Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0715/04.4BELSB
Data do Acordão:05/12/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:TAXA MUNICIPAL
PUBLICIDADE
MUNICÍPIO DE LISBOA
Sumário:I - É de considerar publicidade comercial, nos termos do disposto no art. 3.º do Código da Publicidade, a mensagem que, independentemente do seu conteúdo informativo, é apresentada por uma empresa comercial relativamente à sua actividade, que exerce em concorrência e visa, ainda que indirectamente, fazer com que os consumidores dos bens e serviços por ela oferecidos a prefiram, em detrimento das suas concorrentes.
II - Essa publicidade, porque estava sujeita a licenciamento da câmara municipal da área do respectivo concelho (cf. art. 1.º da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto, na sua redacção inicial), estava sujeita a taxa a cobrar pela mesma (cf. o regulamento municipal de taxas e licenças, art. 4.º, n.º 2, da LGT e art. 3.º do RGTAL).
III - Ainda que esse licenciamento tenha vindo a deixar de ser exigido em 2 de Maio de 2013 (data em que entrou em vigor, na parte que releva, o Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de Abril, como resulta da Portaria n.º 284/2012, de 20 de Setembro), essa alteração não se repercute de modo algum nas liquidações da taxa de publicidade do ano de 2012 (cf. art. 12.º da LGT).
Nº Convencional:JSTA000P27661
Nº do Documento:SA2202105120715/04
Data de Entrada:02/03/2020
Recorrente:A………., S.A.
Recorrido 1:CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1- A Câmara Municipal de Lisboa, com os sinais dos autos, recorre da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 30 de Outubro de 2019, que, no seguimento da convolação da impugnação em oposição à execução fiscal, anula as liquidações que serviram de base à extracção dos títulos executivos que fundamentavam a execução concluindo pela ilegalidade e inconstitucionalidade da taxa de publicidade liquidada e cobrada pelo Município ao abrigo dos arts. 3.º e 16.º do Regulamento de Publicidade do Município de Lisboa, aprovado pelo Edital n.º 35/92, de 19 de Março.
Inconformado com essa decisão, o Município, ora Recorrente, apresenta alegações que remata com as seguintes conclusões:
«[…]
I. O presente Recurso vem deduzido do segmento da Sentença de 30 de Outubro de 2019, que, apreciando os fundamentos eleitos pela Recorrida como base da sua pretensão, julga procedente a oposição (na sequência de convolação da presente impugnação em oposição à execução) a que se refere o presente, julga a taxa de publicidade impugnada nos autos, tal como as normas dos arts. 3.º e 16.º do Regulamento de Publicidade do Município de Lisboa (Edital n.º 35/92), inconstitucional por ter sido criada sem prévia autorização legislativa, em violação do disposto no n.º 2 do art. 106.º e da al. i) do n.º 1 do art. 168.º da CRP, na versão anterior à Revisão Constitucional de 1997, acolhendo o juízo de inconstitucionalidade orgânica das normas regulamentares que a criaram, sem prévia autorização legislativa, defendido pelo Tribunal Constitucional "que, sobre normas que prevêem “taxas de publicidade” análogas à que está em causa, e, mesmo sobre a que se encontra prevista nas normas ora em questão, se tem pronunciado, uniformemente, sempre no sentido da inconstitucionalidade". A Sentença chama à colação o Acórdão 437/2003, o Acórdão 558/98, o Acórdão 63/99, o Acórdão 33/200, o Acórdão 346/2001 e o Acórdão 92/2002, todos do Tribunal Constitucional que, até 2010, julgou inconstitucionais as normas que prevêem a liquidação e cobrança da taxa de publicidade, por esta revestir natureza jurídica de imposto, considerando a inexistência de contrapartida do Município ao sujeito passivo;

II. Entende a Recorrente que a Sentença Recorrida incorre em inconstitucionalidade e erro de direito, violando o disposto nos arts. 238.º n.º 4 e 241.º, ambos da CRP, bem como no n.º 2, do art. 4.º da LGT, nos arts. 3.º e 6.º, n.º 1, al. b) do RGTAL e na al. h), do n.º 1, do art. 19.º da LFL, aprovada pelo DL n.º 42/98, de 6 de Agosto, aplicável ao tempo, ao concluir que o tributo em apreço configura um imposto por inexistência de sinalagma e, em consequência, ao declarar inconstitucionais as normas constantes dos arts. 3.º e 16.º do Regulamento de Publicidade da Câmara Municipal de Lisboa, ao abrigo das quais foi efectuada a liquidação impugnada, quando, na verdade, o tributo em causa reveste natureza de taxa e assim tem sido classificada unanimemente pela jurisprudência;

III. Não pode a Recorrente conformar-se com o decidido na Sentença, no que respeita à ilegalidade e inconstitucionalidade da taxa de publicidade assente em jurisprudência do Tribunal Constitucional, que, até 2010, considerava a inexistência de sinalagma na taxa de publicidade, que conduziria à caracterização do tributo em apreço como imposto, o que determinaria a inconstitucionalidade das normas regulamentares que a prevêem - arts. 3.º e 16.º do Regulamento de Publicidade do Município de Lisboa, aprovado pelo Edital n.º 35/92, e a ilegalidade da liquidação do tributo, não podendo aquela manter-se na ordem jurídica. Com efeito, é consensualmente aceite na jurisprudência, não só do Tribunal constitucional como do Supremo Tribunal Administrativo, e na doutrina que o tributo em causa configura, de facto, uma verdadeira taxa, por constituir a contraprestação de uma actividade do licenciamento desenvolvida pela Administração;

IV. Com efeito, a CRP atribui às autarquias locais poderes tributários próprios, nos casos e nos termos previstos na lei (n.º 4, do art. 238.º), concedendo-lhes, ainda, receitas tributárias próprias, igualmente nos termos em que a lei o previr (art. 254.º), dispondo os municípios, assim, por um lado, de poder tributário próprio e, por outro lado, de património e finanças próprios. Mais conferiu o legislador constitucional, aos municípios, poder regulamentar (art. 241.º da CRP), habilitando-os, designadamente, a definirem e concretizarem os termos do exercício do referido poder tributário;

V. A Lei das Finanças Locais em vigor ao tempo da liquidação (Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto) elege, entre as actividades que permitem aos municípios cobrar taxas, o licenciamento [al. h), do n.º 1, do art. 19.º]. E a afixação de mensagens publicitárias de natureza comercial, na área de cada município, depende de licenciamento prévio da Câmara Municipal respectiva, nos termos do disposto no art. 1.º da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto, diploma que regula a afixação de tais mensagens e que, para além de remeter o licenciamento da publicidade para competência municipal, atribui à mesma a definição dos critérios de licenciamento aplicáveis à área do respectivo concelho (n.º 2 do art. 1.º);

VI. No Município de Lisboa, o aludido licenciamento encontra a sua sede no Regulamento de Publicidade - publicado no Diário Municipal de 19 de Março - Edital n.º 35/92, aprovado em execução da L n.º 97/88, de 17 de Agosto, com a redacção do Edital n.º 42/95, publicado no Boletim Municipal n.º 61 de 25 de Abril de 1995, e do Edital n.º 53/95, publicado no Boletim Municipal n.º 66, de 30 de Maio de 1995, sendo as taxas concretamente aplicáveis a cada licenciamento/renovação, as estabelecidas na TTORM em vigor aquando do mesmo, nos termos do art. 16.º do referido Regulamento, sendo que, no caso concreto, foram liquidadas tendo por base os valores estabelecidos nos arts. 26.º e 27.º da TTORM do ano de 2002, publicada em Suplemento ao Boletim Municipal n.º 432, de 31 de Maio de 2002 (Edital n.º 15/2002), a que respeita a renovação do licenciamento e, logo, as taxas sequentemente liquidadas;

