Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02502/21.6BEPRT
Data do Acordão:05/18/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
PRESCRIÇÃO
Sumário:I - O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) interpreta o art. 3.º n.º 2, primeiro parágrafo, do Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, em sentido que permite concluir, sendo o prazo de três anos, aí inscrito, implicante da impossibilidade, total, intransponível, de executar uma decisão de cobrança dos montantes indevidamente recebidos, dever ser esse triénio, se necessário, valorado como o do prazo, regra, ordinário, de prescrição do tipo de dívidas, como a em cobrança no presente processo de execução fiscal, subsumível ao regime instituído pelo identificado Regulamento.
II - Deste modo, temos de, em definitivo, abandonar a corrente jurisprudencial que, durante muito tempo, afirmou, pacificamente, a operância, em situações deste cariz, do prazo ordinário de prescrição, estabelecido no art. 309.º do Código Civil (CC), ou seja, 20 anos.
III - Fixado em três anos, o prazo, normal, de prescrição da obrigação de restituição/pagamento dos montantes em dívida ou indevidamente recebidos, eventualmente, acrescidos de juros, em consequência da prática de atos lesivos dos interesses financeiros da União, o seu decurso tem de ser sujeito, desde logo, às causas de interrupção, compatíveis, vigorantes no ordenamento jurídico nacional, como, indiscutivelmente, é o caso da citação – cf. art. 323.º n.º 1 do Código Civil (CC), do devedor/obrigado à restituição, no âmbito de processo judicial, destinado à cobrança dos montantes em dívida, obviamente, com a eficácia estabelecida nos arts. 326.º e 327.º n.º 1 do CC.
IV - Portanto, o estabelecido prazo prescricional de três anos, que começa a correr desde o dia em que a decisão (administrativa), determinante da restituição/pagamento, se torna definitiva, só se interrompe na data em que for efetivada a citação do executado (na execução fiscal).
Nº Convencional:JSTA000P29407
Nº do Documento:SA22022051802502/21
Data de Entrada:03/21/2022
Recorrente:A..........
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

# I.

A………., …, recorre de sentença, proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, em 24 de janeiro de 2022, que julgou improcedente reclamação de decisão (“despacho de 22.10.2021, proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Vila do Conde, que não declara prescrita a dívida exequenda e manda prosseguir a execução”.) do órgão da execução fiscal.
O recorrente (rte) produziu alegação, onde conclui: «

A) A douta sentença sob recurso interpreta e aplica incorrectamente o disposto no art..º 309.º do Código Civil ao considerar aplicável à dívida exequenda o prazo ordinário de prescrição aí previsto

B) A douta sentença incorre também em erro de julgamento ao considerar inaplicável à dívida exequenda o prazo prescricional de 4 anos a que se refere o n.º 1 do art.º 3.º do Regulamento (CE Euratom) n.º 2988/95 do Conselho, violando esta disposição comunitária

C) Deve, assim, ser concedido provimento ao presente recurso com a consequente revogação da douta sentença sob recurso e a extinção da execução por prescrição

D) Caso subsista alguma dúvida sobre a aplicação da invocada disposição comunitária ou sobre a conformidade da aplicação feita na douta sentença do disposto no art.º 309.º do Código Civil com o direito da UE, deve o Tribunal de recurso, antes da prolação de decisão, submeter ao TJUE as questões prejudiciais que acima se deixam elencadas, suspendendo-se entretanto a instância nos termos do art.º 267.º do TFUE

Nestes termos e nos demais de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, com as legais consequências, como é de JUSTIÇA. »


*

Não foi formalizada contra-alegação.

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O Exmo. Procurador-geral-adjunto emitiu parecer, concluindo, em primeira linha, que deve ser concedido provimento ao recurso, com a consequente revogação da sentença visada.

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Cumpridas as formalidades legais, compete-nos decidir.

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# II.

