Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0427/15.3BEMDL
Data do Acordão:03/20/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:DECISÃO SUMÁRIA
REQUISITOS
NULIDADE
Sumário:I - A possibilidade de a fundamentação da decisão da questão de direito na sentença a proferir em processo de impugnação judicial ser “sumária” e por “remissão para decisão precedente, de que se junte cópia” (cfr. n.º 5 do art. 94.º do CPTA), não dispensa o juiz de observar outros requisitos da sentença, v.g., a fixação das questões que ao tribunal cumpre solucionar e a discriminação da matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões (cfr. art. 123.º, n.ºs 1 e 2, respectivamente, do CPPT).
II - Se a “decisão sumária” não observou estes requisitos e se não é inequívoco se resolveu mais do que uma questão e, na afirmativa, em que sentido, bem como se nela não foi fixada a factualidade pertinente à decisão, deve a mesma, em sede de recurso, ser anulada oficiosamente e os autos devolvidos à 1.ª instância, a fim de aí ser proferida nova decisão que respeite os referidos requisitos.
Nº Convencional:JSTA000P24336
Nº do Documento:SA2201903200427/15
Data de Entrada:09/27/2018
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:EÓLICA.............. S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO

1.1 O Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela (doravante Recorrente) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que aquele Tribunal, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade acima referida (adiante Recorrida ou Impugnante), anulou a liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) que lhe foi efectuada, relativamente ao ano de 2014 e a diversos artigos matriciais.

1.2 Admitido o recurso, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, a Recorrente apresentou as alegações, que rematou com conclusões do seguinte teor:

«1. Por via do douto aresto sob recurso, o MM.º JUIZ [do Tribunal] a quo decidiu anular a liquidação de IMI relativa ao ano 2014, por considerar ineficaz a deliberação municipal que fixou a taxa de imposto concretamente aplicado no acto impugnado;

2. Vício que, no entendimento do MM.º JUIZ [do Tribunal] a quo, se estribou na falta de publicação da referida deliberação em boletim da autarquia local de Montalegre e em jornal regional publicado na área do respectivo município, tal configurando uma violação ao disposto no n.º 2 do artigo 119.º da CRP;

3. Ora, no entendimento da aqui RECORRENTE, a eficácia da citada deliberação não estava dependente da sua tripla publicação, designadamente por editais, no boletim municipal e no jornal regional editado na área do respectivo município;

4. A deliberação controvertida foi publicada por editais e no sítio de internet do respectivo município;

5. Assim se cumprindo o cerne da exigência legal de publicação – um plus em relação à notificação – dos actos emanados dos órgãos das autarquias locais destinados a ter eficácia externa;

6. A publicação obrigatória não tem, necessariamente, de ser considerada um requisito de eficácia; efectivamente, a lei pode impor a publicação mas não associar à sua falta a cominação da ineficácia jurídica;

7. Inexiste razão substantiva que imponha a interpretação segundo a qual a publicação tripla era condição de eficácia jurídica da deliberação em causa nos presentes autos;

8. Antes se impondo a conclusão oposta, isto é, que a publicação daquela deliberação em boletim da autarquia e em jornal regional publicado na área do respectivo município não é um requisito da respectiva eficácia jurídica;

9. Seria uma solução claramente desproporcionada que a eficácia dos actos e decisões dos órgãos das autarquias locais ficasse dependente da publicação em documentos oficiais (os editais) e ainda em boletim da autarquia e em jornal regional;

10. A exigência de publicação sob as duas formas acima referidas (boletim municipal e jornal regional) assume a natureza de condicional, só existindo se e quando se verifiquem certos requisitos, a constatar casuisticamente, e

11. A publicação em boletim da autarquia ou em jornal regional não pode, pois, ser considerada condição ou requisito da eficácia dos actos autárquicos, mais concretamente, da deliberação controvertida nos presentes autos;

12. A douta sentença que, com fundamento na ineficácia da referida deliberação em razão de esta não ter sido publicada em boletim municipal, em jornal regional e por editais (o que, neste último particular, nem se verificou), decidiu anular a liquidação impugnada, não se pode manter na ordem jurídica, porquanto violou a mesma o disposto no n.º 2 do artigo 119.º da CRP e no artigo 56.º do RJAL;

Nestes termos, e nos demais de direito que serão por Vossas Excelências doutamente supridos, deverá ao presente recurso ser concedido integral provimento, com a consequente revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que, no segmento relativo à decidida ineficácia da deliberação da AMM que fixou a taxa do IMI aplicada ao acto impugnado, declare a presente impugnação improcedente, na promoção da sempre sã e já acostumada Justiça».

1.3 A Impugnante apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido e rematando com conclusões do seguinte teor:

«1. A sentença recorrida não merece qualquer reparo ao ter considerado que “A deliberação que fixou a taxa de IMI a aplicar ao ano de 2014 não foi publicada em qualquer jornal regional editado na área do município (…)”.

2. Porém, vem a Recorrente defender a tese segundo a qual a eficácia das deliberações não está dependente da sua tripla publicação: por edital, em boletim municipal e nos jornais regionais editados na área do respectivo município.

3. Nos presentes autos, e em face do quadro legal que rege esta matéria, a deliberação da assembleia municipal que fixa o valor da taxa de IMI a cobrar em cada ano, como qualquer deliberação da assembleia municipal, está sujeita a publicação obrigatória nos termos dos art. 119.º, n.º 2 da CRP e 56.º do Regime Jurídico das Autarquias Locais sob pena de ineficácia.

4. Na verdade, estabelece o artigo 119.º, n.º 2 da Constituição que “a falta de publicidade (...) de qualquer acto de conteúdo genérico (...) do poder local, implica a sua ineficácia jurídica

5. Mais concretamente, o artigo 56.º, n.º 1 do Regime Jurídico das Autarquias Locais determina:
Para além da publicação em Diário da República quando a lei expressamente o determine, as deliberações dos órgãos das autarquias locais, bem como as decisões dos respectivos titulares destinadas a ter eficácia externa, devem ser publicadas em edital afixado nos lugares de estilo durante cinco dos 10 dias subsequentes à tomada da deliberação ou decisão, sem prejuízo do disposto em legislação especial”.

6. