Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01044/09
Data do Acordão:11/25/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PIMENTA DO VALE
Descritores:PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO
Sumário:I - A sucessão no tempo dos regimes prescricionais contidos no Código de Processo Tributário e na Lei Geral Tributária resolve-se pela aplicação da regra do artigo 12º do Código Civil, dispondo a Lei Geral Tributária para o futuro, e regendo, consequentemente, os efeitos dos factos relevantes ocorridos durante a sua vigência.
II - Assim sendo, reportando-se as dívidas exequendas aos anos de 1996 e 1997 e tendo os factos interruptivos e suspensivos ocorrido na vigência da LGT, é o regime legal previsto neste diploma legal o aplicável.
Nº Convencional:JSTA00066142
Nº do Documento:SA22009112501044
Data de Entrada:10/22/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF PENAFIEL PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:LGT98 ART48 N2.
CCIV66 ART12 N2 ART297.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA SOBRE A PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA 2008 PAG111.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A…, melhor identificado nos autos, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou improcedente a reclamação que aquele deduziu da decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Castelo de Paiva que, por sua vez, havia indeferido a requerida prescrição das dívidas exequendas, dela interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte.
Este Venerando Tribunal declarou-se incompetente, em razão da hierarquia, para a sua apreciação, por ser competente esta Secção do STA, uma vez que versava apenas matéria de direito, para onde subiu o recurso.
O recorrente formulou as seguintes conclusões:
1.- A entrada em vigor da Lei Geral Tributária ocorreu em 1 de Janeiro de 1999.
2.- O disposto no art.° 48°, n.° 2 da L.G.T. só é aplicável às liquidações efectuadas a partir da entrada em vigor da L.G.T.
3.- A douta sentença violou o disposto no art.° 48°, n.° 2 da L.G.T.
A Fazenda Pública não contra-alegou.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto não emitiu parecer “atento o facto do M.P. em 2ª instância - TCA Norte - já o ter produzido”.
Atenta a natureza urgente do presente processo, não foram colhidos aos vistos legais.
Cumpre decidir.
2 - A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
A) Com a migração dos processos de execução fiscal do “PEF” para o “SEF”, o processo de execução fiscal nº 0060-2000/100365.8, pelo Serviço de Finanças de Castelo de Paiva contra o reclamante passou a ser o processo principal (fls. 30).
B) Em 22/09/2000, o Serviço de Finanças de Castelo de Paiva instaurou contra o reclamante o processo de execução fiscal nº 0060-2000/100365.8 para cobrança do IVA devido pelo 4º trimestre de 1999, no montante de 742.630$00, cuja data limite de pagamento voluntário terminou em 15/02/2000 (fls. 3).
C) O reclamante foi citado para esta execução fiscal em 27/09/2000 e com a penhora em 27/08/2002 (fls. 4, 5, 11 e 11 verso).
D) Ao processo de execução fiscal identificado em A) foram apensados os seguintes processos de execução fiscal (fls. 11, 11 verso e apenso ao processo de execução fiscal):
1 - Nº 0060-01/100645.2, instaurado pelo Serviço de Finanças de Castelo de Paiva em 17/12/2001, para cobrança do IRS de 1996, no montante de 980.013$00 - 4.888,28 € - cuja data limite de pagamento voluntário terminou em 01/10/2001, tendo sido citado para este processo em 27/08/2002.
2 - Nº 0060-02/100353.4, instaurado pelo Serviço de Finanças de Castelo de Paiva em 17/06/2002, para cobrança do IRS de 1997 e respectivos juros, no montante de 5.301,54 €, cuja data limite de pagamento voluntário terminou em 23/01/2002, tendo sido citado para este processo em 27/08/2002.
3 - Nº 0060-01/100296.1, instaurado pelo Serviço de Finanças de Castelo de Paiva em 23/07/2001, para cobrança do IVA do 4º trimestre de 2000, no montante de 334.634$00 - 1.669,15 € - cuja data limite de pagamento voluntário terminou em 15/02/2001, tendo sido citado para este processo em 27/08/2002.
4 - Nº 0060-02/100008.0, instaurado pelo Serviço de Finanças de Castelo de Paiva em 10/01/2002, para cobrança dos juros compensatórios do IVA do 4º trimestre de 1996, no montante de 274.142$00 - 1.367,41 € -, cuja data limite de pagamento voluntário terminou em 31/10/2001, tendo sido citado para este processo em 27/08/2002.
