Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01549/16.9BEPNF 01179/17
Data do Acordão:06/03/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
NULIDADE
Sumário:Nos termos conjugados dos artigos 374.º n.º 2 e 379.º n.º 1 alínea a) do Código de Processo Penal (CPP), ex vi dos arts. 3.º alínea b) do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT) e 41.º n.º 1 do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS), do despacho decisório (equiparável a uma sentença), previsto no art. 64.º n.ºs 1 e 2 do RGIMOS, sob pena de nulidade, tem de constar “a enumeração dos factos provados e não provados, (…), com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”.
Nº Convencional:JSTA000P26018
Nº do Documento:SA22020060301549/16
Data de Entrada:11/02/2017
Recorrente:A...
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ***
Acórdão proferido no Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

# I.


Neste processo de recurso (judicial) de decisão de aplicação de coima (contraordenação), o arguido A………., com os demais sinais dos autos, recorre, jurisdicionalmente [invocando o disposto no artigo (art.) 73.º n.º 2 do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS), ex vi da alínea (al.) b) do art. 3.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT)], do despacho decisório (judicial), proferido, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Penafiel, em 26 de julho de 2017, que o julgou improcedente e condenou na coima única de € 53,50.

O recorrente (rte) apresentou alegação, finalizada com as seguintes conclusões: «

A. O presente recurso tem por objecto a decisão, datada de 26.07.2017, proferida pelo Tribunal a quo que julgou improcedente o recurso tendo condenado o Recorrente na coima única de € 53,50 e em custas;

B. O Recorrente discorda integralmente da decisão recorrida, essencialmente, por duas ordens de razões;

C. Por um lado, por entender estarem prescritos os procedimentos de contra-ordenação, prescrição essa não declarada pelo Tribunal a quo;

D. Por outro, por considerar que a notificação efectuada pela concessionária ao Recorrente nos termos do artigo 10°, n.° 1, da Lei n.° 25/2006, de 30 de Junho é irregular, por ter sido dirigida para uma morada incompleta fornecida pela Conservatória do Registo Automóvel;

E. Quanto ao prazo de prescrição dos procedimentos de contra-ordenação, entende o Recorrente que se aplica o prazo de um ano, nos termos da alínea c) do artigo 27.° do RGCO e não de cinco anos, conforme prevê o n.° 1 do artigo 33.° do RGIT;

F. A convicção do Recorrente a respeito do prazo de prescrição do procedimento de contra- ordenação resulta do facto de o RGCO conter disposições mais favoráveis ao Recorrente do que aquelas que resultam do RGIT na mesma matéria, o que, à luz do princípio da aplicação da lei penal mais favorável previsto no n.° 4, do artigo 29.º, da CRP e no n.° 4, do artigo 2.°, do CP, e também do artigo 3.º, n.° 2 do RGCO, determina que o RGCO seja aqui aplicado em detrimento do RGIT;

G. Interpretação diversa, por fazer tábua rasa do artigo 3.°, n.° 2, do RGCO, resultado no ilícito contra-ordenacional do preceito constitucional do artigo 29.º, n.° 4, é materialmente inconstitucional, por vedar a aplicação retroactiva de lei sancionatória mais favorável ao arguido, o que se traduz, como se sabe, em uma das vertentes do princípio da legalidade do artigo 29.°, n.° 1, da CRP (cf., também, artigo 2.° do RGCO);

H. Quanto à notificação efectuada pela concessionária nos termos do artigo 10.°, n.° 1 da Lei n.° 25/2006, de 30 de Junho, a mesma é irregular;

I. Uma notificação regularmente efectuada é aquela que é efectuada nos termos da lei;

J. De acordo com o artigo 11.°, n.° 1 da Lei n.° 25/2006, de 30 de Junho, para efeitos da emissão do auto de notícia quando não for possível identificar o condutor do veículo no momento da prática da contra-ordenação, as concessionárias, as subconcessionárias, as entidades de cobrança das taxas de portagem e as entidades gestoras de sistemas electrónicos de cobrança de portagens podem solicitar à Conservatória do Registo Automóvel os dados de identificação do proprietário do veículo;