VII. Tal Regulamento estabelece que, para a afixação das referidas mensagens publicitárias, em locais públicos ou privados, é sempre necessário o licenciamento prévio respectivo, (n.º 1 do seu art. 2.º), encontrando-se sujeita licenciamento da Câmara Municipal a afixação ou inscrição de mensagens publicitárias em bens do domínio público, ou do mesmo visíveis (n.º 1, do art. 3.º do Regulamento da Publicidade) constam os limites que o município de Lisboa estabeleceu para o exercício de tais actividades (4.º a 8.º), que atribui à defesa daqueles a principal razão de ser da outorga aos municípios de atribuições em sede de licenciamento de actividades publicitárias, sendo certo que a necessidade de tal protecção tem origem no facto de a publicidade ter o seu impacto ao nível do domínio público;

VIII. Além de da menção da Lei das Finanças Locais no sentido de os Municípios poderem cobrar taxas por qualquer licença da sua competência [art. 19.º, n.º 1, al. h)], importa reter também, o art. 4.º da LGT, que, sob a epígrafe "pressupostos dos tributos", estabelece que as taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, definição que corresponde à adoptada pela doutrina tradicional, de acordo com a qual qualquer uma daquelas situações alternativas pode conduzir, legitimamente, à cobrança de taxas;

IX. A definição tripartida de taxas acolhida na LGT corresponde à adaptada pela doutrina tradicional. Tal entendimento veio a ser reiterado pelo legislador, exactamente com a redacção adaptada no art. 3.º do RGTAL: "As taxas das autarquias locais são tributos que assentam na prestação concreta de um serviço local, na utilização privada de bens do domínio público e privado das autarquias locais ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, quando tal seja atribuição das autarquias locais, nos termos da lei.", e na al. b) do n.º 1 do art. 6.º do RGTAL;

X. Com efeito, a liquidação em apreço reporta-se à renovação de licenças de publicidade anuais, decorrentes do licenciamento de publicidade, impulsionados pela Recorrida, relativo a reclamas luminosos e não luminosos em lojas e cabines públicas [alíneas A), D) e G) da matéria de facto fixada na Decisão Recorrida]. A CML só após análise, no âmbito do processo de licenciamento, da verificação dos pressupostos legais, com o fim de salvaguarda do espaço público, emitiu a licença, dando lugar à liquidação e cobrança das respectivas taxas. Sendo a publicidade visível do domínio público municipal, o licenciamento permite à Recorrida o uso privativo do mesmo, em determinados termos, que a diferenciam do utilizador comum. Tal faculdade é-lhe permitida pela CML, mediante a remoção do obstáculo a tal comportamento, por via do licenciamento, em contrapartida do qual é liquidada e cobrada uma taxa;

XI. É, pois, inquestionável que a existência de mensagens publicitárias afixadas no exterior dos edifícios, independentemente da respectiva titularidade, permite promover perante o público, com vista à comercialização, os produtos e serviços oferecidos pela Recorrida. Até porque, com toda a certeza, a Recorrida não teria qualquer interesse em publicitar os seus produtos/serviços se a respectiva publicidade não fosse visível da via pública, de modo a ser percepcionada pelo público em geral, sendo que tal efeito produz-se pelo facto de os potenciais clientes circularem na via pública;

XII. A exibição da publicidade é possível desde que titulada por licença em vigor, o que só acontece, para o ano em causa - 2002 -, na medida em que ocorreu a renovação do licenciamento, ainda que a mesma seja automática. Na verdade, inexistindo pedido de cancelamento da licença pelo seu titular (ou a comunicação pela CML ao titular), e mantendo-se os pressupostos objectivos da sua concessão, ao Município de Lisboa impõe-se a renovação automática e sucessiva da licença concedida [al. b) do art. 20.º do Regulamento de Publicidade], o que fez, resultando esta de determinação regulamentar, que, por sua vez, se encontra ancorada legalmente;