5 - Nº 0060-02/100009.8, instaurado pelo Serviço de Finanças de Castelo de Paiva em 10/01/2002, para cobrança do IVA do 4º trimestre de 1996, liquidação adicional, no montante de 510.000$00 - 2.543,87 € -, cuja data limite de pagamento voluntário terminou em 31/10/2001, tendo sido citado para este processo em 27/08/2002.
6 - Nº 0060-02/100010.1, instaurado pelo Serviço de Finanças de Castelo de Paiva em 10/01/2002, para cobrança dos juros compensatórios de IVA do 4º trimestre de 1997, no montante de 227.909$00 - 1.136,81 € -, cuja data limite de pagamento voluntário terminou em 31/10/2001, tendo sido citado para este processo em 27/08/2002.
7 - Nº 0060-02/100005.5, instaurado pelo Serviço de Finanças de Castelo de Paiva em 10/01/2002, para cobrança do IVA do 4º trimestre de 1997, liquidação adicional, no montante de 595.001$00 - 2.967,85 € -, cuja data limite de pagamento voluntário terminou em 31/10/2001, tendo sido citado para este processo em 27/08/2002.
8 - Nº 0060-02/100292.9, instaurado pelo Serviço de Finanças de Castelo de Paiva em 29/05/2002, para cobrança do IVA do 3º trimestre de 2001, no montante de 2.817,83 €, cuja data limite de pagamento voluntário terminou em 15/11/2001, tendo sido citado para este processo em 27/08/2002.
9 - Nº 0060-02/100320.8, instaurado pelo Serviço de Finanças de Castelo de Paiva em 31/05/2002, para cobrança da Contribuição Autárquica de 1999, no montante de 266,66 €, cuja data limite de pagamento voluntário terminou em 31/10/2001, tendo sido citado para este processo em 27/08/2002.
10 - Nº 0060-02/100335.6, instaurado pelo Serviço de Finanças de Castelo de Paiva em 31/05/2002, para cobrança da Contribuição Autárquica de 2000, no montante de 133,33 €, cuja data limite de pagamento voluntário terminou em 30/09/2001, tendo sido citado para este processo em 27/08/2002.
E) No processo de execução nº 0060-2001/100296.1 e apensos, para garantia da quantia exequenda de 28.654,08 €, acrescidos dos juros de mora e custas, por dívidas de IRS de 1996 e 1997, de IVA dos 4º trimestres de 1996, 1997, 1999 e 2000, e 3º trimestre de 2001, dos juros compensatórios do IVA devido pelos 4º trimestres de 1996 e 1997, da Contribuição Autárquica de 1999 e 2000, coimas e contribuições devidas à Segurança Social, foi penhorado em 26/08/2002, o prédio urbano, composto de casa de habitação de três pavimentos e quintal com 846,72 m2, sito em Carreiros, freguesia de Bairros, deste concelho de Castelo de Paiva, descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo de Paiva sob o n.° 00450/930903 -freguesia de Bairros, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 971, com o valor patrimonial de € 24.241,58 (fls. 10).
F) A referida penhora foi registada pela inscrição F-4, Ap. 02/20020826 (fls. 15).
G) Em 05/04/2001, o executado/reclamante pagou a quantia de 346.145$00, relativo ao IVA do 4º trimestre de 2000 e acréscimos legais, executados no processo de execução fiscal nº 0060- 01/100296.1 (fls. 12).
H) O processo de execução fiscal prosseguiu pela quantia de 26.984,93€ (fls. 19).
I) Por força do documento único de anulação nº 3126507/2000, no valor de 39,68€, o processo de execução fiscal prosseguiu pela quantia de 26.945,25€ (fls. 21).
J) Em 18/10/2002, o reclamante por requerimento por si subscrito requereu o pagamento da quantia exequenda em pagamentos por conta no valor de 500,00 € por mês (fls. 22).
K) Em 20/05/2004 B… foi citada para a execução (fls. 25 e 25 verso).
L) B… casou com A… em 15/11/1987, no regime da separação de bens, casamento dissolvido por divórcio decretado por sentença de 26/09/2002, transitada em julgado em 14/10/2002 (fls. 23 e 12 do processo de oposição apenso).
