Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0124/14
Data do Acordão:11/04/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:CONFLITO DE JURISDIÇÃO
CONCESSIONÁRIO
ABASTECIMENTO DE ÁGUA
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS TRIBUTÁRIOS
Sumário:Compete aos tribunais tributários o conhecimento de acção em que uma empresa concessionária do serviço público municipal de abastecimento de água pretende cobrar tarifa relativa a serviços contratados de abastecimento de água e saneamento.
Nº Convencional:JSTA000P19632
Nº do Documento:SA2201511040124
Data de Entrada:02/03/2014
Recorrente:A...., S.A.
Recorrido 1:B.....
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – Vem A…….., SA, melhor identificada nos autos, recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou aquele Tribunal incompetente, em razão da matéria, para conhecimento da acção intentada contra B………, com vista à condenação do réu no pagamento da quantia de € 218,44, relativa aos serviços contratados de abastecimento de água e saneamento, bem como dos respectivos juros e taxa de justiça.
Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«A. A Douta Sentença Recorrida é censurável do ponto de vista jurídico-legal porque entende aplicável aos autos o disposto na alínea d) do nº 1 do art. 49º do ETAF, nesses termos declarando a sua incompetência para conhecer da matéria versada nos autos.
B. No caso vertente, as questões suscitadas são, nos pressupostos de facto e sujeitos processuais, em tudo idênticas às questões que foram apreciadas e decididas pelo Tribunal dos Conflitos, no Acórdão (Fundamento) proferido em 25.06.2013, no âmbito do processo n.º 1554/13.7BEBRG (Conflito nº 33/13), o qual está em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada — cfr., a título de exemplo, os Acórdãos do Tribunal dos Conflitos de 09.11.2010 (conflito nº 17/20), de 26.09.2013 (conflito nº30/13) e de 05.11.2013 (conflito nº39/13).
C. No Acórdão Fundamento e demais Acórdãos supra referidos, os Venerandos Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo julgaram de forma contrária à Douta Sentença Recorrida, declarando, entendendo ser aplicável o disposto alínea c) do nº 1 do art. 49º do ETAF, nesses termos declarando os Tribunais Tributários como competentes para conhecer da matéria em causa, em tudo idêntica à matéria versada nos autos ora em apreço.
D. Assim, entre a Sentença Recorrida e o Acórdão Fundamento, tendo por base situações fácticas idênticas e relativamente à mesma questão fundamental de direito foram tomadas decisões opostas.
E. Verifica-se que, nas duas decisões, esteve em causa a cobrança coerciva de dívidas a uma concessionária dos serviços públicos de água e saneamento.
F. Todavia, o Acórdão Fundamento, tendo por base situação fáctica idêntica, decidiu em sentido oposto a mesma questão fundamental de direito.
G. A questão de direito circunscreve-se à aplicação à matéria dos autos do disposto na alínea c), ou em alternativa, do disposto na alínea d), do artigo 49º, nº 1, alínea c) do ETAF,
H. E, em ambas as decisões, Sentença Recorrida e Acórdão Fundamento, está em causa saber se os Tribunais Tributários são materialmente competentes para conhecer litígios emergentes da cobrança coerciva de dívidas a uma concessionária dos serviços públicos de água e saneamento.
I. Na Sentença Recorrida foi entendido que, não tendo as concessionárias como a Recorrente acesso ao processo de execução fiscal, os Tribunais Tributários não são competentes para conhecer litígios emergentes da cobrança coerciva de dívidas a uma concessionária dos serviços públicos de água e saneamento.
J. O Acórdão Fundamento, entendendo igualmente que as concessionárias não dispõem da possibilidade de recorrer à execução fiscal, por outro lado defende que, face ao disposto no artigo 49º, nº 1, alínea c) do ETAF, os Tribunais Tributários são competentes para conhecer litígios emergentes da cobrança coerciva de dívidas a uma concessionária dos serviços públicos de água e saneamento.
K. Em suma, a Recorrente pugna pela aplicação da interpretação dada pelo Acórdão Fundamento à questão de direito, ou seja que os Tribunais Tributários são competentes para conhecer litígios emergentes da cobrança coerciva de dívidas a uma concessionária dos serviços públicos de água e saneamento.
L. Pelo supra exposto, deve ser proferido Acórdão que decida a questão controvertida de acordo com o sentido decisório do Acórdão Fundamento, sendo declarada a competência dos Tribunais Tributários para conhecer da presente acção.
M. Sendo decidido que a questão controvertida não cabe na jurisdição administrativa ou fiscal, mas antes na competência dos tribunais judiciais, deve o processo ser remetido ao Tribunal Judicial da comarca competente (Barcelos), visto que, também este se ter declarar incompetente, a não remessa se traduz, na prática, numa inadmissível denegação de justiça e do acesso aos tribunais, ao não poder a Recorrente peticionar nos tribunais o pagamento das facturas que emite no âmbito do seu objecto.
N. Caso se entenda que tais decisões não cabem ao Digno Supremo Tribunal Administrativo Secção de Contencioso Tributário, deve o presente recurso ser remetido ao Tribunal dos Conflitos, para que este decida se o conhecimento da presente acção cabe aos tribunais judiciais, aos tribunais administrativos de círculo ou aos tribunais tributários.
Termos em que e, com o douto suprimento de V. Exas., deve dar-se provimento ao presente recurso, devendo ser proferido Acórdão que decida no sentido preconizado no Acórdão Fundamento, sendo declarado que os Tribunais Tributários são competentes para conhecer da presente acção.
Subsidiariamente, caso assim não se entenda, deve ser proferido Acórdão que inste o Tribunal Recorrido a, nos termos dos nºs 2 e 3 do art. 18º do CPPT, indicar o Tribunal competente, para o mesmo remetendo o presente processo.
Subsidiariamente, caso se entenda não ser o Digno Supremo Tribunal Administrativo — Secção do Contencioso Administrativo competente para decidir o presente recurso, requer-se que o mesmo seja remetido ao Tribunal dos Conflitos, para que este decida se o conhecimento da presente acção cabe aos tribunais judiciais, aos tribunais administrativos de círculo ou aos tribunais tributários.»

