Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01161/11
Data do Acordão:02/29/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
SOCIEDADE
INSOLVÊNCIA
INSTAURAÇÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:I - O erro na forma do processo afere-se pelo ajustamento do meio processual ao pedido que se pretende fazer valer, sendo que no caso de ser deduzido mais do que um pedido e só a um deles se mostrar ajustada a forma processual escolhida, é de considerar sem efeito o pedido para o qual o processo não é adequado, por aplicação analógica do disposto no art. 193.º, n.º 4, do CPC.
II - Se um dos pedidos formulados em juízo pelo executado é de que seja absolvido do pedido executivo, a oposição à execução fiscal é o meio processual próprio.
III - O juízo sobre a inexistência de alegação de causa de pedir válida, pode justificar a rejeição liminar da oposição à execução fiscal, mas já não a decisão no sentido da verificação de erro na forma do processo.
IV - Em abstracto, a alegação de que não era possível a instauração de uma execução fiscal após a sociedade ter sido declarada insolvente constitui fundamento válido de oposição à execução fiscal, subsumível à alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.
Nº Convencional:JSTA00067452
Nº do Documento:SA22012022901161
Data de Entrada:12/21/2011
Recorrente:MASSA INSOLVENTE DE A..., LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:DESP TAF VISEU PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - OPOSIÇÃO
Área Temática 2:DIR PROC CIV
Legislação Nacional:LGT98 ART97 N3
CPPTRIB99 ART98 N4 ART204 N1 I ART209 N1 B
CPC96 ART199 N1 N2 ART234-A ART288 N1 B ART476 ART493 N1 N2 ART494 B
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VII PAG88-89 PAG92-93 VIII PAG146-147 PAG498-499 PAG502
ALBERTO DOS REIS CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO 3ED VII PAG288-289
RODRIGUES BASTOS NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL 3ED VI PAG262
ANTUNES VARELA IN RLJ ANO100 PAG378
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO
1.1 A massa insolvente de “A…, Lda.” (adiante Executada, Oponente ou Recorrente), representada pela Administradora de insolvência, deduziu oposição a uma execução fiscal que contra ela foi instaurada para cobrança de uma dívida proveniente de Imposto sobre o Valor Acrescentado.
Invocando os fundamentos das alíneas a), b), d), e), g) e i) do art. 204.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), alegou a Oponente, em resumo, o seguinte:
· nulidade da citação, por não «conter a informação completa sobre a origem dos montantes executados e a forma como foram calculados» (() (As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente são transcrições, aqui como adiante.));
· erro quanto à pessoa em quem foi efectuada a citação, que não tem poderes de representação da Executada;
· não podia ter sido instaurada a execução fiscal após a declaração de insolvência da sociedade originária devedora, sendo que a Fazenda Nacional deveria ter reclamado os seus créditos no processo de insolvência;
· a dívida exequenda devia ter sido declarada extinta, porque proveniente de coima (() (É manifesto o lapso em que incorre a Oponente: a dívida exequenda, como decorre dos documentos juntos aos autos, não é proveniente de coima, mas de IVA.)) aplicada após a dissolução da sociedade na sequência da declaração de insolvência da sociedade, sendo que aquela dissolução equivale à morte física das pessoas singulares.
Concluiu formulando o pedido nos seguintes termos:
« Termos em que, e nos melhores de direito, deverá a presente petição de oposição ser recebida, ser declarada procedente e em consequência:
1º. Declarar nula a citações [sic] da oponente, devendo ordenar-se a anulação de todo o processado posterior;
2º. Declarar nula e de nenhum efeito a certidão/liquidação de dívida, títulos executivos que sejam o fundamento dos presentes autos de execução e consequentemente nula também a citação da executada ora oponente.
3º. Declarar inexigível a quantia exequenda peticionada nos presentes autos, absolvendo-se a oponente do pedido executivo».
