE (aprovado pelo DL 133/2013, de 3/10) ART2 ART7 ART9
Aditamento: