Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01265/15
Data do Acordão:12/16/2015
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
CONHECIMENTO DE MÉRITO
Sumário:O STA não é hierarquicamente competente para conhecer do recurso interposto nos termos do artigo 151º, nº 1 do CPTA, se a decisão recorrida não se pronunciou sobre o mérito da causa, antes julgou procedente uma excepção dilatória (cfr. arts. 11º do CPTA, 41º e 577º, alínea h) do CPC), absolvendo o requerido da instância.
Nº Convencional:JSTA00069467
Nº do Documento:SA12015121601265
Data de Entrada:10/08/2015
Recorrente:A...
Recorrido 1:CONSELHO DE DEONTOLOGIA DO PORTO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:DECL INCOMPETENCIA DO STA
Área Temática 1:DIR ADM CONT - SUSPEFIC.
Legislação Nacional:EOADV84 ART76 ART77 ART83 ART85 ART86 ART105 N1.
CPTA02 ART11 ART151.
ETAF02 ART5 N2.
CPC13 ART41 ART577 H.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0608/05 DE 2005/06/29.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1. RELATÓRIO

O Requerente/Recorrente, A……………., interpôs recurso de revista per saltum da sentença proferida pelo TAF do Porto, em 12.08.2015, que absolveu o Requerido/Recorrido da instância na sequência da procedência da excepção dilatória de falta de constituição obrigatória de advogado, nos termos dos artigos 11.º, n.º 1 do CPTA e 41.º do CPC.

O Recorrente, advogado com inscrição na Ordem dos Advogados (AO) desde 16.07.1990, mas suspenso do exercício da advocacia, nomeadamente por Deliberação do Conselho Geral da OA, tomada no processo ……, em 24.09.1993 e já consolidada na ordem jurídica, apresentou e subscreveu, em 25.06.2015, em causa própria sem proceder à junção de qualquer procuração forense, o requerimento inicial da presente providência cautelar.
Nas alegações da presente revista formula as seguintes conclusões:
i) A Sentença recorrida viola, mormente, o comando conjugado dos artigos 202.°, n.° 2, e 205.°, n.° 2, da Constituição, estatuindo a incumbência dos tribunais de assegurarem a defesa dos direitos legais dos cidadãos contra, sendo disso caso, as decisões ilegais de qualquer outra autoridade;
ii) E viola, consequentemente, o princípio fundamental do processo equitativo, de par com a garantia de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, estatuídos no artigo 20.°, também da Constituição;
iii) Viola assim, sistematicamente, os princípios jusprocessuais da igualdade substancial das partes e do contraditório, estabelecidos no artigo 4.° e no artigo 3.°, respectivamente, do Código de Processo Civil, aplicável supletivamente por remissão do artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Nessa esteira,
iv) omite pronúncia sobre questões que deviam ser plenamente apreciadas, dessarte caindo sob a alçada da nulidade adjectiva prevista na alínea d), 1ª parte, do n.° 1 do artigo 615.° do Código de Processo Civil: as questões decidendas subtraídas à tutela judicial efectiva são todas as seguidamente apontadas;
v) A deliberação, datada ora de 1993 ora de 1995, do Conselho Geral da Ordem dos Advogados publicitada através dos Editais n.° 449/2000 e n.° 205 1/2001 do Bastonário constitui um acto administrativo nulo de pleno direito, porquanto desprovido de suporte em qualquer norma de direito público: contrário, portanto, ao preceituado no artigo 120.° do Código do Procedimento Administrativo então vigente. Com efeito,
vi) em qualquer daquelas datas, o Estatuto da Ordem dos Advogados em vigor (decretado em 1984) especificava, no n.° 1 do artigo 69.°, as actividades e funções incompatíveis com o exercício da advocacia, entre as quais não figura a função de revisor oficial de contas, e previa residualmente, na última alínea do mesmo preceito, outras incompatibilidades criadas por lei especial (o que, positivamente, nunca se verificaria), e não, em absoluto, por acto do conselho geral ou dalgum outro órgão da Ordem dos Advogados. Aliás,
vii) desde Janeiro de 2014, à invalidade de tal deliberação no plano de jure acresce a falta de fundamentação de facto, porquanto o advogado em mira, exercitando um direito estatutário potestativo, suspendeu então voluntariamente aqueloutro outras funções ditas incompatíveis, até à requerenda declaração da nulidade apontada. Por consequência,
viii) ao omitir pronúncia sobre a nulidade ex tunc dessa deliberação, alegada nos autos, a Sentença recorrida violou outrossim o artigo 162.°, o n.° 1 e o n.° 2, do Código do Procedimento Administrativo actualmente em vigor;
ix) Além de nula, a mesma deliberação tem a sua (ficta) eficácia suspensa por decretuin judicial desde 2001, estado esse que, por força do disposto, em conjugação, nos artigos 28.°, n.° 1, a contrário, e 79.°, n.° 2, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos ao tempo aplicável, permanece actual. Por consequência,
x) ao não reconhecer a ineficácia jurídica da deliberação em causa, alegada nos autos, a Sentença recorrida violou, ademais, essa dupla norma substantiva;
xi) Independentemente da ineficácia e da invalidade da mesma deliberação, o advogado com a inscrição suspensa por incompatibilidade poderá encontrar-se (ilicitamente) impedido de exercer a advocacia a título profissional, não de advogar em causa própria: conforme assente pelo Supremo Tribunal de Justiça em 2000, no caso de autopatrocínio a incompatibilidade é de ter por inoperante. Por consequência,
xii) ao desconsiderar este julgado de tribunal superior, documentado nos autos, a Sentença recorrida violou, ademais, o artigo 8.°, n.° 3, do Código Civil;
xiii) Independentemente de inscrição activa no quadro geral da Ordem dos Advogados, qualquer advogado inscrito na vigência do primeiro Estatuto interno pode — nos precisos termos do artigo 164.°, n.° 1, desse diploma, estabelecendo um direito legalmente adquirido qua tale expressamente resguardado pelo artigo 81.º do Estatuto actual, decretado em 2005 — praticar, desde o início do estágio, actos próprios da profissão de advogado em causa própria ou do seu cônjuge, ascendentes ou descendentes. Por consequência,
xiv) ao recusar este direito pessoal do advogado signatário, expressamente invocado, a Sentença recorrida violou, ademais, o normativo estatutário indicado;
xv) Independentemente de inscrição activa no quadro geral da Ordem dos Advogados, qualquer advogado — mercê do princípio hermenêutico da identidade de razão, argumento a pari — pode advogar pro domo sua, tal-qualmente o podem os magistrados judiciais e do Ministério Público, nos termos dos respectivos estatutos, sem necessidade de inscrição na ordem profissional em causa. Por consequência,
xvi) ao recusar este direito pessoal ao advogado signatário, que expressamente o invocou, a Sentença recorrida aplicou a norma do n.° 1 do artigo 61.° do vigorante Estatuto da Ordem dos Advogados segundo uma dimensão materialmente inconstitucional, por violação do princípio fundamental da igualdade, ou não discriminação, consagrado no artigo 13.° da Constituição da República;
xvii) Todo o cidadão civilmente capaz goza, universalmente, do direito fundamental à autodefesa judiciária, densificado desde o processo penal — por alcance dos tratados internacionais e supranacionais englobados na previsão do artigo 8.º da Constituição Portuguesa — no sentido de que é o acusado quem exerce efectivamente o direito de defesa, limitando-se o eventual advogado da sua parte a assisti-lo tecnicamente, sem que a aceitação ou solicitação dessa assistência qualificada envolva renúncia ou impedimento do próprio para se defender per se. Tal direito — em virtude do princípio hermenêutico da maioria de razão, argumento a fortiori — é extensivo a todo e qualquer processo judicial. Por consequência,
xviii) ao não conceder ao cidadão e advogado intervindo nos autos em causa própria esse direito processual fundamental, de conhecimento oficioso obrigatório, a Sentença recorrida viola, supinamente, os artigos 6.°, n.° 3, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, 14.°, n.° 3, do Pacto Internacional relativo aos Direitos Civis e Políticos e 48.°, n.° 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,
xix) todos e cada um de per si consagrando um direito, de teor absoluto nuclearmente idêntico, que — pela dupla via do valor supralegal dos respectivos diplomas e, mormente, pela sua recepção in totum como direito fundamental de natureza análoga a constitucional, no artigo 17.°, directamente aplicável na ordem interna, por força do n.° 1 do 18.°, ambos da Constituição — derroga, tácita mas inquestionavelmente, todo o normativo infraconstitucional doméstico — designadamente, os artigos 64.° e 70.° do Código de Processo Penal, 40.°, n.° 1, do Código de Processo Civil, 11.°, n.° 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e 83.°, n.° 1, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional — que preceituam o patrocínio judiciário obrigatório, quod erat demonstrandum.
