Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:074/21.0BEPRT
Data do Acordão:05/03/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:TAXA DE OCUPAÇÃO DO SUBSOLO
REPERCUSSÃO FISCAL
CONSUMIDORES
Sumário:Nos termos do artigo 85.º, n.º 3 da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, a taxa municipal de direitos de passagem e de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser reflectidas na factura dos consumidores.
Nº Convencional:JSTA000P30925
Nº do Documento:SA220230503074/21
Data de Entrada:05/27/2022
Recorrente:A... S.A. – SUCURSAL PORTUGAL
Recorrido 1:B..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional pela A..., S.A. – SUCURSAL PORTUGAL, com os sinais dos autos, visando a revogação da sentença de 31-01-2022, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou parcialmente procedente a impugnação intentada por B..., S.A., também melhor sinalizada nos autos, no âmbito da repercussão da taxa municipal de ocupação de subsolo [indexada ao número de dias de facturação e ao consumo] incluída na factura emitida a 21 de Dezembro de 2018 pela sociedade “A..., S.A. – Sucursal Portugal”, respeitante ao mês de Novembro de 2018, no valor de Eur 8.867,00.

Irresignada, nas suas alegações, formulou a recorrente A..., S.A. – SUCURSAL PORTUGAL, as seguintes conclusões:

1) O Tribunal recorrido julgou procedente a impugnação judicial por entender que a repercussão da Taxa de Ocupação do Subsolo ao cliente final, por desrespeito à alteração que decorreu da Lei n.º 42/206 de 28.12 (LOE de 2017) é ilegal, não podendo ser repercutida.
2) Na óptica da Apelante, tal norma, não obstante de fazer parte do Orçamento de Estado que entrou em vigor no dia 1/Janeiro/2017, nunca chegou a ser eficaz.
3) Aliás, a norma contida no OE de 2017 serve apenas como ponto de partida para uma alteração de um quadro legal.
4) E é isto que decorre do artigo 70.º da Lei de Execução Orçamental para 2017 (Decreto-Lei n.º 25/2017, de 3 de Março) que deve ser considerado como um acto de interpretação autêntica do art. 85.º, n.º 3 da LOE de 2017, já que, provindo ambas as normas de fontes equivalentes (lei e decreto-lei têm igual valor, nos termos do disposto no art. 112.º, n.º 2 da CRP), uma (a mais recente) permite perceber o alcance que a outra (a mais antiga) é suposto ter.
5) A norma da Lei de Execução Orçamental define as condições em que o art. 85.º poderá vir a ser executado (cumprindo, dessa forma, a função de uma lei de execução orçamental).
6) Impõe um cumprimento do dever de comunicação das empresas titulares das infraestruturas do cadastro das suas redes até ao final do mês de abril de 2017 à DGAL e decorrido esse prazo as entidades reguladoras sectoriais avaliariam a informação recolhida e as consequências económico-financeiro das empresas operadoras, para que, posteriormente, tendo em conta essa avaliação o Governo proceda à alteração do quadro legal em vigor.
7) Só assim se cumprirá a proibição da repercussão da TOS prevista na LOE para 2017.
8) Sendo claro que este artigo vem dar aplicação ao que se previa na LOE 2017.
9) Pelo que sem a aprovação deste regime jurídico por parte do Governo não se pode considerar que tenha existido uma alteração normativa eficaz, nomeadamente, não se pode dizer que está em vigor a proibição da repercussão da TOS no consumidor final.
10) Tal entendimento tem sido consensual em várias instituições.
11) Em especial, o Governo que volta a inscrever tal compromisso, para alterar o quadro legal enquadrador da taxa de ocupação do subsolo em vigor, no art. 246.º, n.º 1 da LOE de 2019 (Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro), obrigação que deveria ser cumprida até ao final do 1º semestre de 2019 e, ainda, no art. 133.º da LOE de 2021 (Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro).
12) Admitindo por isso que não está em vigor a proibição da repercussão da TOS.
