Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0339/11.0BEPRT 0750/18
Data do Acordão:02/07/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:ÓNUS
IMPUGNAÇÃO
CONHECIMENTO DO MÉRITO
RECURSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24188
Nº do Documento:SA1201902070339/11
Data de Entrada:11/05/2018
Recorrente:IFAP- INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, I.P.
Recorrido 1:A......
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1. RELATÓRIO

A………. intentou no TAF do Porto contra o IFAP-Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P., acção administrativa especial, pedindo a declaração de nulidade, ou a anulação do acto de 15.10.2010, que lhe ordenou a devolução da quantia 22.614,34€ financiada no âmbito do programa Agro, medida Agris-Acção 1 - Norte - Diversificação da Pequena Agricultura.

O TAF do Porto julgou a acção procedente e, em consequência, anulou o acto impugnado.

O IFAP apelou para o TCA Norte mas este manteve aquela decisão.

E é deste acórdão que o IFAP interpôs o presente recurso de Revista (artigo 150º/1 do CPTA).


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O Recorrente, para o efeito, alegou, formulando as seguintes conclusões:

«A. Vem o presente recurso de revista do Acórdão de 16/03/2018, através do qual o Tribunal a quo, negou provimento ao recurso apresentado pelo IFAP, I.P..

B. O presente recurso, salvo melhor opinião, preenche os requisitos de admissibilidade previstos no artº 150º do CPTA, pelo que deve ser admitido, para uma melhor aplicação do Direito, pois o Tribunal a quo, parte do errado pressuposto que “…a questão de fundo em causa, que é a de saber se as despesas efectivamente ocorreram”, tratando a ajuda como um financiamento, quando a deveria ter tratado como um reembolso e dessa forma considerando válida a decisão final proferida pelo IFAP-IP.

C. Por outro lado, a admissão do presente recurso assume a maior relevância jurídica pois a controvérsia acarretada a entendimento, a natureza de subsídios no âmbito desta ajuda, é suscetível de extravasar os limites da situação singular em apreço.

D. Vem o presente recurso de revista do Acórdão de 16/03/2018, proferido nos autos à margem referenciados, através do qual o Tribunal a quo, negou provimento ao recurso apresentado pelo IFAP, I.P., confirmando o acórdão recorrido no entendimento que “…o recurso jurisdicional tem como objecto a sentença recorrida e destina-se a anulá-la ou altera-la com fundamento em vício de forma (nulidade) ou de fundo (erro de julgamento) que o recorrente entenda afectá-la (…) se a sentença julgou improcedente a pretensão do impugnante com mais do que um fundamento, o recurso só terá utilidade (virtualidade de se repercutir na decisão recorrida) se atacar todos os fundamentos, sendo que, se o não fizer relativamente a um deles, sempre a decisão se manterá incólume com base neste (relativamente ao qual se verificou o trânsito em julgado)”.

E. Salvo melhor entendimento, o acórdão recorrido não faz uma correta interpretação e aplicação do direito, pois o Tribunal a quo, parte do errado pressuposto que “…a questão de fundo em causa, que é a de saber se as despesas efectivamente ocorreram”.

F. No entanto, nos presentes autos a questão fundamental em apreço não é saber se as despesas efetivamente ocorreram (facto dado como provado), mas sim se as despesas efetuadas pela recorrida eram elegíveis para efeitos da ajuda.

G. Se entendermos, como o fez o Tribunal a quo, que basta ter sido a despesa realizada pela beneficiária da ajuda (independentemente do tempo, modo e lugar em que ocorre), então está-se a atribuir à ajuda uma natureza de financiamento, que esta não tem.

H. Com efeito, a decisão do Douto Tribunal a quo, na parte em que considerou que inexistiam fundamentos para que o aqui Recorrente pudesse rescindir unilateralmente o contrato de atribuição de ajudas por entender que não se verificou a violação da Regra da Elegibilidade nº 1 constante do Regulamento (CE) nº 1685/2000, da Comissão, de 28 de Julho, na redação que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) nº 448/2004, da Comissão, de 10 de Março, incorreu em erro de julgamento.

I. Em sede de controlo contabilístico e financeiro, o aqui Recorrente detetou que o Recorrido não possuía qualquer tipo de contabilidade ou registos (obrigatórios nos termos dos artigos 116º e 112º do CIRS e dos artigos 28º e 30º do Código do IVA).

J. A ausência de tais registos financeiros e contabilísticos impediu a necessária comprovação da efetiva realização das despesas apresentadas a reembolso e da sua conformidade com as normas regulamentares vigentes, tendo tornado impossível aos agentes inspetores a determinação, por consulta de documentos contabilísticos, por que forma foram pagas pelo beneficiário as despesas que aquele invocou ter tido na execução do projeto, não tendo sido detetada qualquer pista de controlo que permitisse aferir da elegibilidade de tais despesas.

K. Tal pista de controlo, no caso, seria fundamental, considerando que foi o beneficiário que, no pedido de pagamento declarou que a despesa total elegível (de €37.021.20) havia sido liquidada por intermédio de numerário.

L. Não tendo o Recorrido demonstrado, como lhe competia, que o pagamento foi realizado como afirma, pois que nunca demonstrou a transferência de tais valores da sua esfera patrimonial para a do fornecedor dos bens adquiridos, tais despesas, ao abrigo da Regra da Elegibilidade não poderiam ser consideradas elegíveis,

M. Devendo considerar-se que o aqui Recorrido não cumpriu com as obrigações a que estava sujeito, por força do contrato de atribuição de ajudas que celebrado ao abrigo do Programa AGRIS, sendo, assim, válido o ato do Recorrente que determinou a rescisão unilateral daquele contrato, com a consequente reposição das quantias recebidas pelo Recorrido a título de subsídio.

N. Como tal, pela recorrida foi praticada uma irregularidade.

O. Irregularidade essa, que tem como cominação a modificação ou revogação unilateral do contrato.

P. Desta forma, houve um claro erro de julgamento quanto à interpretação e aplicação das normas legais relativamente ao ato impugnado, reforçado pela desvalorização pelo Tribunal dos compromissos assumidos pela recorrida, no âmbito do modo de pagamento das despesas, que resultam do contrato de atribuição de ajuda e dos pedidos de pagamento que apresentou perante o ora recorrente.

Q. Face ao exposto, o entendimento do Tribunal ao anular a decisão final impugnada nos presentes autos, não parece ter sido correta, pelo que, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência ser proferido acórdão revogando o acórdão ora impugnado».


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O Recorrido não apresentou contra alegações.

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A Revista foi admitida por acórdão deste STA [formação a que alude o artº 150º do CPTA] proferido a 08.OUT.2018.

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O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146º, nº 1 do CPTA não emitiu pronúncia.

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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. MATÉRIA DE FACTO

A matéria de facto fixada nos autos é a seguinte:

«1. Em 02.03.2004, o Autor apresentou junto dos serviços da Autoridade de Gestão do Programa Operacional Regional do Norte um projeto de investimento, ao qual foi atribuído o número de identificação ………., pelo qual se candidatou à atribuição de um apoio no âmbito do programa AGRO, ao abrigo do ação 1 da Medida intitulada “AGRIS”, tendo em vista a aquisição de um trator, reboque, freza, charrua, grade de bicos, pulverizador de barra de herbicida, no montante global de € 38.667,60 – cf. documento de fls. 174 e ss. do PA apenso aos autos (pasta nº 2);

2. Pelo ofício de referência NGL0400002725, datado de 25.11.2004, a referida Autoridade de Gestão comunicou ao Autor a aprovação do projeto apresentado, pelo montante de € 37.021,20 – cf. documento de fls. 134 do PA apenso aos autos (pasta nº 2);

3. Na sequência da decisão de aprovação, em 18.02.2005 foi celebrado entre o Autor e a entidade demandada contrato de atribuição de ajudas, no qual se previa a atribuição ao autor da quantia de € 18.510,60, a título de subsídio não reembolsável, e do qual consta nomeadamente o seguinte:

