Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01232/18.0BELSB
Data do Acordão:06/26/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24731
Nº do Documento:SA12019062601232/18
Data de Entrada:06/17/2019
Recorrente:PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA
Recorrido 1:A............ E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA, intentou, no TAC de Lisboa, contra A………… e B…………, acção administrativa especial pedindo emissão de mandado judicial para entrada no domicílio da requerida, ao abrigo do disposto no artigo 95.º, n.º 3, do Regime Jurídico de Urbanização e Edificação.

O TAC julgou a acção totalmente improcedente absolvendo os Requeridos do pedido.

E o TCA Sul, para onde Autor apelou, negou provimento ao recurso.

É desse Acórdão que o Autor vem recorrer (artigo 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O T.A.C. decidiu liminarmente:
"- julgar inconstitucional, por violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa, a norma, extraída do artigo 95°, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16/10 (Regime Jurídico de Urbanização e Edificação), que permite a realização de inspeções ao domicílio de qualquer pessoa, sem o seu consentimento, nos termos e para os efeitos do referido diploma, ainda que sem a dispensa de prévio mandado judicial;
- Ordenar a desaplicação daquele artigo 95.º, n.º 2, do Regime Jurídico de Urbanização e Edificação ao caso dos autos;
- Julgar totalmente improcedente o presente pedido de emissão de mandado judicial para realização de inspeção ao domicílio da requerida;
- Absolver a requerida do pedido."

O TCA manteve essa decisão pelas seguintes razões:
“Como é consabido, os cits. Acs. do TC declararam a inconstitucionalidade orgânica do cit. n° 2 do artigo 95° do RJUE, em vigor até a entrada em vigor do DL 121/2018, n° 2, o aqui aplicado. Com o que concordamos. Com efeito, neste TCA-Sul já decidimos assim:
"I — Qualquer restrição ao direito à inviolabilidade do domicílio é da exclusiva competência da Assembleia da República, a quem cabe legislar em matéria de direitos, liberdades e garantias, salvo autorização ao Governo, nos termos previstos no artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da CRP.
II — A Lei n.º 110/99, de 3/08, que autorizou o Governo a legislar, no âmbito do desenvolvimento da Lei de Bases do Ordenamento do Território e do Urbanismo, em matéria de atribuições das autarquias locais no que respeita ao regime de licenciamento municipal de loteamentos urbanos e obras de urbanização e de obras particulares, não autorizou o Governo a legislar no âmbito da referida matéria, pelo que as normas constantes do artigo 95.º, n.ºs 2 e 3, do RJUE, na redação em vigor à data da decisão recorrida, padeciam do vício de inconstitucionalidade orgânica.
III - A assunção parlamentar de norma idêntica a norma constante de decreto-lei não autorizado, que equivale a uma novação da fonte normativa, afasta a inconstitucionalidade orgânica originária.
IV - O artigo 327.º da Lei n.º 114/2017, de 29/12, limitou-se a conferir ao Governo autorização legislativa para alterar a subsecção I da secção V do capítulo III do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16/12, que estabelece o regime jurídico da urbanização e edificação, com vista à definição do regime de entrada no domicílio de qualquer pessoa sem o seu consentimento, após obtenção de prévio mandado judicial, no âmbito da atividade de fiscalização prevista no artigo 93.°daquele regime, não ocorrendo aqui a assunção parlamentar de normas idênticas às normas constantes do RJUE então em vigor, e o afastamento da referida inconstitucionalidade orgânica originária.
V — Uma vez que a alteração promovida pelo Governo através do Decreto-Lei n.º 121/2018, de 28 de dezembro, ao artigo 95.º do RJUE, é posterior à data de aplicação das normas em questão, entendendo-se como tal a data da decisão recorrida, deve ser recusada a sua aplicação, por padecerem do vício de inconstitucionalidade orgânica." - Ac. de 24-01-2019, P. n° 24/18...
E a mesma decisão do TC adotada no âmbito deste processo, em fiscalização concreta da constitucionalidade, vincula o juiz deste processo [cf. assim o artigo 80° da LOFP/TC1].
Pelo que não releva aduzir contra — apenas –– que a decisão recorrida desvirtua por completo o papel de garante da regularização urbanística que a Lei comete ao Recorrente.
Assim, estando em causa os obviamente interligados nºs 2 e 3 do artigo 95° do RJUE na redação anterior ao DL 121/2018, resta concluir como o TC e como o TAC.”

3. A Autora não se conforma com esse julgamento pelo que pede a admissão desta revista para que apreciem as seguintes questões:
A) Perante um pedido de mandado judicial nos termos do n.º 3 do anterior artigo 95.º do RJUE (o qual esteve em vigor até à publicação do DL n° 121/2018, de 28/12) e estando em causa a necessidade de fiscalizar uma fração que não constitui domicílio e onde decorrem obras ilegais que poderão pôr em causa a segurança das pessoas que o habitam assim como os seus bens e a estabilidade do próprio edifício, poderá ser suscitada uma questão relativa à inconstitucionalidade apenas e tão só porque os n.ºs 2 e 3 daquele artigo 95º RJUE se poderiam interligar? Ou, uma vez que não se trata de domicílio, não aplicar o n° 2 daquele artigo 95º RJUE (com a anterior redação) e, em consequência, julgar procedente o pedido de emissão de mandado judicial.
B) Tendo havido erro de julgamento em que o tribunal a quo julgou erradamente como totalmente improcedente o pedido para realização de inspeção ao domicílio quando não se tratava de domicílio mas, antes, de propriedade privada incorrendo, deste modo, em incorreta interpretação da lei e tendo o tribunal ad quem sido informado, em sede de recurso jurisdicional, não deverá este tribunal de 2ª instância reconhecer tratar-se de um erro, reformulá-lo e corrigi-lo com a urgência que ao caso requer e revogar a D. Sentença?

4. Como se acaba de ver a questão suscitada nesta revista é a da aplicabilidade do art.º 95°, n.º 2, do RJUE ao caso dos autos, norma essa que as instâncias se recusaram aplicar por a mesma ter sido declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional.
Sendo assim, e sendo que o pedido aqui formulado tinha por fundamento o referido normativo não poderia ser outra a decisão proferida.
É, pois, desnecessária, a reapreciação da identificada questão.

DECISÃO.

Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.
Porto, 26 de Junho de 2019. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.