13) Acompanhando-se na íntegra a conclusão dos estudos da ERSE: “Concluímos, em suma, que a norma do n.º 3 do artigo 85.º da Lei n.º 42/2016 é parcialmente ineficaz, seja porque não reúne as condições necessárias para projectar os seus efeitos na realidade, seja porque o legislador expressamente explicitou o condicionamento da produção de efeitos até ao momento da entrada em vigor do novo regime jurídico sobre a repercussão da TOS.”
14) E foi assim que entendeu o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, nas sentenças proferidas nos Processos 144/21.5BEPRT, 111/21.9BEPRT e 769/21.9BEPRT sobre questão igual à que aqui está em causa, que decidiu, em todos, que enquanto não existir um novo quadro legal sobre a matéria, persiste a possibilidade legal de repercussão da TOS nos consumidores, pelo que a repercussão não padece de ilegalidade.
18) Pelo que não se percebe o entendimento do Tribunal recorrido ao julgar procedente a impugnação da Recorrida.
Termos em que, e nos mais de Direito que Vossas Excelências doutamente se dignarem suprir, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se a douta decisão recorrida, como é de inteira JUSTIÇA!

A recorrida B..., S.A. veio apresentar contra-alegações, que rematou com as seguintes conclusões:

A. A TOS é liquidada pelo Município da Maia ao distribuidor de gás natural (a C..., S.A.), tendo vindo a ser, a final, suportada através do mecanismo da repercussão legal pela Impugnante, ora Recorrida, através da fatura n.º ...79, da A..., S.A. – Sucursal Portugal, emitida a 21 de dezembro de 2018.
B. No entanto, o artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento do Estado para 2017 determina que a "taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores(negritos nossos).
C. Assim, sem prejuízo de — mesmo após a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2017 — a TOS ter continuado a ser repercutida à ora Recorrida, sendo esta consumidora de gás natural, a repercussão da TOS, nomeadamente a efetuada através da fatura acima identificada é ilegal, por violação do artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017.
D. O quadro normativo em que se baseava a possibilidade de repercussão legal foi profundamente alterado com o artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017.
E. Assim, desde o dia 1 de janeiro de 2017 que as taxas municipais de ocupação do subsolo não podem ser suportadas pelos consumidores.
F. Por outras palavras, sendo a ora Recorrida consumidora final de Gás, esta não poderá suportar a TOS por repercussão legal.
G. A TOS é uma taxa municipal criada e liquidada pelos respetivos municípios pela “utilização e aproveitamento de bens do domínio público e privado municipal”.
H. Conforme previsto na Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008 que aprovou as minutas dos contratos de concessão de serviço público de distribuição regional de gás natural a celebrar entre o Estado Português e as distribuidoras, existe a possibilidade de repercussão das TOS nos consumidores de gás natural de cada Município.
I. Perante este contexto, a relação jurídico-tributária aqui em discussão processa-se nos seguintes moldes: a Câmara Municipal da Maia liquida uma taxa ao distribuidor de gás natural (a D..., S.A.), que é repercutida ao comercializador (a A..., S.A. – Sucursal Portugal) que, por sua vez, a repercute no consumidor final de gás natural, a ora Recorrida.
J. Do quadro descrito tal como estava estabelecido resultava a existência de um mecanismo de repercussão legal da TOS nos consumidores finais pelas concessionárias.
K. Todavia, desde 1 de janeiro de 2017 que foi expressamente consagrada a proibição de fazer repercutir no consumidor final as taxas municipais de ocupação do subsolo (cfr. artigos 85.º, n.º 3, e 276.º, da LOE 2017).
L. Não obstante a sua ilegalidade, a repercussão que tem vindo a ser efetuada à ora Recorrida encontra a sua razão de ser no facto de o Repercutente fazer uma interpretação errada do quadro jurídico em vigor, nomeadamente do artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento do Estado para 2017.
M. Ou seja, reitera-se, o que se discute na impugnação judicial é a lesão sofrida por força da repercussão de uma taxa municipal, que a Impugnante considera ser ilegal – e cuja ilegalidade foi confirmada pelo Tribunal a quo, mas que lhe continua a ser efetuada por força de um entendimento da lei que ignora os efeitos do disposto no artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento do Estado para 2017.