Na sentença recorrida, em sede de julgamento factual, consta: «

1. Contra o ora reclamante A……….., contribuinte fiscal n.° ………., foi instaurado, em 01.03.2006, o processo de execução fiscal n.° 1902200601011472, no Serviço de Finanças de Vila do Conde, para cobrança de dívidas relacionadas com reposição de subsídio atribuído pelo IFADAP, no âmbito do Programa de Apoio à Modernização Agrícola e Florestal, Medida 1 - Infraestruturas Agrícolas, Ação 4 - Eletrificação;

2. Na origem do referido processo de execução está a certidão de dívida emitida em 04.06.2004, pelo IFADAP, da qual consta que o reclamante é devedor da quantia de € 7.909,23 mais juros, perfazendo um total de € 10.468,35, referente a subsidio que o reclamante recebeu, mas que está obrigado a reembolsar, referente ao contrato celebrado em 04.05.1998 - pág. 35;

3. Em 15.06.2007 o reclamante deduziu oposição judicial ao processo de execução fiscal n.° 1902200601011472, que correu termos neste Tribunal sob o numero 1454/07 - informação prestada pelo órgão de execução fiscal e consulta ao sitaf;

4. Em 15.03.2016 ocorreu o transito em julgado da sentença proferida naquele processo no sentido da procedência parcial do mesmo - sitaf;

5. Em 08.11.2017 o reclamante invocou junto do órgão de execução fiscal a prescrição da dívida - pág. 15;

6. Em 22.10.2021 o órgão de execução fiscal elaborou a informação de fls. 16 e 17, de pág. 15, que aqui se dá por integralmente reproduzida, no sentido da não prescrição das dívidas;

7. Sobre esta informação recaiu despacho de concordância do Chefe de Finanças, nos termos seguintes:

Concordo com a informação e parecer,

Efetivamente, a dívida exigível no presente processo de execução fiscal, não tem natureza tributária, não sendo a sua prescrição regulável pela previsão ínsita no artigo 48.º, n.º 1 da LGT, mas sim pelo artigo 309° do Código Civil sendo-lhe aplicável, também, o que dispõem os artigos 326.º e 327.° do citado diploma legal.

Assim sendo, sem mais delongas argumentativas, é insofismável que não ocorreu a prescrição da dívida. Prossigam os autos a sua tramitação normal, procedendo-se à execução dos bens penhorados. »


***

Este recurso, em que se discute a questão da, eventual, prescrição da dívida exequenda (Concretamente, “dívidas relacionadas com reposição de subsídio atribuído pelo IFADAP, no âmbito do Programa de Apoio à Modernização Agrícola e Florestal, Medida 1 - Infraestruturas Agrícolas, Ação 4 – Eletrificação”.), coloca-nos na necessidade de, primeira e obrigatoriamente, versar o regime jurídico, respeitante à “protecção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias [da União]”, imposto («…, devido à sua própria natureza e à sua função no sistema das fontes do direito da União, as disposições de um regulamento produzem, regra geral, um efeito imediato nas ordens jurídicas nacionais, sem que seja necessário que as autoridades nacionais tomem medidas de aplicação (Acórdãos de 24 de junho de 2004, Handlbauer, C-278/02, EU:C:2004:388, n.º 25, e de 28 de outubro de 2010, SGS Belgium e o., C-367/09, EU:C:2010:648, n.º 32). ») pelo Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, em vigor, no espaço da União Europeia, desde 26 de dezembro de 1995 (Publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias N.º I. 312/4 de 23.12.95.).

Do conjunto normativo deste Regulamento, sobressai, com potencial relevância no tratamento da problemática acima identificada, o disposto no seu artigo (art.) 3.º, cujo conteúdo, desmembrado, nos permite encontrar e isolar as figuras jurídicas seguintes:

- a previsão do prazo “de prescrição do procedimento”, estabelecido, por regra, em quatro anos (e, nunca, inferior a três anos) – cf. art. 3.º n.º 1;

- a imposição do prazo de três anos, como o “de execução da decisão que aplica a sanção administrativa” – art. 3.º n.º 2.

Com proximidade, regista-se, ainda, a outorga da possibilidade de os Estados-membros aplicarem prazos mais longos – art. 3.º n.º 3.

Não obstante a, aparente, linearidade e objetividade dos aspetos pretendidos regulamentar, pelo legislador europeu, a interpretação do versado art. 3.º do Regulamento não pode prescindir das pronúncias produzidas pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), como é o caso, entre outras, da mais recente, vertida nos acórdãos de 7 de abril de 2022, proferidos nos processos C-447/20 e C-448/20 (No âmbito de pedidos de reenvio prejudicial, com origem nos processos, deste STA, n.ºs 53/16.0BEMDL e 3138/12.8BEPRT.).