1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, em sede liminar, julgando verificado o erro na forma do processo, absolveu a Fazenda Pública da instância e determinou a convolação da petição inicial em requerimento de arguição de nulidades a apreciar no âmbito do processo de execução fiscal, pelo que ordenou a remessa dos autos à execução fiscal para aí ser apreciado o referido requerimento.
Isto, em resumo e se bem interpretamos o despacho recorrido, porque reduziu a alegação aduzida na petição inicial à «nulidade da citação», que considerou não constituir fundamento de oposição à execução fiscal, mas poder ser arguida na execução fiscal; por isso, procedeu à referida convolação, depois de referir não haver qualquer obstáculo quanto à tempestividade, uma vez que a nulidade foi arguida dentro do prazo da oposição à execução fiscal, como exigido pelo art. 198.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC).
1.3 A Oponente não se conformou com a decisão e dela interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, que foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
1.4 A Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
« 1.
A oposição judicial está prevista nos Arts. 203º, 204º e sgts. do CPPT e o Art. 204º prevê taxativamente os fundamentos que poderão lastrar uma oposição judicial num P.E.F. (processo de execução fiscal).
2.
A al. b) do referido Art. 204º menciona expressamente a ilegitimidade do executado como possibilidade da alegação em sede de oposição judicial.
3.
A suscitada nulidade da citação, alegada pela recorrente está directa e intrinsecamente relacionada com o facto desta não se considerar devedora na presente execução – isto é que, nela, é parte ilegítima e que este PEF não poderá prosseguir contra si.
4.
Tratar-se-á, antes de mais, de um caso, não só de "simples" ilegitimidade processual como, antes, de um caso de ilegitimidade substantiva (embora, admite-se, esta qualificação ou enquadramento jurídico possa sofrer "outras discussões").
5.
Sendo ainda certo que os restantes fundamentos desta concreta oposição, tal como a própria sentença recorrida deixa antever, estão enquadrados na previsão do Art. 204º do CPPT.
6.
Por outro lado, e ainda que assim não se entenda, o que não se concede e avança por mera de patrocínio [sic], sempre a al. i) do Art. 204º estabelece que podem ainda servir de fundamento à oposição quaisquer outras ilegalidades não previstas nas alíneas anteriores, desde que não interfira em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título – sendo manifestamente esse o caso dos autos, uma vez que não se trata de um acto da exclusiva competência da entidade administrativa.
7.
Apesar da citação para a execução não poder ser considerado um acto exclusiva e materialmente administrativo, no limite, a admitir-se assim qualificado, a não exclusividade dessa competência advirá ainda do facto de existir tutela jurisdicional, em sede de reclamação para o TAF, sobre as decisões que pudessem ser tomadas sobre essa matéria pelo Sr. Chefe do SEF competente (e não, apenas, o recurso hierárquico ou gracioso).
8.
Ao invés, ao decidir da forma que vai recorrida, o tribunal "a quo" gera a perigosíssima eventualidade de cercear o direito da recorrente apresentar a sua petição de oposição em tempo útil, isto é, nos 30 dias previstos para o efeito, no Artº 203º do CPPT.
9.
Subsidiariamente, apenas, e em dever de patrocínio, admite a recorrente a aplicação do regime previsto no Art. 279º nº.1 do CP Civil: através da suspensão destes autos de oposição até à decisão transitada em julgado daquela referida arguição de nulidade da citação – o que, nesta medida, e caso faleça toda a anterior alegação recursiva, requer expressamente seja aplicado ao caso dos autos.
10.
Esta solução teria, pelo menos, a virtude de não coarctar à oponente, ora recorrente, o direito de debater judicialmente as matérias que depositou na sua peça processual.
11.
Entende a recorrente que a douta decisão recorrida violou os Arts. 203º e 204º do CPPT, o Art. 103º da LGT, bem como, pela não previsão da possibilidade da sua aplicação, o Art. 279º nº.1 do CPC, isto é, ao não ter sofrido a aplicação merecida e possível, nos presentes autos,
12.
Devendo ser revogada a douta sentença recorrida, sendo substituída por decisão que ordene o prosseguimento da oposição para conhecimento de todas as questões aí suscitada;
13.