K. Do artigo 11.º, n.° 1 da Lei n.° 25/2006, de 30 de Junho não resulta qualquer presunção inilidível que a morada constante da Conservatória do Registo Automóvel corresponde efectivamente ao domicílio do Recorrente, nem que a mesma se encontre necessariamente completa, nem desonera a entidade administrativa de, em face de sucessivas devoluções de correspondência enviada para uma certa morada, apurar qual a morada correcta do proprietário do veículo;

L. A incompletude da morada constante da Conservatória do Registo Automóvel por facto imputável ao proprietário do veículo não pode ser punida através da consideração da notificação exigida pelo artigo 10.° da Lei n.° 25/2006 de 30 de Junho como regularmente efectuada porque dirigida para morada que, não obstante estar incompleta, foi disponibilizada pela Conservatória do Registo Automóvel;

M. Permitir esta punição significa sustentar um entendimento inconstitucional, porquanto compromete a defesa do arguido, desrespeitando o n.° 2, do artigo 32.°, da CRP;

N. O presente recurso deve assim ser julgado procedente e, em consequência, revogada a decisão recorrida e substituída por Acórdão que declare prescritos os procedimentos de contra-ordenação no âmbito dos quais foram proferidas as decisões de aplicação de coima recorridas;

O. Caso assim não se entenda, o que por mera hipótese de raciocínio se admite, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por Acórdão que anule as decisões de aplicação de coima contestadas, por ser ilegal o entendimento aplicado pelo Tribunal a quo quanto à notificação efectuada pela Concessionária nos termos do artigo 10.°, n.° 1 da Lei n.° 25/200, de 30 de Junho.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, DEVE O PRESENTE RECURSO JUDICIAL SER JULGADO PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA:

A) SER A DECISÃO DE QUE ORA SE RECORRE REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR ACÓRDÃO QUE DECLARE PRESCRITOS OS PROCEDIMENTOS DE CONTRA-ORDENAÇÃO NO ÂMBITO DOS QUAIS FORAM PROFERIDAS AS DECISÕES DE APLICAÇÃO DE COIMA RECORRIDAS; OU

B) CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, SER A DECISÃO RECORRIDA REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR ACÓRDÃO QUE ANULE AS DECISÕES DE APLICAÇÃO DE COIMA CONTESTADAS, POR SER ILEGAL O ENTENDIMENTO APLICADO PELO TRIBUNAL A QUO QUANTO À NOTIFICAÇÃO EFECTUADA PELA CONCESSIONÁRIA NOS TERMOS DO ARTIGO 10.º, N.° 1 DA LEI N.° 25/200, DE 30 DE JUNHO, COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.»


*

O Ministério Público, junto do TAF de Penafiel, contra-alegou e concluiu: «

1ª. - Louvando-se na douta Fundamentação, constante da Decisão através de simples despacho em recurso - aqui considerada integrada e dada como reproduzida -, com a qual concorda, dispensa-se o MP de tecer ulteriores considerandos sobre as questões já dilucidadas, aliás doutamente, naquela e que o/a R. se limita a repristinar e/ou repetir; pelo que, apenas responde à única questão ora suscitada ex novo - inconstitucionalidade da interpretação relativamente à questão DA PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO DE CONTRA-ORDENAÇÃO a que o Tribunal a quo procedeu e do entendimento (ilegal) quanto à (IR)REGULARIDADE DA NOTIFICAÇÃO EFECTUADA PELA CONCESSIONÁRIA que aplicou, por violação dos art°.s 29°, nº. 4 e 32°, n°. 2 da CRP.