Fundadas razões por que,
tudo visto fazendo no caso, como é seu apanágio, sã e inteira justiça, o augusto Supremo Tribunal ad quem dignar-se-á, em sucessão:
A) Revogar liminarmente a indouta Sentença recorrida;
B) Admitir, acto contínuo, o Advogado portador da cédula profissional n.° ……., abaixo-assinado, a, de todo legitimamente, pleitear nos presentes autos, onde intervém em causa própria, expressamente reconhecendo, erga omnes, que:
a) a suspensão administrativa da inscrição dele procede de acto nulo ipso jure et ipso facto, tolhido, em acúmulo, pela suspensão judicial da sua eficácia aparente decretada ad perpetuum;
b) a suspensão do exercício da advocacia por motivo de incompatibilidade é inoperante em caso de autopatrocínio, e, em geral, o impedimento de advogar em causa própria seria discriminatório dos advogados relativamente aos magistrados e outros licenciados em Direito, que não carecem de inscrição em ordem profissional alguma para poderem legalmente advogar pro domo sua ou em acção oficial; e,
c) muito principalmente, a proibição indiscriminada do exercício do jus postulandi pro se, ainda que prevista na legislação ordinária ou até com valor reforçado nacional, jaz totalmente abatida pelo atinente direito internacional de ordem constitucional primando na ordem interna;
C) Determinar, consequentemente, ao Tribunal a quo que, com a citação para o procedimento cautelar em pendência, competentemente, mande outrossim notificar a Entidade Requerida para, em prazo também urgente a fixar, promover o imediato levantamento da suspensão da inscrição do senhor Advogado requerente.

O Recorrido apresentou contra-alegações formulando as seguintes conclusões:
I. O Recorrente interpôs o presente recurso de revista per saltum da douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, em 12/08/2015, que absolveu o Recorrido da instância, na sequência da procedência da exceção dilatória de falta de constituição (obrigatória) de advogado por parte do Recorrente, nos termos dos artigos 11.º, n.° 1 do CPTA e 41.° do Código de Processo Civil.
II. Imputando à mencionada douta Sentença, segundo parece, dois vícios, sendo que o primeiro consiste num alegado erro de julgamento de Direito, por entender o Recorrente que, não obstante estar suspenso, pode advogar em causa própria em processos em que é obrigatória a constituição de advogado, e o segundo consistente numa alegada omissão de pronúncia, por o Tribunal a quo não se ter pronunciado sobre a nulidade da Deliberação do Conselho geral da OA de 24/09/1993.
III. Ora, resulta evidente que o presente recurso deverá ser liminarmente rejeitado por manifesta falta de fundamento e, caso assim não se entenda, deverá o mesmo ser julgado totalmente improcedente, por não provado e por falta de fundamento.
IV. O Recorrente encontra-se com a sua inscrição na Ordem dos Advogados suspensa, por Deliberação do Conselho Geral da OA, datada de 24/09/1993, com fundamento na verificação de uma situação de incompatibilidade em razão do exercício de funções de Revisor Oficial de Contas.
V. A Deliberação do Conselho Geral da OA de 24/09/1993 está definitivamente consolidada na ordem jurídica portuguesa, não sendo mais suscetível de qualquer impugnação administrativa ou contenciosa, conforme se extrai, nomeadamente, da douta Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 19/04/2007, proferida no processo n.° 213/02, que julgou improcedente o recurso contencioso para declaração de nulidade da Deliberação do Conselho Geral de 24/09/1993, e que veio a ser confirmada por douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 19/11/2008, proferido no recurso n.° 70/08.
VI. A suspensão da eficácia da Deliberação do Conselho Geral de 24/09/1993 foi pedida pelo Recorrente em pelo menos mais dois processos, que culminaram com decisões de improcedência, que formaram caso julgado, juntamente com as decisões supra referidas (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo, datado de 18/12/1997, proferido no recurso n.° 466/97, que confirma a Sentença do Tribunal Administrativo de Círculo do Porto, datada de 15/09/1997, que tinha indeferido a providência; e Acórdão do Tribunal Central Administrativo, datado de 12/07/2000, proferido no recurso n.° 4493/00, que confirmou a Sentença do Tribunal Administrativo de Círculo do Porto, datada de 21/03/2000, que também indeferiu a providência de suspensão com fundamento em caso julgado).
VII. É evidente que a suspensão da inscrição do Recorrente na Ordem dos Advogados, decretada em 24/09/1993, por Deliberação do Conselho geral da OA, está absolutamente consolidada na ordem jurídica, não podendo mais esta deliberação ser impugnada administrativa ou contenciosamente.