N. Saliente-se, aliás, que a matéria ora em discussão já foi objeto de apreciação por parte deste douto Tribunal em várias ações intentadas contra os respetivos Municípios, tendo o Tribunal decidido pela ilegitimidade passiva dos mesmos. Assim, é na sequência destas decisões que a Impugnante, ora Recorrida, intentou novas ações, desta feita, contra a comercializadora, vindo, deste modo, acompanhar o entendimento do STA a propósito desta questão.
O. Entendimento este que tem suporte na norma do artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017 o qual impede que a TOS seja repercutida na Recorrida. Ora, não sendo o Município parte legítima na ação, sempre teria a Recorrente que intentar a mesma contra a entidade que lhe repercutiu indevidamente o tributo, sob pena de se considerar que a norma acima referida não produz qualquer efeito prático.
P. Conforme defende o Conselheiro Gustavo Courinha no voto de vencido apresentado no Acórdão proferido no processo n.º 506/17.2BEALM (em ação com o mesmo enquadramento fáctico-jurídico, mas instaurada contra o Município do Seixal): “(...) tão-pouco se compreenderia que o Parlamento tivesse decidido elevar à condição de Lei Formal, integrado no Orçamento de Estado – pelo artigo 85.º, n.º 3 da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro – uma proibição de um fenómeno de conteúdo, afinal, meramente económico e sem qualquer substrato jurídico-tributário.” (negritos e sublinhados nossos).
Q. Com efeito, um Decreto-Lei de Execução Orçamental não pode afastar a aplicação de uma Lei do Orçamento do Estado.
R. Do artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017 resultam dois imperativos claros, precisos e incondicionais: (i) a TOS tem que ser paga pelas empresas operadoras de infraestruturas; e (ii) não pode ser refletida na fatura dos consumidores.
S. O artigo 85.º, n.º 3 da LOE 2017, não impõe qualquer requisito nem limitação à sua interpretação ou aplicação. Não se lê “sem prejuízo do disposto no número x”, “assim que y”, “verificado que esteja z”, nem tão pouco se prevê um diferimento temporal para aplicação do referido regime.
T. Mais, a norma não refere que “serão pagas” ou “poderão vir a ser pagas”, antes referindo “são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores”.
U. Salienta-se que a lei é especialmente cuidadosa na terminologia utilizada ao referir que não podem ser “refletidas na fatura dos consumidores”, afastando qualquer possibilidade de repercussão legal e económica. Nada se diz sobre como operará a repercussão, para além da obrigação de a fazer cessar quanto aos consumidores.
V. Relativamente ao artigo 70.º do Decreto-Lei de Execução Orçamental – invocado pela Recorrente –, esta norma que não é exequível por si mesma, e nem sequer programática. Através dela, o legislador do Decreto-Lei de Execução Orçamental limitou-se a abrir a porta para, em função da avaliação das consequências no equilíbrio económico-financeira das empresas operadoras de infraestruturas, vir a ser alterada, por via legislativa, a proibição de repercussão que consta do artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017.
W. Mas, através da referida norma, o legislador não revogou a norma do artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017, nem sequer estabeleceu que ela terá inexoravelmente de ser revogada.
X. Repare-se que o Decreto-Lei de Execução Orçamental “contém as regras que desenvolvem os princípios estabelecidos no Orçamento do Estado para 2017, assegurando, em paralelo, uma rigorosa execução orçamental(negritos e sublinhados nossos). De referir que o resultado interpretativo deverá ser aquele que não seja incompatível com a Lei do Orçamento do Estado para 2017.
Y. Com efeito, o Decreto-Lei de Execução Orçamental existe porque existe um Orçamento do Estado e destina-se a desenvolver os imperativos deste último.
Z. Relativamente ao facto de ter sido novamente inscrito no artigo 133.º da Lei do Orçamento do Estado para 2021 a proibição da repercussão da TOS nos consumidores finais, entende a Recorrida que a norma referida veio apenas reiterar novamente a proibição de repercussão, muito possivelmente, perante o incumprimento continuado das operadoras de infraestruturas. Significa igualmente que o legislador quis manter, inequivocamente, a proibição de repercussão da TOS nos consumidores finais (nomeadamente, em 2021).
