Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01540/06.3BEVIS 01711/13
Data do Acordão:02/10/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR
ADVOGADO
DIREITO DE AUDIÊNCIA E DEFESA
Sumário:I – O direito de audiência e defesa do arguido em processo disciplinar, com dignidade constitucional e que pretende garantir que ninguém seja condenado sem que previamente lhe seja dada oportunidade de se defender com eficácia, é violado quando aquele não é notificado do resultado das diligências complementares – como inquirições de testemunhas – ordenadas oficiosamente pelo instrutor posteriormente à apresentação da defesa e que tenham relevado em seu desfavor.
II – Se, depois do arguido ter apresentado a sua defesa, o instrutor do procedimento disciplinar inquiriu novamente a participante que se pronunciou sobre o teor daquela sem que ele tenha sido notificado da realização nem do resultado dessa diligência, ocorre uma nulidade insuprível do procedimento e não uma mera irregularidade.
III – A circunstância de o arguido não ter apresentado prova complementar em audiência pública quando nela foi informado de que o poderia fazer nunca permitiria concluir que não ocorrera a violação do aludido direito, dado ele desconhecer, e nada lhe permitir inferir, que a participante prestara as declarações em causa.
Nº Convencional:JSTA00071396
Nº do Documento:SA12022021001540/06
Data de Entrada:11/06/2013
Recorrente:A...............
Recorrido 1:ORDEM DOS ADVOGADOS
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:CRP ART32, N10
CPP ART118 ART123 N1, ART119 AL.C)
EOA ART90 ART130
ETAF ART12 N4
CPTA ART150 N3 N4
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:



RELATÓRIO


A……………, advogado, inconformado com o acórdão do TCA-Norte que negou provimento ao recurso que interpusera do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Aveiro que julgara improcedente a acção administrativa especial que intentara contra a Ordem dos Advogados, dele recorreu para este STA, formulando, na respectiva alegação, as seguintes conclusões:

1. A presente revista deve ser admitida em função da necessidade de uma melhor aplicação do direito, quer porque as questões em causa são especialmente relevantes e complexas, quer porque têm um enorme potencial de repetição no âmbito do direito sancionatório.
2. As questões que se debatem nos autos respeitam à (ir)relevância invalidante da falta de notificação ao arguido de uma diligência probatória essencial a descoberta da verdade e ao acerto decisório quando esse arguido tem a mera possibilidade de consultar o processo, respeitam aos limites do poder judicial quanto às decisões administrativas e à extensão do controlo jurisdicional relativamente aos pressupostos de facto da punição (desembocando, entre o mais, no conceito estruturante de tutela jurisdicional efectiva).
3. Salvo o devido respeito, o erro de julgamento é efectivamente gravíssimo, incontroverso e ostensivo, sendo a intervenção do STA “claramente necessária para uma melhor “aplicação do direito”, sendo, aliás, patente a complexidade das operações lógicas e jurídicas indispensáveis para a resolução do caso, revelando-se inegável o seu especial relevo jurídico, envolvendo a realização de operações exegéticas de particular dificuldade, aliás, a sua resolução implica a articulação de diferentes diplomas legais, de diferentes princípios jurídicos estruturantes e de diferentes normas regulamentares passando ainda pela análise de conceitos indeterminados e de princípios e garantias estruturantes.
4. No que concerne ao direito de audiência e ao direito ao contraditório, para a ilegalidade cm causa se poder considerar sanada ou suprida sempre seria necessário que o arguido viesse a saber efectivamente que as diligências tinham ocorrido (mormente através da prática de ou actos no processo que lhe fizessem referência) e, então, que nada fizesse - o que não sucedeu -, não bastando a eventual possibilidade de ter conhecimento das diligências se, casualmente, consultasse o processo administrativo.
5. O arguido em processo sancionatório não tem o ónus de fazer sistemáticas e permanentes consultas do processo no sentido de verificar se alguma diligência foi feita nas suas costas, sob pena de não o fazendo se dever considerar a ilegalidade sanada.
6. Salvo o devido respeito, a decisão recorrida viola, frontal e grosseiramente, o direito de audiência e defesa e o princípio do contraditório, que entroncam no próprio princípio do Estado de direito democrático (art. 2.º da CRP) sendo, ademais, que a interpretação que é feita dos arts. 118.º e 123.º n.º 1 do CPP é inconstitucional por violação desses princípios consagrados nos art 32.° da CRP e 6º do TEDH, ao não julgar que a falta de comunicação da diligência probatória essencial à descoberta da verdade é insuprível, impondo aos arguidos em processo sancionador o ónus de consulta sistemática do processo se no sentido de verificarem se alguma prova foi contra si produzida, sob pena de, não o fazendo e tendo hipóteses de o fazer, a ilegalidade se dever considerar sanada..
7. Quanto ao princípio de reserva de prova adstrita à administração, ao autocontrolo ao poder autónomo de julgamento em matéria disciplinar e ao poder judicial meramente confirmatório ou anulatório, temos que, em matéria de prova, de um facto com relevância disciplinar não existe margem de Liberdade.
8. Salvo o devido respeito, é inconstitucional a interpretação dos arts. 90.º e 130.° do EOA no sentido de conferirem uma prerrogativa de avaliação em matéria de facto, no sentido de afirmar a existência de um poder disciplinar autónomo e exclusivo da acção disciplinar, que restringe o controlo judicial a uma mera confirmação ou, anulação do acto sancionador, por violação grosseira do art.º 20.º, 1 e 268.º, n.º 4, ambos da CRP - cfr. jurisprudência e doutrina citadas.
9. Acrescidamente e salvo o devido respeito, a interpretação do art. 3.º, n.° 1 do CPTA, em matéria disciplinar, restringindo o controlo judicial à mera possibilidade de anular ou de confirmar decisões punitivas, como se diz no Acórdão recorrido, afronta de forma grosseira o estatuído no art. 212º, nº 3 e 111.º da CRP - cfr. jurisprudência e doutrina citadas.
10. À luz da jurisprudência citada e do princípio do in dúbio pro reo, este alto STA pode verificar se ocorre ou não a violação do princípio da objectividade, sem necessidade de outras indagações probatórias, nomeadamente quanto ao “descrédito da posição do arguido.
11. Salvo o devido respeito, não se percebe, objectiva e suficientemente de que elementos, se serviu o Tribunal recorrido para afirmar o descrédito relativo da versão mutuária do arguido face à versão da participante, quando até está provado que quem faltou comprovadamente à verdade foi essa participante, que só veio reconhecer a verdade já em sede de alegações no Conselho Superior.
12. Acrescidamente, também não há ponta de prova ou de elementos objectivos que inculquem que a utilização dos dinheiros foi indevida e que, assim, sejam de molde a alicerçar a convicção do julgador no sentido que é sustentado e, por isso, inexiste ilicitude da conduta do arguido.