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 –Neste Supremo Tribunal Administrativo o Exmº Procurador-Geral Adjunto, após considerar que se verificam os pressupostos para admissibilidade do recurso ao abrigo do disposto no artº 280º, nº 5 do CPPT, nomeadamente a invocada oposição de julgados, pronuncia-se no sentido do provimento do recurso com base na seguinte fundamentação que, na parte mais relevante se transcreve:
«Não obstante a questão não seja de fácil resolução, sendo de inegável pertinência e relevo o conjunto de argumentos vertidos no douto aresto mencionado na parte final do anterior parágrafo e também na declaração de voto de vencido produzida no douto Acórdão do Tribunal de Conflitos de 29-01-2014-045/13, tendo a perfilhar a doutrina que vem merecendo acolhimento maioritário do Tribunal de Conflitos que é aquela a que dá corpo o douto Acórdão fundamento, no sentido da competência dos tribunais tributários para apreciar o litígio em causa nos presentes autos.
Na verdade, a ora recorrente, enquanto concessionária do serviço de fornecimento de água aos munícipes de Barcelos, prossegue fins de interesse público, liquidando e cobrando quantias (equivalentes a tarifas Como se ponderou no douto Acórdão do Pleno de 14.04.2013 - P. 015/12), autoritariamente fixadas, ao abrigo de poderes conferidos por instrumentos normativos de direito administrativo, actos que a lei prevê como estando incluídos no âmbito de aplicação do Código do Procedimento Administrativo, competindo a fiscalização da sua legalidade aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal (DL 379/93, de 5 de Nov. e arts. 2, n.2 3 e 178.2, ambos do CPA). E, se bem que a lei não preveja, no caso, a possibilidade da concessionária poder obter a cobrança coerciva das prestações em dívida através do processo de execução fiscal, o que seria um sinal evidente da sua natureza tributária, não se vê como não incluir na categoria de actos geradores de relações jurídico-tributárias aqueles que impõem aos utilizadores uma prestação pecuniária cuja formação, como refere o douto Acórdão fundamento, “assenta em tarifas, encargos e eventualmente taxas que são a final estabelecidas pelo detentor do exclusivo do serviço, o Município (...), segundo poderes e normas de direito administrativo”. É de referir a este propósito que o poder conferido a concessionária pelo art. 13., n.2 2 do DL 379/93, de 5 de Nov. de “fixar, liquidar e cobrar uma taxa aos utentes” é um poder condicionado pela prévia aprovação da autoridade administrativa concedente o que, salvo melhor entendimento, conforma uma realidade jurídica que releva de uma ambiência de direito administrativo e não de um exercício de direito privado.
Nesta conformidade, com o conforto da jurisprudência maioritária do Tribunal de Conflitos, pronuncio-me, sem mais delongas, pela procedência do presente do presente recurso e pela consequente revogação da sentença recorrida, declarando-se a competência dos tribunais tributários para o conhecimento da presente acção, em sintonia com a doutrina do douto Acórdão fundamento.»

4 – Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

5. Questão prévia da admissibilidade do recurso.
Como questão prévia importa decidir da admissibilidade do recurso, pois que este foi interposto de decisão proferida em processo em que o valor da causa não ultrapassa um quarto das alçadas fixadas para os tribunais judiciais de 1ª instância e o despacho de admissão do recurso proferido pelo tribunal “a quo” não vincula este Supremo Tribunal.
Em tais situações a lei só permite o recurso para este Supremo Tribunal quando a decisão em causa perfilhe solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou de outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior (art. 280., n.º 5 do CPPT).
Ora, no caso em apreço mostram-se verificados os requisitos da alegada oposição de julgados pois que, sendo idênticas as respectivas situações de facto são de sentido oposto, relativamente à mesma questão fundamental de direito, as decisões contidas na sentença recorrida e no douto Acórdão fundamento, estando em causa o mesmo quadro normativo.
Como bem nota o Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo estando em causa nas duas decisões em cotejo a cobrança coerciva de dívidas a uma concessionária dos serviços públicos de água e saneamento, são antagónicas a decisão recorrida e aquela que se contém no aresto fundamento, no que concerne à competência em razão da matéria para conhecimento das questões atinentes a essa cobrança. Enquanto o tribunal recorrido declarou a sua incompetência (do tribunal tributário) para o conhecimento dessas questões, apontando para a competência dos tribunais comuns, o Acórdão fundamento declarou que a competência para o efeito era dos tribunais tributários, doutrina que encontra respaldo maioritário nas decisões que o Tribunal de Conflitos vem produzindo sobre a matéria.
Por outro lado e como já foi igualmente afirmado no Acórdão desta Secção de 28.10.205, recurso 124/14, sendo o Tribunal de Conflitos presidido pelo presidente do Supremo Tribunal Administrativo e composto por juízes conselheiros oriundos da jurisdição comum e da jurisdição administrativa e Fiscal, competindo-lhe o julgamento de conflitos de jurisdição (art. 17º do DL nº 23.185, de 30/10/1933; arts. 109º nº 1 e 110º nº 1 do novo CPC – correspondentes aos anteriores arts. 115º e 116º nº 1 do anterior CPC), as decisões desse mesmo Tribunal (Conflitos) impõem-se tanto em sede da jurisdição comum como da jurisdição administrativa e fiscal, pelo que, numa interpretação ampla do nº 5 do art. 280º do CPPT caberão na previsão desse normativo na parte em que se refere a tribunais de hierarquia superior.
Acresce dizer que, fundando-se o recurso na violação das regras de competência em razão da matéria sempre seria admissível por força do disposto no artº 629º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente.

Em face do exposto conclui-se pela admissibilidade do presente recurso.