2ª. - A manutenção das decisões de aplicação de coima da AT, quanto à imputação ao/à arguido/a/recorrente da prática das contra-ordenações em questão, ficou a dever-se, em síntese, desde logo, à conclusão da respectiva efectiva prática pelo/a mesmo/a, nas circunstâncias de tempo, lugar e modo constantes dos autos, à gravidade das contra-ordenações em causa e à culpa e, atentas as Questões a decidir: elencadas na douta Decisão posta em crise e subsequente Fundamentação., ainda aos factos expostos nos pontos (I) a (VII) desta.

3ª. - Mesmo não se alcançando a presumida alegada violação do princípio constitucional da presunção de inocência, sempre se consigna mas somente que, in casu, mormente no sobredito entendimento aplicado pelo Tribunal resulta intocado tal princípio, carecendo por conseguinte de qualquer fundamento, a presumida alegada respectiva violação e, consequentemente, a suscitada ilegalidade/inconstitucionalidade.

4ª. - A situação objecto da Decisão recorrida não consubstancia a mesma questão de direito, nem sequer questão análoga, à decidida no douto Acórdão do STA de 03.12.2014, processo n.° 01043714 citado e a cuja Jurisprudência o/a R., de forma portanto inaceitável, apela.

5ª. - Na efectuada transposição, obnubila o/a R., a questão da aplicação subsidiária do RGIT, por força do art°. 18° da Lei 25/2006, de 30 de Junho, ao pretender aplicável, por aplicação subsidiária (sucessiva) do RGCO/RGIMOS, o prazo de prescrição p. na al. c) do art°. 27° deste.

6ª. - Prescrevendo a lei especial em causa, no respectivo art°. 18°, a aplicação subsidiária do RGIT e dispondo este quanto à Prescrição do procedimento, nos termos do respectivo art°. 33°, não pode, quanto a tal questão expressamente regulada no mesmo, aplicar-se subsidiariamente o disposto sobre a mesma questão no RGCO/RGIMOS, pese embora a prevista aplicação subsidiária deste (RGCO/RGIMOS), nos termos do disposto no art°. 3°, al. b) do RGIT, quanto, mas apenas, às matérias não reguladas por este (RGIT) que portanto não é o caso da prescrição do procedimento.

7ª. - Não se verificam as alegadas inconstitucionalidades da interpretação quanto à prescrição nem a ilegalidade/inconstitucionalidade do entendimento relativamente à regularidade da efectuada notificação, nem aliás qual/isquer outra/s.

8ª. - A douta Decisão posta em crise não viola o princípio da aplicação da lei penal mais favorável, nem o princípio da presunção de inocência, nem aliás qualquer outro princípio constitucional e/ou legal, nem enferma de qualquer outro vício.

NESTES TERMOS e nos demais que V. EXCIAS doutamente suprirão, deve a douta Decisão através de simples despacho recorrida ser confirmada/mantida, negando-se provimento ao interposto recurso.

Assim decidindo farão os/as Venerandos/as Conselheiros/as JUSTIÇA.»


*

O Exmo. magistrado do Ministério Público, neste STA, emitiu parecer, no sentido de que o recurso deve ser julgado procedente, numa parte e quanto ao mais, devem os autos baixar à “autoridade administrativa a fim de serem instruídos os autos com os novos elementos fornecidos pelo arguido sobre a alteração de titularidade da viatura.”.

*

Cumpridas as formalidades legais, compete conhecer e decidir.

*******

# II.


O despacho recorrido é do seguinte teor, integral: «

1 — Relatório.

A…………, contribuinte fiscal n.° ………., residente na Praça ………., n.° …., …. ……, Paredes, abreviadamente designado recorrente, impugnou judicialmente a decisão administrativa de aplicação de coima do Senhor chefe de finanças do Serviço de Finanças de Paredes, proferida nos presentes autos e no processo apenso que lhe aplicou em cada um deles uma coima única de € 28,50 e € 25,00, acrescida das custas de cada um deles no valor de € 76,50, por falta de pagamento da taxa de portagem, infração prevista e punida pelos arts. 5.º, n.° 2, e 7.° da Lei n.° 25/2006, de 30 de junho.

O recorrente impugnou judicialmente as decisões proferidas pela autoridade administrativa, ao abrigo do art. 80.° do RGIT, invocando, em síntese, a ilegalidade da falta de apensação dos processos de contraordenação, a prescrição do procedimento, a sua ilegitimidade, a sua falta de notificação para identificar o autor da infração, a inconstitucionalidade do art. 7°, n.° 1, da Lei n.° 25/2006, a dispensa de aplicação de coima e a aplicação duma coima continuada. Concluiu pedindo a procedência do recurso e a anulação da decisão de aplicação da coima por prescrição, ilegitimidade do recorrente, inconstitucionalidade do art. 7.º, n.° 1, da Lei n.° 25/2006, e dispensada a aplicação da coima ou caso assim não se entenda a descida do processo ao Serviço de Finanças para aplicação da coima continuada.

Dado cumprimento ao disposto no art. 64°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° (DL) n.° 433/82, de 27 de Outubro, alterado pelos DL 356/89, de 17 de Outubro e 244/95, de 14 de Setembro e Lei n.° 109/2001, de 24 de Dezembro, a recorrente e a digna Magistrada do Ministério Público aceitaram a prolação da decisão por simples despacho.

Questões a decidir: as questões a decidir são as questões de mérito (I) da ilegalidade da falta de apensação dos processos de contraordenação, (II) da prescrição do procedimento, (III) da ilegitimidade do recorrente, (IV) da falta de notificação para identificar o autor da infração, (V) da inconstitucionalidade do art. 7°, n.° 1, da Lei n.° 25/2006, (VI) da dispensa de aplicação de coima, (VII) da aplicação duma coima continuada e (VIII) da aplicação da coima única.

2 — Fundamentação.

(I) A ilegalidade da falta de apensação dos processos de contraordenação.

O recorrente invoca a ilegalidade da falta de apensação dos processos de contraordenação e a correspondente inconstitucionalidade por violação do princípio da proporcionalidade.

Mas não tem razão.

Desde logo, porque a Lei n.° 25/2006 e o RGIT não preveem expressamente a apensação dos processos de contraordenação.

Por outro lado, apesar da apensação dos processos de contraordenação ser legalmente admissível por aplicação subsidiária do RGIMOS e do CPP, ainda assim, a autoridade administrativa não está obrigada a fazê-lo, podendo até ponderar a eventual adequação ou não da apensação em função das finalidades dos processo e da sua eventual separação, nos termos do art. 30.° do CPP.

Acresce que não se vislumbrando a aplicação duma coima continuada, atenta a natureza administrativa da sanção e a sua prática mais ou menos reiterada, mesmo depois de avisado da falta de pagamento e por condutas que não revelam qualquer continuidade da resolução das infrações praticadas, nem sendo aplicável às infrações tributárias previstas e punidas nos termos do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT) a realização do cúmulo jurídico de coimas, mas ao mero cúmulo material (art. 25.º do RGIT), correspondente à soma aritmética das coimas concretamente aplicadas, não se vislumbra grande relevância na apensação dos processos, nem a prática de qualquer ilegalidade na sua não apensação.

Também por isso, não há qualquer violação do princípio de proporcionalidade ou qualquer outro princípio ou norma constitucional, na aplicação das coimas recorridas sem ter-se procedido à apensação dos processos de contraordenação.

(II) A prescrição do procedimento.

O recorrente invoca a prescrição do procedimento mas também não tem razão.

As coimas respeitam todas a infrações praticadas no ano de 2012 ou posteriormente, pelo que o prazo de prescrição das contraordenações é de 5 anos (arts. 18.º da Lei n.º 25/2006 e 33 e 34º do RGIT).

O recorrente foi notificado das decisões de aplicação das coimas durante o ano de 2016, por cartas registadas com aviso de receção recebidas em 02/11/2016 e em data anterior à apresentação dos recursos, em 30/11/2016, e da data da receção dos recursos no Serviço de Finanças, em 02/12/2016, pelo que, independentemente da verificação de qualquer outra causa de suspensão ou interrupção do prazo de prescrição (art. 28.° do RGIMOS), não ocorreu a prescrição do procedimento.

(III) A ilegitimidade do recorrente.

O recorrente alega que vendeu o veículo em 2007 e invoca a sua ilegitimidade alegando que não era proprietário, detentor ou condutor do veículo que incorreu na prática das infrações e como tal não praticou as infrações que lhe são imputadas.

Além disso não foi regularmente notificado para identificar o autor da infração, porque a carta registada com aviso de receção foi devolvida à remetente por insuficiência do endereço, por não conter o número de polícia, pelo que não tem legitimidade para intervir nos autos.

Mas não tem razão.

Conforme resulta dos autos no momento da prática das infrações não foi possível identificar o condutor do veículo, pelo que a empresa concessionária solicitou, nos termos dos arts. 10.º e 11.º da Lei n.° 25/2006, à Conservatória do Registo Automóvel a informação do domicílio do titular do documento de identificação do veículo e notificou-o para este identificar o condutor no veículo no momento da infração, de acordo com o previsto nos arts. 10.º, 11.º e 14.º da Lei n.° 25/2006.

A empresa concessionária, com base na informação da Conservatória do Registo Automóvel, notificou o recorrente, por carta registada com aviso de receção remetida em nome e para o endereço constante da informação da Conservatória do Registo Automóvel, para identificar o condutor do veículo no momento da prática da infração.

Porém, a carta registada com aviso de receção foi devolvida à concessionária por o endereço ser insuficiente pro não conter o número da porta. Só que a devolução da correspondência é imputável ao recorrente, porquanto na morada da Conservatória do Registo Automóvel não constava o número de polícia, apesar de a rua e localidade serem as mesmas que ainda hoje são a residência do recorrente.

A devolução “por qualquer motivo” da carta registada com aviso de receção não obsta à notificação, tendo neste caso de proceder-se ao reenvio para o domicílio do notificado de notificação através de carta simples, tendo o funcionário da empresa responsável de lavrar cota no processo com a indicação da data de expedição da carta e do domicílio para a qual foi enviada.

No caso dos autos, o funcionário da empresa responsável lavrou a referida cota e consignou que enviou a carta simples em 05/06/2014 para o domicílio constante do registo automóvel.

Por isso, o recorrente tem de considerar-se regularmente notificado nos termos dos arts. 10°, 11.º e 14.° da Lei n.° 25/2006.

Como não procedeu à identificação do condutor do veículo no momento da prática da infração, nos termos e prazos previstos no art. 10.° da lei n.° 25/2006, ficou definitivamente precludido o direito de ilidir a presunção de responsabilidade previsto no n.° 3 do art. 10.º da Lei n.° 25/2006, por força do n.° 6 desse artigo.

O recorrente é por isso responsável pelo pagamento das coimas, taxas de portagem e custos administrativos, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 10.º, n°s 1 a 3, e 6, 11.º e 14°, n.°s 1 a 3, da Lei n.° 25/2006, por não ter identificado o condutor do veículo no momento da prática da infração e como tal é parte legítima no recurso.

(IV) A falta de notificação para identificar o autor da infração.

O recorrente invoca a ilegalidade e a falta de notificação para identificar o condutor da infração.

Todavia, como acabamos de ver a propósito da invocada ilegitimidade do recorrente e da identificação do condutor do veículo, o recorrente não tem razão porque a empresa responsável pela realização dessa notificação cumpriu todas as formalidades legais previstas na Lei n.° 25/2006 e o invocado endereço incompleto constante da Conservatória do Registo Automóvel resulta da informação prestada pelo próprio recorrente aquando do registo do veículo automóvel, pelo que é- lhe imputável a referida irregularidade que determinou a devolução da notificação.

Nesta parte e por esse motivo também não tem razão.

(V) A inconstitucionalidade do art. 7.°, n.° 1, da Lei n.° 25/2006.

O recorrente invoca a inconstitucionalidade do art. 7.º, n.° 1, da Lei n.° 25/2006, por violação do princípio da proporcionalidade, ínsito no art. 18°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), reforçado pelos princípios constantes do direito penal, do direito em geral e do art. 15.° da dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, porquanto o limite mínimo e máximo fixado no referido art. 7°, n.° 1, são manifestamente desproporcionais aos fins que visam atingir com a censurabilidade do comportamento sancionado.

O Tribunal entende que o recorrente não tem razão.

A violação do princípio da proporcionalidade decomposto nos referidos princípios da necessidade ou exigibilidade, adequação e racionalidade ou proporcionalidade em sentido estrito pressupõe uma manifesta, excessiva e flagrante desproporcionalidade e desadequação entre a sanção aplicável e a conduta sancionada.

No caso do art. 7.º, n.° 1, da Lei n.° 25/2006, entendemos que não existe essa manifesta, excessiva e flagrante desproporcionalidade e desadequação entre a sanção aplicável e a conduta sancionada.

Desde logo, o limite mínimo e máximo da coima são fixados em função do valor da taxa de portagem o revela a existência de proporcionalidade entre a conduta infratora e sancionável e o valor da sanção aplicável.

A fixação do limite mínio de 7,5 vezes o valor da respetiva taxa de portagem, mas nunca inferior a € 25,00, não revela qualquer manifesta, excessiva e flagrante desproporcionalidade e desadequação entre a sanção aplicável e a conduta sancionada porque além de não ser um valor manifesto, excessivo e/ou desadequado, tem também de revelar um mínimo grau de censura ao comportamento que pretende sancionar-se, bem como de dissuasão à prática de futuras infrações, só assim cumprindo as funções de prevenção das normas sancionatórias.

Um valor inferior a esse não traria qualquer grau de censura e não cumpriria qualquer uma das funções das normas sancionatórias.

Aqui também não pode deixar de invocar-se que o limite mínimo foi até reduzido na última alteração do art. 7°, n.° 1, da Lei n.° 25/2006 o que revela uma atualização desse valor e como tal uma adequação às condições atuais.

O limite máximo também não espelha qualquer manifesta, excessiva e flagrante desproporcionalidade e desadequação entre a sanção aplicável e a conduta sancionada porque além de não ser um valor manifesto, excessivo e/ou desadequado, é fixado em função da gravidade da infração revelada pelo valor da taxa de portagem que integra a prática da infração.

Além disso, o limite máximo permite uma amplitude suficientemente abrangente para a fixação concreta da coima em função da gravidade da infração e sempre limitada ao valor máximo das coimas previstas no Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), o que reforça a inexistência de qualquer desproporcionalidade.

Finalmente, a proporcionalidade do n.° 1 do art. 7.° não pode ser aferida descontextualizada dos restantes números desse artigo. Da análise conjugada do n.° 1 com o n.° 4 sai mais uma vez reforçada a proporcionalidade da sanção prevista no n.° 1.

Com efeito, o n.° 4 do art. 7.° prevê que constitui uma única contraordenação as infrações que sejam praticadas pelo mesmo agente, no mesmo dia, através da utilização do mesmo veículo e que ocorram na mesma infraestrutura rodoviária, sendo o valor mínimo a que se refere o n.° 1 o correspondente ao cúmulo das taxas de portagem, pelo que não fosse esta previsão legal, o limite mínimo do n.° 1 nestas situações permitiria, por exemplo que um infrator que no mesmo dia, através da utilização do mesmo veículo e na mesma infraestrutura rodoviária, passasse 5 vezes numa portagem sem pagar a taxa de valor, por exemplo, de € 0,50, incorreria na prática de 5 contraordenações de valor mínimo de € 25,00, ao passo que com o regime legal aplicável, incorre na prática duma única contraordenação de € 25,00.

Por tudo isto, entendemos que o art. 7°, n.° 1, da Lei n.° 25/2006, não padece de qualquer inconstitucionalidade por violação do princípio da proporcionalidade ou qualquer outro.