M) B… deduziu oposição à execução fiscal em 17/06/2004, tendo-lhe sido atribuído o nº 358/04.2 BEPNF (fls. 13 do processo de oposição apenso).
N) A oposição foi liminarmente admitida em 15/11/2004 (fls. 102 do processo de oposição apenso).
O) O processo de oposição esteve parado, por motivo não imputável ao sujeito passivo, entre 15/02/2006 e 26/05/2008 (fls. 115 a 118 do processo de oposição apenso).
P) No processo de oposição foi proferida sentença em 09/12/2008, depositada e notificada às partes em 10/12/2008, da qual não foi interposto recurso, tendo transitado em julgado em 12/01/2009 (fls. 122 e seguintes do processo de oposição apenso).
Q) O processo oposição foi devolvido ao Serviço de Finanças de Castelo de Paiva, onde entrou em 16/02/2009 (última folha do processo de oposição apenso).
R) Por requerimento de 06/07/2007, o reclamante requereu a declaração da prescrição das dívidas já prescritas e o pagamento do remanescente em prestações mensais de 1.000,00 € (fls. 48 a 51).
S) Na sequência deste requerimento foi lançada nos autos a seguinte informação (fls. 53):
«Para efeitos da parte final do n° 1 do artº 169° do CPPT, cumpre-me informar:
Em 26.08.2002, foi efectuada penhora do artigo urbano, composto de casa de habitação com três pavimentos e logradouro, inscrito na matriz urbana de Bairros sob o n° 971, descrita na conservatória do registo predial sob o n° 450 e registada na respectiva conservatória na mesma data (fls. 12 a 15).
Tendo em consideração que:
O valor da dívida exequenda e acrescido neste momento é de €21.692,44.
Sobre o prédio, incidem duas hipotecas voluntárias a favor da … (fls. 14), registadas antes da penhora atrás referida.
Atendendo ao tipo de bem penhorado (casa de habitação com 3 pavimentos e logradouro, construída de novo em Abril de 1999), a penhora garante a totalidade da quantia exequenda e do acrescido.
Mais informo que em 15.11.2004, foi admitida liminarmente no TAF de Penafiel (processo 358/04.2BEPNF), processo de oposição à presente execução.
SF Castelo de Paiva, 2007.07.11».
T) Sobre essa informação foi proferido em 11/07/2007 o seguinte despacho pelo Exm.° Senhor Chefe de Finanças (fls. 53):
«Por força do estipulado no artigo 212 e n° 5 do art. 169º do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT) T) determino, nos termos do n° 1 do mesmo artigo, a suspensão da execução desde a data da admissão liminar da oposição à presente execução (15.11.2004), com base nos fundamentos constantes da informação supra.
Notifique-se. (...)».
U) Este despacho foi notificado, em 11/07/2007, a B…, a A… e ao seu ilustre mandatário (fls. 54 a 56).
V) O despacho identificado em S) não foi impugnado (resulta dos autos).
W) Por requerimento de 31/03/2009, o reclamante veio requerer a declaração da prescrição das dívidas exequendas (fls. 76 e 77).
X) Por carta de 16/04/2009 o reclamante foi notificado da seguinte informação (fls. 76):
«Em resposta ao V. requerimento apresentado neste Serviço de Finanças, informa-se que os processos executivos infra descritos estiveram suspensos desde 2004-11-15 até 2009-02-16*. Na sequência da interposição de Oposição por B…, NIF 183 007 689 - Processo de Oposição nº 358/04.2BEPNF - cfr. Despacho de 2007-07-11 e notificações aos executados e ao procurador do executado - Dr. C….
Não houve qualquer reacção a estas notificações.

N. Proc.°
Origem
Dívida
Período
Dívida
Data
Autuação
Data
Penhora
Data Citação
Pessoal
0060200001003658IVA9912T22-09-20002002-08-262002-08-27
0060200101002961IVA0012T23-07-20012002-08-262002-08-27
0060200201000080JC9612T10-01-20022002-08-262002-08-27
0060200201000098IVA9612T10-01-20022002-08-262002-08-27
0060200201000101JC9712T10-01-20022002-08-262002-08-27
0060200201000055IVA9712T10-01-20022002-08-262002-08-27
0060200201002929IVA0109T29-05-20022002-08-262002-08-27
0060200201003208CA199931-05-20022002-08-262002-08-27
0060200201003356CA200031-05-20022002-08-262002-08-27
0060200101006452IRS199617-10-20012002-08-262002-08-27
0060200201003534IRS199717-06-20022002-08-262002-08-27

Considerando o período de suspensão (2004-11-15 a 2009-02-16*), e atendendo ao preceituado nos artigos 48° e 49° da LGT, verifica-se que ainda não decorreu o prazo de prescrição das dívidas identificadas no quadro supra.