6. Apreciando e decidindo
6.1 - É o seguinte o teor da decisão recorrida na parte que releva para a questão objecto do recurso:
«Posto isto, a questão que se coloca nesta sede, é a de saber se, nos termos em que a ação vem configurada na Petição inicial, o núcleo central do objeto da presente ação cabe no âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, ou seja, se envolve litígio que resulte de relações jurídicas tributárias devendo para o efeito atentar-se na materialidade fáctica e no pedido em concreto formulado pela Autora.
Ora, da factualidade alegada pela Autora, verifica-se que pretende a condenação da Ré no pagamento de serviços efetuados pela A., próprios da sua atividade, nomeadamente, exploração do sistema de captação, tratamento e distribuição de água ao concelho de Barcelos, sustentados por contrato de fornecimento de bens e serviços, no valor de € 139,83, acrescido de juros moratórios vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.
Sendo certo que, ao abrigo do contrato de concessão da exploração do sistema de captação, tratamento e distribuição de Água ao Concelho de Barcelos A A…….., S.A é, desde Janeiro de 2005 e por um período definido de 30 anos, a sociedade concessionária dos Sistemas Públicos Municipais de Distribuição da Água e de Drenagem de Águas Residuais do Concelho de Barcelos.
Por seu turno, o Réu é um particular.
Resulta assim desse quid um conflito entre uma Concessionária, cuja pretensão da Autora é a condenação do Réu ao pagamento de quantia certa relativa a fornecimento de bens ou serviços, subjacente ao contrato celebrado entre ambos e titulada pelas respetivas faturas.
Ora, o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo n.º 15/2012 (Pleno - Reenvio prejudicial), por acórdão de 10.04.2013, disponível em www.dgsi.pt, pronunciou-se no sentido de “No domínio de vigência da Lei das Finanças Locais de 2007 (Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro) e do DL n.º 194/2009, de 20 de Agosto, cabe na competência dos tribunais tributários a apreciação de litígios emergentes da cobrança coerciva de dívidas a uma empresa municipal provenientes de abastecimento público de águas, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos, uma vez que, o termo “preços” utilizado naquela Lei equivale ao conceito de “tarifas” usado nas anteriores Leis de Finanças Locais e a que a doutrina e jurisprudência reconheciam a natureza de taxas, pelo que podem tais dívidas ser coercivamente cobradas em processo de execução fiscal.
Outrossim, decidiu aquele tribunal o seguinte:
«(...). No modelo de delegação do serviço em empresa do sector empresarial local o serviço é prestado por empresa municipal de legatária constituída nos termos previstos no regime jurídico do sector empresarial local, aprovado pela Lei n.º 53 - F/2006, de 29 de Dezembro (artºs 17º e 180).
No modelo de gestão concessionada a concessão dos serviços municipais, a realizar de acordo com este diploma e, subsidiariamente, com o Código dos Contratos Públicos, inclui a operação, a manutenção e a conservação do sistema, previstas no n.º 1 do artigo 2.º, e pode incluir ainda a construção, a renovação e a substituição de infra-estruturas, instalações e equipamentos (artºs. 31º e 32º).
Sendo então o abastecimento de água efectuado por várias entidades - podendo ser entidades privadas em regime de concessão - ainda que se aceite que no caso de a gestão ficar a cargo dos municípios ou empresas municipais possa ser usado o processo de execução fiscal, subsiste a questão quando a gestão estiver a cargo de concessionárias.
Ora, quanto a estas acompanhamos António Malheiro de Magalhães (Ob. Citada), quando escreve que o processo de execução fiscal é um meio jurisdicional específico contemplado na lei apenas ao dispor do Estado e outras pessoas colectivas de direito público para procederem à cobrança coerciva de tributos bem como de outras dívidas quando a lei assim o previr.
Por isso, quando uma entidade privada - neste caso uma concessionária - desenvolve uma actividade materialmente administrativa traduzida na prestação de um serviço público essencial previsto na Lei n. º 23/96, está excluído o âmbito do processo de execução fiscal, com o recurso aos meios de execução comuns.
Deste modo, o processo de execução fiscal continua a ser o meio próprio para cobrança coerciva de dívidas por abastecimento de água e saneamento, quando o serviço for prestado pelo Município ou por empresa municipal.
Sendo o serviço prestado por concessionário, e como refere Pedro Gonçalves - A Concessão de Serviços Públicos, Almedina, Coimbra, 1999, pág. 320, “em caso de incumprimento do utente, a nota de cobrança emitida pelo concessionário está desprovida de força executiva, não podendo portanto, dar lugar a um imediato processo de execução fiscal (…)»
Assim, o processo de execução fiscal continua a ser o meio próprio para cobrança coerciva de dívidas por abastecimento de água e saneamento, quando o serviço for prestado pelo Município ou por empresa municipal. Porém, pelo contrário, quando o serviço for prestado por concessionária, como acontece no caso em apreço, está excluído o âmbito do processo de execução fiscal, sendo necessário o recurso aos meios (de execução) comuns.
Nesta conformidade, declinando-se a competência desta ordem jurisdicional para conhecer da matéria versada nos autos e atento o disposto nos artigos 16º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 590º, do Código de Processo Civil, indefiro liminarmente a douta P.I.»