(VI) A dispensa de aplicação de coima.

O recorrente pede ainda a dispensa de aplicação da coima porque entende que estão verificados os pressupostos do art. 32°, n.° 1, alíneas a) e c), do RGIT, pelo que os autos devem baixar ao Serviço de Finanças para notificação do infrator para pagar as taxas de portagem em dívida e cumprir-se o pressuposto da alínea b).

Mas não tem razão.

A dispensa de aplicação de coima prevista no art. 32°, n.° 1, do RGIT tem como pressuposto essencial a verificação cumulativa dos pressupostos estabelecidos nas alíneas a) a c).

No caso em apreço a falta de pagamento da taxa de portagem implica necessariamente um prejuízo efetivo à receita tributária, por não ter sido paga no momento legalmente previsto, pelo que não se verifica o pressuposto da alínea a) do n.° 1 do art. 32.° do RGIT.

Logo, não pode aplicar-se a dispensa de aplicação da coima independentemente de verificarem-se ou não os restantes pressupostos das alíneas b) e c), em particular da alínea b).

(VII) A aplicação duma coima continuada.

O recorrente pugna ainda pela aplicação duma coima continuada e pela baixa dos autos ao Serviço de Finanças para aplicação dessa coima única.

Mas também não tem razão.

As infrações em causa não são suscetíveis de serem sancionadas com uma coima continuada.

Com efeito, o regime jurídico da Lei n.° 25/2006 não prevê a aplicação da infração continuada e na sua última alteração a nova redação do art. 7.º, n° 4, ao prever que as infrações que sejam praticadas pelo mesmo agente, no mesmo dia, através da utilização do mesmo veículo e que ocorram na mesma infraestrutura rodoviária, constituem uma única contraordenação está a afastar expressamente a aplicação do regime da coima continuada.

Acresce que atendendo à natureza administrativa da sanção e a sua prática mais ou menos reiterada, mesmo depois de avisado da falta de pagamento e por condutas que não revelam qualquer continuidade duma única resolução na prática das infrações, tanto mais que as subsequentes saídas e entradas nas autoestradas sujeitas a portagem e a passagem nos respetivos postos de portagem ou pórticos de deteção da utilização da infraestrutura sujeita ao pagamento da taxa de portagem revelam que o recorrente tem consciência de cada uma das infrações praticadas e que tem resoluções autónomas para cada uma delas o que afasta a considerável diminuição da culpa do agente e a possibilidade da aplicação legal subsidiária de crime continuado previsto no art. 30.° do Código Penal (CP).

Por isso, este Tribunal entende que às contraordenações em causa nos autos não é aplicável a contraordenação continuada e como tal também improcede o recurso nesta parte.

(VIII) A aplicação da coima única.

No caso em apreço o Tribunal procedeu à apensação dos processos n.° 1549/16.9BEPNF e 1550/16.2BEPNF, pelo que em cumprimento do art. 25.° do RGIT, tem de proceder à realização do cúmulo material das coimas aplicadas nas decisões recorridas.

Assim, nos termos do art. 25.° do RGIT, o Tribunal aplica ao recorrente em cúmulo material a coima única de € 53,50, correspondente à soma das coimas únicas de € 28,50 e 25,00 aplicadas em cada um dos processos apensados.

3 — Decisão.

Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente e condena-se o recorrente na coima única de € 53,50 (arts. 27.º, n.° 1, 41.º, n.° 1, alínea b), do CIVA, 26.°, n° 4, 32.°, n° 2, 114.º, n°s 2 e 5, alínea a), do RGIT e 18.°, n° 3, do RGIMOS).

Condena-se o recorrente nas custas do recurso fixando-se a taxa de justiça em 1 UC (arts. 66.°, do RGIT, 4.°, n° 6, do Decreto-Lei n.º (DL) 324/2003, de 27 de Dezembro, 92.°, 93.°, n.°s 2 e 3, e 94.º, n° 4, do DL n.° 433/82, de 27 de Outubro e 1.º, n.° 1, 2°, 8.º, n.°s 7 a 10 e Tabela III, do Regulamento das Custas Processuais (RCP)).