As dívidas de Coimas e Custas Processuais e as dívidas à Segurança Social estão prescritas.».
Y) O processo de execução fiscal esteve parado mais de um ano, por facto não imputável ao sujeito passivo, entre 26/09/2000 e 20/08/2002 e 12/02/2003 e 14/05/2004 (fls. 3, 3 verso, 4, 23 a 25).
Z) O processo de execução fiscal nº 0060-01/100296.1, antigo processo principal, esteve parado mais de um ano, por facto não imputável ao sujeito passivo, entre 31/07/2000 e 20/08/2002 (processo apenso).
AA) Em 27/04/2009 o reclamante apresentou a presente reclamação (fls. 81).
BB) Por despacho de 29/04/2009, o Exm.° Senhor Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Castelo de Paiva manteve a informação identificada em X) (fls. 89).
Com relevância para a decisão da causa, inexiste matéria de facto não provada.
3 – O objecto do presente recurso consiste em saber se, atenta a data das dívidas exequendas, é aplicável o disposto no artº 48º, nº 2 da LGT.
Em suma, alega o recorrente que, tendo a LGT entrado em vigor em 1/1/99, o predito artigo só é aplicável às liquidações efectuadas a partir desta data.
Vejamos se lhe assiste razão.
Desde logo, importa referir que estão aqui em causa apenas as dívidas relativas a IVA e juros compensatórios, respeitantes ao mês de Dezembro de 1996 e 1997 e de IRS e juros compensatórios, respeitantes a 1996 e 1997, dívidas essas que foram liquidadas a partir do ano 2000, como se retira das certidões de dívida que estiveram na origem dos processos de execução fiscal instaurados a partir desse mesmo ano, quer contra o reclamante, quer contra ele e sua mulher.
Por outro lado, resulta também do probatório que o reclamante foi citado pessoalmente para a execução principal em 27/9/00 e com penhora em 27/8/00 e das execuções apensas nos anos posteriores e que a sua ex-mulher foi citada para a execução em 20/5/04 e deduziu oposição à execução fiscal em 17/6/04, que esteve parado, por motivo não imputável ao sujeito passivo, entre 15/2/06 e 26/5/08 (al. O) do probatório).
Resulta ainda do probatório que a execução esteve suspensa desde a data da admissão liminar da oposição à execução fiscal (15/11/04) (al. T) do probatório).
Estabelece o artº 48º, nº 2 da LGT que “as causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários”.
Como vimos, o que o recorrente alega é que o regime previsto nesta norma não pode ter aplicação relativamente a factos ocorridos anteriormente à sua vigência.
Todavia, não é isso que acontece.
Com efeito e do que acima fica dito, os factos com efeito interruptivo e suspensivo em relação ao recorrente e à própria ex-mulher ocorreram já depois da entrada em vigor da LGT.
Ora, como escreve o Conselheiro Jorge Sousa, in “Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária”, pág. 111, “a nova lei é a competente para fixar os efeitos dos factos que ocorram na sua vigência (art. 12.º, n.º 2 do CC), pelo que pode fixá-los nos termos que entender, desde que não haja legítimas expectativas a respeitar…
Assim…, a solução do problema da aplicação da lei no tempo depende do momento em que ocorrer o facto interruptivo ou suspensivo (acrescentámos nós) e não da eventualidade de, à face das regras do art. 297.º do CC, ser aplicável o regime do CPT ou da LGT, no que concerne à duração do prazo de prescrição”.
Daí que e independentemente de as dívidas exequendas se reportarem aos anos de 1996 e 1997, o regime legal às mesmas aplicável seja o previsto na Lei Geral Tributária.
Pelo que a sentença recorrida não merece, assim, qualquer censura.
4 - Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao presente recurso e manter a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 25 de Novembro de 2009. – Pimenta do Vale (relator) – Valente Torrão – Isabel Marques da Silva.