13. Em conclusão, temos que se verifica violação de lei e erro de facto nos pressupostos, que é até manifesto na decisão punitiva, e temos que o Acórdão a este, respeito sofre de erro de julgamento e de violação do princípio estruturante do in dúbio pro reo - cfr. jurisprudência citada.
14. Roga-se assim que o presente recurso seja admitido e seja considerado procedente, sob pena de se cometer uma injustiça flagrante e do arguido ser vítima de uma pena que, sempre será, no mínimo, profundamente desproporcionada”.

A recorrida, Ordem dos Advogados, contra-alegou, tendo concluído:
a) De harmonia com o disposto no art. 150º do C.P.T.A., “das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação de direito”.
b) Ora, da análise do requerimento de interposição de recurso e respectivas alegações apresentado pelo Recorrente não se antevê o preenchimento dos requisitos que condicionam a admissão do recurso de revista, uma vez que a situação em análise não indicia a existência de questões que possam assumir uma importância fundamental.
c) Desde logo, sob o ponto de vista jurídico e analisando o douto acórdão recorrido não se vislumbra qualquer particular complexidade ao nível das operações de interpretação e aplicação de direito efectuadas pelo Tribunal a quo com vista à aferição da bondade da pretensão formulada pelo Recorrente.
d) Por outro lado, também sob o ponto de vista do interesse social não se justifica a intervenção deste Venerando Supremo Tribunal, dado que não se evidencia a existência de interesses comunitários de largo alcance que reclamem a admissão do recurso.
e) Caso assim não se entenda, o que apenas se admite por mera cautela e sem conceder, sempre se dirá que o acórdão recorrido não enferma de qualquer um dos erros de julgamento que lhe são imputados pelo recorrente”.

Pela formação de apreciação preliminar a que alude o art.º 150.º, do CPTA, foi proferido acórdão a admitir a revista.

Pelo digno Magistrado do MP junto deste STA foi emitido parecer, onde se concluiu pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento

FUNDAMENTAÇÃO

I. MATÉRIA DE FACTO
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
A) Em Julho de 2003, B………….. participou ao Conselho Distrital de Coimbra da Ré contra o Autor, alegando, em síntese, que este tinha ficado com um cheque da Companhia de Seguros C…………., S.A, destinado à mesma para pagamento de indemnização por danos causados por acidente de viação, que a mesma lhe tinha endossado a pedido do Autor que “lhe disse ser mais seguro...”, e que depois lhe daria o dinheiro, o que não fez, sendo que tal dinheiro lhe fazia muita falta - cfr. fls. 2 e 3 do PA.
B) Notificado o Autor de tal participação para responder sobre a matéria da mesma ao abrigo do disposto no artigo 121.º n.º 7 do Estatuto da Ordem dos Advogados - EOA, veio fazê-lo alegando, em síntese, o seguinte: - Que o cheque da Companhia de Seguros lhe foi endossado pela B…………., já que sendo o cheque cruzado não o podia levantar directamente em dinheiro, tendo o Autor emitido no mesmo dia à ordem da B…………. um cheque seu, sacado sobre o Montepio Geral, sem data, no valor igual ao do cheque que lhe tinha sido endossado, isto é, 29.928,00; - Que em princípios de Agosto de 2002 prontificou-se a fazer entrega daquela quantia à Participante e solicitou-lhe um empréstimo de 19.928,00 euros e que esta se prontifica a emprestar tal quantia ao Autor; - Que por essa altura, o Autor entrega, em numerário, à B…………. a quantia de 10.000,00 - cfr. fls. 11 e ss do PA.
C) Por ofício proveniente da Ordem dos Advogados n.º 3166 de 25.11.2003 foi o Autor notificado para no prazo de 10 dias indicar provas da factualidade alegada na defesa - cfr. fls. 17 do PA.
D) Decorrido o referido prazo o Autor nada disse, nem requereu quaisquer diligências ou indicou elementos probatórios da factualidade alegada na defesa.
E) Em 28/01/2004, o Autor é notificado do Despacho de Acusação com o teor que se segue, e para no prazo de 20 dias apresentar a sua defesa e indicar o rol de testemunhas nos termos do disposto no artigo 125.º n.º 1, 126.º n.º 1 e 127.º do EOA:
“Despacho de Acusação
Por deliberação do Conselho de Deontologia de Coimbra da Ordem dos Advogados foi instaurado processo disciplinar comum contra o Senhor Dr. A…………, advogado, com escritório no ………. - ………., ………., Anadia.
Na fase de instrução foi o arguido ouvido sobre a matéria da participação no cumprimento do disposto no artigo 121º nº 7, tendo-se pronunciado nos termos de fls. 11 a 15 dos autos. O arguido não requereu quaisquer diligências nem indicou elementos probatórios da factualidade alegada na sua defesa, apesar de ter sido convidado a apresentá-las.
Os factos estão objectivamente concretizados e indiciam, suficientemente, a prática de infracção disciplinar, razão pela qual não se mostra necessária a produção de outras diligências de prova.
Assim e em conformidade,
Acuso o Senhor Dr. A…………., advogado, com escritório no ………… - ………., ………., Anadia, porquanto,
1º - A participante, B………….., residente na ……….. Souselas, foi vítima de um acidente de viação, ocorrido em 22 de Setembro de 1995, e em consequência dele sofreu graves lesões.
2º - A participante mandatou o senhor advogado arguido para propor contra a Companhia de Seguros C………, S.A., a competente acção de indemnização pelos danos sofridos em consequência do referido acidente, acção essa que correu seus termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Anadia sob a forma de processo sumário com o n° …..
3° - Em 11/07/2002, a ora participante e a Companhia de Seguros C………., S.A., chegaram a acordo, e por isso puseram termo ao processo, mediante transacção exarada nos autos, cujo termo se encontra a fls. 15, dando-se aqui como integramente reproduzido.
4º - Do aludido termo de transacção resulta que a participante reduziu o pedido para a quantia de 29.928 Euros, com o recebimento da qual se considerou ressarcida por todos os danos resultantes do acidente.
5º - Em finais de Julho de 2002, depois da participante ter subscrito o respectivo recibo de quitação, dirigiu-se à Companhia de Seguros C…………., em Coimbra, acompanhada do seu advogado, o ora arguido, onde veio a receber o cheque correspondente, passado a seu favor, no valor de 29.928,00 Euros e datado de 29/07/2002, conforme cópia junta aos autos a fls. 6.
6° - Na mesma altura o arguido pediu à participante que lhe desse o cheque, convencendo-a que seria mais seguro depositá-lo na conta dele, dar-lhe-ia um cheque seu como garantia e que lhe devolveria o dinheiro logo o valor do mesmo estivesse disponível.
7º - A participante, confiando na palavra do arguido, entregou-lhe então o seu cheque, e este por sua vez deu-lhe um outro de igual montante, sem data, sacado sobre a sua conta aberta no Montepio Geral, cuja cópia se encontra junta a fls. 5 dos autos.
8º - Posteriormente a participante insistiu com o arguido, por diversas vezes, para que apresentasse a conta de honorários e lhe devolvesse o seu dinheiro que se encontrava na sua posse.