“(…)

Condições Gerais

(…)

C. Obrigações do Beneficiário

Constituem, designadamente, obrigações do beneficiário:

C.1. Aplicar integralmente a ajuda nos fins para que foi concedida;

C.2. Assegurar os demais recursos financeiros necessários, cumprindo pontualmente as obrigações para o efeito contraídas junto de terceiros, de forma a não perturbar a cabal realização dos objectivos previstos;

C.3. Manter integralmente os requisitos de concessão da ajuda objecto deste contrato, assegurando a continuidade da exploração agrícola durante um período de 5 anos a contar da data da celebração do presente contrato;

C.4. Cumprir pontualmente a execução do projecto;

C.5. Com referência a empréstimos contraídos, informar o IFADAP, no prazo máximo de cinco dias, de todas as alterações verificadas no plano de utilização, no reembolso ou no pagamento dos juros dos empréstimos contraídos;

C.6. Aplicar nos fins do projecto os bens adquiridos e não os alienar, locar ou por qualquer forma onerar sem prévia autorização do IFADAP;

C.7. Manter integralmente as condições que determinam o cálculo do montante das ajudas;

C.8. Publicitar, quando seja devido, co-financiamento do projecto no local da sua realização, a partir da celebração deste contrato;

(…)” - Cf. documento de fls. 161 e ss. do PA apenso aos autos (pasta nº 1);

4. Em 21.02.2005, o Autor apresentou junto da Autoridade de Gestão o pedido de pagamento do subsídio referido no contrato – cf. documento de fls. 99 e ss. do PA apenso aos autos (pasta 2);

5. Após a apreciação dos documentos que instruíam o pedido de pagamento, e a verificação da execução dos investimentos propostos, a Autoridade de Gestão deu instruções aos serviços do então IFADAP para proceder ao pagamento do subsídio, o que veio a suceder em 24.03.2005, através de transferência bancária – cf. documento de fls. 154 do PA apenso aos autos (pasta n.º 1);

6. Já pelo ofício de referência NGL0600000164, datado de 03.02.2004, o coordenador da medida solicitou ao Autor a apresentação dos documentos comprovativos das despesas cujo pagamento foi efetuado através de numerário – cf. documento de fls. 89 do PA apenso aos autos (pasta nº 2);

7. E pelo ofício de referência NGL0600760, datado de 29.03.2006, aquele mesmo coordenador solicitou ao Autor a apresentação da declaração de início de atividade e certidão comprovativa da sua situação para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado – cf. documento de fls. 86 e 87 do PA apenso aos autos (pasta nº 2);

8. Em resposta a esses ofícios, o Autor remeteu ao referido coordenador documento comprovativo da declaração de início de atividade emitido pela Direção-Geral dos Impostos – cf. documento de fls. 78 a 85 do PA apenso aos autos (pasta nº 2);

9. Pelo ofício de referência 280/NAOP/2008, datado de 03.06.2008, os serviços do IFAP, aqui demandado, informaram o Autor de que iria ser realizada visita à exploração agrícola, com o objetivo de realizar a verificação física dos investimentos aprovados e da realização financeira do projeto, indicando ao Autor que deveria dispor dos seguintes elementos na data da visita: original das faturas nº 003.200267, 110200205 e 110200206 e recibo nº 110.202023 emitidos pela sociedade B……….., Lda.; cópia do extrato bancário comprovativo do levantamento da importância utilizada no pagamento das faturas referidas; cópia do extrato bancário comprovativo do crédito do subsídio pago pelo IFADAP; livro de registo de receitas e despesas; livro de registo do movimento de produtos, gado e materiais; livro de registo de imobilizações; cópia das declarações de IRS de 2005 e 2006; declaração de início de atividade nos termos do código do IVA; e certidão emitida pela autoridade tributária comprovativa da situação do autor quanto ao IVA – cf. documento de fls. 131 do PA apenso aos autos (pasta nº 1);

10. A referida visita foi realizada em 12.06.2008, sendo que após a mesma os serviços da entidade demandada elaboraram o ofício de referência 303/NAOP/2008, de 13.06.2008, comunicando ao Autor para este, querendo, se pronunciar sobre o seu conteúdo, do qual consta, para o que aos autos releva, o seguinte:

“(…)

Assim, e de acordo com as conclusões da acção de controlo de primeiro nível do projecto acima identificado, verificaram-se situações de incumprimento da legislação aplicável à Medida referida no assunto deste ofício.