Ou, e caso assim não se entenda, que ordene a suspensão da presente execução até à decisão definitiva e transitada sobre a suscitada arguição de nulidade da citação da executada – assim se entenda, de acordo com a douta sentença recorrida que deverá ser matéria a conhecer pelo Sr. Chefe do SEF de Tondela.
TERMOS EM QUE;
Revogando-se a douta decisão recorrida e dando-se provimento ao presente recurso, nos termos das preditas conclusões, ou de outras com que, V. Exas., Venerandos Juízes Conselheiros, se dignarão suprir;
Se Fará Justiça!».
1.5 Não foram apresentadas contra alegações.
1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que deve ser concedido provimento ao recurso e revogada a decisão recorrida, com a seguinte fundamentação:
«Quer parecer haver fundamento para revogar o decidido ainda que seja apenas num ponto: quanto à inexigibilidade que se funda na não oportuna reclamação do crédito no processo de falência, situação que se enquadra na alínea i) do n.º 1 do art. 204º do CPPT.
Aliás, a execução foi instaurada após ter sido decretada a insolvência, situação que o Ex.mo Consº Jorge Sousa refere no CPPT comentado e anotado, vol. II, p. 369, 2007, como tendo já sido reconhecida aí se enquadrar – ac. de 24-3-2000, rec. nº 24268».
1.7 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.
1.8 A questão que cumpre apreciar e decidir, como procuraremos demonstrar, é apenas a de saber se a decisão recorrida fez errado julgamento quando absolveu a Fazenda Pública da instância com fundamento em erro na forma do processo e, em consequência, ordenou que o processo prosseguisse sob a forma de requerimento dirigido à execução fiscal.
* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
Na decisão recorrida não foi fixada matéria de facto, o que se compreende face à natureza liminar dessa decisão.
2.2 DE DIREITO
2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, perante uma petição de oposição à execução fiscal, proferiu em sede liminar decisão julgando verificada a nulidade por erro na forma do processo e ordenando a prossecução do processo como requerimento endereçado à execução fiscal.
É certo que nessa decisão também absolveu a Fazenda Pública da instância, mas, como bem salienta JORGE LOPES DE SOUSA, a consequência do erro na forma do processo, de acordo com o disposto no art. 198.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, é tão-só a anulação dos actos que não possam ser aproveitados e a prática dos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei, em obediência ao princípio da economia processual, só não sendo possível o aproveitamento dos actos já praticados quando deles resulte diminuição das garantias do réu (() (Cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, anotação 10 b) ao art. 98.º, págs. 88/89.)).
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu considerou verificado o erro na forma do processo porque «[o] processo de oposição à execução fiscal apenas pode ter fundamentos enquadráveis no n.º 1 do art. 204.º do CPPT, como decorre do seu teor expresso («a oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos: …») e a arguição de nulidades processuais não se enquadra em nenhuma das situações». Ou seja, aferiu a nulidade decorrente do erro na forma do processo, não em face dos pedidos formulados na petição inicial, mas em face daquele que considerou ser o único fundamento invocado na petição inicial: a «nulidade da citação». Assim, e considerando também que essa nulidade deve ser arguida mediante requerimento na própria execução fiscal, ponderou a possibilidade de convolar a petição inicial para a forma processual adequada, tendo concluído afirmativamente, tanto mais que a nulidade foi arguida dentro do prazo da oposição à execução fiscal, como exigido pelo art. 198.º, n.º 2 do CPC.
A Oponente não se conformou com essa decisão e dela interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo. Sustenta, em síntese, sem bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, que alegou fundamento válido de oposição à execução fiscal.
2.2.2 DO ERRO NA FORMA DO PROCESSO
Antes do mais, impõe-se recordar aqui a noção de erro na forma do processo e o critério operativo por que se afere o mesmo.