9° - Volvido um ano sem ter obtido qualquer resposta do arguido, a participante apresentou então a pagamento o cheque que lhe havia sido entregue por aquele, tendo o mesmo sido devolvido em 21/07/03, por insuficiência de provisão, conforma consta do verso da cópia do cheque junto a fls. 5 dos autos.
10º - O arguido nunca prestou contas à participante nem lhe devolveu o valor de 29.928,00 Euros, correspondente à indemnização, apropriando-se daquela quantia e usando-a em proveito próprio.
11º - A participante é pessoa humilde e de modesta condição social.
12° - O arguido com a descrita conduta agiu com culpa grave, em flagrante violação do disposto no artigo 79°, alínea a) e artigo 83° n°1, alínea g) do EOA, pelo que ao abrigo do artigo 91° incorreu em infracção disciplinar, devendo deste modo ser punido em conformidade com o disposto no artigo 104°, n°1 e 5.» - cfr. Doc. n. 2 junto com a PI e fls. 19 a 22 dos PA.
F) Decorrido o prazo concedido, o Autor nada disse.
G) Em 30/03/04, a Participante foi notificada para prestar declarações relativamente aos factos referidos a fls. 27/v. e para querendo indicar testemunhas para prova dos factos indicados na participação - cfr. fls 27 e ss do PA.
H) A Participante foi inquirida em 30 de Setembro de 2004, dando por integralmente reproduzido a acusação de fls. 19 e ss, acrescentando “sentir-se profundamente injustiçada lamentando ter confiado no advogado arguido e que actualmente mantém algumas desconfianças em relação aos advogados em geral”. - cfr. fls. 31 do PA.
I) Em 20/10/2004, a Participante é novamente inquirida, tendo então declarado, entre o demais, que é falsa a segunda parte do referido no ponto 12 da defesa apresentada pelo arguido, uma vez que foi o Autor que pediu à Participante B………….. o endosso do cheque a seu favor, comprometendo-se a entregar-lhe o dinheiro da indemnização logo que o mesmo ficasse disponível; que como confiava plenamente no seu mandatário acreditou que o arguido quando tivesse o dinheiro disponível na sua conta lho entregaria; que em finais de Agosto início de Setembro telefonou para o escritório do arguido tendo falado com o mesmo e solicitado o seu dinheiro, ao que este disse que o pagamento/reembolso se fizesse em prestações quando ele pudesse...; que é falso que Autor lhe tenha pedido dinheiro emprestado; que o arguido ficou com o cheque em causa não lhe tendo entregue até àquela data qualquer quantia para reembolso da quantia titulada pelo cheque - cfr. fls. 35 e 36 do PA.
J) No dia 8 de Julho de 2005 realizou-se a Audiência Pública de Julgamento, nos termos do disposto no art.º 131.º do EO, na qual foi lido o relatório final que se refere o artigo 129.º do EO, tendo após sido perguntado ao Autor se pretendia apresentar prova complementar, tendo ele respondido negativamente. Dada a palavra ao Autor, o mesmo proferiu as respectivas alegações finais após as quais foi declarada encerrada a audiência. - cfr. fls. 41 e ss do PA.
K) Do referido relatório final, aprovado pelo Acórdão do Conselho de Deontologia de Coimbra - CDC, em 8 de Julho de 2005, consta, entre o demais, que concluída a fase de instrução foi deduzida acusação do ora Autor por violação dos deveres ínsitos nos artigos 79.º alínea a) e 83.º alínea g) do EOA, tendo-se seguido as diligências de prova necessárias ao apuramento dos factos e que “da análise da prova produzida” se provaram os factos constantes dos pontos 1 a 12 (de teor idênticos aos indicados na acusação), complementados pelos constantes nos n.ºs 13 e 14 com o seguinte teor:
“13 - O arguido está inscrito na Ordem dos Advogados desde 5/05/1979;
14 - Do seu registo disciplinar constam cinco condenações: uma pena de advertência, uma pena de censura e três penas de suspensão respectivamente pelo período de 15 dias, 30 dias e 18 meses de suspensão, esta última foi proferida por acórdão de ……… tendo-lhe sido ainda aplicada a pena acessória de restituição ao participante da quantia de 1.496,39 Euros.”
L) Na motivação probatória lê-se no Relatório em causa o seguinte:
«Motivação probatória
Os factos dados como provados de 1º a 12º assentaram na conjugação das declarações da participante com os documentos juntos aos autos.
Os factos 2 a 4 fundaram-se no termo de transacção celebrado nos autos de processo sumário n° ……. do 1° Juízo do Tribunal de Anadia, junto a fls. 15.
Os factos 5 a 7 são confirmados pela cópia do cheque emitido pela Companhia de Seguros C…………, em 29/07/2002, a favor da participante, sacado sobre a Caixa Geral de Depósitos, no montante de 29.928,00 Euros e o cheque de igual montante, emitido pelo arguido a favor da participante (B…………..), sem data, que foi devolvido por falta de provisão em 21/07/2003 e que se encontram juntos aos autos respectivamente a fls. 6 e 5.
Quanto aos factos 13 e 14 fundam-se no registo disciplinar de fls. 26.» - cfr.. 42 e ss do PA.
M) No mesmo relatório final, no item “Enquadramento jurídico- legal” dos actos, é ainda dito que:
«Como resulta da matéria dada como provada o Sr. Advogado arguido convenceu a cliente a endossar-lhe o cheque recebido da Companhia de Seguros no valor de 29.928,00 Euros, tendo-se apropriado daquela quantia, bem sabendo que a mesma não lhe pertencia, mas sim à sua cliente.
Em troca entregou-lhe um cheque seu, de igual montante, como garantia e prometeu-lhe que lhe entregaria o dinheiro da indemnização logo que este estivesse disponível, o que nunca veio a acontecer.
A participante entregou ao arguido o cheque da Seguradora porque confiava plenamente no arguido e acreditou que ele lhe devolveria o seu dinheiro, logo que o mesmo estivesse disponível.
Deste modo, o arguido, agiu premeditadamente, enganando a participante, servindo-se do seu estatuto de advogado para alcançar o seu propósito: a apropriação do dinheiro da cliente.
Na óptica do arguido, este não cometeu qualquer ilícito ou infracção disciplinar, apenas pediu à cliente o dinheiro emprestado e acordou com ela pagar-lho em prestações. Tal versão não nos merece qualquer credibilidade, além da ter sido negada de forma inequívoca pela participante, ao referir que nunca houve qualquer acordo de empréstimo com a consequente pagamento em prestações, até pela simples razão de que necessitava do dinheiro por ser pobre.
O arguido violou assim, o sagrado dever que lhe é imposto, de dar conta ao cliente de todos os dinheiros deste que haja recebido, qualquer que seja a sua proveniência, e apresentar nota de honorários e despesas quando solicitado, quando se apropriou indevidamente daquela quantia, que bem sabia que não era sua pertença. A sua conduta é tanto mais censurável, porque sabia que esse dinheiro provinha do ressarcimento dos danos morais e patrimoniais sofridos pela participante em acidente de viação e que esta é de modesta condição social e tinha absoluta necessidade desse dinheiro para as necessidades do seu dia-a-dia.