AA. A Recorrida desenvolve a atividade siderúrgica e de fabricação de ferro-ligas, não se dedica à produção, distribuição, comercialização ou revenda de gás natural. Assim, tratando-se a Recorrida de uma consumidora de gás, a cobrança da TOS contraria lei expressa (cfr. artigo 3.º, al. g), do Decreto-Lei n.º 62/2020, de 28 de agosto).
BB. Assim, tendo sido repercutida na Recorrida a TOS, torna-se claro que esta repercussão é ilegal, não podendo ser limitada pelo Decreto-Lei de Execução Orçamental.
CC. Por todo o exposto, a decisão recorrida deverá ser mantida nos seus precisos termos, por ser conforme ao Direito.
DD. Veja-se que para além da sentença do douto Tribunal “a quo”, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto tem vindo a decidir, na sua esmagadora maioria, a favor do contribuinte quanto à mesma questão facto-jurídica, nomeadamente nos processos: 841/21.5BEPRT, 2311/20.0BEPRT, 148/21.8BEPRT, 772/21.9BEPRT, 797/21.4BEPRT, 118/21.6BEPRT, 133/21.0BEPRT, 35/21.0BEPRT, 184/21.4BEPRT, 185/21.2BEPRT, 73/21.2BEPRT, 936/21.5BEPRT, 39/21.2BEPRT, 777/21.0BEPRT, 786/21.9BEPRT, 947/21.0BEPRT, 955/21.1BEPRT.
EE. Perante o exposto, a decisão recorrida deverá ser mantida quanto à anulação da repercussão efetuada pela ora Recorrente e restituído o montante pago a título de TOS, por ser conforme ao Direito.
FF. Não obstante, em caso de procedência do recurso – que só por mera hipótese académica se equaciona, sem conceder – deverá o Supremo Tribunal Administrativo, em cumprimento do disposto no artigo 655.º, n.º 2 do CPC, conhecer do pedido subsidiário deduzido pela impugnante nos presentes autos, qual seja, a declaração de inconstitucionalidade (orgânica) da repercussão da TOS, nos termos peticionados na P.I., concretamente nos respetivos artigos 155.º a 185.º.
GG. Com efeito, a Mm.ª Juíza a quo não se pronunciou especificamente sobre tal pedido nem sobre os fundamentos que lhe subjazem, na medida em que considerou procedente o pedido principal aduzido pela Impugnante.
HH. De onde, para o caso de entenderem V. Exas. ser de julgar procedente o recurso apresentado, se amplia o respetivo objeto, de molde a conhecer-se do pedido subsidiário deduzido pela ora Recorrida, ao abrigo do artigo 636.º n.º 1 do CPC.
II. Sendo certo que, em função do ali peticionado, deve julgar-se o recurso improcedente e ser declarada, por este Venerando Supremo Tribunal Administrativo, a inconstitucionalidade orgânica da repercussão da TOS, por violação da por violação da norma resultante das disposições conjugadas dos artigos 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. Mui doutamente suprirão, em face da fundamentação exposta e porque a sentença recorrida bem decidiu, deve esta ser mantida na ordem jurídica e, consequentemente, ser negado provimento ao recurso apresentado pela A..., S.A. – Sucursal Portugal. Por mera cautela de patrocínio, subsidiariamente, para o caso de assim não se atender, deve ser admitida a ampliação do objeto do recurso e, afinal, ser dado provimento à impugnação.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de dever ser negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:

1. Objeto do recurso
Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 31.01.2022, que julgou a ação de impugnação judicial procedente e, em consequência, anulou o ato de liquidação da taxa municipal de ocupação de subsolo incluída na fatura n.º ...79 emitida em 21.12.2018, pela “A..., S.A. - Sucursal Portugal”, respeitante ao mês de Novembro de 2018, no valor de € 8.867,00.
De tal sentença foi interposto recurso pela impugnada, invocando erro na aplicação do direito.
A impugnante, ora recorrida “B..., S.A”, apresentou contra-alegações de recurso, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Cumpre emitir parecer sobre as questões colocadas pela recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações.
2. Fundamentação
A douta sentença recorrida julgou procedente a impugnação judicial e, em consequência, decidiu anular o ato de liquidação da taxa municipal de ocupação de subsolo (TOS) incluída na fatura n.º ...79, emitida em 21.12.2018, pela “A..., S.A. – Sucursal Portugal”, respeitante ao mês de Novembro de 2018, no valor de € 8.867,00.
A impugnante veio defender a ilegalidade da repercussão da taxa municipal de ocupação de subsolo, requerendo, a final, a restituição da taxa já paga, tendo a douta sentença recorrida acolhido tal pretensão, por considerar que a repercussão em causa, por desrespeito à alteração que decorreu da Lei n.º 42/2016 de 28.12, é ilegal.
Defende a recorrente que a norma ínsita no artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento do Estado para 2017, constante da Lei nº 42/2016, de 28.12, não eliminou a repercussão da taxa municipal de ocupação do subsolo, uma vez que a referida norma consubstanciou apenas um objetivo programático. Neste sentido, propugna que, a não ser assim, não faz sentido o que resulta do n.º 5 do artigo 70.º do Decreto-Lei n.º 25/2017, de 3.03 (Decreto-Lei de Execução Orçamental para 2017), que é claro ao estabelecer que o fim da repercussão está dependente do Governo alterar o quadro legal em vigor, o que até à presente data não se verificou.
A douta sentença recorrida decidiu que o artigo 70.º da Lei do Orçamento do Estado para 2017 não é um ato de interpretação autêntica ao artigo 85.º, n.º 3, limitando-se a regular a forma de comunicação por parte das empresas titulares das infraestruturas junto dos municípios, nada influenciando a data de entrada em vigor do sobredito preceito. Concluindo que a repercussão em causa, por desrespeito à alteração que decorreu da Lei n.º 42/2016 de 28.12 é ilegal, não podendo a TOS ter sido repercutida a partir de 1.01.2017.
A questão da repercussão do pagamento da TOS tem merecido ampla controvérsia jurisprudencial, designadamente quanto à legitimidade processual passiva da entidade pública.
Tendo o acórdão deste STA de 14.10.2020, proferido no processo nº 0506/17.2BEALM, em formação alargada, nos termos do disposto no artigo 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, na redação dada pela Lei n.º 118/2019, de 17.09 decidido:
“Na impugnação judicial do ato de repercussão de um tributo intentada contra entidade pública, a legitimidade processual passiva é atribuída a quem seja imputável o ato impugnado.
Não é imputável à entidade municipal nem aos seus órgãos ou serviços o ato impugnado de repercussão do valor de um tributo municipal que não foi por eles praticado nem de alguma forma determinado.” (Disponível em www.dgsi.pt.)
Como refere a impugnante, de forma esclarecida, “[s]em prejuízo de a situação em análise traduzir alguma singularidade - já que está em causa a legalidade de um tributo que é notificado à Impugnante (entidade privada), pelo comercializador de gás natural, outra entidade privada -, esta decorre inteiramente das opções legislativas que se situam a montante do que aqui se discute. E, nomeadamente, da opção legislativa de legalidade duvidosa que resulta do recurso ao mecanismo da repercussão legal no contexto de taxas municipais.” (artigos 78º e 79º da petição inicial)
Na verdade, consagram-se, no presente caso, relações jurídicas distintas: uma, que se estabelece entre o sujeito ativo enquanto credor do tributo (aqui o Município da Maia) e o sujeito passivo (aqui a empresa concessionária- C..., S.A.); outra que surge entre o credor (A..., S.A. - Sucursal Portugal) e o repercutido, no caso, a impugnante B..., S.A. (Questão controversa consiste em apurar se podemos considerar tratar-se de uma única relação jurídica tributária ou se existem duas relações jurídicas de diferente natureza: a primeira de natureza tributária e a segunda de natureza civil. Cfr. o voto de vencido do Conselheiro Gustavo Lopes Courinha no citado acórdão do STA de 14.10.2020.)
Nos termos do regime legal que vigorava até então, através do mecanismo de repercussão legal, a TOS, era suportada pelos consumidores de gás natural de cada município, sendo a sua cobrança efectuada através das faturas emitidas aos consumidores finais (Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26.07 e Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008, de 03.04).
Tal regime veio a ser alterado com a Lei do Orçamento de Estado para 2017, dispondo o artigo 85.º, n.º 3 da Lei n.º 42/2016 de 28.12, sob a epígrafe “Taxas de direitos de passagem e de ocupação do subsolo”:
“A taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores”.
Este diploma entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2017, em conformidade com o respetivo artigo 246.º (prevendo o seu n.º 1 que o Governo procede, até final do 1.º semestre de 2019, à revisão do quadro legal enquadrador da taxa de ocupação do subsolo em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores).
Sendo ainda de atender ao consignado no artigo 3.º, alínea o) do Decreto-Lei n.º 30/2006 de 15.02, que estabelece as bases gerais da organização e do funcionamento do Sistema Nacional de Gás Natural (SNGN) em Portugal, segundo o qual, “[p]ara efeitos do presente decreto-lei, entende-se por «Consumidor» o cliente final de gás natural.”
Assim, nos termos referidos, e com fundamento expresso na norma em apreço, a partir de 1.01.2017, e como alegado pela impugnante, a TOS deixou de poder ser repercutida no consumidor final, por imposição legal, sendo encargo das empresas operadoras de infra-estruturas, afastando a possibilidade de repercussão voluntária da taxa, enquanto tal.
A posição defendida pela recorrente, na sequência de ampla e demorada controvérsia judicial sobre a repercussão da TOS, parece-nos já se encontrar definitivamente esclarecida, uma vez que resulta incontroverso que a partir de 1.01.2017, a taxa deixou de poder ser repercutida no consumidor final, nos termos do artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento do Estado para 2017, constante da Lei nº 42/2016, de 28.12. Deste normativo resultam dois imperativos claros e irrefutáveis: a TOS tem que ser paga pelas empresas operadoras de infraestruturas; e não pode ser refletida na fatura dos consumidores.
A tese da recorrente, de que a referida norma consubstancia apenas um objetivo programático, com base no disposto no n.º 5 do artigo 70.º do Decreto-Lei n.º 25/2017, de 3.03 (“Estabelece as normas de execução orçamental para 2017”), ao prever que o fim da repercussão está dependente do Governo alterar o quadro legal em vigor, não tem qualquer fundamento.
Dispõe tal preceito no seu artigo 70.º, com a epígrafe, “Taxa Municipal de direitos de passagem e taxa municipal de ocupação do subsolo”:
“1 - O cumprimento do dever de comunicação previsto no n.º 1 do artigo 85.º da Lei do Orçamento do Estado é assegurado, até 31 de março de 2017, pelas empresas titulares das infraestruturas junto de cada município e atualizado até ao final do ano, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do mesmo artigo.
2 - No caso de o município ser detentor de informação do cadastro das redes de infraestruturas, ou tiver pleno acesso à mesma através de plataforma online, este dispensa a empresa titular das infraestruturas em questão, por solicitação desta, da prestação inicial da informação, devendo a mesma ser atualizada até ao final do ano, conforme o estatuído no referido artigo 85.º
3 - Até ao final do mês de abril de 2017, os municípios dão conhecimento à DGAL da informação a que se referem os números anteriores, nos termos por esta definidos.
4 - Decorrido o período previsto para a prestação de informação, as entidades reguladoras setoriais em razão da matéria avaliam a informação recolhida e as consequências no equilíbrio económico-financeiro das empresas operadoras de infraestruturas.
5 - Tendo em conta a avaliação referida no número anterior, o Governo procede à alteração do quadro legal em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores.”
Ora, da leitura de tal normativo resulta que o mesmo respeita à execução de uma norma, mas não a do n.º 3 do artigo 85.º da Lei n.º 42/2016 de 28.12, mas do n.º 1 do mesmo artigo, que regula a forma de comunicação por parte das empresas titulares das infraestruturas junto dos municípios.