Assim, a operância, na nossa ordem jurídica, do mesmo, sempre, terá de levar em linha de conta e conciliar-se com a declaração, pelo TJUE, de que: «

1) O artigo 3.º, n.º 1, do Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, relativo à proteção dos interesses financeiros [da União Europeia], deve ser interpretado no sentido de que, sob reserva do respeito dos princípios da equivalência e da efetividade, não se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual, para efeitos de impugnação de uma decisão de cobrança de montantes indevidamente pagos, adotada após o decurso do prazo de prescrição do procedimento previsto nessa disposição, o seu destinatário é obrigado a invocar a irregularidade dessa decisão num determinado prazo perante o tribunal administrativo competente, sob pena de caducidade, e já não se pode opor à execução da referida decisão ao invocar a mesma irregularidade no âmbito do processo judicial de cobrança coerciva intentado contra si.

2) O artigo 3.º, n.º 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que tem efeito imediato nas ordens jurídicas nacionais, sem que seja necessário que as autoridades nacionais tomem medidas de aplicação. Daqui resulta que o destinatário de uma decisão de cobrança dos montantes indevidamente recebidos deve, em qualquer caso, poder invocar o termo do prazo de execução previsto no artigo 3.º, n.º 2, primeiro parágrafo, desse regulamento ou, se for caso disso, de um prazo de execução prolongado em aplicação do artigo 3.º, n.º 3, do referido regulamento, a fim de se opor à cobrança coerciva desses montantes.

3) O artigo 3.º, n.º 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que prevê que o prazo de execução que estabelece começa a correr a partir da adoção de uma decisão que impõe o reembolso dos montantes indevidamente recebidos, devendo esse prazo correr desde o dia em que essa decisão se torne definitiva, ou seja, do dia do termo dos prazos de recurso ou do esgotamento das vias de recurso.

4) O artigo 3.º, n.º 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual o prazo de execução previsto no primeiro parágrafo deste número é interrompido pela citação para a cobrança coerciva da dívida objeto de uma decisão de cobrança.»

O conteúdo deste pronunciamento (complementado, necessariamente, com os pertinentes fundamentos), além de outras leituras que possa permitir, na nossa, é elucidativo e seguro de que:

- no n.º 1 do art. 3.º do Regulamento é concedido, aos operadores económicos, um prazo (de 4 ou 3 anos) em que podem invocar a prescrição dos procedimentos, administrativos, respeitantes a uma qualquer irregularidade (definida no art. 1.º n.º 2), a fim de se oporem à aplicação, contra si, de uma, qualquer, das medidas e/ou das sanções administrativas, previstas nos arts. 4.º e 5.º do mesmo Regulamento;

- a invocação desta prescrição (dos procedimentos administrativos), isto é, a alegação de que uma certa e determinada decisão (do órgão administrativo competente) de cobrança de montantes indevidamente pagos/recebidos foi adotada após o decurso dos aplicáveis 4 (ou 3) anos, no ordenamento jurídico português, tem de ser feita, dentro do prazo processualmente previsto, perante o tribunal administrativo competente, não sendo, portanto, invocável no âmbito de um, possível, processo (judicial) de cobrança coerciva (dos montantes indevidamente pagos/recebidos), por norma, execução fiscal, contra o devedor, intentado;

- uma vez sedimentada decisão (nacional) que aplique uma medida administrativa, como, por exemplo, a cobrança de ajudas (da União) indevidamente recebidas [ou uma sanção administrativa (Apesar de o art. 3.º n.º 2 do Regulamento mencionar “sanção administrativa”, segundo o TJUE, o mesmo “visa simultaneamente as sanções administrativas, na aceção do artigo 5.º, n.º 1, deste regulamento, e as medidas administrativas, na aceção do artigo 4.º, n.º 1, do referido regulamento, que podem ser adotadas com vista à proteção dos interesses financeiros da União”.)], o destinatário daquela, se decorrer o prazo de, no mínimo, 3 anos sem que o processo de cobrança coerciva (da dívida respetiva) seja instaurado, pode opor-se ao correspondente processo de execução (fiscal);

- acresce, segundo o TJUE, que “a eventual inexistência de fundamento de oposição previsto pelo direito de um Estado-Membro em tal caso não pode impedir o destinatário de uma decisão de cobrança dos montantes indevidamente recebidos de invocar o termo do prazo de execução previsto no artigo 3.º, n.º 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95”;

- o prazo aplicável de execução da decisão (administrativa), em princípio, de 3 anos, começa a correr desde o dia em que tal decisão se torna definitiva, ou seja, insuscetível de recurso (por termo do prazo ou esgotamento das vias de recurso/impugnação administrativa);

- a citação (nos moldes em que seja regulada pelas legislações nacionais) do executado, funciona, como causa interruptiva do prazo previsto no art. 3.º n.º 2 do Regulamento.