O erro na forma do processo é uma nulidade que consiste na utilização de meio processual impróprio. Como é sabido, a verificação do erro na forma do processo afere-se pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado: se o pedido, ou seja, a concreta pretensão de tutela solicitada pelo autor ao tribunal não se ajusta à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo (() (Cfr. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, volume II, Coimbra Editora, 3.ª edição – reimpressão, págs. 288/289. No mesmo sentido, RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, volume I, 3.ª edição, 1999, pág. 262, e ANTUNES VARELA, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 100.º, pág. 378.)).
Salvo o devido respeito, no despacho impugnado não se distinguiu em termos inequívocos duas situações que não se confundem: uma realidade é a falta de alegação de fundamento válido de oposição à execução fiscal, que conduziria sem mais à rejeição liminar nos termos do disposto no art. 209.º, n.º 1, alínea b), do CPPT, como bem salientou a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, sem prejuízo da possibilidade de apresentação de nova petição inicial ao abrigo do disposto nos arts. 234.º-A e 476.º, do CPC; realidade diferente é o erro na forma do processo, que constitui uma nulidade de conhecimento oficioso, mas que impõe a convolação do processo para forma adequada (cfr. art. 98.º, n.º 4, do CPPT, e art. 97.º, n.º 3, da LGT), com anulação apenas dos actos que não possam aproveitar-se para a forma processual adequada sem diminuição das garantias de defesa (cfr. art. 199.º, n.ºs 1 e 2, do CPC), sendo que, se não for possível a sanação da nulidade, o erro na forma do processo determina o indeferimento da petição inicial, se verificada na fase liminar, ou, se já ultrapassada a fase liminar, a anulação de todo o processado, com a absolvição do réu da instância (cf. arts. 288.º, n.º 1, alínea b), 493.º, n.ºs 1 e 2, e 494.º, alínea b), todos do CPC)
Ora, no despacho recorrido, após se referir que não fora invocado fundamento válido de oposição e considerando-se que fora invocada exclusivamente a nulidade da citação, entendeu-se verificado o erro na forma do processo, pelo que se passou a ponderar a possibilidade de convolação do processo para a forma adequada, que se entendeu ser o requerimento dirigido à própria execução fiscal, tendo-se concluído pela afirmativa.
Acontece, porém, que toda a argumentação aduzida no despacho liminar em ordem a considerar que se verificava o erro na forma do processo se alheou dos pedidos formulados na petição inicial, centrando-se exclusivamente na única causa de pedir que considerou ter sido invocada, qual seja a da nulidade da citação. Não se atentou, designadamente, que o pedido que foi formulado na petição inicial em terceiro lugar, que se deve «[d]eclarar inexigível a quantia exequenda peticionada nos presentes autos, absolvendo-se a oponente do pedido executivo» (cfr. 1.1), é um pedido típico da oposição à execução fiscal.
Para este pedido, a forma processual escolhida pela Executada é, inequivocamente, a ajustada (() (Note-se que a oposição, em regra, visa a extinção, total ou parcial, da execução fiscal, mas pode também ter por objecto a suspensão da execução. É o caso em que a exigibilidade da dívida seja determinada por motivo meramente temporário, como, v.g., concessão de uma moratória (como as que têm vindo a suceder nos diplomas que prevêem regimes especiais de regularização de dívidas), existência de processo de falência ou de insolvência ou recuperação de empresas, ter sido decidida, por via administrativa, a suspensão da eficácia do acto de liquidação ou a própria suspensão da execução. Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume III, anotação 39 ao art. 204.º, pág. 502, de onde extraímos os exemplos referidos.)), o que nos obriga a reequacionar a questão do erro na forma do processo, tendo presente que os dois outros pedidos formulados na petição inicial, que, afinal, não são senão um – de declaração da nulidade da citação – não são pedidos a que a forma processual escolhida – a oposição à execução fiscal – se adeqúe.
Ora, ensina JORGE LOPES DE SOUSA, sob a epígrafe «Erro parcial na forma de processo»:
«Nos casos em que tenha sido efectuada cumulação de pedidos e a forma do processo seja adequada à apreciação apenas de um deles, não poderá haver correcção da forma de processo quanto aos processos para os quais a forma de processo é inadequada, pois o processo tem de seguir a forma escolhida pelo interessado relativamente à apreciação do pedido para que essa forma de processo é adequada.