XIII. Podemos, então, afirmar que o tributo sub judice consubstancia de facto uma taxa, e não um imposto, enquadrável no conceito adoptado pelo legislador no art. 4.º, n.º 2 da LGT, e, bem assim, no conceito introduzido no art. 3.º do RGTAL;

XIV. Na verdade, caso a licença fosse facultada sem o pagamento de qualquer contrapartida, seria possibilitada à Recorrida, a remoção de um obstáculo jurídico ao seu comportamento, sem que existisse, para o Município, a correlativa taxa, em clara violação dos princípios disciplinadores do ordenamento constitucional e jurídico­ tributário em vigor, do qual decorre, directa e expressamente, a natureza da taxa em causa;

XV. Resulta evidente que, por via dos licenciamentos de que é titular, a Recorrida beneficia de uma contraprestação, que o Tribunal a quo nega, pois, não só a sua habilitação para a afixação/exibição da publicidade em diversos suportes decorre da emissão de licença concedida pelo Município, como porque a exibição da publicidade consubstancia, para a mesma, uma utilização individualizada do domínio público municipal, no qual as mensagens publicitárias são exibidas e visíveis, sendo certo que a taxa impugnada reveste, e de forma jurisprudencialmente consolidada, natureza jurídica de taxa e não de imposto;

XVI. Não obstante, a Sentença acolhe pretérita jurisprudência do Tribunal Constitucional, cujo entendimento era o de que a taxa devida pela renovação da licença em causa, na medida a que se referia a anúncios situados em propriedade privada, não consubstanciava uma verdadeira taxa, mas, antes, um imposto, uma vez que em causa não estava a utilização de bens públicos nem semi-públicos, nem existiam quaisquer encargos para a CML pela remoção de um obstáculo jurídico, bem como não existia qualquer prestação específica ao sujeito passivo por parte do Município, o que nos remete para distinção entre taxa e imposto;

XVII. Não obstante, a posição assumida pela Jurisprudência, nomeadamente do Tribunal Constitucional, e citada na Sentença a quo, bem como do Supremo Tribunal Administrativo, foi a de considerar o tributo em apreço um imposto, por inexistência de sinalagma, e, em consequência, declarar inconstitucionais orgânica e materialmente as referidas normas da Assembleia Municipal de Lisboa, afirmando que tais imposições de licenças de publicidade, em especial as renovações automáticas, quando os respectivos suportes físicos se encontrassem instalados em propriedade privada, não podiam ter a natureza de taxas por inexistência de qualquer serviço individualizado prestado a favor do requerente do licenciamento, pelo que tais normas não podiam ser aplicadas pelos tribunais;

XVIII. Se é certo que na data de interposição da Impugnação Judicial vertente a opção jurisprudencial era a classificar como imposto a taxa de publicidade, e diga-se, em oposição ao entendimento que a Impugnada sempre defendeu, a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, e bem assim a do Supremo Tribunal Administrativo que a vinha coadjuvando, inflectiu a sua posição relativamente à natureza jurídica do tributo em apreço, passando a ter uma orientação constante e unânime quanto à constitucionalidade do mesmo;

XIX. A questão ficou com a prolação do Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 177/2010, de 5 Maio 2010, publicado no Diário da República n.º 110, II Série, de 8 de Junho de 2010, por unanimidade, que veio a decidir não julgar inconstitucionais as normas que prevêem a cobrança de taxas pela afixação de publicidade em prédio pertencente a particular, que operou uma inflexão dessa jurisprudência. Passou a entender-se que os parâmetros jurídicos para a solução da questão se tinham alterado após a consagração do conceito jurídico de taxa no art. 4.º n.º 1 LGT e no art. 3.º do RGTAL, pronunciando-se no sentido de não julgar organicamente inconstitucionais as normas que prevêem a cobrança da taxa pela afixação de publicidade em bens pertencentes a particular, orientação perfilhada em várias decisões sumárias posteriores daquele Tribunal, bem como do Supremo Tribunal Administrativo;