Outrossim, no âmbito do reenvio em apreço, o TJUE, após referenciar que o STA “pretende saber se o artigo 3.º, n.º 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que o termo do prazo nele previsto implica a prescrição da dívida objeto de uma decisão de cobrança”, expendeu, além do mais: «

(…).

79 Por outro lado, como foi recordado no n.º 50 do presente acórdão, o prazo previsto no n.º 1 desse artigo destina-se a garantir a segurança jurídica dos operadores económicos. Estes devem poder determinar, de entre as suas operações, quais são definitivas e quais continuam a poder ser objeto de um procedimento.

80 O n.º 2 do referido artigo prossegue o mesmo objetivo de segurança jurídica. Permite assim aos operadores económicos determinar se uma decisão adotada no termo de procedimentos instaurados contra uma irregularidade ainda pode ser executada. (…).

81 Importa ainda salientar que o facto de considerar que os prazos mínimos referidos no artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Regulamento n.º 2988/95, cuja duração é, em princípio, suficiente para permitir às autoridades nacionais a atuação contra uma irregularidade lesiva dos interesses financeiros da União (…).

(…).

84 (…). Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, se o Tribunal de Justiça declarar que o termo do prazo previsto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento n.º 2988/95 implica a prescrição da dívida objeto dessas decisões, os recorridos nos processos principais dispõem, com base no direito português, de um fundamento de oposição à cobrança coerciva da dívida em questão. Além disso, há que salientar que o órgão jurisdicional de reenvio não deu conta de uma disposição segundo a qual, no direito português, seria possível aplicar um prazo de execução mais longo do que o fixado no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento n.º 2988/95, em conformidade com a faculdade que os Estados-Membros conservam ao abrigo do artigo 3.º, n.º 3, deste regulamento.

85 Feita esta precisão, importa recordar, como resulta da análise do âmbito de aplicação do artigo 3.º, n.º 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95, que este dispõe que o prazo de execução das decisões que impõem uma medida ou uma sanção administrativa é de três anos. Daqui resulta que, sem prejuízo da faculdade que os Estados-Membros conservam ao abrigo do artigo 3.º, n.º 3, deste regulamento, após o termo do prazo fixado no n.º 2, primeiro parágrafo, deste artigo, essas decisões já não podem ser executadas.

86 No que respeita especificamente a uma decisão que comporta uma medida administrativa que obriga o seu destinatário a reembolsar um montante indevidamente recebido, o termo do referido prazo tem como consequência que o montante em causa já não pode ser recuperado através da execução coerciva. Se for caso disso, o destinatário dessa decisão pode, portanto, opor-se aos processos de execução.

(…).

91 Esta conclusão não pode ser infirmada pelo artigo 3.º, n.º 3, do Regulamento n.º 2988/95. Com efeito, mesmo que os Estados-Membros façam uso da possibilidade de aplicar um prazo de execução mais longo do que o previsto no n.º 2 desse artigo 3.º, o termo do prazo assim prorrogado conduz igualmente à impossibilidade de executar uma decisão de cobrança dos montantes indevidamente recebidos.

92 Nestas circunstâncias, para responder de maneira útil ao órgão jurisdicional de reenvio sobre a questão de saber se os destinatários das decisões de cobrança dos montantes indevidamente recebidos se podem opor à sua execução coerciva após o termo do prazo previsto no artigo 3.º, n.º 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95, não é necessário determinar se o termo desse prazo implica igualmente a prescrição da dívida objeto dessas decisões. »