Nestes casos, a solução que se extrai do tratamento dado a uma questão paralela no n.º 4 do art. 193.º do CPC, é a de considerar sem efeito o pedido ou pedidos para o qual o processo não é adequada, seguindo o processo apenas para apreciação do pedido que deva ser apreciado em processo do tipo escolhido pelo interessado.
Essa consequência é uma aplicação da regra do art. 199.º do CPC, segunda a qual, no caso de erro na forma de processo, é nulo todo o processado que não puder aproveitar-se para a tramitação de acordo com a forma estabelecida na lei. Nesses casos de erro parcial da forma de processo, como este tem de prosseguir para apreciação do pedido para que é adequado, a consequência relativamente ao outro pedido será a de nulidade parcial do processo, na parte a ele respeitante, o que se reconduz a que o processo prossiga como se esse pedido não tivesse sido efectuado» (() (Ob. cit., volume II, anotação 10 e) ao art. 98.º, págs. 92/93.)).
Verificado que está que um dos pedidos formulados na petição inicial é adequado à forma processual escolhida e em face do que acima deixámos dito, somos conduzidos à conclusão de que deve o processo prosseguir para conhecimento desse pedido, considerando-se sem efeito os demais pedidos, devendo decretar-se a nulidade parcial do processo no que a estes respeita.
Admitimos, no entanto, que, caso não houvesse na petição inicial alegação capaz de constituir fundamento válido de oposição à execução fiscal, não faria sentido fazer prosseguir o processo para apreciar esse pedido. Dito de outro modo, de nada valeria a formulação de um pedido adequado se não houvesse causa de pedir que pudesse integrar fundamento válido de oposição.
Cumpre, pois, verificar se algum dos fundamentos invocados na petição inicial pode integrar, em abstracto, fundamento válido de oposição à execução fiscal, a justificar que esta prossiga para conhecimento do pedido de extinção da execução.
Como dissemos já, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu parece ter considerado que na petição inicial se invocou uma só causa de pedir (e se formulou um só pedido), qual seja a nulidade da citação. A ser assim, subscreveríamos a decisão recorrida, se bem que com fundamentação algo diversa.
Acontece, no entanto, que na petição inicial foi também invocada uma outra causa de pedir, a qual constitui fundamento válido de oposição à execução fiscal. Na verdade, para além da nulidade da citação (() (A Oponente alegou também que, provindo a dívida exequenda de coima que foi aplicada à sociedade após a sua dissolução na sequência da declaração de insolvência, deveria a mesma ter sido declarada extinta, na medida em que aquela dissolução equivale à morte física das pessoas singulares, alegação que, em abstracto, poderia constituir fundamento de oposição à execução fiscal. No entanto, é manifesta a improcedência dessa alegação porque não está a ser cobrada coercivamente coima alguma, mas sim uma dívida de IVA.)), a Oponente alegou ainda que, porque foi declarada a sua insolvência, não podia agora ser-lhe agora exigida coercivamente uma dívida que não foi reclamada no processo de insolvência.
Ora, em abstracto, a alegação de que não era possível a instauração de uma execução fiscal após a sociedade ter sido declarada insolvente constitui fundamento válido de oposição à execução fiscal, subsumível à alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, como bem salientou o Procurador-Geral Adjunto no seu parecer (()( Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume III, anotação 38 b) ao art. 204.º, págs. 498/499. )).
Assim, porque na petição inicial foi formulado pedido próprio da oposição à execução fiscal e nela foi invocado fundamento de oposição atendível, não há que ponderar a possibilidade de convolação para qualquer outra forma processual, antes sendo de reiterar a conclusão acima formulada, de que deve o processo prosseguir para conhecimento desse pedido, considerando-se sem efeito os demais pedidos, devendo decretar-se a nulidade parcial do processo no que a estes respeita.