VIII. A suspensão da inscrição do Recorrente na Ordem dos Advogados continua a produzir plenamente os seus efeitos, dado que nunca veio desde então a ser levantada — como é do conhecimento do Recorrente, que, aliás, o confirma nas suas alegações.
IX. Sendo assim, é juridicamente inadmissível a reapreciação, seja a que título for, da legalidade da Deliberação do Conselho Geral da OA de 24/09/1993 e, por outro lado, é ponto assente que o Recorrente tem a sua inscrição na OA suspensa.
X. O Recorrente encontra-se com a sua inscrição suspensa na Ordem dos Advogados, desde 24/09/1993, o que significa que lhe está absolutamente vedado o exercício dos atos próprios da advocacia, incluindo a prática de atos em processos judiciais em que a constituição de advogado seja obrigatória, como sucede no presente processo cautelar (cfr. artigo 61.°, n.° 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.° 15/2005, de 26 de janeiro — EOA).
XI. Estando o Requerente com a inscrição na Ordem dos Advogados suspensa, não pode o mesmo praticar atos próprios da advocacia e, portanto, não pode concretamente advogar em causa própria, por tal ser legal e deontologicamente inadmissível e proibido (cfr. artigos 11.°, n.° 1 do CPTA e 61.°, n.° 1 do EOA).
XII. Este entendimento é pacífico na nossa Jurisprudência, conforme se pode constatar da análise do douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 28/02/2002, proferido no processo n.° 048332, no qual se pode ler o seguinte: “o agora Recorrido, tendo a sua inscrição suspensa, não detém a qualidade de advogado, não podendo, por isso, beneficiar de um estatuto profissional (o de Advogado), para, com base nele, pretender exercer a advocacia, ainda que, apenas, em causa própria e nas do seu cônjuge. É que, convenhamos, ao advogar em causa própria (...) o Recorrido não deixaria de estar a exercer a advocacia”.
XIII. Enquanto durar a suspensão da inscrição na Ordem dos Advogados, o Recorrente não pode assumir mandatos forenses, não pode praticar quaisquer atos próprios da advocacia e não pode advogar em causa própria em processos em que seja obrigatória a constituição de advogado.
XIV. Se num determinado processo for obrigatória a constituição de advogado, isto significa, que a parte processual tem o dever de se fazer representar por advogado que tenha a sua inscrição ativa na Ordem dos Advogados, ou seja, por um profissional do foro que tenha o direito e a legitimidade para praticar atos processuais — algo que o Recorrente não tem por virtude da suspensão da sua inscrição.
XV. A norma do n.° 1 do artigo 11.° do CPTA contém uma regra especial que não suscita quaisquer dúvidas de interpretação e que, aplicada ao caso concreto, tem o seguinte sentido: nos processos (cautelares e nos recursos) da competência dos Tribunais Administrativos é obrigatória a constituição de advogado.
XVI. Concretamente, tinha (tem) o Recorrente, por ter a sua inscrição na Ordem dos Advogados suspensa, o dever processual de proceder à constituição de mandatário, que deve ser um advogado com inscrição em vigor (e ativa) na Ordem dos Advogados — sendo que a constituição de advogado se faz pela junção de procuração aos autos (cfr. artigo 11.°, n.° 1 do CPTA e 61.°, n.° 1 do EOA).
XVII. O Recorrente não constituiu advogado para o representar e não juntou procuração aos autos com o seu requerimento inicial.
XVIII. O Recorrente foi convidado duas vezes pelo Tribunal a quo a constituir advogado e a juntar procuração aos autos.
XIX. Ao invés de suprir a exceção dilatória mediante a simples junção de procuração aos autos, o Recorrente persistiu, sem fundamento, em argumentar que podia advogar em causa própria, bem sabendo que tinha a sua inscrição suspensa e que era obrigatória a constituição de advogado.
XX. Logo, em face do exposto, mais não restava ao Tribunal a quo que dar cumprimento ao disposto nos artigos 11.º, n.°1 do CPTA e 41.° do CPC, ou seja, que proferir decisão de absolvição do Requerido/Recorrido da instância, dando assim procedência à exceção dilatória de falta de constituição de advogado (cfr. artigo 577.°, alínea h) do CPC).
XXI. Concluindo, não merece a douta Sentença do Tribunal a quo qualquer reparo, tendo-se limitado a dar cumprimento às regras constantes dos artigos 11.º, n.° 1 do CPTA e 41.° do CPC, pelo que deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente.