XX. O Tribunal Constitucional tem unanimemente mantido e firmado esta orientação, nomeadamente, no Acórdão n.º 436/2010, de 10/10/2010, proferido no Processo n.º 633/10, no qual estavam em causa, precisamente, os arts. 3.º e 16.º do Regulamento de Publicidade do Município de Lisboa [e, ainda, no Acórdão n.º 408/11, de 27/09/2011, e nas Decisões Sumárias n.ºs 323/10, de 5 de Julho de 2010 (Processo n.º 469/10), 360/10, de 6 de Outubro de 2010 (Processo n.º 469/10), 417/2010, de 11 de Outubro de 2010 (Processo n.º 633/10) e 436/10, de 10 de Novembro de 2010 (Processo n.º 633/10)]; bem como o Supremo Tribunal Administrativo vem, igualmente, reconhecendo a natureza de taxa ao tributo em causa, de que são exemplo os Acórdãos de 12 de Janeiro de 2011 (Recurso n.º 752/10), 19 de Janeiro de 2011 (Recurso n.º 33/10), 6 de Abril de 2011 (Recurso n.º 119/11), 25 de Maio de 2011 (Recurso n.º 93/11), 1 de Junho de 2011 (Recurso n.º 135/11), 13 de Julho de 2011 (Recurso n.º 462/11), 7 de Setembro de 2011 (Recurso n.º 585/11), 28 de Setembro de 2011 (Recurso. n.º 15/11), 2 de Novembro de 2011 (Recurso n.º 116/10), de 8 de Junho de 2011 (Recurso n.º 300/11) e de 5 de Fevereiro de 2015 (Recurso n.º 333/14);

XXI. Só pode concluir-se, pela inexistência de quaisquer obstáculos legais à criação da taxa de publicidade pela Assembleia Municipal de Lisboa e, logo, pela legalidade da liquidação, nos termos do disposto nos arts. 3.º e 16.º, ambos do Regulamento de Publicidade e na TTORM de 2002, não violando tais normas qualquer disposição constitucional, designadamente o disposto no n.º 2 do art. 106.º e da aI. i) do n.º 1 do art. 168.º da CRP, na versão anterior à Revisão Constitucional de 1997;

XXII. Consequentemente, o tributo incidente sobre a renovação do licenciamento de publicidade instalada em propriedade privada tem a natureza de taxa, e não de imposto, não se verificando a inconstitucionalidade orgânica ou formal das normas do Regulamento de Publicidade do Município de Lisboa, concluindo-se pela legalidade do acto tributário impugnado, não padecendo o mesmo de qualquer ilegalidade e inconstitucionalidade. Decidindo como decidiu, a douta Sentença recorrida violou o disposto no n.º 2, do art. 4.º da LGT, nos arts. 3.º e 6.º, n.º 1, al. b) do RGTAL, e na al. h), do n.º 1, do art. 19.º da LFL, aprovada pelo DL n.º 42/98, de 6 de Agosto, os arts. 3.º e 16.º, n.º 1 do Regulamento de Publicidade do Município de Lisboa, e os arts. 238.º n.º 4 e 241.º ambos da CRP. Com efeito, a interpretação adaptada pela Sentença esvaziaria de conteúdo as mencionadas normas constitucionais que atribuem poderes, tributário e regulamentar, às autarquias locais, interpretação que, a proceder, o que não se concede, redundaria em verdadeira inconstitucionalidade, por violação daquelas disposições que, na CRP, atribuem aos municípios aqueles poderes, o que se argui, como já se fez, para todos os legais efeitos;

XXIII. Por estes motivos e pelos demais de Direito, deverá o Tribunal ad quem julgar procedente o presente Recurso, revogando a Sentença Recorrida e ser substituída por outra, que considere a legalidade dos actos de liquidação da taxa de publicidade sub judice, e, consequentemente, julgue improcedente a Impugnação Judicial, mantendo os actos de liquidação impugnados, por total ausência de vícios, em conformidade com a actual posição jurisprudencial não só do Tribunal Constitucional como do Supremo Tribunal Administrativo.