A douta sentença recorrida, ao assim decidir, fez correta interpretação das normas legais aplicáveis, pelo que não merece censura.
3. Conclusão
Nestes termos, somos do parecer que deve ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se, na íntegra, a douta sentença recorrida.
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Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.

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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

A) – Em 21 de dezembro de 2018, a empresa A..., S.A. – Sucursal Portugal”, NIPC ... emitiu a fatura n.º ...87, em nome da aqui Impugnante, relativa ao mês de novembro de 2018, no montante total de € 643.557,97, respeitando a Taxa de Ocupação do Subsolo do Município da Maia o valor de € 8.867,00 – cfr. doc. junto com a PI sob o n.º 1, acessível para consulta na página 59 do processo eletrónico [SITAF];
B) – Em 17-01-2019, a aqui Impugnante efetuou o pagamento da fatura descrita em A) – cf. doc. junto com a PI sob o n.º 2, acessível para consulta na página 64 do processo eletrónico [SITAF].
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2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA e 2º, al. e) do CPPT.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou parcialmente procedente a impugnação, padece de erro na aplicação do direito, por ter considerado ilegal a repercussão da taxa municipal de ocupação de subsolo, desrespeitando a alteração que decorreu da Lei n.º 42/2016 de 28.12, uma vez que a norma ínsita no artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento do Estado para 2017, constante dessa Lei nº 42/2016, de 28.12, não eliminou a repercussão da taxa municipal de ocupação do subsolo, já que consubstanciou apenas um objectivo programático e, neste sentido, a não ser assim, não faz sentido o que resulta do n.º 5 do artigo 70.º do Decreto-Lei n.º 25/2017, de 3.03 (Decreto-Lei de Execução Orçamental para 2017), que é claro ao estabelecer que o fim da repercussão está dependente do Governo alterar o quadro legal em vigor, o que até à presente data não se verificou.
As questões aqui tratadas são, em ampla medida, idênticas – até pela quase integral similitude do quadro conclusivo das alegações – aquelas já tratadas, com a devida profundidade e detalhe, no recente acórdão deste Supremo Tribunal, de 8 de Março de 2023, lavrado no Processo n.º 39/21, disponível em www.dgsi.pt, envolvendo inclusivamente as mesmas partes, e onde se pode ler, em jeito conclusivo: “I – Nos termos do artigo 85.º, n.º 3 da Lei n.º 42/2016, de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2017), a taxa municipal de direitos de passagem e de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas e não podem ser reflectidas na factura dos consumidores.
II – Sendo a citada norma válida e plenamente eficaz desde 1 de Janeiro de 2017, é ilegal o acto de repercussão que posteriormente à sua entrada em vigor foi incluído em factura de consumo de gás e suportado pelo consumidor final.
III - A actividade ou prestação de um serviço público essencial não perde a sua natureza pública administrativa pela circunstância de ser desenvolvida por uma pessoa colectiva de direito privado (no caso constituída sob a forma de sociedade anónima), nem o acto de repercussão, realizado ao abrigo de um direito legalmente reconhecido, deixa de ser materialmente tributário apenas por ter sido praticado por uma concessionária (de serviço publico essencial), pelo que, os valores cobrados ao consumidor na parte que respeitam à contrapartida da utilização pela concessionária do bem de domínio público ainda possuem a natureza de créditos tributários.”
Acresce que, por seu turno, tal aresto já se valia da decisão pioneira constante do Processo n.º 2/21, de 23 de Fevereiro de 2023, cuja fundamentação seguiu de perto, aresto este igualmente disponível em www.dgsi.pt.
Assim sendo, e por concordarmos integralmente com aquele Acórdão, assim como com a vasta fundamentação ali expendida, limitamo-nos a remeter para o respectivo teor, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido no que respeita e responde à questão acima colocada pela Recorrente.
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Por todo o exposto, mais não resta do que concluir que não assiste qualquer razão à Recorrente, pelo que se impõe negar provimento ao presente Recurso.

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3.– DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Supremo Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.
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Lisboa, 3 de Maio de 2023. – José Gomes Correia (relator) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (voto a decisão).