XXII. Com a procedência da exceção dilatória de falta de constituição de advogado, tinha o Tribunal a quo o dever de absolver o Recorrido da instância — o que fez.
XXIII. A absolvição do Recorrido da instância obsta, evidentemente, à apreciação do mérito da causa — pelo que inexiste qualquer omissão de pronúncia.
XXIV. Concluindo, deve o presente recurso ser rejeitado ou, caso assim não se entenda, deve o mesmo ser julgado totalmente improcedente — o que se requer.

O Exmo. Magistrado do Ministério Público não emitiu parecer.

Sem vistos, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 Os Factos
A sentença recorrida tem o seguinte teor:
«A…………….., com domicílio profissional em "………….", veio requerer suspensão da eficácia do Acórdão, de 23/05/2014, do Conselho de Deontologia do Porto da Ordem dos Advogados, que lhe aplicou a pena disciplinar de suspensão pelo período de seis meses, com base na violação dos deveres previstos nos artigos 76.°, n.° s 1 e 2, 77.°, n.° 1, al. n), 83.°, n.°s 1 e 2 (na parte respeitante ao dever de cortesia), 85.°, n.°s 1 e 2, al. a), 86.°, alínea a), e 105.°, n.° 1, todos do Estatuto da Ordem dos Advogados.
Juntou documentos.
Na sequência do despacho de fls. 57 dos autos, a Entidade Demandada — Ordem dos Advogados — informou: "compulsado o Sistema de Informação da Ordem dos Advogados (SINOA), bem como o processo individual do Senhor Dr. A……………., com o nome profissional A…………….., Advogado, titular da cédula profissional n.° …….. emitida pelo Conselho Distrital do Porto, o mesmo se encontra com a inscrição suspensa, por incompatibilidade, desde 24-09-2013. "- cf. de fls. 80 dos autos.
Por instrumento de fls. 89 dos autos, o Requerente exerceu o contraditório sobre a informação prestada pela Ordem dos Advogados.
Foi proferido despacho — a fls. 161 dos autos - cujo teor segue: "O Autor instaurou a presente acção, declarando que advoga em causa própria.
A Ordem dos Advogados, notificada para o efeito, veio aos autos informar que o aqui Autor se encontra com a inscrição suspensa desde 24.09.1993.
Em face do exposto e atento o teor do artigo 11.° do CPTA, deverá o Autor proceder à regularização do patrocínio judiciário.
Se o Tribunal apurar que não pode, efectivamente, expender todas essas justificações enumeradas, deverei ser de pronto admitido em autopatrocínio no presente processo, o que desde já ex novo requeira.
Prevenindo, porém, a hipótese (irrealista) de o Tribunal definitivamente explicitar toda essa fundamentação legalmente exigida, desde já nomeio frisando bem: nessa condição — minha mandatária a Advogada: Dra. B……………., portadora da cédula profissional n.° ……, que, para efeitos do presente processo, escolhe os endereços deste seu mandante eventual, abaixo indicados."
Não junta qualquer procuração.
Ulteriormente, o Requerente apresenta novo requerimento, tecendo — uma vez mais — considerações sobre o direito que alegadamente tem à autodefesa, pese embora se encontrar impossibilitado de exercer advocacia.
Vejamos.
Dispõe o artigo 11.° do CPTA: “Nos processos da competência dos tribunais administrativos é obrigatória a constituição de advogado.”
Resulta evidente que o legislador quis que a condução e orientação técnico-jurídica dos processos a correrem termos nos tribunais administrativos fossem entregues a profissionais do foro, no caso concreto, a advogados.
Discute-se, nesta fase processual, tão-só a verificação de um pressuposto processual, tratado pela lei adjectiva nos artigos 40.° e ss. do CPC, cujo preenchimento se apresenta necessária para o prosseguimento dos autos.
Com efeito, quando é obrigatório, o patrocínio judiciário é um pressuposto processual que tem de estar verificado desde o início do processo.
Por falta de patrocínio judiciário, foram formulados dois despachos convite. Ainda assim, o Requerente não constituiu mandatário no prazo que lhe foi fixado, por considerar que — pese embora se encontrar com a sua inscrição como advogado suspensa — pode exercer advocacia em causa própria.
Importa recordar que os advogados são profissionais liberais que exercem o mandato judicial, a representação e a assistência ou consulta jurídica, praticando os actos próprios da advocacia, contando obviamente que se encontrem inscritos na Ordem dos Advogados — cf. artigo 61.°, n.° 1, do EOA.
Não só a Ordem dos Advogados detém a competência para conferir o título profissional de advogado, mas também exerce atribuições públicas em matéria de inscrição e autorização para o exercício da advocacia.
O Requerente tem a sua inscrição suspensa. Quer isto dizer que se encontra impossibilitado de exercer a advocacia.
Por conseguinte, enquanto tiver a sua inscrição suspensa, o Requerente goza do direito de acesso aos tribunais tal qual goza genericamente qualquer outro cidadão — sem inscrição activa na Ordem dos Advogados - para defesa dos seus interesses.
Pronunciaram-se neste sentido os nossos Tribunais Superiores, o Tribunal Constitucional e, bem assim, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem — cf. quanto a este último chama-se à colação a jurisprudência vertida na decisão proferida no âmbito do processo Correia de Matos c. Portugal, em virtude da queixa n.° 48188/99.
O Requerente referiu, no instrumento processual de fls. 219 e ss. dos autos, que "já nomeou (...) minha mandatária a Advogada Dra. B……………., portadora da cédula profissional n.° ………….".
Porém, não foi junta — nos prazos fixados - qualquer procuração forense a ratificar o processado, apesar da advertência expressa contida no despacho de fls. 174 dos autos, proferido à luz da lei processual civil, que exige que seja exibida e incorporada no processo judicial a procuração forense.
Assim, sendo a falta imputável ao Requerente, vai a Entidade Demandada absolvida da instância - cf. artigo 41.° do CPC.
Nestes termos, absolve-se a Entidade Demandada da instância.
Custas pelo Requerente - cf. artigo 7.°, n.° 3, Tabela II, do Regulamento das Custas Processuais.
Fixo à causa o valor de € 30.000,01, indicado pelo Requerente e por obedecer ao critério estabelecido no artigo 34.° do CPTA.
(…)».

2.2 O Direito
O Recorrente requereu no TAF de Braga a providência cautelar de suspensão de eficácia do Acórdão do Conselho de Deontologia do Porto da Ordem dos Advogados referido no seu Edital n.º 567/2015, publicado no Diário da República, 2ª série, nº 122, de 25.06.2015, que lhe aplicou a pena disciplinar de suspensão pelo período de seis meses, com base na violação dos deveres previstos nos artigos 76.º, n.ºs 1 e 2, 77.º, n.º 1, al. n), 83.º, n.ºs 1 e 2 (na parte respeitante ao dever de cortesia), 85.º, n.ºs 1 e 2, al. a), 86.º, alínea a), e 105.º, n.º 1, todos do Estatuto da Ordem dos Advogados.
No presente recurso de revista per saltum o Recorrente vem imputar à sentença que absolveu o Requerido da instância, nos termos do disposto no art. 41º do CPC, erro de julgamento, porque entende que, apesar de estar suspenso do exercício da advocacia, podia advogar em causa própria. Imputa igualmente à sentença nulidade por omissão de pronúncia, por não se ter pronunciado sobre o mérito da providência.

Cumpre apreciar e decidir se o presente recurso de revista per saltum é admissível.
O art. 151º do CPTA estabelece nos seus nºs 1 e 2 que caberá recurso de revista, a subir logo ao STA, quando as partes “suscitem apenas questões de direito” e que seja dirigido contra a “decisão de mérito” proferida por um tribunal administrativo de círculo, em processos de valor indeterminável ou superior a três milhões de euros e que não sejam referentes “a questões de funcionalismo público ou relacionadas com formas públicas ou privadas de protecção social”.
Ora, no caso presente verifica-se que a decisão recorrida não se pronunciou sobre o mérito da causa, antes julgou procedente uma excepção dilatória (cfr. arts. 11º do CPTA, 41º e 577º, alínea h) do CPC), absolvendo o requerido da instância.
Aliás, este STA já decidiu que as decisões proferidas pelos TAF em matéria de providências cautelares nunca incidem sobre o «mérito da causa» - cfr. acórdão de 29.06.2005, proc. 0608/05.
Assim, este STA não é hierarquicamente competente para conhecer do presente recurso, devendo os autos ser remetidos imediatamente ao TCA Norte para aí ser conhecido (cfr. art. 5º, nº 2 do ETAF).

Nestes termos, acordam em declarar a incompetência do STA para conhecer do presente recurso e em ordenar a baixa imediata do processo ao TCAN a fim de aí ser julgado.
Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 16 de Dezembro de 2015. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – José Francisco Fonseca da Paz – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.