Além disso, resulta dos autos que o arguido nem sequer providenciou pela reparação do dano causado à cliente, nem que fosse de forma faseada, nem sequer no decurso deste processo.
Pelo contrário, veio de forma ardilosa, tentando tapar os olhos com a peneira, invocar um contrato de mútuo, sem que dos autos resulte o menor indício da sua existência, relevando até a formalidade de obediência de escritura pública para tal contrato. A conduta do arguido é pois, altamente reprovável e inadmissível, pois além de ter lesado os interesses do seu cliente, ofendeu ainda o interesse público e social da profissão de advogado.
Na verdade, o Advogado, tem um papel proeminente numa sociedade baseada no respeito pelo direito e pela Justiça, com a inerente responsabilidade de defender o seu cliente. A sua missão impõe-lhe múltiplos deveres para com os vários agentes da justiça e com a comunidade. No desempenho da sua actividade, impõe-se que haja num quadro de independência absoluta, isenta de qualquer pressão, especialmente a resultante dos seus próprios interesses, estando apenas vinculado à lei e às normas deontológicas. Esta independência é imprescindível à confiança na Justiça. E a confiança da sociedade no Advogado não pode existir se houver dúvidas quanto à sua honestidade, probidade e rectidão.
Ora o arguido, ao apropriar-se do dinheiro da sua cliente, além de ter violado os mais elementares deveres deontológicos para com a sua cliente, pôs em causa a sua honra e prestígio pessoal e profissional, com efeitos repercussivos na própria classe dos Advogados.
Ou seja, o arguido com a sua conduta manchou a própria classe, afectando gravemente a dignidade e o prestígio da Ordem dos Advogados e a advocacia. Revelou, assim, ser indigno da honra e das responsabilidades inerentes à profissão. A descrita conduta do Sr. advogado arguido constitui infracção disciplinar por violação dolosa dos deveres consignados nos artigos 79°, alínea a) e 83°, n°1, alínea g) do EOA, na redacção da Lei n° 20/2001 de 20 de Julho, com referência ao preceituado no artigo 91° do mesmo diploma”.
N) No item “Medida e graduação da pena” do referido Relatório final, após ponderação dos factores aí mencionados (antecedentes profissionais e disciplinares, actuação pelo arguido com dolo directo intenso, prejuízo causado à Participante, não confissão espontânea pelo arguido da sua falta, com a consequência de não beneficiar de qualquer circunstância atenuante a que alude o artigo 105.º do EOA) propõe-se a aplicação ao arguido da pena de suspensão pelo período de seis anos e a aplicação da pena acessória de restituição à Participante B………… da quantia de 29.928,00 euros, bem como da perda de honorários pelos serviços prestados nos termos do disposto no art.º 101.º n. 1 do EOA.
O) Do acórdão do CDC de 8 de Julho de 2005 que aprovou o Relatório final, o Autor interpôs recurso para o Conselho Superior da Ordem dos Advogados - cfr. fls. 54 e ss do PA.
P) Notificada para o efeito, a Participante apresenta as respectivas contra-alegações – cfr. 77 e ss do PA.
Q) Por acórdão do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, de 05/07/2006, foi decidido aprovar o Parecer datado de 22 de Julho de 2006, e assim conceder provimento parcial ao recurso no que respeita à sanção acessória de restituição que deve ser fixada em 19.928,00 €, mantendo-se a pena de suspensão pelo período de 6 anos e sanção acessória da perda de honorários, nos termos decididos no acórdão recorrido - cfr. fls. não numeradas do PA.
R) O referido Parecer datado de 22 de Julho de 2006 deu como assentes, uma vez compulsados os autos e confrontadas as versões apresentadas por Participante e Participado, os seguintes factos:
“a) A Participante, B…………., foi vítima de um acidente de viação, ocorrido em 22 de Setembro de 1995, no qual ficou gravemente lesionada;
b) A Participante mandatou o Senhor Advogado arguido para propor contra a Companhia de Seguros C…………, S.A. a competente acção de indemnização, o que este fez, tendo a acção corrido os seus termos no 1º Juízo do Tribunal da Comarca da Anadia, sob o n.º ……;
c) Em 11.7.2002 a Participante e a Companhia de Seguros puseram termo ao processo judicial, através da transacção cujo termo (fotocópia) consta de fls. 15 destes autos;
d) Do documento de fls.15 resulta que a Participante aceitou reduzir o pedido para € 29.928,00 e, com o recebimento dessa quantia, declarar-se ressarcida de todos os danos resultantes do acidente;
e) Em finais de Julho de 2002, a Participante assinou o recibo de quitação, enviado pela Companhia de Seguros C……….., S.A. e dirigiu-se à Agência desta, em Coimbra, acompanhada pelo Senhor Advogado arguido, onde recebeu, contra a entrega do mencionado recibo, o cheque de € 29.928,00, emitido a seu favor e datado de 29.7.2002, cuja cópia consta de fls. 6 dos presentes autos;
f) Nessa ocasião, a Participante endossou e entregou ao Senhor Advogado arguido o cheque em causa, tendo, em troca, recebido deste o cheque n.º ………….., do mesmo montante, que este sacou, sem data, sobre a sua conta no Montepio Geral, e cuja cópia consta de fls. 15 destes autos;
g) Em data não apurada do mês de Agosto de 2002, a Participante entrou em contacto com o Senhor Advogado arguido, procurando obter deste a entrega do montante titulado pelo cheque que lhe havia endossado (cfr. ponto 14 do escrito constante de fls. 11 a 14 – fls. 12 e auto de declarações de fls. 35 e 36);
h) No seguimento desse contacto, o Senhor Advogado arguido entregou à Participante a quantia de € 10.000,00 e propôs-lhe o pagamento em prestações da quantia remanescente (cfr. ponto 14 do escrito constante de fls. 11 a 14 - fls. 12/13, auto de declarações de fls. 35 e 36, documento constante de fls. 74 e ainda ponto 11 das alegações da Participante – fls. 78);
i) À data em que ocorreram os factos em análise, o Senhor Advogado arguido patrocinava a Participante noutras acções judiciais, designadamente na acção de divórcio litigioso que aquela intentou contra o marido (cfr. pontos 17 a 19 do escrito constante de fls. 11 a 14 - fls. 13 e auto de declarações de fis. 35 e 36);
j) Em Julho de 2003 a Participante apresentou a pagamento o cheque de € 29.928,00, que recebeu do Senhor Advogado arguido, cujo pagamento foi recusado, no dia 21 desse mesmo mês, “por insuficiência de saldo” (cfr. fls. 5);
l) O Senhor Advogado arguido nunca prestou contas à Participante do dinheiro que dela recebeu, e reconhece que usou uma parte dele em proveito próprio (cfr. fls. 60);
m) A Participante é operária fabril e tem um filho menor a seu cargo (cfr. fls. 3 e 65);
n) O senhor Advogado arguido está inscrito na Ordem dos Advogados desde 5 de Maio de 1979 e do seu registo disciplinar constam as seguintes condenações: uma pena de advertência; uma pena de censura e três penas de suspensão, respectivamente pelos períodos de 15 dias, 30 dias e 18 meses, com a sanção acessória de restituição de € 1.496,39, esta última por Acórdão do Conselho de Deontologia de Coimbra de 24 de Janeiro de 2003 (cfr. fls. 25 e 26);
o) Na pendência do recurso que interpôs da decisão proferida nos presentes autos, o Senhor Advogado arguido celebrou com a Participante o acordo constante de fls. 74 e 75, datado do dia 6 de Outubro de 2005, no qual reconhece ser devedor do montante de € 19.951,92 de capital e € 3.043,08 de juros, calculados desde 1 de Agosto de 2002, e se compromete a liquidá-los em prestações mensais de € 500,00, com início em Outubro de 2005, não constando dos autos qualquer prova de que tenha efectuado qualquer pagamento, sendo certo que a Participante alega que tal acordo não está a ser cumprido (cfr. fls. 78)”. (…) - cfr. fls não numeradas do PA."


II. O DIREITO.

O acórdão recorrido, para negar provimento ao recurso interposto pelo ora recorrente e confirmar o acórdão do TAF que julgara improcedente a acção administrativa especial que ele intentara para impugnação da deliberação, de 5/7/2006, do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, referiu o seguinte:
“(…).
As questões a resolver coincidem com as ilegalidades imputadas ao acórdão recorrido, condensadas nas conclusões da alegação do Recorrente.
A sua argumentação desenvolve-se em 4 segmentos diferenciados, a que podemos chamar capítulos, sendo que na apreciação das questões suscitadas, para boa arrumação de ideias, se respeitará essa formatação.
(I - Do princípio de reserva de prova adstrita à administração
Como se vê da epígrafe o Recorrente critica a decisão recorrida por nesta se sustentar, a seu ver erradamente, “que em sede disciplinar vale o princípio de reserva de prova adstrita à administração”.
Enaltecendo a antítese àquele princípio diz o Recorrente:
“Numa palavra: Um juiz julga sem restrições, não existindo em matéria de apreciação de prova qualquer espaço de liberdade ou justiça administrativa possível, justiça esta que, aliás, é sempre de natureza material e jamais procedimental, podendo e devendo o juiz, quando esteja em causa a veracidade dos factos em que assentou a punição, ouvir a esse respeito prova e, naturalmente, valorá-la, sobrepondo o seu juízo àquele que a este respeito a administração teceu — a não ser assim, impondo-se o extraordinário princípio aludido, violar-se-ia o direito à tutela jurisdicional efectiva, os direitos constantes do art. 29 e 322 da Constituição da República Portuguesa e, entre outros, o art. 6 da CEDH e 41 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.”
Estamos perante uma conclusão em que se imputa precocemente uma ilegalidade, não à decisão em si mas a um mero fundamento dela, e assim tal argumentação não pode colher frutos, sendo certo que na sua dimensão puramente académica a discussão é irrelevante.
Essencial em termos práticos é a resolução da problemática que o Recorrente aponta logo no 12 parágrafo: “Q que de uma forma directa está em causa é saber se existem ou não factos para que o arguido fosse condenado, como foi, pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados, sendo que existem duas versões sobre os factos e, assim precisamente, interessa saber se houve ou não entrega de 19.928,00 Euros e se ocorreu ou não ocorreu empréstimo desse montante”.
• Ora, no caso, esta problemática, sob o enfoque teórico desenvolvido pelo Recorrente, no que respeita aos poderes de apreciação da prova pelo Tribunal e à garantia da tutela jurisdicional efectiva, comporta afinal duas questões diversas.
Uma delas, tratada no capítulo I da alegação do Recorrente, sob a epígrafe “Dos documentos juntos”, implica apurar se, na apreciação dos factos que funcionam como pressuposto de aplicação da pena disciplinar, o Tribunal “a quo” poderia e deveria levar em conta a prova documental suplementar apresentada pelo Recorrente já em sede contenciosa, pretensamente comprovativa de um contrato de empréstimo com a queixosa.
A outra, tratada no capítulo I da mesma alegação, é a de saber se no acto punitivo se decidiu acertadamente em sede de fixação dos factos, tendo em consideração a prova existente no processo disciplinar aquando da prolação daquele acto. Por imperativo metodológico, reserva-se para os respectivos capítulos a apreciação diferenciada das supostas ilegalidades do acto - e do acórdão recorrido - invocadas pelo Recorrente.
(II - Dos documentos juntos
Em causa neste capítulo está a legalidade da decisão recorrida ao recusar-se tomar em linha de conta um documento que, segundo o Recorrente, comprova um “empréstimo” no montante de 19.928,00 € celebrado entre si, como mutuário, e a sua cliente B…………., e bem assim outros documentos todos eles juntos com as alegações finais na acção administrativa (cfr. folhas 269 a 274).
Refere o Tribunal “a quo” no acórdão recorrido:
«...a matéria fáctica apurada em sede de processo disciplinar é, em princípio, a que constitui o suporte referencial da apreciação da legalidade do acto em sede contenciosa, não havendo lugar a uma “renovação ou revisão do processo disciplinar, pelo que é pela prova neste produzida que deverá conhecer-se da sua regularidade, da prática das faltas imputadas ao arguido e da qualificação jurídica das apuradas.” - cfr. Ac. de 19.01.2006 - Rec. 733/04.»
E conclui mais adiante:
«Termos em que, no caso vertente, a prova já foi coligida pela Entidade demandada em sede disciplinar que para o efeito notificou a Participante e o Autor então arguido para indicarem provas da factualidade alegada, de acordo com o disposto na lei, não tendo o Autor requerido quaisquer diligências ou indicado elementos probatórios da factualidade alegada na defesa, bem como realizou diligências complementares - cfr. supra factualidade assente. Não cabendo ao tribunal reapreciar os meios de prova já produzidos e efectuar um novo julgamento da matéria de facto com base neles e muito menos com base em documentos remetidos pelo Autor aos presentes autos com as respectivas alegações - cfr. fls. 269 a 274 - com datas anteriores à entrada em juízo da presente acção (e 4 deles passíveis de ser apresentados em sede do procedimento disciplinar porquanto as respectivas datas são anteriores ao acto ora impugnado).”
Esta fundamentação é correcta.
Na verdade, o Recorrente teve oportunidade de apresentar a sua defesa no processo disciplinar, ao abrigo dos artigos 126º e 127º do EOA/84, aprovado pelo DL 84/84 de 16 de Março, com alterações, sendo a última introduzida pela Lei n.º 80/2001 de 20 de Julho.
Preceitua o nº 2 do citado artigo 127º:
“Com a defesa, o arguido deve apresentar o rol de testemunhas, não superior a 10 no total e a 3 por cada facto, juntar documentos e requerer quaisquer diligências, que podem ser recusadas, quando manifestamente impertinentes, desnecessárias para o apuramento dos factos e da responsabilidade do arguido ou constituírem repetição de diligências realizadas na fase da instrução.”
Ora, se o arguido não requer ou não junta ao processo disciplinar, em tempo oportuno, os elementos probatórios pertinentes de que dispõe para sua defesa, naturalmente vê precludido o direito à respectiva utilização nesse procedimento, não podendo juntá-los mais tarde, em sede disciplinar ou contenciosa.
Os artigos do EOA, maxime os citados, asseguram a garantia de defesa do arguido de forma livre, ampla, proporcional e perfeitamente equilibrada em relação aos poderes inquisitórios e decisórios da Administração, em sede disciplinar, pelo que não se mostra violado o artigo 32 da CRP nem qualquer dos outros princípios ou disposições legais invocados pelo Recorrente.
É ainda admissível a revisão da decisão disciplinar quando se verifiquem circunstâncias ou meios de prova susceptíveis de demonstrar a inexistência dos factos que determinaram a condenação e que não pudessem ter sido utilizados pelo arguido no processo disciplinar, designadamente quando se tenham descoberto novos factos ou novas provas documentais susceptíveis de alterar a decisão proferida — cf. a este respeito artigo 137.º e seguintes do EOA.
A consagração legal deste procedimento de revisão, só por si, constitui a demonstração última e cabal de que a sede contenciosa é inadequada para apreciação da responsabilidade disciplinar dos advogados, fora do âmbito de controlo da legalidade das decisões punitivas a cargo dos órgãos competentes da OA.
O processo judicial restringe-se assim ao controlo da legalidade da actuação da Administração, não podendo logicamente incidir sobre circunstâncias, meios probatórios ou outros elementos de que esta não dispunha, nem podia ter à sua disposição, no procedimento disciplinar.
Daí decorre ser destituída de sentido a invocação da garantia da tutela jurisdicional efectiva fora desse âmbito do controlo da legalidade, a não ser para quem ponha em causa, radicalmente, a própria autoridade disciplinar da Administração, o que não é ocaso.
Deste modo, improcedem as conclusões do Recorrente nesta questão.
(III - Do erro palmar)
Em primeiro lugar, como já ficou dito, não podem ser tidos em conta elementos de prova, como é o caso do contrato de empréstimo, inexistentes no processo disciplinar cuja legalidade está a ser sindicada.
Em segundo lugar e voltando um pouco à argumentação do capítulo 1 da alegação do Recorrente, cumpre dizer que é excessivo assacar ao Tribunal “a quo” a tese da existência de um momento de discricionariedade administrativa em sede de apreciação e valoração da prova, em ordem ao estabelecimento dos factos em processo disciplinar.
O que se depreende da fundamentação do acórdão recorrido, inclusive pela leitura dos trechos jurisprudenciais transcritos, é o reconhecimento de que existe uma prerrogativa de avaliação atribuída à autoridade que detém o poder e a responsabilidade disciplinar.
São conceitos distintos. A discricionariedade implica a possibilidade de escolher um meio para atingir uma finalidade, enquanto o poder de avaliação se concretiza dentro da única via aceitável que existe para atingir uma finalidade (actuar por forma a que seja alcançado o resultado mais justo, que só pode ser um, designadamente em matéria punitiva, classificação de desempenho, definição do vencedor dum concurso, etc.). E o poder de avaliação concretiza-se muitas vezes com a utilização de valorações necessariamente subjectivas, discutíveis, cujos contornos dependem de inúmeros factores de ordem intelectual, cultural, de experiência, sensatez, enfim, um conjunto de qualidades e condições que variam de pessoa para pessoa e relativamente às quais ninguém detém “autoridade” absoluta.
Ora, o modo como o procedimento disciplinar está estruturado na nossa ordem jurídica torna indubitável concluir que o legislador conferiu ao órgão dotado de autoridade disciplinar a referida prerrogativa de avaliação.
Como decorre do Artigo 90º do EOA/84, que dispõe:
“Jurisdição disciplinar
1. - Os advogados estão sujeitos à jurisdição disciplinar exclusiva dos órgãos da Ordem dos Advogados, nos termos previstos neste Estatuto e nos respectivos regulamentos.
…”
Exactamente por força deste carácter exclusivo do autocontrolo da AO em matéria disciplinar, o poder dos tribunais perante a decisão disciplinar é meramente de controlo da legalidade, confirmatório ou anulatório. Se a apreciação e valoração da prova, bem como o estabelecimento dos factos provados no processo disciplinar fossem irrestritamente facultados aos tribunais, então seria incompreensível não se avançar para o passo logicamente daí decorrente, qual seja, a possibilidade de o Tribunal aplicar a pena que reputasse adequada em face das circunstâncias do caso, por si próprio apuradas e ponderadas. Mais uma vez, isso não é possível, porque o Tribunal deve ater-se ao controlo da legalidade da actuação da administração nesta área disciplinar.
Esta opção legislativa tem lógica e racionalidade, na medida em que permite uma “justiça administrativa” mais imediata e célere, logo mais eficaz, do que a dos Tribunais, o que importa sobremaneira para o bom andamento da actividade administrativa, sem no entanto, repete-se, afectar a possibilidade de correcção, pela via judicial, dos aspectos mais grosseiros ou chocantes das decisões disciplinares.
No caso da Ordem dos Advogados a prerrogativa de avaliação é ainda mais fácil de sustentar, visto serem os seus órgãos integrados por juristas com formação idêntica à dos juízes, com a vantagem de deterem mais informação e experiência no que respeita ao modo típico de relacionamento profissional dos advogados com os seus clientes.
Mas o argumento principal continua a residir na determinação legal e esta comete ao Conselho de Deontologia o “julgamento” (sic. artigo 130º do EOA), por “acórdão” e ainda, como sucedeu no caso, em “audiência pública”, e finalmente com possibilidade de “recurso”, que foi utilizada e que até obteve parcial provimento, em julgamento realizado pelo Conselho Superior. Esta terminologia é suficientemente impressiva e só por manifesto desacordo de princípio com a opção legislativa vigente é possível continuar a negar que aqueles órgãos detêm um verdadeiro poder autónomo de julgamento em matéria disciplinar.
Ora bem, da leitura de todos estes acórdãos (dos órgãos da AO e do Tribunal “a quo”) resulta que a convicção dos decisores em sede disciplinar decorreu de uma ponderação completa, equilibrada e sensata da prova produzida.
E quanto ao grau de convicção dos julgadores nessa deliberação condenatória, basta dizer que não houve qualquer voto de vencido, o que se afigura significativo em matéria desta sensibilidade, para mais tendo em conta o espírito de independência intelectual que caracteriza os advogados.
O Recorrente entende que perante as duas versões contraditórias da acusação e da defesa, no que toca à essencialidade da matéria de facto, designadamente no que se refere à justificação da retenção na posse do arguido do dinheiro da queixosa, alegadamente a título de empréstimo, a AO e o Tribunal “a quo” optaram “sem qualquer fundamento” (“salvadas as presunções”) por dar crédito à versão da queixosa, tendo assim violado o princípio da presunção de inocência do arguido.
Porém, o quadro negro traçado pelo Recorrente não retrata fielmente a realidade. Com efeito, o descrédito da posição do arguido funda-se, na óptica da deliberação punitiva, no facto de não existir qualquer prova relevante do invocado empréstimo e, a crédito da acusação, no facto de subsistir a certeza “que o Senhor Advogado arguido reteve e nunca entregou à participante os € 19.928,00 que, inequivocamente a esta pertencem, e nunca informou a cliente sobre o destino que lhes deu, limitando-se a admitir, nos presentes autos, que os usou em proveito próprio, mas sem demonstrar, sequer, e como lhe competia, que para isso obteve o consentimento prévio e expresso da cliente.”
Enfim, ressalvada mais uma vez a possibilidade de nova valoração do caso em função de meios de prova supervenientes em sede de eventual revisão da decisão disciplinar, afigura-se que aquela deliberação condenatória encontra suficiente fundamento nos elementos probatórios colhidos no processo, incluindo na admissão do próprio arguido quanto a boa parte dos factos constitutivos da infracção.
De resto, se bastasse qualquer oposição indemonstrada para abalar a convicção baseada na prova produzida e para acionar o princípio da presunção de inocência, ficaria praticamente ao dispor do arguido, em qualquer caso, a possibilidade de se esquivar à condenação em processo disciplinar.
Como se escreveu no Ac. do STA de 29/11/84 (in Ap. ao D.R., de 6/2/87), “se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação de um facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação da justiça. A prova tem, por isso mesmo, atenta a inelutável precaridade dos meios de conhecimento da realidade (especialmente dos factos pretéritos e dos factos do foro interno de cada pessoa), de contentar-se com certo grau de probabilidade do facto: a probabilidade bastante, em face das circunstâncias concretas, da espécie, para convencer o julgador (que conhece as realidades do Mundo e as regras da experiência que nele se colhem) da verificação ou realidade dos factos”.
Em suma, os limites da dúvida razoável não foram ultrapassados na decisão em causa e improcedem também nesta parte as conclusões do Recorrente.
(IV - Do princípio do contraditório)
Tem-se por certo que a garantia de defesa do arguido obriga à sua audiência após diligências complementares de prova, para apuramento de factos relevantes, que sejam posteriores à apresentação da sua defesa ou à oportunidade de apresentação da sua defesa.
Igualmente não se duvida que as novas declarações da participante, B…………., oficiosamente determinadas pela instrutora, constantes de folhas 35 e 36 do processo disciplinar, são relevantes no apuramento dos factos e na decisão final.
A questão é saber se a falta de notificação ao arguido da realização e, sobretudo, do resultado dessa diligência de prova, constitui no caso falta de audiência e preterição irreversível do seu direito de defesa, sendo certo que, em caso de resposta afirmativa, todo o processado subsequente, incluindo a decisão final, ficariam afectados de nulidade insuprível.
Sucede, no caso, atenta a gravidade da pena proposta (cfr. artigo 60.º do Regulamento Disciplinar n.º 42/2002) havia lugar a audiência pública, que efectivamente foi realizada.
Ora, esta audiência pública contém uma fase instrutória, possibilitando ao arguido a possibilidade de requerer e produzir diligências de prova complementares, incluindo, se assim o entendesse, a acareação com a participante, ao abrigo do artigo 131.º nº 5 do EOA.
Ou seja, nesta hipótese, prolonga-se a instrução do processo disciplinar, facultando-se de forma reforçada a garantia de defesa e obviamente a “audiência” do arguido.
Esta garantia é efectiva visto que o arguido tem acesso livre ao processo disciplinar, incluindo aos autos de declarações e ao relatório final, uma vez que a natureza secreta do processo disciplinar só subsiste até ao despacho de acusação, nos termos do Artigo 99.º do EOA/84.
Deste modo estava aberta ao arguido a possibilidade de conhecer atempadamente todo o processo disciplinar e delinear a estratégia de defesa que considerasse conveniente em sede de audiência pública.
Acresce que, como se refere na Acta de Audiência Pública (cfr. fls. 41 do PD), «O Senhor Presidente perguntou ao Senhor Advogado arguido se pretendia apresentar prova complementar, tendo ele respondido negativamente».
Neste contexto, a falta de notificação da realização e resultado da diligência de tomada de declarações suplementares à participante, não violou o direito de audiência e defesa do arguido nem o princípio do contraditório, não gerou nulidade do processado nem da decisão condenatória e, a constituir irregularidade, será de reputar sanada por falta de invocação tempestiva, no processo disciplinar, pelo Recorrente, tal como se decidiu em 1.ª instância, nestes termos:
«Ora, nesta sede, importa convocar o disposto no artigo 118.º e 123.º n.º 1 do Código do Processo Penal - CPP, aplicável ex vi artigo 100.º/b) do E.O.A. na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 84/84, de 16/03, que expressamente determina a aplicação subsidiária das normas do Código de Processo Penal ao procedimento disciplinar regulado por aquele Estatuto.
Assim prevê-se no referido artigo 118.º do CPP que:
“1 - A violação ou inobservância da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei.
2 - Nos casos em que a lei “não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular”.
E no n.º 1 do artigo 123.º “Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em qualquer acto nele praticado”.
Neste contexto, atendendo ao teor das regras acima referidas e na falta de disposição legal que comine com nulidade a falta de notificação ao arguido do resultado das diligências ordenadas pelo relator no âmbito do disposto no art.º 55 do Regulamento disciplinar, a falta de notificação em causa não determina a invalidade do acto, antes tem de ser qualificada como mera irregularidade, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 118.º e ss do CPP, “devendo ter sido arguida, na melhor das hipóteses, na data da Audiência Pública de Julgamento, nos termos do disposto no art.º 131.º do E.O.A,”, o que não ocorreu, pelo que, tal irregularidade ficou sanada.”
Na presente revista, o recorrente imputa a este acórdão erros de julgamento, por ter entendido que o acto impugnado não padecia de nulidade insuprível por violação do seu direito de audiência e defesa e por ter considerado que, em sede de fixação da matéria de facto, não se poderia atender ao teor do documento junto com as alegações finais produzidas em 1.ª instância comprovativo de um contrato de empréstimo que celebrara com a participante do processo disciplinar, atento ao “princípio de reserva de prova adstrita à administração”.