Com efeito, apurou-se que:

- apresentou no Pedido de Pagamento apresentado em 07/08/04 um recibo pela totalidade do investimento 37.021,20 €, sem que tivesse feito o pagamento integral. Verificamos na visita que, à data da apresentação do Pedido de Pagamento tinha letras aceites e ainda não pagas. No Pedido de Pagamento referia ter liquidado as facturas nº 110200205, 110200206 e 003200267 com pagamento a dinheiro, o que está em contradição com a documentação verificada na visita;

- estando a actividade que exerce – actividade agrícola – obrigada a dispor de contabilidade organizada ou, caso de não ser obrigado a contabilidade organizada a dispor de Livro de registo de receitas e despesas, Livro de registo de movimento de produtos, gado e materiais e Livro de registo de imobilizações como justifica não dispor de tais elementos de escrita.

(…)” Cf. documento de fls. 132 do PA apenso aos autos (pasta n.º 1);

11. O Autor respondeu ao referido ofício, mediante carta datada de 12.07.2008 – cf. Documento de fls. 62 do PA apenso aos autos (pasta nº 2);

12. Já a 31.03.2009, pelo ofício de referência n.º 591297, que o Autor rececionou em 07.04.2009, foi-lhe comunicado, pelo gestor do Programa Operacional da Região Norte, a intenção de decidir pela devolução do montante recebido a título de ajudas, com fundamento nas irregularidades detetadas no âmbito da visita efetuada à exploração agrícola e já comunicadas ao Autor, constando do referido ofício:

“(…) A Autoridade de Gestão (…) verificou diversas irregularidades que, a confirmarem-se, violam a Regra de Elegibilidade nº 1, do Regulamento (CE) nº 448/2004, da Comissão, de 10 de março, violam os artigos 112 e 116, do CIRS, os artigos 28º e 30º do CIVA e a cláusula C.3, do contrato acima mencionado por:

1 – Não ter apresentado contabilidade, como determina o artigo 116º, do Código do IRS;

2 – Ter cessado a actividade, no dia 31/12/2006, antes do termo contratual, violando o ponto C.3, do contrato, pelo que o IVA, no montante de 3.966,56 € não é elegível;

3 – Não ter incluído nas declarações anuais de IRS a anuidade referente ao subsídio recebido, no montante de € 18.510,60 €, nos termos dos artigos 31º a 36º, ambos do CIRS;

4 – Não ter sido apurado quando e quais os meios utilizados para pagamento da factura nº 3200267, nº 110200206 e nº 110200206, todas de B………, datadas de 27/07/2004, de que foi apresentado o recibo de quitação nº 110202023, da mesma data, no montante global de 37.021,20 €.

Nos termos contratuais, nomeadamente no ponto E – Rescisão e Modificação do Contrato e F – Consequências da Rescisão ou Modificação, caso de confirmem as irregularidades descritas o IFAP pode rescindir ou modificar unilateralmente o contrato, constituindo-se V. Exª na obrigação de reembolsar aquele Instituto das importâncias já recebidas a título de ajuda, no montante de 37.021,20€ acrescidas de juros à taxa legal, calculados desde a data em que tais importâncias foram colocadas à sua disposição.

Na sequência do que anteriormente foi referido fica V. Exª notificado, nos termos dos artigos 100 e 101, nº 1, do Código do Procedimento Administrativo, para no prazo de 10 dias úteis, querendo dizer o que se lhe oferecer sobre esta intenção de declaração de incumprimento, poder pronunciar-se, por escrito, sobre os fundamentos acima referidos, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos.

