Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0467/18
Data do Acordão:05/17/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
FUMUS BONI JURIS
PERICULUM IN MORA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23309
Nº do Documento:SA1201805170467
Data de Entrada:05/07/2018
Recorrente:A...... E OUTRA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE LISBOA E B........,SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO
A…………. e C……… intentaram, no TAC de Lisboa, contra o Município de Lisboa e a B………. – ....... SA, providência cautelar, pedindo a “suspensão de eficácia do despacho da Vereadora do Pelouro da Habitação da Câmara Municipal de Lisboa, de 12.05.2016, que decidiu a cessação da autorização de utilização do fogo municipal onde residem, sito na Rua………., lote…, …., Bairro……, com fundamento na detenção de alternativa habitacional no concelho da Amadora.”,

O TAC indeferiu a requerida providência.

E TCA Sul, para onde os Requerentes apelaram, negou provimento ao recurso.
É desse Aresto que aqueles recorrem (art.º 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. Os Recorrentes requereram a suspensão de eficácia do despacho da Vereadora da Câmara Municipal de Lisboa que cessou a autorização de utilização da casa municipal onde reside com fundamento de que era proprietário de uma casa no concelho da Amadora.
O TAC indeferiu essa pretensão por ter concluído que “a situação jurídica configurada em juízo não permite sustentar a existência do “fumus boni iuris”, tal como exigido pela 2ª parte do nº 1 do art.120º do CPTA, o que acarreta necessariamente o indeferimento da providência pretendida.”

O Requerente recorreu para o TCA Sul mas este confirmou essa decisão com o seguinte discurso fundamentador:
“…
1. Erro de julgamento da matéria de facto, ao considerar não provados os factos alegados nos artigos 39.º, 42.º, 52.º e 53.º do requerimento inicial
….
De imediato é de refutar a prova do alegado no artigo 39.º, não só porque tais factos se encontram contraditados, como os documentos apresentados pelos Requerentes não permitem a demonstração ou prova da falta de condições de habitabilidade do prédio de que são proprietários.
Acresce que a realidade que os Requerentes pretendem que seja dada por provada, se mostra contrariada pela circunstância de o 1.º andar do prédio em questão se encontrar arrendado para o fim habitacional e os requerentes auferirem rendimento por esse arrendamento, de que resulta a demonstração da realização do fim a que a construção se destina, a de servir a habitação.
No que se refere ao facto alegado no artigo 42.º, quanto o de os ora Recorrentes não possuírem quaisquer outros rendimentos, à exceção do que resultam do arrendamento do 1.º andar do prédio de que são proprietários, também está em causa matéria controvertida, além de que o presente processo cautelar se caracteriza pelo conhecimento sumário, de facto e de direito.
Em relação aos factos alegados sob os artigos 52.º e 53.º do requerimento inicial, não releva apurar quais as concretas doenças de que padecem os Requerentes, mas antes se as mesmas são incapacitantes da locomoção ou se os Requerentes têm limitações físicas que os impedem de andar, o que apesar de ser alegado pelos Requerentes não se mostra provado pelos documentos carreados para os autos, que nada referem sobre as limitações no andar, quer de um, quer de outro Requerente.
Nestes termos, nenhuma censura há a extrair em relação à sentença recorrida, relativamente ao erro de julgamento de facto, tendo sido seleccionados os factos relevantes para a decisão a proferir, de acordo com a prova produzida pelas partes.
Termos em que improcede, por não provado, o fundamento do recurso.

2. … Segundo os Recorrentes a sentença recorrida enferma de erro de julgamento quanto à aplicação de lei no tempo, ao desconsiderar o disposto na alínea a), do n.º 1 do artigo 6.º do Regime do Arrendamento Apoiado para Habitação (RAAH), aprovado pela Lei n.º 81/2014, de 19/12, alterado pela Lei n.º 32/2016, de 24/08, o qual consideram ser aplicável ao caso dos autos.
...
Não sendo controvertida a aplicação ao caso configurado em juízo do Regime do Arrendamento Apoiado para Habitação (RAAH), aprovado pela Lei n.º 81/2014, de 19/12, a questão colocada como fundamento do presente recurso respeita a saber se tem aplicação o disposto na Lei n.º 32/2016, de 24/08, que se traduz na primeira alteração à Lei n.º 81/2014, de 19/12, defendendo os Recorrentes a sua aplicação.
Porém, sem razão, porquanto à data da prática do ato impugnado, em 12/05/2016, o regime aprovado pela Lei n.º 32/2016, de 24/08 não tinha sido sequer publicado, nem entrado em vigor, além de não ter eficácia retroactiva.

Nestes termos, não assiste razão aos Recorrentes quando defendem a aplicação do disposto na alínea a), do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 81/2014, de 19/12, na versão dada pela Lei n.º 32/2016, de 24/08, por este regime ser inaplicável ao ato suspendendo e à situação jurídica dos ora Recorrentes.
Termos em que improcede o alegado erro de julgamento da sentença recorrida, com as consequências quanto ao julgamento do critério do fumus boni iuris.