Quanto à alegada nulidade insuprível resultante de não ter sido ouvido sobre as declarações complementares da participante prestadas após a apresentação da sua defesa no processo disciplinar, o recorrente continua a sustentar que não se trata de uma irregularidade que se possa considerar sanada com o fundamento que não requerera produção de prova complementar no início da audiência pública, pois nem sequer sabia que aquelas declarações tinham ocorrido e não lhe pode ser imposto “o ónus de fazer sistemáticas e permanentes consultas do processo no sentido de verificar se alguma diligência foi feita nas suas costas”, sendo inconstitucional e ilegal, por violação dos artºs. 32.º, da CRP e 6.º, da CEDH, a interpretação que é feita dos artºs. 118.º e 123.º, ambos do C. P. Penal.
Vejamos, então, se este erro de julgamento se verifica.
O n.º 10 do art.º 32.º da CRP garante aos arguidos, em quaisquer processos de natureza sancionatória, os direitos de audiência e defesa, pelo que é inconstitucional a aplicação de sanção disciplinar sem que o arguido seja previamente ouvido e possa defender-se das imputações que lhe são feitas (cf. Jorge Miranda e Rui Medeiros “C.R.P. Anotada”, 2.ª edição revista, Fevereiro de 2014, vol. I, pág. 537).
Assim, a aplicação de qualquer sanção disciplinar pressupõe um procedimento administrativo onde seja respeitado o direito de audiência e defesa do arguido, o qual consubstancia um princípio geral do direito com dignidade constitucional e que é inerente à ordem jurídica de um Estado de Direito e aplicável quer aos procedimentos disciplinares de natureza pública, quer aos de natureza privada (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira in “C.R.P. Anotada”, Vol. I, 4.ª edição revista, Outubro de 2014, pág. 526).
A violação deste direito do arguido, o qual pretende garantir que ninguém seja condenado sem que previamente lhe seja dada oportunidade de se defender com eficácia, determina a nulidade insuprível do procedimento disciplinar por preterição de uma sua formalidade essencial e ocorre sempre que ele não é notificado do resultado de diligências complementares – como inquirições de testemunhas – ordenadas oficiosamente pelo instrutor posteriormente à apresentação da defesa e que tenham relevado em seu desfavor (cf., entre muitos, os Acs. deste STA de 2073/97 in BMJ 465 – 373, de 25/9/97 – Proc. n.º 38658 e de 22/6/2010 – Proc. n.º 1091/08).
No caso em apreço, resulta da al. l) dos factos provados que, após ter sido deduzida acusação contra o recorrente e de este ter apresentado a sua defesa, o instrutor do procedimento disciplinar inquiriu novamente a participante que se pronunciou sobre o teor dessa defesa, designadamente sobre a 2.ª parte do seu ponto 12 – onde era afirmado que fora a participante que, por o cheque passado pela Companhia de Seguros ser cruzado, lhe pedira para o levantar depois de o endossar a ele – que referiu não corresponder à verdade.
Reconhecendo que o recorrente não foi notificado da realização nem do resultado dessa nova diligência e que as garantias de defesa do arguido obrigavam à sua audiência, por as novas declarações da participante, oficiosamente determinadas, serem relevantes no apuramento dos factos e na decisão final, o acórdão recorrido veio, porém, a entender que tal correspondia a uma mera irregularidade, e não nulidade, do processo disciplinar que, nos termos dos artºs. 118.º e 123.º, n.º 1, ambos do C. P. Penal, se deveria considerar sanada por falta de arguição tempestiva e uma vez que, na audiência pública, ele declarara não pretender apresentar prova complementar.
Mas este entendimento não é de acolher.
Efectivamente, o direito fundamental de audiência e defesa, garantido constitucionalmente, ao conferir ao arguido o direito de intervir no procedimento para se pronunciar e contraditar todos os elementos de prova carreados para os autos e, em geral, de todos os actos susceptíveis de afectarem a sua posição, concedendo-lhe todos os direitos e os instrumentos necessários e adequados para defender a sua posição e contrariar a acusação, só se torna efectivo com a nulidade do acto que o tenha desrespeitado, devendo, por isso, a situação em causa ser enquadrada no art.º 119.º, al. c), do C. P. Penal, como sucede nos casos em que o arguido não foi ouvido sobre o objecto processual que foi tido em conta na decisão final e em que, portanto, esse direito lhe foi postergado (cf. Ac. do STJ de 5/4/2006 – Proc. n.º 06P1197).
E a circunstância de o recorrente não ter apresentado prova complementar em audiência pública quando fora informado que o poderia fazer não permite a conclusão que não houve violação da sua garantia de audiência e defesa, visto ele desconhecer e nada lhe permitir inferir que a participante prestara as declarações em causa.
Assim sendo, o acórdão recorrido incorreu no invocado erro de julgamento, por o procedimento disciplinar padecer de nulidade insuprível em consequência da violação do direito de audiência e defesa do arguido que deveria ter sido notificado para se pronunciar sobre o resultado da referida diligência complementar, o que implica a anulação do acto impugnado.
No que concerne ao erro de julgamento resultante de as instâncias, com fundamento num pretenso “princípio de reserva de prova adstrita à administração” e na existência de “uma prerrogativa de avaliação da prova” atribuída a esta, se terem recusado a ponderar o documento que juntara com as alegações finais produzidas no TAF, destinado a demonstrar que celebrara com a participante do processo disciplinar um “contrato de empréstimo” no montante de € 19.928,00, o recorrente alega que essa restrição do controlo judicial viola os artºs. 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4, ambos da CRP, considerando, assim, inconstitucional a interpretação que é feita dos artºs. 90.º e 130.º do EOA/84.
Conforme resulta da transcrição atrás efectuada do acórdão recorrido, neste entendeu-se que não podiam ser tomados em consideração elementos de prova que não constavam do procedimento disciplinar, por, face à “prerrogativa de avaliação da prova atribuida à administração”, não caber ao tribunal realizar um novo julgamento da matéria de facto com base em documentos juntos com as alegações produzidas em 1.ª instância, podendo apenas controlar a legalidade de actuação da administração de acordo com os meios probatórios de que esta dispunha no procedimento.
A procedência do vício imputado ao acórdão teria como consequência que este STA – que em recurso de revista, apenas conhece de direito, não tendo poderes de modificação da matéria de facto (cf. artºs. 12.º, n.º 4, do ETAF e 150.º, nºs. 3 e 4, do CPTA) – tivesse que determinar a baixa dos autos ao tribunal recorrido para aí se efectuar uma nova avaliação da prova, considerando, de acordo com a sua livre convicção, se o aludido “contrato de empréstimo” deveria ser dado por provado ou por não provado.
Ora, atento à procedência da referida nulidade insuprível, e uma vez que o erro de julgamento em questão não é susceptível de produzir efeitos no procedimento disciplinar, por não respeitar a uma ilegalidade que neste tenha sido cometida, é irrelevante o seu conhecimento que ficou logicamente prejudicado.
Nestes termos, é de conceder provimento à presente revista.

DECISÃO
Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido e, julgando-se procedente a acção, anula-se o acto impugnado.
Custas nas instâncias e neste STA pela ora recorrida.

Lisboa, 10 de Fevereiro de 2022. – José Francisco Fonseca da Paz (relator) – Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva – Carlos Luís Medeiros de Carvalho.