- fazer prova de que se encontra colectado, de ter apresentado as declarações de rendimento com inclusão do respectivo subsídio e de possuir os livros de registo exigidos pelo Código do IRS.

- Apresentar extractos bancários ou documentos equivalentes que comprovem o pagamento das referidas facturas.

(…)” - Cf. documento de fls. 1 a 4 do PA apenso aos autos (pasta n.º 3);

13. O Autor respondeu ao ofício a que vem de referir-se por missiva recebida em 08.05.2009, juntando a cópia dos cheques nº 9688334410, no valor de € 5.000,00 e datado de 03.06.2004, e nº 9688323449, no valor de € 2.000,00 e datado de 04.03.2004, ambos do Banco Millennium BCP, e à ordem de “B……….”, e de uma letra no valor de € 15.417,50, datada de 01.03.2004 e identificada pelo n.º 500792887033460060, na qual figura como sacador “B…………”, e declarando ainda que o montante de € 12.021,20 havia sido pago em dinheiro, a 03.06.2004; juntou também declaração de início de atividade para efeitos de IVA, apresentada em 04.04.2006, e destinada a vigorar desde 01.01.2004 – cf. documento de fls. 5 a 14 do PA apenso aos autos (pasta nº 3);

14. Após a receção da resposta apresentada pelo Autor, o gestor do Programa Operacional da Região Norte elaborou a informação de referência nº 209/UC/2009, da qual se retira, na parte que releva, o seguinte:

“(…) IV – Conclusões

A – Dos Factos

Tudo visto, analisado e apreciado, consideram-se Provados os factos mencionados na audiência prévia, (fls. 51 a 52), porquanto o beneficiário

1 – Não apresentou contabilidade, como determina o art.º 116.º, do Código do IRS;

2 – Não fez prova de que se encontra colectado, como determina a alínea a), do nº 1, do artigo 28º e o nº 1 do artigo 30º, ambos do CIVA e o artigo 112º, do CIRS;

3 – Cessou a actividade como agricultor no dia 31/12/2006 (fls. 60) violando o ponto C.3 (fl. 35), do contrato acima mencionado, em que se obrigava a assegurar a continuidade da exploração agrícola durante um período de cinco anos a contar da data da celebração do contrato acima referido;

4 – Não incluiu nas declarações anuais de IRS a anuidade referente ao subsídio recebido, no montante de € 18.510,60 €, nos termos dos artigos 31º a 36º, ambos do CIRS;

5 – Para pagamento da fatura nº 3200267, nº 110200206 e nº 110200205, todas de B…….., datadas de 27/07/2004, de que foi apresentado o recibo de quitação nº 1102023, da mesma data, no montante global de 37.021,20 €, alegou ter utilizado os seguintes meios (fl. 54):

6 – Como se constata, não há coerência entre os meios que alegadamente foram mobilizados e o valor das facturas;

7 – Também não há coerência entre as alegações agora proferidas (fls. 54 a 63) e as proferidas em sede de diligências complementares, no dia 12/07/2008 (fl. 41), em que o beneficiário declarou que tinha liquidado a letra na data do vencimento, e pago as facturas do seguinte modo:

8 – Sucede que a letra com vencimento no dia 06/06/2004 (fl. 59), foi sucessivamente reformada no dia 03/06/2004, pelo montante de 10.737,50 € e no dia 03/09/2004, pelo montante de 7.637,50 €, (fl. 19) não sendo possível afirmar se, entretanto, já terá sido liquidada e em que data;

9 – Não foi apresentada qualquer prova do pagamento que o beneficiário alega ter efectuado em numerário, no montante de 12.021,20 €, no dia 03/06/2004;

B – Do Enquadramento Jurídico

O beneficiário violou:

1 – A Regra de Elegibilidade nº 1, do Regulamento (CE) nº 448/2004, da Comissão, de 10 de Março, por ter apresentado recibos de favor;

2 – A Regra de Elegibilidade nº 1 do Regulamento (CE) nº 1260/99, do Conselho de 21 de Junho, por não ser possível determinar a data de pagamento da letra;

3 – Os artigos 112 a 116, do CIRS;

4 – Os artigos 28º e 30º do CIVA;

5 – A cláusula C.3, do contrato que outorgou com o ex – IFADAP, no dia 18/02/2005 (fl. 35);

6 – A Alínea c), do artigo 5º, da Portaria nº 1196/2003, por não ter assegurado a continuidade da exploração agrícola durante um período de 5 anos a contar da data da celebração do contrato.

V – Propostas (…)

2 – Relativamente ao beneficiário, seja aplicada uma correcção financeira no montante de 37021.20 €, a que corresponde o subsídio de 18.510,60:

(…)” - Cf. documento de fls. 15 a 19 do PA apenso aos autos (pasta n.º 3);

15. Após a remessa desta informação ao IFAP, foi tomada a decisão final por parte deste, por despacho do vogal do Conselho Diretivo, exarado no ofício de referência 027048/2010, e no qual pode ler-se o seguinte:

“(…)

Tal intenção encontra fundamento nas conclusões patentes no Relatório de Controlo de 1.º Nível, efectuado pelo IFAP, no dia 12 de Junho de 2008, onde se verificaram irregularidades passíveis de correcção financeira, a saber:

1 – O proponente não apresentou contabilidade, como determina o artigo 116.º, do código do IRS.

2 – Não foi feita prova que se encontrava colectado, como determina a alínea a), do n.º 1, do artigo 28º e o nº 1, do artigo 30º, ambos do CIVA e o artigo 112º do CIRS.

3 – Cessou a actividade como agricultor no dia 31 de Dezembro de 2006, antes do termo contratual, não tendo sido assegurada a continuidade da exploração agrícola durante o período de cinco anos a contar da data da celebração do contrato outorgado com o ex-IFADAP.

4 – Não incluiu nas declarações anuais de IRS a anuidade referente ao subsídio recebido, no montante de 18.510,60 €, nos termos dos artigos 31º e 36º ambos do CIRS.

5 – Relativamente às facturas nº 3200267, nº 110200206 e nº 110200205, todas da B…….., datadas de 27 de Julho de 2004, de que foi apresentado o recibo de quitação n.º 110202023, da mesma data, no montante global de 37.021,20 €, foi declarado pelo proponente em 12 de Julho de 2008 e em 08 de Maio de 2008, os meios utilizados para pagamento dessas facturas.

6 – No dia 12 de Julho de 2008, em sede de diligências complementares, foi declarado pelo proponente que a letra tinha sido liquidada na data do vencimento e pago as facturas do seguinte modo:

- Cheque nº 9688334410, com a data, 03-06-2004, no valor de € 5.000,00 €

- Cheque nº 9688323449, com a data, 04-03-2004, no valor de 20.000,00 €

- Numerário, em 03-06-2004, no valor de 12.021,20 €

Total de 37.021,20 €

7 – Em 8 de Maio de 2009, em sede de resposta a Audiência Prévia foi declarado pelo proponente que tinham sido utilizados os seguintes meios:

- Cheque nº 9688334410, com a data, 03-06-2004, no valor de 5.000,00 €

- Cheque nº 9688323449, com a data, 04-03-2004, no valor de 20.000,00 €

- Letra, com a data 06-06-2004, no valor de € 12.021,20 €

- Numerário, em 03-06-2004, no valor de 12.021,20 €

Total de 52.438,70 €

8 – Relativamente à letra com vencimento em 06 de Junho de 2004, foi reformada no dia 03 de Junho de 2004, pelo montante 10.737,50 e no dia 03 de Setembro de 2004, pelo montante de 7.637,50, ao que não é possível afirmar se, entretanto, já terá sido liquidada e em que data.