Não resistimos a citar aqui de novo JORGE LOPES DE SOUSA, que, renovando a doutrina acima exposta, mas agora referindo-se à hipótese aqui em causa – de cumulação da arguição de nulidade da citação em processo de oposição à execução fiscal com fundamento de oposição previsto no art. 204.º, n.º 1, do CPPT –, afirma:
«Se a arguição de nulidade por falta de citação ou qualquer nulidade secundária for feita em oposição à execução fiscal, nos casos em que não o pode ser, poderá haver possibilidade de convolação de petição de oposição em requerimento de arguição de nulidade com a consequente incorporação do mesmo no processo de execução fiscal, convolação essa que, quando possível, é obrigatória, nos termos dos arts. 97.º, n.º 3, da LGT, e 98.º, n.º 4, do CPPT.
Tal possibilidade, porém não existe quando a nulidade da citação não é o único fundamento de oposição invocado e entre os invocados se inclua algum que esteja previsto como tal no artº 204º.
Em situações deste tipo, havendo uma cumulação de pedidos e ocorrendo erro na forma de processo quanto a um deles, a solução que se extrai do regime do processo civil é considerar sem efeito o pedido para o qual o processo não é adequado, como se infere da solução dada a uma questão paralela no n.º 4 do art. 193.º do C.P.C. Na verdade, refere-se nesta norma, para o caso de cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis que «a nulidade subsiste, ainda que um dos pedidos fique sem efeito, por incompetência do tribunal ou por erro na forma de processo». Não se estará, decerto, perante um caso aqui directamente enquadrável, pois não haverá cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis. No entanto, nesta norma pressupõe-se que a solução legal para a apresentação de um pedido para o qual o processo é inadequado é a de que ele «fique sem efeito», prosseguindo o processo para apreciação do pedido para o qual o processo é adequado. Por isso, nestes casos em que são invocados fundamentos de oposição juntamente com a arguição de nulidade, não haverá possibilidade de convolação, por esta pressupor que todo o processo passasse a seguir a tramitação adequada e, nestas situações, tal não poder determinar-se, por o processo de oposição ser o próprio para apreciação dos fundamentos invocados que devam ser apreciados em processo de oposição» (() (Ob. cit., volume III, anotação 14 ao art. 165.º, págs. 146/147.)).
O despacho recorrido, que decidiu em sentido diverso – ou seja, no sentido da convolação da oposição à execução fiscal em requerimento de arguição de nulidade a incorporar na execução fiscal – não pode pois manter-se, devendo o processo ser devolvido à 1.ª instância, a fim de aí prosseguir para conhecimento do pedido de extinção da execução fiscal, se nada mais a isso obstar.
O recurso será provido com esse fundamento, com o que ficam prejudicadas as demais questões suscitadas a título subsidiário.
2.2.3 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - O erro na forma do processo afere-se pelo ajustamento do meio processual ao pedido que se pretende fazer valer, sendo que no caso de ser deduzido mais do que um pedido e só a um deles se mostrar ajustada a forma processual escolhida, é de considerar sem efeito o pedido para o qual o processo não é adequado, por aplicação analógica do disposto no art. 193.º, n.º 4, do CPC.
II - Se um dos pedidos formulados em juízo pelo executado é de que seja absolvido do pedido executivo, a oposição à execução fiscal é o meio processual próprio.
III - O juízo sobre a inexistência de alegação de causa de pedir válida, pode justificar a rejeição liminar da oposição à execução fiscal, mas já não a decisão no sentido da verificação de erro na forma do processo.
IV - Em abstracto, a alegação de que não era possível a instauração de uma execução fiscal após a sociedade ter sido declarada insolvente constitui fundamento válido de oposição à execução fiscal, subsumível à alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.
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3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, conceder provimento ao recurso, revogar o despacho recorrido e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância, a fim de aí ser conhecido o pedido de extinção da execução fiscal, se nada mais a isso obstar.
Sem custas.
*
Lisboa 29 de Fevereiro de 2012. – Francisco Rothes (relator) – Fernanda Maçãs - Casimiro Gonçalves.