6.2 Do objecto do recurso

Da análise do segmento decisório da sentença e dos fundamentos invocados pela recorrente para pedir a sua alteração, podemos concluir que a questão objecto do recurso consiste em saber se incorre em erro de julgamento a decisão recorrida ao sufragar o entendimento de que os Tribunais Tributários não são competentes para conhecer de litígios emergentes da cobrança coerciva de dívidas a uma concessionária dos serviços públicos de água e saneamento, sendo necessário o recurso aos meios de execução comuns.
Como bem nota a recorrente a questão suscitada é, nos pressupostos de facto e nos sujeitos processuais, em tudo idêntica à que já foi apreciada e decidida por diversas vezes pelo Tribunal dos Conflitos, cuja jurisprudência vem afirmando de forma reiterada que “Compete aos tribunais tributários o conhecimento de acção em que uma empresa concessionária do serviço público municipal de abastecimento de água pretende cobrar «preço fixo» e consumos por um contador «totalizador» que precede os contadores das fracções e das partes comuns de um condomínio, por estarem em causa tarifas, taxas ou encargos como exigências impostas autoritariamente em contrapartida do serviço público prestado, relação jurídica que é regulada por normas de direito público tributário” - cf. neste sentido o Acórdão (Fundamento) proferido em 25.06.2013, no âmbito do processo n.º 1554/13.7BEBRG (Conflito nº 33/13), e ainda os Acórdãos do Tribunal dos Conflitos de 09.11.2010 (conflito nº 17/20), de 26.09.2013 (conflito nº30/13), de 05.11.2013 (conflito nº39/13), de 18/12/2013 (conflitos n.ºs 038/13 e 053/13), de 29/01/2014 (conflito n.º 45/13) e de 25.11.2014 (conflito nº 40/14).