3. …. Por último, defendem os Recorrentes o erro de julgamento da sentença recorrida, segundo a alegação de que não possuem alternativa habitacional, por a habitação de que são proprietários se encontrar arrendada a terceiros, além de não reunir as condições mínimas de habitação, em violação do direito fundamental à habitação, previsto no artigo 65.º da Constituição.
A sentença recorrida analisou toda a alegação dos Recorrentes, refutando cada um dos argumentos invocados para sustentar o decretamento da providência cautelar de suspensão de eficácia, concluindo pela falta de verificação dos seus pressupostos e, consequentemente, concluindo pelo sua recusa.
…..
Com base na matéria de facto apurada em juízo … os ora Recorrentes são comproprietários de um prédio urbano, de 5 pisos, indiviso, sem estar constituído em propriedade horizontal, situado no concelho da Amadora, sendo o proprietário da garagem no R/chão e de uma habitação no 1.º andar.
Essa habitação ao nível do 1.º andar encontra-se arrendada a terceiros, segundo o facto apurado em 20, o que no entender dos ora Recorrentes infirma o conceito de existência de alternativa habitacional.
Porém, à luz da lei, da citada alínea a), do n.º 1 do artigo 6.º do Regime do Arrendamento Apoiado para Habitação (RAAH), aprovado pela Lei n.º 81/2014, de 19/12, a circunstância de a habitação estar arrendada não permite afastar o impedimento, não sendo considerando como fundamento que retire a existência de alternativa habitacional.
Está em causa um regime legal vinculado, cuja disciplina se encontra prevista em termos que não conferem margem de discricionariedade administrativa ou de ponderação de outros critérios, preenchendo-se a factie species da normas jurídica que considera existir um impedimento à manutenção do arrendado municipal.
….
O probatório não permite fundar quaisquer elementos de facto que se traduzam na violação do conteúdo essencial do direito à habitação, pois além de os Recorrentes serem proprietários de um prédio, com o fim destinado à habitação, não se provou que não lhes seja possível reaver a casa em questão, nem que a mesma não reúna condições de habitabilidade, tanto mais que se encontra arrendada a terceiros para o fim habitacional, além de serem proprietários de outros bens imóveis, rústicos e urbanos, sendo, por isso, detentores de património imobiliário.
…..
Não só o juízo expresso na sentença recorrida se apresenta correto, além de suficiente, para fundamentar o carácter não provável da ilegalidade do ato suspendendo, procedendo à análise de cada uma das questões suscitadas pelos Requerentes, como em face do ora exposto, se deve concluir pela falta de razão dos ora Recorrentes.
…..
Assim, não procedem os fundamentos do recurso, já que nenhum juízo de censura merece a sentença recorrida ao negar a verificação do critério do fumus boni iuris previsto no n.º 1 do artigo 120.º do CPTA.”

4. Como se acaba de ver está em causa saber se o Acórdão recorrido fez correcto julgamento quando, sufragando a decisão do TAC, considerou que não ocorria o fumus boni iuris e com esse fundamento indeferiu a requerida medida cautelar.
Os Recorrentes insistem que não só aquele requisito se verificava como ocorriam os outros requisitos indispensáveis ao pretendido deferimento.
A jurisprudência desta Formação tem adoptado um critério restritivo no tocante à admissão de revistas em matéria de providências cautelares por entender que se está perante a regulação provisória de uma situação, destinada a vigorar apenas durante a pendência do processo principal, e que, sendo assim, a admissão de um recurso excepcional não era conforme com a precariedade da definição jurídica daquela situação.
Entendimento que é de manter sem embargo de se reconhecer que essa jurisprudência tem de ser afeiçoada ao caso concreto e ter em conta as razões esgrimidas em cada um desses casos e isto porque, por um lado, o art.º 150.º do CPTA não inviabiliza a possibilidade da revista ser admitida nas providências cautelares e, por outro, por a intensidade das razões invocadas poder justificar a admissão da revista. – vd. por todos o Acórdão de 4/11/2009 (rec. 961/09).
Ora, no caso, não está em causa uma situação que justifique quebrar-se aquele entendimento.
Desde logo, porque as instâncias julgaram provado que os Recorrentes eram proprietários de uma casa e que, por essa razão, não podiam beneficiar de uma casa camarária. Ora, esse decisivo facto não é susceptível de ser questionado nesta sede (art.º 150.º/3 do CPTA). Deste modo, o Acórdão recorrido não parece merecer censura quando afirmou que o fumus boni iuris se não verificava.
Depois, porque as instâncias decidiram convergentemente e fizeram-no com uma fundamentação jurídica semelhante e convincente, razão pela qual também se não justiça a sua admissão para uma melhor aplicação do direito.
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 17 de Maio de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.