Nestes termos e nos demais de Direito, invocando o Douto Suprimento de V. Exas., requer-se a procedência do presente recurso, com a consequente revogação da douta sentença recorrida e a manutenção do acto de liquidação impugnado, assim se fazendo a devida, e costumada, JUSTIÇA.

[…]».

2- A recorrida não contra-alegou.

3- O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

4 - Substituídos os vistos legais pela entrega das competentes cópias aos Ex.mos Juízes Conselheiros Adjuntos, vem para decisão em conferência.

II – Fundamentação

1. De facto
Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A) A Impugnante comunicou à Câmara Municipal de Lisboa (CML) que a alteração da Empresa de B………. para A………….. S.A. determinou a introdução de novos logótipos e a atualização dos licenciamentos de publicidade existentes quer em reclamos luminosos e não luminosos em edifícios e cabines públicas impulsionados pela anterior B…………. (facto não contravertido).

B) Quanto às cabines telefónicas, em 3.12.2001, a Impugnante comunicou à CML a alteração do novo logotipo da Empresa «A………….. » e especificou a características de cada tipo de habitáculos e suas dimensões (fato não contravertido).

C) Em 3.01.2002 a Impugnante solicitou que (todas as taxas a cobrar para postos públicos fossem, emitidas em nome da A………… S.A., Direção de Postos Públicos, Avª…………., … - …° -1089 Lisboa Codex ” tendo entregue uma listagem informática de todos as cabines públicas instaladas na Cidade de Lisboa, donde consta a respetiva localização, tipo de habitáculo ai implantado, sua dimensão e área ocupada com Publicidade (conforme resulta do PAT em apenso).

D) As liquidações deste tributo respeitam a renovações de licenciamento: anteriores que, não tendo sido cancelados pela interessada, foram comunicadas por via postal simples (conforme resulta do PAT em apenso).

E) Os Avisos/recibo foram enviados em junho/2002 para a morada indicada para procederem ao seu pagamento voluntário até 30.06.2002 e não foram devolvidos (Conforme resulta do PAT em apenso).

F) Todas as taxas de publicidade impugnadas respeitam somente a taxa de publicidade, não contemplando quaisquer valores a título de ocupação da via pública (conforme resulta da informação de fls. 232 e segs. do PST em apenso).

G) As taxas referidas constituem licenças anuais de renovação automática (conforme resulta de fls. 241 do PAT em apenso).

H) O prazo para pagamento voluntário terminou em 30/06/2002.

I) A Impugnante foi citada no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1560/2003, em 25/02/2004 (conforme resulta de fls. 19).

J) A petição inicial foi apresentada em 22/03/2004 (conforme carimbo aposto a fls. 4).


2. Do direito
A questão em apreço – taxa de publicidade liquidada pela “utilização do espaço comunicacional municipal” com sinais distintivos de empresas (vulgo logótipos) – inscreve-se no âmbito da já numerosa jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Constitucional a respeito do tema, o que explica que, em cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil, se imponha adoptar aqui a mesma solução que tem sido adoptada nos últimos arestos em que foram julgados casos semelhantes.
Referimo-nos, essencialmente, aos acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Outubro de 2019 (proc. 01874/12.8BEPRT), 8 de Janeiro de 2020 (proc. 0913/12.7BESNT), 19 de Fevereiro de 2020 (proc. 01152/13.5BESNT) e 16 de Setembro de 2020 (proc. 0295/12.7BEBJA), para os quais remetemos e onde se sumariou, a propósito dos licenciamentos de logótipos e da respectiva subsunção ao âmbito de aplicação da taxa de publicidade, o seguinte:
I - É de considerar publicidade comercial, nos termos do disposto no art. 3.º do Código da Publicidade, a mensagem que, independentemente do seu conteúdo informativo, é apresentada por uma empresa comercial relativamente à sua actividade, que exerce em concorrência e visa, ainda que indirectamente, fazer com que os consumidores dos bens e serviços por ela oferecidos a prefiram, em detrimento das suas concorrentes.
II - Essa publicidade, porque estava sujeita a licenciamento da câmara municipal da área do respectivo concelho (cf. art. 1.º da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto, na sua redacção inicial), estava sujeita a taxa a cobrar pela mesma (cf. o regulamento municipal de taxas e licenças, art. 4.º, n.º 2, da LGT e art. 3.º do RGTAL).
III - Ainda que esse licenciamento tenha vindo a deixar de ser exigido em 2 de Maio de 2013 (data em que entrou em vigor, na parte que releva, o Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de Abril, como resulta da Portaria n.º 284/2012, de 20 de Setembro), essa alteração não se repercute de modo algum nas liquidações da taxa de publicidade do ano de 2012 (cf. art. 12.º da LGT).