Para efeitos de custas e outros previstos na lei fixo o valor do recurso em € 53,50 (art. 83.º do RGIT).

Deposite e notifique.

Cumpra o art. 70°, n.° 4, do RGIMOS.

(…). »


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Sendo este recurso jurisdicional, em princípio, inadmissível, porquanto o montante (€ 53,50) da coima, única, aplicada (sem sanção acessória) não ultrapassa um quarto do valor da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância, ele tem de ser aceite, a coberto do disposto no art. 73.º n.º 2 do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS) (Expressamente, invocado pelo recorrente.), para se obviar, como concluiremos de seguida, ao, potencial, cometimento de um erro elementar e consequente na aplicação da lei/direito pertinente, assegurando, com a operação deste controlo jurisdicional, eficazmente, os direitos do arguido, consagrados na Constituição, contra falhas claras em decisões judiciais.

Como decorre evidente da estrutura e conteúdo integral (supra reproduzido) do despacho judicial que decidiu este caso (Cf. art. 64.º n.ºs 1 e 2 do RGIMOS.), o julgador, em momento algum, procedeu à, exigida por lei, apresentação, discriminada, dos factos julgados provados e/ou não provados (Sem prejuízo de no tratamento das diversas questões que identifica, levantadas pelo arguido, haver a alusão a circunstâncias factuais.), essenciais (e instrumentais), bem como, à identificação dos elementos probatórios apoiantes do estabelecimento da sua convicção na concretização do julgamento efetuado nesse segmento, imprescindíveis para avançar com o conhecimento do mérito (de direito) da pretensão, de tutela judicial, formalizada pelo arguido.
Ora, nos termos conjugados dos artigos (arts.) 374.º n.º 2 e 379.º n.º 1 alínea (al.) a) do Código de Processo Penal (CPP), ex vi dos arts. 3.º al. b) do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT) e 41.º n.º 1 do RGIMOS, da decisão recorrida (equiparável a uma sentença), sob pena de nulidade, tinha de constar “a enumeração dos factos provados e não provados, (…), com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”. Não tendo, in casu, como, já, referenciamos, sido consumada e respeitada esta exigência legal (aliás, transversal a todas as sentenças/despachos decisórios, nas várias jurisdições), porque o vício em causa é suscetível de conhecimento oficioso - cf. art. 379.º n.º 2 do CPP, ao que acresce não poder este STA supri-lo, por somente conhecer de matéria de direito, decorre, consequente, ter de se anular o despacho (judicial) recorrido (Nos termos e para os efeitos do art. 75.º n.º 2 al. b) do RGIMOS.), não conhecer dos fundamentos deste recurso e devolver os autos à 1.ª instância, para se proceder em conformidade com a obrigação de serem fixados factos provados e/ou não provados (com o complemento da convicção do julgador), em primeira linha, essenciais à apreciação dos aspetos criticados pelo arguido, relativamente à decisão da autoridade administrativa, na sua petição de recurso (judicial) da decisão aplicadora de coima.

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# III.


Ante o exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos:

- aceitar este recurso jurisdicional, a coberto dos arts. 73.º n.º 2 do RGIMOS e 3.º alínea b) do RGIT;

- anular a decisão recorrida;

- determinar a volta do processo ao TAF de Penafiel, a fim de, nada impedindo, ser apreciado e julgado (se possível, pelo mesmo juiz) o mérito do recurso (judicial) da decisão que aplicou coima ao arguido, com discriminação dos factos provados / não provados e convicção.


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Sem custas.

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Cumpra-se, além do mais, o disposto no art. 70.º n.º 4 do RGIMOS.

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[Elaborado em computador e revisto, com versos em branco]


Lisboa, 3 de junho de 2020. – Aníbal Ferraz (relator) – Francisco Rothes – Aragão Seia.