Posto isto, julgamos extraível, do conteúdo dos transcritos considerandos, a ideia de que, podendo o escalpelizado Regulamento não ter objetivado, de forma inequívoca, resolver aspetos relacionados com a prescrição (negativa), enquanto causa extintiva do cumprimento de uma prestação ou fundamento de oposição ao exercício de um direito prescrito, da dívida (exequenda), correspondente à expressão monetária (final) de uma irregularidade praticada, nos termos e para os seus efeitos, o TJUE interpreta o art. 3.º n.º 2, primeiro parágrafo, do mesmo, em sentido que nos permite concluir, sendo o prazo de três anos, aí inscrito, implicante da impossibilidade, total, intransponível, de executar uma decisão de cobrança dos montantes indevidamente recebidos, dever ser esse triénio, se necessário, valorado como o do prazo, regra, ordinário, de prescrição do tipo de dívidas, como a em cobrança no presente processo de execução fiscal, subsumível ao regime instituído pelo Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995.

Assumida esta conclusão, imediatamente, temos de, em definitivo, abandonar a corrente jurisprudencial que, durante muito tempo, afirmou, pacificamente, a operância, em situações deste cariz, do prazo ordinário de prescrição, estabelecido no art. 309.º do Código Civil (CC), ou seja, 20 anos.

Outrossim, não havendo, contemporaneamente, razões capazes de nos levarem a infletir na inviabilidade (justificada no acórdão, do STA, de 8 de outubro de 2014, processo n.º 0398/12) da assunção do prazo de prescrição, de cinco anos, previsto no art. 40.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 155/92 de 28 de junho (Para a obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas/dinheiros públicos que devam reentrar nos cofres do Estado.), bem como, no pressuposto indiscutível, de que o legislador nacional, até ao momento presente, nenhum estabeleceu, privativa ou remissivamente, julgamos, em função, sobretudo, dos propósitos/objetivos pretendidos alcançar pelos órgãos, executivo e judicial, da União, fixar, compativelmente, em 3 (três) anos, o prazo, normal, de prescrição da obrigação de restituição/pagamento dos montantes em dívida ou indevidamente recebidos, eventualmente, acrescidos de juros, em consequência da prática de atos lesivos dos interesses financeiros da União (Sem olvidar, ainda, ter-se o rte limitado a sustentar a aplicação do prazo prescricional de 4 anos a que se refere o art. 3.º n.º 1 do Regulamento, que, como tal e já vimos, só podia ser invocado no/junto do competente processo e tribunal administrativo.).

Firmado este prazo, resta dizer que se tem de sujeitar o seu decurso, desde logo, às causas de interrupção, compatíveis, vigorantes no ordenamento jurídico nacional, como, indiscutivelmente, é o caso da citação – cf. art. 323.º n.º 1 do CC, do devedor/obrigado à restituição, no âmbito de processo judicial, destinado à cobrança dos montantes em dívida, obviamente, com a eficácia estabelecida nos arts. 326.º e 327.º n.º 1 do CC.

Assim, o estabelecido prazo prescricional de três anos, que começa a correr desde o dia em que a decisão (administrativa), determinante da restituição/pagamento, se torna definitiva, só se interrompe na data em que for efetivada a citação do executado (na execução fiscal).

Neste ponto, estamos em condições de apontar que:

- a sentença objetada errou no seu julgamento, quando assumiu como aplicável, in casu, o prazo prescricional de 20 anos, para cobrança da dívida exequenda;

- a decisão correta (em sintonia com o enquadramento jurídico vindo de edificar) do mérito desta causa impõe a, oportuna, prolação de nova sentença, antecedida pela prática (determinada pelo tribunal) das diligências probatórias, adequadas e necessárias, à recolha dos dados factuais indispensáveis ao tratamento das variáveis supra identificadas, imprescindíveis à apreciação e solução da matéria respeitante à invocada prescrição da dívida exequenda;

- além do mais, com relevo, que venha a ser apurado, mostra-se determinante recolher factos relativos à decisão administrativa (destacadamente, timings) que esteve na origem do decretamento (contra o executado) da medida de reposição do subsídio em causa, bem como, respeitantes à concretização de citação, do mesmo, no âmbito do processo de execução fiscal pendente.


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# III.

Destarte, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos:

- conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida;

- fazer voltar o processo ao tribunal recorrido, para os fins acabados de paragrafar.


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Custas pela recorrida [Fazenda Pública]; sem taxa de justiça, por ausência de contra-alegação.

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[texto redigido em meio informático e revisto]


Lisboa, 18 de maio de 2022. - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) - Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes