Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0166/22.9BALSB
Data do Acordão:01/24/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:INCIDENTE
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I - A possibilidade de dedução do incidente de nulidade de sentença (acórdão) visa satisfazer a preocupação de realização efectiva e adequada do direito material e o entendimento de que será mais útil à paz social e ao prestígio e dignidade que a administração da Justiça coenvolve, corrigir do que perpetuar um erro juridicamente insustentável, conforme se retira do preâmbulo do dec.lei 329-A/95, de 12/12.
II - Tal como as sentenças de 1ª. Instância, os acórdãos proferidos pelos Tribunais Superiores podem ser objecto de arguição de nulidade. Além das nulidades previstas nas diferentes alíneas do artº.615, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, surgem-nos ainda duas situações decorrentes da colegialidade do Tribunal que profere o acórdão e que dão origem a nulidades específicas deste: o acórdão ser lavrado contra o vencido e, por outro lado, sem o necessário vencimento (cfr.artºs.666, nº.1, 667 e 679, do C.P.Civil).
III - Entre os possíveis fundamentos da nulidade de um acórdão vamos encontrar a omissão de pronúncia prevista no artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil. A omissão de pronúncia (vício de "petitionem brevis") pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no penúltimo segmento da norma. Segundo a jurisprudência, a nulidade da sentença/acórdão em causa verifica-se quando o Tribunal não toma conhecimento de questão de que podia e devia conhecer. A doutrina e a jurisprudência distinguem por um lado, "questões" e, por outro, "razões" ou "argumentos" para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das "questões") integra a presente nulidade.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P31831
Nº do Documento:SAP202401240166/22
Recorrente:A..., LIMITADA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:

ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X

"A..., L.DA.", com os demais sinais dos autos, notificada do acórdão do Pleno desta Secção do Contencioso Tributário, datado de 21/06/2023 e constante a fls.357 a 365 do processo físico, deduziu incidente de arguição de nulidade de acórdão (cfr.fls.378 e seg. do processo físico), requerimento em que alega, em síntese:
1-Que o acórdão proferido não apreciou e não decidiu as questões alegadas pela recorrente em resposta ao Parecer do Ministério Público;
2-Que o acórdão foi proferido sem que tenha ocorrido a notificação à recorrente prevista no artº.146, nº.3, do C.P.T.A., mormente para se pronunciar sobre as questões prévias suscitadas pela entidade recorrida e sem apreciar e sem tomar uma tal pronúncia em consideração;
3-Pelo que, ocorre não ter havido no acórdão proferido apreciação e pronúncia sobre tais questões que deviam ter sido conhecidas, vício gerador da respectiva nulidade.
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Notificado do requerimento a suscitar o incidente sob exame, a entidade recorrida juntou petição aos autos no qual defende a improcedência dos argumentos invocados em sede de incidente de nulidade de acórdão (cfr.fls.392 do processo físico).
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal teve vista do processo, estruturando douto parecer em que conclui pelo indeferimento do incidente de arguição de nulidade suscitado (cfr.fls.398 e 399 do processo físico).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação (cfr.artºs.657, nº.4, 666, nº.2, e 679, todos do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.140, nº.3, do C.P.T.A., e 25, nº.3, do R.J.A.T.).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Uma vez proferida a sentença (ou acórdão), imediatamente se esgota o poder jurisdicional do Tribunal relativo à matéria sobre que versa (cfr.artº.613, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Excepciona-se a possibilidade de reclamação com o objectivo da rectificação de erros materiais, suprimento de alguma nulidade processual, esclarecimento da própria sentença ou a sua reforma quanto a custas ou multa (cfr.artºs.613, nº.2, e 616, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.140, nº.3, do C.P.T.A.; artº.125, do C.P.P.Tributário).
Tanto a reclamação, como o recurso, passíveis de interpor face a sentença (ou acórdão) emanada de órgão jurisdicional estão, como é óbvio, sujeitos a prazos processuais, findos os quais aqueles se tornam imodificáveis, transitando em julgado. A imodificabilidade da decisão jurisdicional constitui, assim, a pedra de toque do caso julgado (cfr.artºs.619 e 628, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).
A possibilidade de dedução do incidente de nulidade da sentença (acórdão) visa satisfazer a preocupação de realização efectiva e adequada do direito material e o entendimento de que será mais útil à paz social e ao prestígio e dignidade que a administração da Justiça coenvolve, corrigir do que perpetuar um erro juridicamente insustentável, conforme se retira do preâmbulo do dec.lei 329-A/95, de 12/12 (cfr. ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/11/2020, rec.72/19.4BALSB; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 24/02/2011, rec.400/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 19/10/2011, rec.497/11; Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, II Volume, Áreas Editora, 2011, pág.356 e seg.; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª. Edição, 2017, Almedina, pág.325 e seg.; José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, C.P.Civil anotado, Volume 2º., 4ª. Edição, Almedina, 2021, pág.733 e seg.).
Tal como as sentenças de 1ª. Instância, os acórdãos proferidos pelos Tribunais Superiores podem ser objecto de arguição de nulidade. Além das nulidades previstas nas diferentes alíneas do artº.615, nº.1, do C.P.Civil, surgem-nos ainda duas situações decorrentes da colegialidade do Tribunal que profere o acórdão e que dão origem a nulidades específicas deste: o acórdão ser lavrado contra o vencido e, por outro lado, sem o necessário vencimento (cfr.artºs.666, nº.1, 667 e 679, do C.P.Civil; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/11/2020, rec.72/19.4BALSB; José Lebre de Freitas e Outros, C.P.Civil anotado, Volume 3º., 3ª. Edição, Almedina, 2022, pág.186 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. Edição, Almedina, 2009, pág.59 e seg.).
"In casu", o acórdão do Pleno desta Secção objecto do presente incidente deliberou não admitir o presente recurso para uniformização de jurisprudência deduzido pela sociedade ora requerente, para o efeito desenvolvendo, além do mais, a seguinte fundamentação de direito:
"(…)
No caso concreto, desde logo, se não verifica que a decisão arbitral objecto do presente recurso se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida pela ora recorrente (questão fundamental de direito supra identificada), tudo como estatui o citado artº.25, nº.2, do R.J.A.T.
Recorde-se que o dispositivo do aresto arbitral recorrido é o seguinte:

"Termos em que se decide julgar procedente a exceção dilatória da caducidade do direito de ação e julgar extinta a instância."

Esta opção legislativa de restringir a possibilidade de recurso relativamente às decisões que conheçam do mérito da pretensão deduzida e ponham termo ao processo, resulta inequívoca da letra da lei, a qual constitui o princípio e o limite da tarefa hermenêutica que incumbe ao seu aplicador, nos termos do artº.9, nº.2, do C.Civil (cfr.artº.25, nº.2, do R.J.A.T.).
Por outras palavras, quando o legislador refere que o fundamento do recurso tem que se reconduzir à contrariedade verificada quanto à mesma questão fundamental de direito com o aresto indicado como fundamento, está a referir-se à causa de pedir na qual se baseia o pedido. Pelo que se crê que somente estará o identificado pressuposto, contrariedade, preenchido quando nos dois processos a causa de pedir seja análoga e exista decisão expressa sobre a mesma (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 22/03/2023, rec.44/22.1BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 24/05/2023, rec.92/22.1BALSB; Carla Castelo Trindade, ob.cit., pág.482).
Mais se deve relevar que a jurisprudência deste Tribunal é uniforme no sentido acabado de veicular. Concretizando, para admissão do recurso exige-se que a questão fundamental de direito, alegadamente, decidida em sentido divergente pela sentença arbitral recorrida e pelo aresto indicado como fundamento seja sobre o fundo da causa, relativa ao mérito da pretensão deduzida (cfr.v.g.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 2/12/2015, rec.180/15; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/11/2020, rec.14/19.7BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 22/09/2021, rec.53/20.5BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 26/01/2022, rec.126/21.7BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 18/01/2023, rec.113/22.8BALSB).
Revertendo ao caso dos autos, conforme exposto supra, o aresto recorrido não decidiu a questão suscitada no âmbito do presente recurso, dado somente se limitar a julgar procedente a excepção dilatória da caducidade do direito de acção e extinta a instância arbitral.
Concluindo, não se mostram reunidos os requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no artº.25, nº.2, do R.J.A.T., e no artº.152, do C.P.T.A., desde logo, porque não pode afirmar-se ter a decisão arbitral recorrida identificada pela sociedade recorrente, no segmento objecto do recurso, se pronunciado sobre o mérito da respectiva pretensão, desnecessário se tornando o exame dos restantes pressupostos do presente salvatério.
Não se verificam, portanto, os pressupostos de que depende a admissão do salvatério, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
(…)"

Face à fundamentação e dispositivo do acórdão objecto deste incidente a sociedade requerente alicerça a alegada nulidade do acórdão, em primeiro lugar, na reclamada não apreciação e decisão das questões alegadas pela recorrente em resposta ao parecer do Ministério Público.
Ora, o cumprimento do artº.146, nº.2, do C.P.T.A., face ao teor do douto parecer do Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, verificou-se a fls.342 e 343 do processo físico, mais tendo a sociedade recorrente apresentado o requerimento junto a fls.347 e 348 do processo físico, no qual termina, pugnando por que se conheça do mérito do presente recurso de uniformização de jurisprudência, contrariamente ao que concluíra o M.P. no citado parecer, ou seja, que não se mostravam reunidos os requisitos para o conhecimento do mérito da apelação.
Com estes pressupostos, constando da fundamentação do acórdão objecto do presente incidente a conclusão de que não estavam reunidos os desígnios de admissão do recurso, não tinha o mesmo que se pronunciar sobre qualquer outra questão que implicasse o conhecimento do seu mérito (devido a nexo de prejudicialidade), assim não ocorrendo qualquer omissão de pronúncia e a consequente nulidade do aresto, neste segmento.
Mais defende a sociedade reclamante que o acórdão visado pelo presente incidente igualmente padece de nulidade em virtude de não ter ocorrido a notificação à recorrente prevista no artº.146, nº.3, do C.P.T.A., mormente para se pronunciar sobre as questões prévias suscitadas pela entidade recorrida e sem apreciar e tomar uma tal pronúncia em consideração.
Também neste segmento, o presente incidente é manifestamente improcedente.
Desde logo, porque a própria entidade recorrida procedeu à notificação à sociedade recorrente do teor das contra-alegações (cfr.teor do documento junto a fls.1464 da numeração Sitaf).
Por outro lado, a sociedade recorrente juntou ao processo o requerimento de fls.354 e 355 do processo físico, no qual, segundo a própria, vem pronunciar-se sobre as questões suscitadas pela entidade recorrida, ao abrigo do artº.146, nº.3, do C.P.T.A., no qual termina, mais uma vez, pugnando pela admissibilidade e conhecimento do presente recurso.
Por último, tal como em relação ao vector anterior do presente incidente, não tinha este Tribunal que se pronunciar sobre qualquer outra questão para além da que originou a não admissão do presente recurso para uniformização de jurisprudência (devido a nexo de prejudicialidade), assim não ocorrendo qualquer omissão de pronúncia e a consequente nulidade do aresto, também neste segmento.
Rematando, inexiste qualquer fundamento legal para que se possa considerar que o acórdão objecto do presente incidente padeça de nulidade, quer por omissão de pronúncia, quer por falta de cumprimento de um acto, nomeadamente, por preterição de formalidade legal para o exercício do contraditório.
Atento tudo o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se totalmente improcedente o presente incidente de nulidade de acórdão, ao que se provirá na parte dispositiva.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DO PLENO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DESTE SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO em INDEFERIR A REQUERIDA NULIDADE DO ACÓRDÃO exarado a fls.357 a 365 do processo físico.
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Condena-se a requerente em custas pelo presente incidente, fixando-se a taxa de justiça em três (3) U.C. (cfr.artº.7, nº.4, e Tabela II, do R.C.Processuais).
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 24 de Janeiro de 2024. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - José Gomes Correia - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo - Fernanda de Fátima Esteves.