É certo que a decisão recorrida se socorre largamente do Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo nº 15/2012, de 10.04.2013, para fundamentar a sua decisão.
Sendo que em tal aresto além de se concluir que “No domínio de vigência da Lei das Finanças Locais de 2007 (Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro) e do DL n.º 194/2009, de 20 de Agosto, cabe na competência dos tribunais tributários a apreciação de litígios emergentes da cobrança coerciva de dívidas a uma empresa municipal provenientes de abastecimento público de águas, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos, uma vez que, o termo “preços” utilizado naquela Lei equivale ao conceito de “tarifas” usado nas anteriores Leis de Finanças Locais e a que a doutrina e jurisprudência reconheciam a natureza de taxas, pelo que podem tais dívidas ser coercivamente cobradas em processo de execução fiscal”, também se ponderou, em sede de fundamentação, que quando o serviço (gestão do serviço de abastecimento de água e saneamento) estiver a cargo de uma entidade privada (concessionária) “em caso de incumprimento do utente, a nota de cobrança emitida pelo concessionário está desprovida de força executiva, não podendo portanto, dar lugar a um imediato processo de execução fiscal”.
Porém, como já se sublinhou no Acórdão desta secção de 28.10.2015, proferido no recurso 125/14, em caso idêntico ao dos presentes autos, e cuja fundamentação vimos seguindo de perto, «esta última asserção traduz apenas a argumentação aportada em sede de fundamentação e nem sequer reflectida no segmento final em que o acórdão objectivou a deliberação sobre o pedido de reenvio prejudicial e, por outro lado, também não afasta em termos absolutos a competência dos Tribunais Tributários para apreciação das questões enunciadas.»
Ademais, como se evidenciou no acórdão fundamento, referenciando a fundamentação daquele acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 10/4/2013, ali “estava em apreciação a cobrança coerciva de dívidas a uma empresa municipal, mas a cobrança de dívidas a uma concessionária parece poder ser vista no mesmo enquadramento e com a mesma solução, quando no Acórdão se inclui o próprio diferendo sobre o preço da água - fixado segundo regras de direito público em regime excluído da concorrência - como aspecto submetido à competência dos tribunais tributários, mesmo quando se reconhece que o concessionário não dispõe da possibilidade de recorrer à execução fiscal.

Ora, no caso em apreço, a recorrente apresenta requerimento de injunção, por não terem sido pagas «as facturas nº (...) com as datas de vencimento de (...) relativas aos serviços contratados de abastecimento de água e saneamento, efectivamente prestados pela Requerente ao requerido (...)», ou seja, a acção consubstancia-se num procedimento de injunção relativo a quantia resultante de tarifas unilateralmente fixadas e aprovadas nos termos do enquadramento legal aplicável, tendo o recorrida contestado a obrigação de pagamento de tal dívida.
Porém, não obstante a providência de injunção se destinar a conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações (cfr. art. 7º do DL nº 269/98, de 1/9, na redacção introduzida pelo DL nº 32/2003, de 17/2) no caso, tendo sido deduzida oposição à injunção esta deixou de se destinar, tendencialmente, à formação de um título executivo, convertendo-se numa petição inicial declarativa, já que o título executivo apenas se formaria na hipótese de ausência de oposição/contestação (cfr. arts. 14º e ss. do DL nº 269/98).
Sendo que a autora e ora recorrente é concessionária do serviço público de fornecimento de água do concelho de Barcelos e nessa medida, actua em substituição do Município e munida dos poderes que lhe são atribuídos nessa área.
Daí que, como se consignou na supra citada jurisprudência do Tribunal de Conflitos (A que se adere sobretudo pela importância da uniformidade na interpretação e aplicação da lei, que encontra consagração no art.º 8º, nº 3, do Código Civil) e nomeadamente no Acórdão de 25.11.2014, proferido no processo 40/14, «Dúvidas não existem, pois, que prossegue fins de interesse público, estando para tanto munida dos necessários poderes de autoridade, o que nos permite dar como certo que, subjacente à questão em controvérsia, está uma relação jurídica administrativa na medida em que se entende como tal aquela em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido - neste sentido, ver Vieira de Andrade “in” “A Justiça Administrativa”, Lições, 2000, página 79.
Concluímos, assim, tendo em atenção aquela jurisprudência do Tribunal de Conflitos e o disposto nas alíneas f) do nº 1 do artigo 4º e c) do nº 1 do art. 49º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, que a presente acção é da competência dos tribunais de jurisdição administrativa e fiscal, sendo competentes os tribunais administrativos e fiscais, através dos tribunais tributários

7. Decisão:
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em admitir e conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e julgar competente, em razão da matéria, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, para conhecer das questões suscitadas nos autos, determinando a baixa dos autos a esse mesmo Tribunal, para que, se a tanto nada mais obstar, tais questões ali sejam apreciadas.
Sem custas.

Lisboa, 4 de Novembro de 2015. - Pedro Delgado (relator) - Dulce Neto – Isabel Marques da Silva.