9 – Atendendo às alegações agora proferidas e as proferidas em sede de diligências complementares, não se verificou coerência entre os meios que alegadamente foram mobilizados e o valor das facturas, assim como não foi apresentada qualquer prova do pagamento que alega ter efectuado em numerário no montante de 12.021,20 €, no dia 03 de Junho de 2004.

10 – Pelo exposto o proponente violou:

1 – Regra de Elegibilidade nº 1, do Regulamento (CE) nº 448/2004, da Comissão de 10 de Março, por ter apresentado recibos de favor.

2 – Regra de Elegibilidade nº 1 do Regulamento (CE) nº 1260/99, do Conselho de 21 de Junho, por não ser possível determinar a data de pagamento da letra.

3 – Os artigos 112 e 116 do CIRS.

4 – Os artigos 28º e 30º do CIVA.

5 – A cláusula C.3, do contrato outorgado com o ex – IFADAP, no dia 18 de Fevereiro de 2005.

6 – A alínea c) do artigo 5º da Portaria nº 1196/2003, de 13 de Outubro de 2003, por não ter assegurado a continuidade da exploração agrícola durante um período de 5 anos a contar da data de celebração do contrato.

Considerando que, em 08-05-2009 foi apresentada resposta às alegações acima descritas e tendo em conta que essa argumentação foi analisada e dada sem procedência pela Autoridade de Gestão, mantém-se o incumprimento e a determinação da rescisão do contrato de atribuição de ajudas, bem como a reposição no valor total de 22.614,34€, correspondentes ao montante de capital de 18.510,60€, acrescido de juros compensatórios no valor de 4.103,77€, calculados desde que esse montante foi posto à vossa disposição (24.03/2005), até à data de emissão deste ofício.

(…)” - Cf. documento de fls. 67 a 69 do PA apenso aos autos (pasta nº1);

16. O Autor foi notificado dessa decisão pelo ofício de referência 29158/2010, que recebeu em 05.11.2010 – cf. documento de fls. 65/66 do PA apenso aos autos (pasta nº 1);

17. Pelo menos desde 01.01.2004 e até 05.11.2010, o Autor manteve atividade aberta junto dos serviços da Administração tributária para efeitos de IVA – cf. certidão de fls. 25 dos autos em suporte físico;

18. Em 24.07.2009, o Autor apresentou, por via eletrónica, declaração de rendimentos “modelo 3” para efeitos de IRS, reportada ao ano de 2005, assinalando a opção “declaração de substituição”, e em cujo anexo B consta declarado o montante de € 18.510,60 a título de “subsídios à exploração” – cf. documento de fls. 30 a 41 dos autos em suporte físico;

19. No momento em que o Autor foi notificado da decisão tomada pela entidade demandada, referido no ponto 16 que antecede, o programa AGRO ainda não se encontrava encerrado.».


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2.2. O DIREITO

Como supra se referiu, o autor/ora recorrido intentou a presente acção administrativa especial, peticionando a declaração de nulidade ou a anulação do acto de que lhe ordenou a devolução da quantia de 22.614.34€, financiada no âmbito do programa Agro, medida Agris. Acção 1- Norte- Diversificação da Pequena Agricultura.

Tal acto tinha como fundamento, a prática pelo autor, das seguintes violações:

i. A regra de elegibilidade nº 1 do Regulamento (CE) n.º 448/2004, da Comissão, de 10103 Março, por ter apresentado recibos de favor, bem como por não ser possível determinar a data de pagamento da letra;

ii. O disposto nos artigos 112° e 116° do Código do IRS;

iii. O estabelecido nos artigos 28° e 30º do Código do IVA;

iv. A cláusula C.3 do contrato outorgado com o então IFADAP;

v. E a al. c) do artº 5º da Portaria nº 1196/2003, de 13.10, por não ter assegurado a continuidade da exploração agrícola durante o período de cinco anos contado desde a data em que o contrato foi celebrado.

O TAF julgou estes fundamentos improcedentes e assim, julgou a acção intentada pelo autor procedente, anulando o acto impugnado.

Em sede de apelação, o TCA Norte manteve a decisão do TAF do Porto, argumentado o seguinte:

«“O tribunal “a quo” fez a sua análise vendo o que foi a fundamentação levada ao acto impugnado, mormente quanto às identificadas violações reportadas ao CIRS e ao CIVA, julgando não ocorrerem.

Contra o assim decidido o recorrente limita-se apontar divergente posição, contrapondo uma genérica afirmação de necessidade de registos financeiros e contabilísticos, mas sem verdadeiramente desenvolver uma impugnação crítica ao silogismo judiciário presente na decisão recorrida, que, como tinha de ser, fiel a um julgamento quanto às razões exteriorizadas no acto impugnado - fundamentação contextual - viu da dita necessidade segundo o que foi afirmado na sua concreta fundamentação; «as razões objectivamente existentes mas que não forem expressamente aduzidas, como fundamentos do acto, não podem ser tomadas em conta na aferição da sua legalidade» (MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, pág. 472); a impugnação recursiva, sustentando-se em objecto na decisão recorrida, não se pode apartar da sua vinculação temática; ao que também o tribunal de apelação se encontra - fora o que é oficioso - vinculado; “o acto sindicado tem de ser apreciado na sua fundamentação contextual pelo que só esses elementos, aliás constantes do probatório, podem relevar na apreciação do recurso” (Ac. do STA, de 10-01-2018, proc. nº 01486/15).

Mister seria que o recurso enfrentasse o que concretamente foi decidido.

E também que não deixasse restantes razões da sentença a salvo.”


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Ou seja, o acórdão recorrido não chegou a conhecer do mérito do recurso que o recorrente lhe dirigiu, por entender que o mesmo não afrontava o decidido em sede de 1ª instância.

No presente recurso de revista, o recorrente insurge-se contra o assim decidido, conforme resulta das alegações levadas às conclusões “F”, “G” “I”, “J” e “L”, que aqui se reproduzem.

E se tivermos em conta o teor desta alegação recursiva, levada às conclusões referidas, verificamos que a argumentação aduzida no acórdão recorrido não se mostra conforme ao direito, não se podendo, por isso, manter.

Com efeito, o ora recorrente no recurso que dirigiu ao TACN pôs em causa a sentença de primeira instância, invocando que a mesma continha erros de julgamento, erros estes, que reincide nesta revista [cfr. conclusões B e C da apelação, agora repetidas nas conclusões I e F].

Ora a matéria vertida nestas conclusões não foi objecto de conhecimento por parte do acórdão recorrido.

É sabido que os recursos constituem os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, nos pontos que o recorrente as afecte e as questione, sendo por isso imprescindível que o recorrente na sua alegação de recurso desenvolva um ataque pertinente e eficaz aos elementos do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida.

Só que no caso sub judice, o recorrente ao invés do entendimento vertido no acórdão recorrido, cumpriu este desiderato, afrontando o decidido na 1ª instância, conforme se constata da alegação de recurso deduzida e levada, pelo menos, às conclusões “F”, “G”, “I”, “J” e “L”, pelo que o acórdão recorrido ao não ter assim considerado, errou de direito ao não ter conhecido do mérito, como lhe competia.

Na verdade, perante as conclusões recursivas, não se pode concluir como fez o acórdão recorrido quando refere que o recorrente se limitou a apontar meras divergências de posição, sem que tenha desenvolvido uma verdadeira impugnação crítica ao decidido na 1ª instância, pois é manifesto que o recorrente cumpriu o ónus de impugnação que lhe era imposto por lei, determinante do conhecimento do mérito.

É quanto basta, para concluirmos pela procedência do recurso, impondo-se, deste modo, a baixa dos autos ao TCAN para que conheça do mérito da apelação que lhe foi dirigida.


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3. DECISÃO:

Atento o exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em conceder provimento ao recurso, baixando os autos ao TCAN para o conhecimento do mérito do recurso que lhe foi dirigido, se nada mais a tal obstar.

Sem custas.

Lisboa, 7 de Fevereiro de 2019. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – António Bento São Pedro – José Augusto Araújo Veloso.