Não obstante a questão ter de ser decidida nos termos da jurisprudência antes mencionada ex vi do disposto no n.º 3 do artigo 8.º do C. Civil, reconhecemos que esta não é uma questão pacífica na jurisprudência, como atesta a seguinte passagem do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 728/2020:
«[…] Ainda que se admitisse a possibilidade de conhecer o objeto do recurso no que respeita estritamente à inconstitucionalidade orgânica dos preceitos identificados, sempre seria de reconhecer que os argumentos invocados pela recorrente não suscitam – como recentemente entendeu este Tribunal (v. os Acórdãos n.º 592/2019 e 148/2020, bem como as Decisões Sumárias n.os 389/2019, 695/2019, 749/2019 e 892/2019) – uma revisitação da questão decidida pelo Acórdão n.º 177/2010 e da posição posteriormente reiterada em diversas decisões sobre as taxas municipais exigidas pela emissão e renovação de licenças de afixação de publicidade em prédios pertencentes a particulares (v., designadamente, os Acórdãos n.os 189/2010, 360/2010, 436/2010, 408/2011 e 475/2011 e as Decisões Sumárias n.os 207/2010, 323/2010, 417/2010, 225/2011, 52/2012, 470/2012, 267/2013, 598/2013 e 745/2014).
Não é designadamente possível conferir o relevo pretendido ao argumento de que as taxas foram exigidas pela afixação obrigatória de elementos que não podem ser qualificados como publicidade; nem aos argumentos relacionados com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de abril, na Lei n.º 97/88, de 17 de agosto, no âmbito da iniciativa «licenciamento zero». Nenhum logra pôr em causa a pertinência da fundamentação da jurisprudência constitucional citada no caso em apreço, porque nenhum procede. Por um lado, não se vê como conferir relevância a um diploma publicado dois anos após o ano a que se reporta o ato de liquidação impugnado nos autos. Por outro, o tribunal a quo entendeu claramente que os elementos cuja afixação estava em causa integravam o conceito de publicidade para efeitos de aplicação das respetivas taxas. Trata-se, como é evidente, de uma questão que só pode ser solucionada mediante a interpretação do direito infraconstitucional em face das circunstâncias concretas do caso, operação que compete exclusivamente às instâncias e que não cabe a este Tribunal sindicar.
[…]».

Daqui resulta que o conceito de publicidade que consta dos Regulamentos Municipais de Taxas é um conceito normativo (leia-se, a densificar interpretativamente, também pela via jurisprudencial) e que também a contraprestação que pode dar origem à obrigação tributária por aquela carece de análise e densificação à luz das regras e princípios dos tributos de estrutura e natureza comutativa.
Não obstante, esta é uma questão que apenas se deve colocar a respeito de factos tributários futuros, impondo-se, neste caso, assegurar a aplicação uniforme do direito.


III – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a oposição à execução fiscal.

Custas pela Recorrida em ambas as instâncias [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e), do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário].


Lisboa, 12 de Maio de 2021. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.