Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01132/12
Data do Acordão:01/29/2014
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:POLÍBIO HENRIQUES
Descritores:MAGISTRADO
PROCESSO DISCIPLINAR
RECUSA
INSTRUTOR
Sumário:I - O regime de recusa previsto no artigo 43º do CPP aplica-se, com as necessárias adaptações, em processo disciplinar movido contra juiz dos tribunais administrativos e fiscais.
II - Os fundamentos de suspeição previstos no artº 43º, nº 1 e 2 do CPP podem abranger qualquer motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do magistrado instrutor.
III - O juízo sobre a existência de tais motivos deve fazer-se de acordo com o ponto de vista do cidadão comum.
Nº Convencional:JSTA000P16971
Nº do Documento:SA12014012901132
Data de Entrada:10/25/2012
Recorrente:A...
Recorrido 1:CONSELHO SUPERIOR DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

1. RELATÓRIO
A……………………, Juiz de Direito, intenta a presente acção administrativa especial contra o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, pedindo a declaração de nulidade/anulação da deliberação de 2012.09.19 daquele órgão, que ratificou o despacho de 2012.07.25, do Presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais que indeferiu o pedido de recusa/suspeição deduzido contra o Senhor Instrutor do processo disciplinar nº ………… e apenso nº ……………….

1.1. Na petição inicial alegou, no essencial e em síntese, que:
(i) o instrutor, na qualidade de Presidente do CSTAF, ordenou a abertura do inquérito e do processo disciplinar nº …………., contra o Recorrente, proferindo nele diversos despachos interlocutórios;
(ii) nesse processo disciplinar o actual instrutor também votou favoravelmente a deliberação e condenou e puniu o Recorrente;
(iii) acresce que a deliberação que sancionou o Recorrente foi objecto de recurso contencioso (nº ………….), sendo certo que a contestação aí deduzida e todos os demais actos processuais apresentados pelo CSTAF foram subscritos por pessoa designada pelo então Senhor Presidente do CSTAF, actual instrutor do presente processo disciplinar;
(iv) enquanto Presidente do CSTAF, o actual instrutor praticou actos que importam ao presente processo disciplinar, mais precisamente solicitou ao Recorrente diversas informações referentes a vários processos;
(v) sendo que foi na sequência da resposta do Recorrente a esses pedidos de informações que foi ordenada a averiguação “do que se passa” em concreto, com os processos aí referidos” e, posteriormente, a instauração do processo disciplinar nº ………;
(vi) razões pelas quais, “em nome da transparência e com base nos parâmetros do bom senso e da experiência comum fácil será concluir que a actuação do instrutor designado pelo Senhor Presidente do CSTAF é de molde a levantar fundada suspeita da sua actuação, ou seja, a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade”;
(vii) “em função do que a intervenção do instrutor é recusada pelo Recorrente por ser considerada suspeita, ou seja, por existir motivo sério e grave, adequado a gerar a desconfiança sobre a sua imparcialidade, com base na sua intervenção noutro processo e em todos os factos descritos nesta peça”;
(viii) devendo, por conseguinte:
a) Declarar-se a nulidade/anular-se a deliberação recorrida por violação do princípio constitucional da imparcialidade (contido no art. 266º, nº 2 da CRP), ou
b) Declarar-se a nulidade/anular-se a deliberação recorrida por vício de violação de lei, por violação do disposto no art. 43º do Código de Processo Penal (ex vi art. 112º EMJ)

1.2. Na contestação, a entidade demandada suscitou a questão prévia da irrecorribilidade da deliberação impugnada e, quanto ao mérito, propugnou pela improcedência da acção.
Notificado para se pronunciar, querendo, o autor defendeu a improcedência da excepção.

1.3 A fls. 261-266 foi proferido despacho saneador no qual foi julgada improcedente a excepção de irrecorribilidade suscitada pela entidade demandada.

2. As partes foram notificadas para alegarem, querendo, nos termos previstos no art. 91º/4 do CPTA.

2.1. O autor apresentou alegações nas quais formulou as seguintes conclusões:
1. A deliberação de 19.09.2012, do CSTAF - que ratificou o despacho de 25.07.2012, do Presidente do CSTAF padece do vício de violação do princípio constitucional da imparcialidade e gera fundada desconfiança sobre a imparcialidade do Sr. Instrutor.
a) da violação do princípio constitucional da imparcialidade
2. O art. 6º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) refere que “No exercício da sua actividade, a Administração Pública deve tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação”
3. O princípio da imparcialidade (constante do art. 266º, nº 2 da CRP e do art. 6º do CPA) - numa das suas acepções (vertente negativa) - constitui um meio de protecção da confiança do público nos órgãos da Administração de forma a que seja salvaguardada a confiança nas autoridades que tomam decisões e, assim, impedindo-se que possa razoavelmente suspeitar-se da sua isenção ou da rectidão da sua conduta.
4. O princípio da imparcialidade impõe que os órgãos e agentes da administração ajam de forma isenta e equidistante relativamente aos interesses em jogo nas situações que devem decidir ou sobre as quais se pronunciem sem carácter decisório; eles estão impedidos de intervir em certos procedimentos a fim de que não possa suspeitar-se da isenção ou rectidão da sua conduta.
5. O princípio da imparcialidade não vincula apenas os órgãos e agentes da Administração Pública, abrangendo tanto a Administração Pública em sentido subjectivo, enquanto complexo organizatório, como a Administração Pública em sentido objectivo, enquanto actividade administrativa.
6. Encontram-se igualmente vinculadas ao princípio da imparcialidade, em decorrência da sua natureza funcional, todas as autoridades ou entidades públicas ou privadas que, de alguma forma, exerçam a função administrativa ou pratiquem actos em matéria administrativa como é o caso do CSTAF cujas deliberações (designadamente em matéria disciplinar) constituem verdadeiros actos administrativos.
7. O CSTAF apresenta-se no figurino constitucional como um órgão com independência externa face aos outros poderes estranhos à organização judiciária, e como órgão independente que é, [não sujeito a tutela] o princípio da imparcialidade terá de se lhe impor por maioria de razão, isto é, como forma de garantir que a sua actuação seja isenta e equidistante face aos interesses em jogo.
8. O CSTAF nomeou como instrutor do processo disciplinar nº ………. (e apenso nº ……….) movido ao Recorrente e no qual foi tomada a deliberação ora impugnada, precisamente o Presidente cessante desse mesmo CSTAF.
9. Enquanto Presidente do CSTAF, foi este Sr. Instrutor (do processo disciplinar nº ……. e do apenso nº ………) que (naquela anterior qualidade de Presidente) ordenou a abertura do inquérito e do processo disciplinar nº ……… contra o Recorrente, nele votando favoravelmente as respectivas deliberações e proferindo diversos despachos interlocutórios (docs. nºs 4, 5, 6 e 7 apresentados com a petição inicial).
10. Nesse processo disciplinar nº ………. o mesmo instrutor também votou favoravelmente a deliberação que condenou e puniu o Recorrente (doc. nº 8 apresentado com a petição inicial).
11. Acresce que esta deliberação que condenou o Recorrente foi objecto do recurso contencioso nº …………. que correu termos na 1ª Secção - 1 Subsecção do Supremo Tribunal Administrativo, sendo certo que a contestação aí apresentada e todos os demais actos processuais praticados pelo CSTAF foram subscritos por pessoa designada pelo então Senhor Presidente do CSTAF e - como se disse - foi instrutor do processo disciplinar em apreço (doc. nº 9 apresentado com a petição inicial - despacho nº 16/CSTAF2011).
12. Dito por outras palavras, foi o actual instrutor (na qualidade de então Presidente do CSTAF) que, por sua própria iniciativa, decidiu a intervenção do CSTAF no proc. nº ………, designando a pessoa que entendeu dever representá-lo em juízo.
13. Por último, importa ainda referir que no decurso de ………, o então Presidente do CSTAF (ora instrutor) solicitou ao Recorrente diversas informações referentes aos processos nºs 403/10.2BE….., 80/11.3BE……, 184/11.2BE……, 47/11.1BE……, 285/11.7BE……., 217/11.2BE…….. e 208/11.3BE………. e que em Janeiro de 2012, o actual Presidente do CSTAF solicitou novas informações ao Recorrente relativas aos mesmos processos.
14. A resposta do Recorrente encontra-se plasmada no ofício com entrada no CSTAF nº 262, de 30.01.2012 (doc. nº 10 apresentado com a petição inicial), na sequência do qual foi ordenada a averiguação “do que se passa, em concreto, com os pressupostos aí referidos e, posteriormente, instaurado o processo disciplinar nº …… (e apenso nº ………).
15. Conclui-se, portanto, que enquanto Presidente do CSTAF, o actual instrutor praticou actos que importaram aos autos disciplinares (nºs … e ………), tal como de resto se depreende de fls. 96 (do processo disciplinar) e onde se lê que
“5. Ao despacho e ofícios referidos em 1. eram juntos, como Documentos de Apoio (…) cópia de requerimentos das partes nos mesmos processos, de ofícios do Exmº Presidente do CSTAF (Juiz Conselheiro …………..) [ora instrutor] ao Exmº Presidente do ……….. [ora recorrente] (..)”
16. No caso vertente, após cessar funções, o Presidente cessante do STA e do CSTAF passou a ser instrutor de processo disciplinar movido contra o Recorrente, existindo um flagrante conflito de interesses no desempenho destas novas atribuições.
17. Na verdade, não poderá aceitar-se que quem promoveu a punição do Recorrente e quem participou na deliberação que efectivamente o condenou no processo disciplinar nº ………. (e em todos os actos respeitantes a este processo) seja precisamente a mesma pessoa que depois tenha exercido as funções de instrutor nos processos disciplinares nºs ……. e ……. movidos contra o Recorrente.
18. Tal como não poderá aceitar-se - por violar o princípio da imparcialidade - que quem conferiu poderes de representação do CSTAF para actuar em juízo, em processo judicial contra o Recorrente, exerça depois funções instrutórias contra ele.
19. E, mais ainda, que esta mesma pessoa tenha anteriormente, enquanto Presidente do CSTAF, praticado actos que importam ao processo disciplinar ora em causa.
20. No exercício das suas funções de instrução no processo disciplinar a imparcialidade do instrutor está irremediavelmente afectada “ab initio”, porquanto não é possível nem expectável que as exerça duma forma isenta e equidistante relativamente aos interesses em jogo.
21. A sua conduta não poderá, assim, ser objectivamente desinteressada, isenta, neutra e independente una vez que o anterior exercício do cargo de Presidente do CSTAF e a anterior promoção de todos os sobreditos actos o impedem de reger-se unicamente por critérios lógico-racionais na instrução do processo disciplinar subsequente, em virtude do que necessariamente há-de deixar influenciar-se (ainda que inconscientemente) por sentimentos estranhos ao circunstancialismo factual envolvente, qualquer que seja a sua origem, natureza ou relação com a questão controvertida.
22. Por outro lado, todas as suas opiniões colhem natural favor e ganham especial relevo junto dos membros do órgão do qual ele foi Presidente até há pouco tempo atrás, circunstância que (praticamente) impedia que o Relatório Final que ele elaborou não tivesse sido (como foi) acolhido pelo CSTAF.
23. Ora, a instauração do processo disciplinar já envolve (ainda que com carácter punitivo) um juízo de admissibilidade de que ocorreu uma transgressão às regras de conduta funcional, em virtude do que a apreciação/instrução não deve ser efectivada por quem esteve já pessoalmente envolvido em condenação anterior e pode, provavelmente, nutrir sentimentos pela pessoa do acusado e ter dele uma opinião previamente formatada, com evidente prejuízo da imparcialidade que lhe é devida.
24. São corolários do princípio da imparcialidade, os valores da isenção, da independência, da neutralidade e da transparência.
25. Dúvidas não existem de que a nomeação do anterior Presidente do CSTAF para proceder à instrução do processo disciplinar nº ….. (e do apenso nº …………) projecta para o exterior precisamente a imagem diversa, colocando em crise a referida objectividade, isenção e equidistância.
26. A consequência natural da violação do princípio da imparcialidade é a nulidade/anulação de todos os actos de instrução praticados pelo Sr. Instrutor nomeado, que ora se requer para todos os efeitos.
b) da fundada desconfiança sobre a imparcialidade do Sr. Instrutor (Suspeição/Recusa)
27. Dispõe o art. 112º EMJ, que “é aplicável ao processo disciplinar (…) o regime de impedimentos e suspeições em processo penal”
28º Por seu turno, dispõe o art. 43º do C.P. Penal, que
“1 - A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
2 - Pode constituir fundamento de recusa, nos termos do nº 1, a intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do art. 40º”
29. O art. 43º do C.P.Penal (aplicável por via do art. 112º EMJ) preceitua que a intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
30. A seriedade e a gravidade do motivo gerador da desconfiança ou suspeição sobre a imparcialidade do juiz conduzirão à sua recusa quando objectivamente diagnosticados num caso concreto.
31. Dito por outras palavras, o motivo sério e grave apropriado a gerar desconfiança, há-de resultar de concretização material, assente em razões objectivamente valoradas, à luz da experiência comum e conforme juízo de um cidadão médio.
32. Impõe-se, portanto, um diagnóstico positivo no sentido de que um cidadão médio possa fundadamente suspeitar que o juiz deixe de ser imparcial por força da influência do facto concreto invocado.
33. Ora, o Sr. Instrutor do processo disciplinar em apreço foi Presidente do CSTAF até há pouco tempo atrás, entidade a quem está legalmente atribuída a competência para instaurar procedimentos disciplinares contra magistrados judiciais da orgânica administrativa e fiscal (cf. art. 74º, nº 2, al. a) do ETAF).
34. Sendo certo, inclusive, que nessa qualidade, ele ordenou a abertura do inquérito e do processo disciplinar nº ……….. contra o Recorrente, nele votando favoravelmente as respectivas deliberações e proferindo diversos despachos interlocutórios (docs. nºs 4, 5, 6 e 7 apresentados com a petição inicial).
35. Nesse processo disciplinar o actual instrutor votou favoravelmente a deliberação que condenou e puniu o Recorrente (doc. nº 8 apresentado com a petição inicial).
36. Acresce que esta deliberação que condenou o Recorrente foi objecto do recurso contencioso nº ……….. que correu termos na 1ª Secção - 1ª Subsecção do Supremo Tribunal Administrativo, sendo certo que a contestação aí apresentada e todos os demais actos processuais praticados foram subscritos por pessoa designada pelo então Senhor Presidente do CSTAF; Presidente este que posteriormente veio a ser o instrutor do processo disciplinar nº …….. e do apenso nº ……… (doc. nº 9 apresentado com a petição inicial - despacho nº 16/CSTAF/2011).
37. Dito por outras palavras, foi o instrutor destes processos disciplinares que, na qualidade de então Presidente do CSTAF e por sua iniciativa própria, decidiu a intervenção do CSTAF no sobredito proc. nº ………., designando a pessoa que entendeu dever representar esse órgão em juízo.
38. Por último, importa ainda referir que no decurso de …………, o então Presidente do CSTAF solicitou ao Recorrente diversas informações referentes aos processos nºs 403/10.2BE………., 80/11.3BE……, 184/11.2BE………, 47/11.1BE…., 285/11.7BE…….., 217/11.2BE………. e 208/11.3BE………. e 208/11.3BE……….., e que em Janeiro de 2012, o actual Presidente do CSTAF solicitou novas informações ao Recorrente relativas aos mesmíssimos processos.
39. A resposta do Recorrente encontra-se plasmada no ofício com entrada no CSTAF nº 262, de 30.01.2012 (doc. nº 10 apresentado com a petição inicial), na sequência do qual foi ordenada a averiguação “do que se passa, em concreto, com os processos aí referidos” e, posteriormente, instaurado o processo disciplinar nº ………. (e apenso nº ………).
40. Conclui-se, portanto, que enquanto Presidente do CSTAF, o “actual” instrutor praticou actos que importaram aos autos disciplinares (nº …….. e apenso nº ………), tal como de resto se depreende de fls. 96 (do processo disciplinar) e onde se lê que
“5. Ao despacho e ofícios referidos em 1. eram juntos, como Documentos de Apoio (…) cópia de requerimentos das partes nos mesmos processos, de ofícios do Exmº Presidente do CSTAF (Juiz Conselheiro …………..) [ora instrutor] ao Exmº Presidente do …………. [ora recorrente] (..)”
41. Todo o circunstancialismo que se descreveu provoca, naturalmente, num cidadão médio a fundada suspeita de que, neste caso concreto, o instrutor não tenha sido imparcial.
42. Em nome da transparência e com base nos parâmetros do bom senso e da experiência comum, fácil será concluir (no caso vertente) que a actuação do instrutor designado pelo Senhor Presidente do CSTAF é de molde a levantar fundada suspeita da sua actuação, ou seja, a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
43. Além de que, como é evidente, as suas opiniões colhem um natural favor e simpatia junto dos membros do órgão do qual ele foi presidente até há tão pouco tempo.
44. Em função do que a intervenção do instrutor não pode deixar de ser recusada por ser considerada suspeita, ou seja, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, com base na sua intervenção noutro processo e em todos os factos descritos nesta peça processual.
45. Devendo ser anulados/declarados nulos todos os actos de instrução por ele praticados no processo disciplinar nº ………… (e no apenso nº ………….).
46. Por conseguinte, tanto por via da violação do princípio constitucional da imparcialidade, como por via da recusa, deverão ser declarados nulos/anulados todos os actos de instrução praticados pelo instrutor nomeado, o que ora se requer para os legais e devidos efeitos.
c) Da Nova Factualidade
47. Tomando como referência o conceito de “homem normal/médio”, e considerando a factualidade de que ora nos ocuparemos, as suspeitas e a desconfiança sobre a imparcialidade do instrutor adensam-se de forma ainda mais séria e grave.
48. O Sr. Instrutor foi eleito Presidente do STA (e do CSTA, por inerência - art. 75º, nº 1 do ETAF) em ……………. (doc. nº 1).
49. Nos termos do art. 20º, nº 1 do ETAF, o mandato do presidente do STA tem a duração de cinco anos, sem lugar a reeleição, sendo-lhe também aplicável o limite de idade de 70 anos legalmente fixado para o exercício de funções públicas.
50. O que equivale a dizer que o mandato do Sr. Instrutor como presidente do STA (e do CSTAF) estaria, portanto, compreendido entre …………… e ……………., altura em que teria obrigatoriamente de jubilar-se por atingir o referido limite de idade (70 anos) (doc. nº 2).
51. Era entendimento do Sr. Instrutor que o seu mandato de cinco anos deveria terminar efectivamente em …………, e não antes (em Outubro de ………….), mesmo que ele perfizesse 70 anos em momento anterior, tendo inclusivamente chegado a efectuar algumas diligências para que a lei fosse mudada de forma a permitir manter-se no cargo para além dos 70 anos (cfr. docs. nºs 3 e 4).
52. Alteração que, todavia, não veio a ocorrer devido à dissolução da Assembleia da República e a consequente “queda” do Governo.
53. Não tendo logrado a referida alteração legislativa, em Outubro de …………, o Sr. Instrutor renunciou ao cargo de Presidente do STA, mantendo-se, ainda assim, em funções até a tomada de posse do novo Presidente (doc. nº 5, a qual viria a ocorrer em Novembro de …………. (doc. nº 6).
54. Ora, por despachos de 26.03.2012 e de 28.03.2012, o Presidente do STA e do CSTAF recém-eleito nomeou o Presidente cessante como instrutor do inquérito e do processo disciplinar que subjazem ao presente recurso (cfr. fls. 273 e 275 do processo disciplinar nº …………..).
55. No âmbito deste processo disciplinar, o instrutor elaborou o seu Relatório Final em 09.11.2012 (cfr. fls. 1416 e seguintes dos autos disciplinares), e em 13.12.2012 o CSTAF deliberou no sentido proposto pelo Sr. Instrutor no Relatório Final.
56. Em ………… o Sr. Instrutor voltou a integrar o CSTAF, por nomeação (política) da Assembleia da República (doc. nº 7).
57. Considerando a factualidade antes descrita, constata-se que o instrutor apenas não integrou o CSTAF no estrito lapso de tempo em que decorreu a instrução do processo disciplinar nº ……….. e do seu apenso nº ………., e também que os seus laços e círculos de amizade e de influência se estendem muito para além do campo estritamente jurídico, penetrando também nas esferas da política.
58. O instrutor assume que queria terminar o seu mandato apenas em ………….. (docs. nºs 3 e 4), tentando, por essa razão, contornar a limitação legal à duração do seu mandato como Presidente do STA e do CSTAF através da sobredita alteração da lei (docs. nºs 3 e 4).
59. Não tendo logrado a sua permanência no CSTAF por via dessa alteração legislativa, nem por isso o Sr. Instrutor deixou de alcançar o seu objectivo de integrar o CSTAF, desta feita, pela via política.
60. No curto espaço de tempo em que não integrou o CSTAF, ele dedicou-se à instrução do processo disciplinar em apreço finda a qual regressou novamente ao CSTAF.
61. Onde apreciará, debaterá com os demais membros deste órgão e votará todas as matérias que porventura tenham alguma conexão com a presente instância ou com o processo disciplinar a ela subjacente.
62. Acresce ainda o facto do Sr. Instrutor ter sido Presidente do CSTAF entre ………… . e ……………., sendo natural que, por força destas funções que desempenhou, as suas opiniões sejam bem acolhidas e adquiram um especial relevo e preponderância junto dos restantes membros desse órgão.
63. E ainda que - sem prejuízo da natural independência de cada um deles - os demais membros do CSTAF acabem por fazer sua a opinião do ex-Presidente (por isso mesmo seria (praticamente) impossível que o Relatório Final elaborado pelo Sr. Instrutor não tivesse sido acolhido pelo CSTAF).
64. Situação que se manterá inalterada no futuro porque, afinal, o Sr. Instrutor permanece no CSTAF, condicionando assim - ainda que inconsciente e involuntariamente - a opinião dos outros membros do CSTAF.
65. Por outro lado, a sua renúncia ao cargo de Presidente do STA (e consequentemente do CSTAF) permitiu ao Sr. Instrutor influenciar/interferir na escolha do seu sucessor.
66. Na verdade, acaso ele tivesse atingido o limite de idade de reforma obrigatória, o então Presidente seria obrigatoriamente substituído no CSTAF pelo mais antigo dos vice-presidentes do STA que fizesse parte do CSTAF, tal como dispõe o art. 77º, nº 1, al. a) do ETAF.
67. Além de que não poderia votar na eleição do seu sucessor.
68. Ao invés, tendo renunciado ao cargo com efeitos apenas a partir de ……….., o então Presidente provocou a antecipação das eleições mas continuou a exercer as suas funções e, assim, influenciar/interferir directamente na escolha do seu sucessor, não só fazendo “campanha” nos corredores e gabinetes do STA onde permaneceu em funções, como igualmente votando na eleição do seu sucessor.
69. Com efeito - conforme já se referiu nesta peça processual - a factualidade capaz de gerar a desconfiança da imparcialidade do instrutor há-se aferir-se à luz da experiência comum e conforme os juízos dum cidadão “médio”, importando por isso saber qual será então o sentimento e o pensamento deste homem médio.
70. O Recorrente considera que todo o circunstancialismo descrito necessariamente provoca, num cidadão médio, a fundada suspeita de que o instrutor não foi imparcial.
71. Isso mesmo decorre do conteúdo do documento nº 3, que o Recorrente entende ser o repositório do pensamento do sobredito homem “médio”, o qual mais não é do que a notícia da designação do instrutor para o CSTAF, que consta do “Jornal de Negócios” de ………….., e que apresenta, desde logo, um título lapidar e muito sugestivo: “Ex - presidente do Supremo vai controlar juízes”.
72. Neste documento, o Sr. Instrutor esclarece ainda que na sua opinião, os membros dos Conselho indicados pelo Presidente da República e pelo Parlamento, como é o seu caso, “têm outra autonomia”, acrescentando mesmo que “os demais “têm programas próprios, que em condições normais tentarão defender”.
73. Entre estes “demais” conta-se naturalmente o próprio Presidente do CSTAF, cargo que ele exercera anteriormente.
74. O próprio Sr. Instrutor reconhece e assume peremptoriamente que, enquanto Presidente do CSTAF, também ele teve uma agenda a cumprir e um programa próprio que, no que diz respeito ao Recorrente, se iniciou com o processo disciplinar nº ………. (enquanto Presidente do CSTAF) estendendo-se depois pelo processo disciplinar nº ………. e apenso nº ………… (já na qualidade de instrutor).
75. Por fim, e como se disse, o documento sobredito evidencia ainda que o instrutor
“Em ………… antes de renunciar ao cargo (…) ainda tentou uma mudança na Lei junto de …………, ministro da Justiça do último Governo de ………… que entretanto acabaria por cair. Entra agora pela mão de …………, de quem é amigo”.
76. Esta teia de amizades e de influências que se estendem do mundo jurídico ao mundo político (e desportivo) demonstra um facto indesmentível: o instrutor sempre pretendeu, a todo custo, permanecer do CSTAF, fosse por via duma alteração legislativa, fosse por designação política, fosse ainda por qualquer outra forma; vestindo, a todo o tempo, a respectiva “camisola”, que nunca logrou despir enquanto instrutor do processo disciplinar movido contra o Recorrente.
77. Deste modo, no exercício das suas funções instrutórias, a imparcialidade do instrutor ficou irremediavelmente afectada “ab initio” porquanto não foi possível nem viável exercê-las duma forma isenta e equidistante relativamente aos interesses em jogo.
78. A sua conduta não foi objectivamente desinteressada, isenta, neutra e independente uma vez que o exercício do cargo de Presidente do CSTAF e a vontade férrea de ser (e de continuar a ser) membro desse mesmo órgão impediram de reger-se unicamente por critérios lógico - racionais na instrução do processo disciplinar subsequente.
79. Em virtude do que necessariamente deixou influenciar-se (ainda que inconscientemente) por sentimentos estranhos ao circunstancialismo factual envolvente, qualquer que tenha sido a sua origem, natureza ou relação com a questão controvertida.
80. Ora, o senso comum e a experiência comum são encarados como uma forma de compreensão das coisas por intermédio do saber social; ou seja, é o conhecimento adquirido através de experiências vividas ou ouvidas no quotidiano englobando, designadamente, os costumes, os hábitos, as tradições, as normas, a ética, etc..
81. Trata-se, antes, dum saber informal obtido a partir de opiniões de um determinado indivíduo ou grupo de indivíduos e que é avaliado conforme o efeito que produz nas pessoas.
82. A este propósito, dispõe o art. 514º, nº 1 do Código de Processo Civil, que, “Não carecem de prova (…) os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento público”.
83. E refere Joel Timóteo Ramos Pereira (in Revista «O Advogado», II Série, Junho de 2006),
“1.4. (…) o conhecimento que o Juiz tem do facto enquanto notório resulta não dos seus conhecimentos particulares, mas sim do conhecimento que o Juiz tem, colocado na posição de cidadão comum, regularmente informado, sem necessitar de recorrer a operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos (cfr. Castro Mendes, “Do Conceito de Prova”, 711 e Vaz Serra, Provas, BMJ. 110º - 611).
84. Considerando o ante exposto, é forçoso concluir - em nome da transparência e com base nos parâmetros do bom senso e da experiência comum - que a actuação do Sr. Instrutor designado pelo Senhor Presidente do CSTAF levanta fundada suspeita e gera desconfiança (séria e grave) sobre a sua imparcialidade: devendo, por tal motivo, declarar-se nulos/anulados todos os actos de instrução praticados por ele, o que ora se requer para os legais e devidos efeitos.
85. Por outro lado, dispõe o art. 349º do Código Civil, que as “presunções são ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”.
86. A partir da actuação do Sr. Instrutor, que se descreveu nesta peça processual (factualidade conhecida), o julgador - qual homem médio - terá fundadamente de suspeitar e desconfiar da sua imparcialidade (facto desconhecido); em função do que deverá declarar nulos/anulados todos os actos de instrução praticados por ele, o que ora se requer para todos os legais e devidos efeitos.
d) Da superveniência do Conhecimento:
87. O Recorrente tomou conhecimento da designação do instrutor para o CSTAF através da publicação do doc. nº 3 no sítio da Internet do Jornal de Negócios, em …………..
88. A partir desta notícia, ele procurou indagar a sua veracidade e acabou por descobrir no Diário da República, uns dias mais tarde, a Resolução da Assembleia da República nº …………, de ……….. que constitui o doc. nº 7.
89. Posteriormente veio a constatar, afinal, que o instrutor abandonou o cargo de Presidente do STA e do CSTAF por ter renunciado, mantendo-se todavia no exercício dessas funções até à eleição do seu sucessor, e não pelo facto de ter atingido o limite de idade legal, tal como o Recorrente supunha.
90. O conhecimento de todos os factos constantes da alínea antecedente, por parte do Recorrente, é superveniente, isto é, não eram do seu conhecimento na data da apresentação da petição inicial do presente recurso.
91. Nos termos do disposto no art. 91º, nº 5 do CPTA, o autor pode invocar nas alegações novos fundamentos do pedido, de conhecimento superveniente, direito esse que ele ora exercita.
Nestes termos, considerando toda a factualidade vertida supra, deverá julgar-se procedente o presente recurso e, por via dele:
a) Declarar-se a nulidade/anular-se a deliberação recorrida por violação do princípio constitucional da imparcialidade (contido no art. 266º, nº 2 da CRP), ou
b) Declarar-se a nulidade/anular-se a deliberação recorrida por vício de violação de lei, por violação do disposto no art. 43º do Código de Processo Penal (ex vi art. 112º do EMJ).

2.2. Por sua vez, a entidade demandada apresentou alegações com as seguintes conclusões:
A) A deliberação do CSTAF de 19.09.2012 não padece de qualquer vício.
B) O processo disciplinar nº ………. (e apenso nº …………) está conforme às regras estabelecidas, desde logo no Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ) e na Lei nº 58/2008, de 9 de Setembro.
C) A actuação do CSTAF e do Senhor Instrutor obedecem a parâmetros de isenção, imparcialidade e rigor, como legalmente exigido à Administração (cfr. artigo 266º, nº 2, da CRP e artigo 6º do CPA).
D) Os actos anteriormente praticados pelo Instrutor no âmbito do processo disciplinar nº ………. foram-no na qualidade de Presidente do CSTAF e no exercício das competências legalmente atribuídas (artigos 74º e 78º do ETAF), em nada afectando a isenção e equidistância que lhe são exigíveis no cumprimento do seu papel de Instrutor.
E) Relativamente a esse processo, foi o CSTAF que, por deliberação de 7.7.2010, determinou a instauração de processo de inquérito, delegando no Presidente a designação de Instrutor.
F) Foi o CSTAF que deliberou instaurar o processo disciplinar nº …………. contra o ora Autor.
G) O A. foi aí condenado face ao apuramento de factualidade que assim o justificou, segundo a análise do órgão colegial, o CSTAF.
H) O referido processo de inquérito, bem como o processo disciplinar, foram instaurados no âmbito da intervenção e exercício dos poderes funcionais que cabem ao CSTAF (cfr. nº 2, alínea a), do artigo 74º do ETAF, e nº 1 do artigo 132º do EMJ, ex vi artigo 57º do ETAF).
I) E todo o procedimento necessário para apreciação e julgamento dessa factualidade foi realizado em defesa dos interesses da jurisdição, não estando em causa interesses pessoais.
J) Tal como o presente processo disciplinar.
K) Na tese do A. nunca o mesmo juiz/decisor poderia julgar um arguido/sujeito por um novo crime/acto quando já o tivesse feito anteriormente.
L) O que não tem qualquer fundamento, e consubstanciaria, in casu, uma paralisação do órgão no cumprimento de uma das missões que lhe compete.
M) O órgão CSTAF tem competência disciplinar sobre os magistrados da jurisdição, podendo e devendo apreciar todos os processos disciplinares existentes, independentemente de ser o primeiro processo disciplinar instaurado ao magistrado, ou um novo processo disciplinar.
N) Não são os antecedentes disciplinares que definem a culpa ou inocência do visado num novo processo disciplinar, mas sim os factos aí apurados, posteriormente submetidos à apreciação do decisor que, neste contexto, é o CSTAF.
O) O actual Instrutor, então na qualidade de Presidente do CSTAF, participou na deliberação que puniu o ora A. no âmbito do processo disciplinar nº ………., como legalmente lhe competia, sendo que não é possível afirmar com clareza qual o sentido do seu voto.
P) A designação de jurista para contestar a acção nº ……….. proposta pelo ora A. obedeceu ao preceituado no artigo 11º do CPTA, ao abrigo da deliberação do CSTAF, de 13.01.2010, pela qual se procede a uma delegação de poderes do CSTAF no seu Presidente.
Q) Nenhum destes factos afectou a isenção e equidistância exigíveis na condução do presente processo disciplinar, tal como não as afectou o facto de o actual Instrutor, na altura Presidente do CSTAF, ter solicitado ao A., no decurso de …………, diversas informações relativas a processos de que este era titular.
R) Em todas estas situações esteve tão-só em causa o cumprimento das funções que a lei atribui ao Presidente do CSTAF, e, portanto, lhe exige, em defesa dos interesses da jurisdição.
S) No processo disciplinar aqui em apreço foi apurada a prática de infracções disciplinares pelo A., com a sua consequente punição disciplinar por decisão colegial do CSTAF.
T) Não estão em causa opiniões ou apreciações subjectivas mas sim factos comprovados com a necessária produção de prova no processo disciplinar.
U) Factualidade essa depois submetida à apreciação imparcial do órgão colegial CSTAF.
V) Quanto à fundada desconfiança sobre a imparcialidade do Instrutor (Suspeição/Recusa), também não procede.
W) O A. entende que o facto de o Instrutor ter tido participação/intervenção em anterior processo disciplinar contra si implica, automaticamente, falta de imparcialidade na condução da instrução do presente processo disciplinar, originando um conflito de interesses no desempenho destas novas atribuições.
X) Mas não existe, nem pode existir, qualquer conflito de interesses no desempenho destas novas funções.
Y) Se na verdade estamos perante a mesma pessoa (Instrutor e anterior Presidente do CSTAF), já não estamos perante o exercício das mesmas funções e/ou competências.
Z) A actuação do Instrutor limita-se a preparar e ultimar o processo disciplinar, limitando-se a emitir decisões de âmbito e natureza procedimentais.
AA) Já a instauração de processos de inquérito e disciplinares, bem como a tomada de decisão final no processo disciplinar, cabem ao CSTAF, enquanto órgão de gestão e disciplina dos juízes da jurisdição administrativa e fiscal.
BB) Foi o CSTAF que, ratificando o despacho do seu Presidente de 28.03.12, deliberou, em 19.04.12, a instauração do processo disciplinar.
CC) O Instrutor, no desenvolvimento da sua actividade respeitou as garantias de imparcialidade.
DD) Tendo o A. sido punido com pena de demissão por deliberação do CSTAF de 13.12.12.
EE) Não tendo ocorrido em nenhum momento violação do princípio da imparcialidade, seja pelo Instrutor, seja pelo CSTAF.
FF) “Do princípio da imparcialidade FREITAS DO AMARAL retira, assim, três corolários: a proibição de favoritismos ou perseguições; a proibição de os órgãos e agentes administrativos decidirem sobre o assunto em que sejam interessados; e a proibição de os órgãos e agente administrativos tomarem parte ou interesse em contratos celebrados com a administração ou por ela aprovados ou autorizados” (Maria Teresa de Melo Ribeiro, Ob. cit., pp 105 a 106).
GG) O facto de o actual Instrutor do presente processo disciplinar ter sido e ter exercido funções como Presidente do CSTAF não implica, nem pode implicar, por si só, qualquer violação do princípio da imparcialidade, nem põe em causa a isenção, objectividade, independência e rectidão do instrutor.
HH) Se assim fosse de entender, tal implicaria que o CSTAF, órgão que no seu âmbito de intervenção e exercício dos seus poderes funcionais, determinou a instauração do processo de inquérito e do processo disciplinar nº …………, bem como proferiu a decisão final nesse processo disciplinar, não poderia ter determinado a instauração do actual processo disciplinar ao Autor.
II) O que carece absolutamente de sentido.
JJ) “Com efeito, tal argumentação, a valer, no sentido de consubstanciar uma suspeição automática por falta de imparcialidade, significaria que para novo caso relativo ao mesmo sujeito fosse de exigir um instrutor e decisor distinto do anterior, quando tal é incompatível com a estabilidade de composição dos órgãos da Administração, no caso do processo administrativo, ou com a inamovibilidade dos magistrados e o princípio do juiz natural, no caso dos processos judiciais, e traduzir-se-ia numa impossibilidade de apreciação de novos processos disciplinares contra os mesmos arguidos por quem tem legalmente competência atribuída para o efeito, como é o caso do CSTAF, nos termos do referido artigo 74º do ETAF.
KK) A falta de imparcialidade tem de ser demonstrada no caso concreto e a intervenção em processo de inquérito/disciplinar anterior não equivale automaticamente a “motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade” (artigo 43º do CPP).
LL) O A. não descreve qualquer situação ou actuação concretas reveladoras de que o Instrutor deixou de oferecer garantias de imparcialidade, limitando-se a uma alegação vaga e abstracta de parcialidade do Instrutor.
MM) Cabia ao A. demonstrar que o Instrutor agiu de modo parcial em algum momento do processo disciplinar aqui em apreciação, o que não fez - e nem poderia, visto a imparcialidade não ter sido posta em causa.
NN) “Os fundamentos de suspeição previstos no artigo 43º, nº 1 e 2 do CPP podem abranger qualquer motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do magistrado instrutor. No entanto, tais motivos hão-de resultar de objectiva justificação fornecida pelo requerente do incidente de recusa, não pelo convencimento subjectivo deste” (Ac. do STA, 2ª Subsecção do CA, de 01.03.2011, Proc. 1231/09).
OO) “Por isso é que determinados actos ou determinados procedimentos (quer adjectivos, quer substantivos), só podem relevar para a legitimidade da recusa que se suscite, se neles, por eles ou através deles, for possível aperceber - aperceber inequivocamente - um propósito de favorecimento de certo sujeito processual em detrimento de outro (cfr. Ac. referido).
PP) A actuação do instrutor tem sido marcada pelo rigor, pela isenção e preocupação de assegurar o direito de defesa do A., como se pode constatar pelo conteúdo do processo disciplinar.
QQ) No que concerne aos “novos fundamentos do pedido (de conhecimento superveniente)” trata-se de assegurar o direito de defesa do A., como se pode constatar pelo conteúdo do processo disciplinar.
RR) As convicções ou pretensões pessoais relativas ao tempo de exercício de funções públicas manifestadas pelo Instrutor, anterior Presidente do CSTAF, em nada relevam para a matéria que aqui se discute.
SS) Tal como não relevam eventuais diligências de modificação legislativa relativas ao limite de idade legalmente fixado par o exercício de funções públicas.
TT) Nenhum desses comportamentos importa para fundamentar a alegada suspeição, não tendo nenhuma conexão com o processo disciplinar aqui em apreço, e de forma alguma desrespeitam a lei.
UU) Também a designação, pela Assembleia da República, em …..……., do Instrutor do presente processo disciplinar para membro do CSTAF - designação essa que respeita a lei - em nada importa para a apreciação da validade da deliberação do CSTAF de 19 de Setembro de 2012.
VV) O CSTAF constitui um órgão autónomo, gozando os seus membros de isenção e independência no desempenho das funções que lhes competem.
WW) As deliberações do CSTAF não se reconduzem a apreciações subjectivas, são fundamentadas de facto e juridicamente.
XX) Sendo fruto de decisões individuais livres e esclarecidas, tomadas após a necessária partilha e discussão de pontos de vista, como é intrínseco ao funcionamento de um órgão colegial.
YY) Quanto ao alegado relativamente à eleição do actual Presidente do STA e CSTAF, a respectiva irrelevância para o caso concreto é notória.
ZZ) A eleição do actual Presidente seguiu o procedimento legalmente previsto (cfr. artigo 19º, nº 1 do ETAF), sendo fruto da escolha dos seus pares, e constitui matéria estranha a este processo.
AAA) O alegado na alínea c) das alegações como fundamento da falta de imparcialidade do Instrutor não passa de pura divagação do Autor.
BBB) O CSTAF e quem com ele colabora, como os Instrutores de processos disciplinares, efectivamente, “vestem a camisola” de defesa da jurisdição administrativa e fiscal, como a lei lhes exige (cfr. artigos 74º, nºs 1 e 2, alíneas a) e d) e 83º, nº 1, alínea c) do ETAF).
CCC) A averiguação da existência de infracções disciplinares e a instauração de processos disciplinares, com a necessária aplicação de pena, quando apurada a infracção, protegem a integridade da jurisdição.
DDD) São as actuações negligentes ou dolosas por parte dos magistrados no exercício de funções que a prejudicam, como é o caso da conduta do Autor.
EEE) Onde o A. pretende ler falta de imparcialidade, deve ler-se dedicação a uma actividade de inspecção e de combate às infracções disciplinares.
Termos em que
b) a acção deve ser julgada improcedente, por não se verificarem os vícios assacados à deliberação impugnada, absolvendo-se o CSTAF dos pedidos.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1 OS FACTOS
Consideram-se provados os seguintes com interesse para a decisão da causa
1. O autor é Juiz da jurisdição administrativa e fiscal.
2. O autor, por ofício remetido do Tribunal Administrativo e Fiscal de …………, em 2012.01.30, prestou, ao “Exmº Presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais”, a seguinte informação:
“ Dando cumprimento ao determinado por Vossa Excelência através do ofício nº 0029 do Venerando CSTAF, tenho a honra de informar ter ocorrido lapso SITAF, encontrando-se, presentemente, os processos em causa (nºs 403/10.2BE…….., 80/11.3BE………, 184/11.2BE………., 47/11.1BE……., 208/11.3BE……., 217/11.2BE…. a aguardar pronúncia das partes” ( doc. nº 1, a fls. 121).
3. Sobre esse ofício, o Presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais manuscreveu o seguinte despacho:
“Face ao teor dos ofícios c/entrada nºs 262 e 263, de 31/1/12, solicita-se ao Exmº Senhor Juiz Conselheiro …………. que, com urgência, averigue o que se passa, em concreto, com os processos aí referidos”
4. Em 22 de Fevereiro de 2012, o Inspector deu por findas as averiguações e apresentou o relatório junto a fls. 123-139, que aqui se dá por inteiramente reproduzido.
5. Em 26 de Março de 2012, o relator do processo, proferiu o seguinte despacho:
Atendendo à gravidade da factualidade averiguada, proponho a abertura urgente de inquérito, com audição do Mmº Juiz Dr. A………………” (doc. nº 4 a fls. 140).
6. Nesse mesmo dia, o Presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais emitiu despacho com o seguinte teor:
“Proceda-se a inquérito, nos termos propostos.
Nomeio instrutor o Exmº Sr. Juiz Conselheiro ………….”.
7. Em 28 de Março de 2012, o Presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, proferiu novo despacho, nos seguintes termos:
“Atenta a doutrina do acórdão hoje proferido nos autos nº ………. deste STA, determina-se a abertura de processo disciplinar ao Exmº Juiz A…………….. , sujeita a ratificação do CSTAF, na próxima sessão deste, nomeando como instrutor o Exmº Sr. Juiz Conselheiro ………………”. (cfr. doc. nº 6 a fls. 142)
8. O despacho mencionado no número anterior foi ratificado por deliberação do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, de 19 de Abril de 2012 (cfr. doc. nº 7 a fls. 143).
9. Em 14 de Maio de 2012 o Instrutor deduziu acusação contra o autor, nos termos do documento nº 11, que consta a fls. 150 - 174, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
10. No dia 27 de Junho de 2012, o autor apresentou a sua defesa escrita, nos termos do documento nº 12, a fls. 175 - 216, que aqui se dá por inteiramente reproduzido.
11. O Instrutor pronunciou-se sobre o incidente de suspeição nos termos que constam do documento nº 13, a fls. 217 - 221, que aqui se dá por inteiramente reproduzido.
12. O relator do processo, no Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, pronunciando-se sobre o mérito do incidente de suspeição, apresentou, em 17 de Junho de 2012, proposta de decisão que passamos a transcrever, na parte que interessa:
“ - Do mérito da pretensão
No que concerne à alegada questão da falta de imparcialidade do Senhor Juiz Conselheiro Instrutor por ter tido intervenção num anterior processo disciplinar relativo ao arguido (Processo nº ……………) esta não procede.
Com efeito, tal argumentação, a valer, no sentido de consubstanciar uma suspeição automática por falta de imparcialidade, significaria que para cada novo caso relativo ao mesmo sujeito fosse de exigir um instrutor e decisor distinto do anterior, quando tal é incompatível com a estabilidade de composição dos órgãos da Administração, no caso de processo administrativo, ou com a inamovibilidade dos magistrados e o princípio do juiz natural, no caso dos processos judiciais, e traduzir-se-ia numa impossibilidade de apreciação de novos processos disciplinares contra os mesmos arguidos por quem tem legalmente competência atribuída para o efeito, como é o caso do CSTAF, nos termos do referido art. 74º do ETAF.
Ora, se assim é no que respeita ao exercício do poder do poder de decisão, por maioria de razão o mesmo raciocínio se aplica numa fase prévia, menos gravosa, que é a da instrução, não sendo de considerar automaticamente posta em causa a imparcialidade do instrutor por este ter tido intervenção num distinto e anterior processo disciplinar.
Quanto aos actos praticados pelo Senhor Juiz Conselheiro Instrutor, referidos no ponto 51 da defesa do arguido, estes foram-no enquanto Presidente do CSTAF, no exercício das competências que então detinha, integrando o presente processo como elementos de facto e de prova ali recolhidos.
Assim, no que concerne ao invocado pelo arguido nos pontos 44 a 57 da sua defesa, não procede o pedido de suspeição, relativo ao instrutor visto não se verificarem circunstâncias concretas e precisas, consistentes, tidas por sérias e graves, irrefutavelmente reveladoras de que o instrutor deixou de oferecer garantias de imparcialidade e isenção.
***
No que respeita ao alegado nos pontos 58 e 59, a resposta apresentada pelo Senhor Juiz Conselheiro Instrutor refuta em absoluto o invocado clima de intimidação na audição do arguido e das testemunhas referidas.
Segundo o arguido, existiu um “clima de grande intimidação e de ameaças veladas”. “Havendo fortes suspeitas e indícios”, mas nada mais diz.
Na verdade, não são invocados pelo arguido factos concretos demonstrativos da alegada intimidação, quer no que concerne ao seu depoimento, quer ao das testemunhas, ónus esse que lhe cabia (cfr. artigo 342º, nº 1 do CC), tratando-se apenas de meros juízos e apreciações subjectivas do interessado, desprovidos de fundamento factual.
Nada nos autos permite concluir que a prestação dos depoimentos não tenha sido livre e esclarecida, e nos termos em que cada um dos intervenientes entendeu.
***
Quanto ao invocado nos pontos 60 a 62 da defesa, o alegado “atraso” na audição do arguido dificilmente pode ser encarado como um facto idóneo a fundamentar um pedido de recusa/suspeição, sendo antes um “risco” normal da actividade de instrução, como o é no âmbito de qualquer processo administrativo ou judicial, sujeitos a atrasos e adiamentos.
***
Por fim, quanto ao teor dos pontos 63 a 67, ou seja, a alegação do arguido de que o instrutor teria andado por …………….., colhendo elementos incriminatórios antes do início da instrução, a resposta do Senhor Conselheiro Instrutor é totalmente esclarecedora, suportada como está nos “esclarecimentos prestados pelo secretário de inspecção a fls. 659, a informação prestada pela própria testemunha ……………. a fls. 668 e o mapa de férias do TAF de ……………., referente às férias da Páscoa de 2012, onde se comprova que no dia 9 de Abril (último dia de férias) a depoente não se encontrava ao serviço do Tribunal (fls. 663)”, tudo a negar razão à alegação do arguido.
Resulta inequivocamente dos elementos constantes dos autos, demonstrativos como são da sequência temporal dos actos praticados pelo Senhor Conselheiro Instrutor, bem como dos momentos de intervenção no processo da testemunha, que a referência à data “9 de Abril” não passou de um mero lapso de escrita, devendo ali antes constar a data de 9 de Maio, como admite o secretário de inspecção.
Com efeito, a audição da testemunha …………… ocorreu depois da emissão da proposta de suspensão preventiva apresentada pelo Senhor Juiz Conselheiro Instrutor, datada de 16 de Abril de 2012, como decorre do teor da referida proposta (cfr. fls. 355 e 358 do II volume do processo disciplinar nº ………..), e do esclarecimento prestado pela própria testemunha.
Ou seja, sempre após a data do início da instrução dos autos, em 12 de Abril de 2012 (cfr. fls 277 do I volume do processo disciplinar nº ………..), mais concretamente em 9 de Maio de 2012 (cfr. fls. 412-413 do II volume do processo disciplinar nº ……………).
***
Resulta de todo o exposto que o arguido não alegou nem demonstrou factos objectivos que permitam afastar a presunção de imparcialidade de que goza o magistrado instrutor do processo disciplinar aqui em causa, e ponderado ainda o teor da proposta do instrutor, é de concluir que não procede a pretensão de recusa/suspeição deduzida pelo Mmº Juiz A………………. (cfr. Ac. do STA de 01. 03.2011, Proc. nº 01231/09).

Nesta conformidade, é de indeferir o pedido de recusa/suspeição deduzido contra o Senhor Juiz Conselheiro Instrutor Dr. ………………., o que se propõe.” (cfr. doc. nº 14, a fls. 223- 230).
13. Em 25 de Julho de 2012, o Presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, proferiu despacho do qual consta, além do mais, que:
“concordando com o teor da proposta apresentada pelo Exmº Relator com a fundamentação dela constante, indefere-se o pedido de recusa/suspeição deduzido contra o Senhor Juiz Instrutor Dr. …………………” (Doc. nº 15, a fls. 231, que se dá por reproduzido).
14. Na acta da sessão ordinária do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais do dia 19 de Setembro de 2012, consignou-se, além do mais, o seguinte:
“4- Ponto 4 da Tabela – Ratificação do despacho de 25 de Julho de 2012, do Presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, relativo ao incidente suscitado no processo disciplinar nº ………… (e nº …………., apenso) de recusa/suspeição deduzido contra o Senhor Juiz Conselheiro Instrutor ……….
Após discussão, foi efectuada a votação, por escrutínio secreto, tendo recebido 7 (sete) votos a favor e nenhum contra, pelo que foi ratificado o referido despacho, com a fundamentação dele constante”. (cfr. doc. nº 16, a fls. 233)
15. Neste processo disciplinar, o Instrutor elaborou o Relatório Final em 09.11.2012 e, no sentido nele proposto, o CSTAF, em 2012.12.13, deliberou punir o arguido com a pena de demissão.
16. Anteriormente, na sessão do dia ……………, o Instrutor, então na qualidade de Presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, havia participado na deliberação relativa ao processo disciplinar com o nº ………. que, por votação, por escrutínio secreto, com nove votos a favor, um voto contra e um voto em branco, aplicou ao autor a pena de 60 dias de multa (cf. doc. nº 8, a fls. 89-93 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
17. E pelo seu despacho nº 16/CSTAF/2011, “nos termos do disposto no artigo 11º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos” tinha designado o “Dr. ……………., licenciado em Direito com funções de apoio jurídico”, “para contestar e praticar os demais actos processuais na acção administrativa especial nº ……….”, na qual o autor impugnou a sanção disciplinar que lhe foi imposta no processo nº ………… (cfr. doc. nº 9, a fls. 94).
18. O instrutor, então na qualidade de Presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais também havia solicitado ao autor, no decurso do ano de …………, informações referentes aos processos nºs 403/10.2BE………., 80/11.3BE………., 184/11.2BE…….., 47/11.1BE………, 208/11.3BE……., 217/11.2BE……….
19. O ora Instrutor renunciou ao cargo de Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, com efeitos a partir de ………… (cfr. doc. nº 5 a fls. 310).
20. O mesmo Instrutor, pela Resolução nº ………….. da Assembleia da República, publicada no Diário da Republica, 1ª série, de ……………, foi designado, nos termos do nº 5 do artigo 166º da Constituição e da alínea b) do nº 1 do art. 75º da Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro, como membro efectivo, para integrar o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

3.2. O DIREITO
Na presente acção administrativa especial o autor impugna a deliberação do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF) que indeferiu o pedido de suspeição/recusa do Instrutor por ele formulado em incidente que suscitou na “defesa escrita” que apresentou, em relação à acusação contra si deduzida, no processo disciplinar nº ……….. (e apenso nº ………….), que lhe é movido pela entidade demandada.
O pedido foi indeferido, porque o CSTAF, considerou, em síntese, que o autor não demonstrou factos objectivos que evidenciem a imparcialidade do instrutor.
O autor considera que este juízo está errado e desrespeita, do mesmo passo, o princípio da imparcialidade contido no art. 266º/2 da CRP e o regime de recusa fixado no art. 43º/1/2 do CPP.
É o que cumpre apreciar, começando por fazer uma clarificação. O autor, no incidente de recusa que formulou junto da entidade demandada, invocou, como fundamento do seu pedido, determinadas condutas concretas do instrutor que teriam tido lugar durante os actos processuais (vide ponto 12. do probatório supra).
Todavia, em sede judicial, o autor abandonou essa alegação e, na presente acção, não a incluiu no conjunto dos fundamentos do pedido.
Na petição inicial, o autor baseia a sua pretensão apenas nos demais factos que alegou quando deduziu o incidente. São os seguintes:
- “o instrutor do presente processo disciplinar movido ao Recorrente, e nomeado pelo CSTAF, é precisamente o Presidente cessante desse mesmo CSTAF” - art. 19º;
- “enquanto Presidente do CSTAF, foi o actual instrutor que (naquela qualidade de Presidente) ordenou a abertura do inquérito e do processo disciplinar nº ………….. contra o Recorrente, nele votando favoravelmente as respectivas deliberações e proferindo diversos despachos interlocutórios” - art. 20º
- “nesse processo disciplinar o actual instrutor também votou favoravelmente a deliberação que condenou e puniu o Recorrente” - art. 21º
- “acresce que esta deliberação que condenou o Recorrente foi objecto de recurso contencioso (nº ……………..), sendo certo que a contestação aí deduzida e todos os demais actos processuais apresentados pelo CSTAF foram subscritos por pessoa designada pelo então Senhor Presidente do CSTAF, actual instrutor do processo disciplinar” - art. 22º
- “ no decurso do ano de ……, o então Presidente do CSTAF (ora instrutor) solicitou ao Recorrente diversas informações referentes aos processos nºs 403/10.2BE….., 80/11.3BE………., 184/11.2BE………, 47/11.1BE………, 208/11.3BE………., 217/11.2BE……….

3.2.1 A partir destes factos (provados), o autor defende, em primeiro lugar, que a imparcialidade do instrutor está “irremediavelmente afectada”, porquanto não poderá ser objectivamente desinteressada, isenta, neutra e independente uma vez que o exercício do cargo de Presidente do CSTAF e a promoção de todos os sobreditos actos o impedem de reger-se unicamente por critérios lógico - racionais na instrução do presente processo disciplinar, em virtude do que necessariamente há-se deixar influenciar-se por sentimentos estranhos ao circunstancialismo factual envolvente, qualquer que seja a sua origem, natureza ou relação com a questão controvertida”. Do seu ponto de vista, “a instauração do processo disciplinar já envolve, ainda que com carácter preliminar, um juízo de admissibilidade de que ocorreu uma transgressão às regras de conduta funcional, em virtude do que a apreciação/instrução não deve ser efectivada por quem esteve já pessoalmente envolvido em condenação anterior e pode, provavelmente, nutrir forte aversão pela pessoa do acusado e querer, de todo o modo a sua punição (tanto mais que a condenação anterior foi anulada judicialmente), com evidente prejuízo da imparcialidade que lhe é devida.
Note-se que, neste ponto, a alegação do autor, não chama o tribunal a pronunciar-se sobre a existência de dúvida quanto à imparcialidade do instrutor e à sua relevância para efeitos de recusa. A ilação que o autor retira dos factos, é a certeza de que, no caso concreto, a imparcialidade do instrutor foi uma realidade, porque no contexto em que se moveu, tinha necessariamente de influenciar-se por sentimentos espúrios, com irremediável afecção da sua isenção, independência e neutralidade. E, como resulta da alínea a) do pedido, que formulou (vide relatório supra, ponto 1.1.) configura essa certeza de violação efectiva do princípio da imparcialidade, contido no art. 266º, nº 2 da CRP, como fundamento autónomo de invalidade da deliberação impugnada.
Mas não tem razão.
Desde logo, porque os factos alegados e assentes não fazem prova directa da existência de qualquer comportamento, activo ou omissivo, dentro ou fora do processo, que demonstre efectiva falta de isenção, de independência e/ou de neutralidade do instrutor na realização da sua incumbência no âmbito do processo disciplinar.
Depois, porque desses mesmos factos também não é lícito presumir, com suporte racional suficiente, a reclamada violação efectiva do princípio da imparcialidade.
À luz das regras da experiência comuns, esses factos-base não são, a nosso ver, idóneos a gerar a convicção da certeza, (relativa, histórico - empírica, formada num juízo de probabilidade e em grau elevado, adequado às exigências práticas da vida) (Cf. Alberto dos Reis, (in Código do Processo Civil Anotado, III, p. 246) e Luis Filipe Pires de Sousa, “Prova por Presunção no Direito Civil”, p, 141 e segs.), de que o instrutor se afastou das exigências atinentes ao princípio da imparcialidade (isenção, neutralidade, independência e transparência).
Na verdade, a experiência comum não ensina que, de acordo com o curso normal dos acontecimentos, acontece, ordinariamente, que quem já puniu disciplinarmente alguém por certos factos, perde, por via disso, de forma inelutável, a sua capacidade de agir com isenção na instrução que lhe for cometida noutro processo disciplinar, relativo ao mesmo sujeito, por factos diferentes.
E o mesmo se diga em relação à designação de jurista para representar o CSTAF, em juízo e ao pedido de informações sobre o estado dos processos.
Deste modo, improcede a alegação do autor, nesta parte.

3.2.2. Passemos à alegada violação do art. 43º do CPP.
Alega o autor que o art. 43º /1/2 do Código de Processo Penal é um outro padrão normativo do acto impugnado, que este desrespeitou.
Na primeira parte da afirmação, tem razão. Na verdade, como bem diz, de acordo com o determinado no art. 112º do Estatuto dos Magistrados Judiciais “é aplicável ao processo disciplinar, com as necessárias adaptações, o regime de impedimentos e suspeições em processo penal”, sendo que esta regulação indirecta remete, sem dúvida, para o regime fixado naquele preceito do C.P.P. cujo texto, encimado pela epígrafe «recusas e escusas», é, na parte que ora interessa, o seguinte:
1 - A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
2 - Pode constituir fundamento de recusa, nos termos do nº 1, a intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do artigo 40º. (Art.40º (Impedimentos ou participação em processo)
Nenhum juiz pode intervir em julgamento, recurso ou pedido de revisão relativos a um processo em que tiver:
a) Aplicado a medida de coacção prevista nos artigos 200º a 202º;
b) Presidido a debate instrutório;
c) Proferido ou participado em decisão de recurso ou pedido de revisão anteriores;
d) Recusado o arquivamento em caso de dispensa de pena, a suspensão provisória ou a forma sumaríssima por discordar da sanção proposta.)

3.2.2. Dito isto, resta saber se a situação de facto descrita pelo autor se enquadra ou não, com as necessárias adaptações, na antedita previsão normativa, isto é, falta indagar se, em razão dos factos /índices alegados, a intervenção do instrutor no processo disciplinar corre “o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.”
E seguindo a Doutrina (Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 3ª ed., p. 128 e segs.) e a Jurisprudência (Vide Acórdão STA de 2011.03.01- procº nº 01231/09 e as indicações que nele se contêm sobre a Jurisprudência do STJ e do TEDH.), nessa indagação devemos ter em conta: primeiro, que a lei quer afastar a intervenção do instrutor que tenha dado mostras de algum preconceito em relação ao arguido, de ter interesse pessoal no desfecho do processo ou cujo comportamento possa objectivamente suscitar dúvidas fundadas sobre a sua isenção; segundo, que para atingir o seu fim, a lei reclama a utilização dos seguintes critérios operativos: (i) a perspectiva do queixoso pode ser importante, mas não é decisiva; (ii) o juízo sobre a seriedade, gravidade e adequação do(s) motivo(s) deve fazer-se de acordo com o ponto de vista do cidadão comum; (iii) a desconfiança sobre a imparcialidade haverá de aferir-se de factos objectivos e não de meras conjecturas.
Ora, nesta parte, a pretensão do autor repousa, igualmente, na situação de facto descrita no anterior ponto 3.2.1.
Por isso se rememora que o acto impugnado não vem atacado com fundamento em qualquer comportamento do instrutor durante os actos processuais.
E os factos alegados na petição inicial, a nosso ver, pelas razões que a seguir se enunciam, não justificam a recusa do instrutor.
O cidadão comum não desconfiará, por certo, da imparcialidade do instrutor, só porque ele, anteriormente, na qualidade de Presidente do CSTAF, no cumprimento das suas competências, procedeu à designação, legalmente prevista, de um jurista dos serviços para patrocinar o Conselho em processo judicial de impugnação da sanção disciplinar aplicada ao arguido, num outro processo (…………). O acto não tem qualquer conexão com a instrução do novo processo disciplinar, por outros factos e objectivamente, não se vê como possa, aos olhos do homem médio, ser visto, em si mesmo, como factor de suspeição, como motivo sério e grave, que lance desconfiança sobre a isenção do instrutor na condução do processo e justifique o seu afastamento.
Também os pedidos de informações sobre processos não constituem, do ponto de vista do cidadão comum, motivo de recusa. O actual instrutor, então na qualidade de Presidente do CSTAF, a requerimento das partes, limitou-se a saber do estado de determinados processuais e a passar a informação a quem lhe sucedeu no cargo. Nada mais lhe é imputado, sequer um simples comentário, revelador de algum preconceito ou animosidade contra o autor, que pudesse lançar suspeição sobre a sua imparcialidade na instrução do processo disciplinar.
Resta a intervenção no processo disciplinar nº ………………
Nos termos previstos no art. 43º/2 do CPP a intervenção noutro processo pode ser motivo de recusa. A entidade demandada, na deliberação impugnada, considerou que, no caso concreto, não havia razão para deferir o pedido de recusa com base nessa intervenção.
Ora, na falta de alegação de outras razões objectivas reveladoras de favoritismos, preconceitos ou perseguições, a intervenção noutro processo, a proceder, erigir-se-ia em motivo automático de recusa.
Esta interpretação, como bem considerou a entidade demandada na fundamentação do acto impugnado (vide ponto 12. do probatório) não pode seguir-se, pois que, no limite, significaria que para cada caso novo, relativo ao mesmo sujeito, seria de exigir um outro decisor, solução que é incompatível com a estabilidade da composição dos órgãos da Administração e que, a ser perfilhada, implicaria a impossibilidade de apreciação de novos processos disciplinares contra os mesmos arguidos. Por isso não pode considerar-se automaticamente posta em causa a imparcialidade do decisor por este ter tido intervenção num anterior processo disciplinar relativo ao mesmo arguido.
Por maioria de razão, por se tratar de uma fase menos gravosa, a intervenção em anterior processo disciplinar não é motivo automático de recusa do instrutor.

Deste modo, improcede a alegação do autor também nesta parte.

3.2.3. Os factos supervenientes alegados pelo autor - conclusões 47. e seguintes - não afectam, seguramente, a validade do acto impugnado, pois que nenhuma conexão têm com a instrução, já concluída, do processo disciplinar.

4. DECISÃO
Pelo exposto, acordam em julgar improcedente a acção, absolvendo a entidade demandada do pedido.

Custas pelo autor.

Lisboa, 29 de Janeiro de 2014. – António Políbio Ferreira Henriques (relator) – Alberto Augusto Andrade de Oliveira – Vítor Manuel Gonçalves Gomes.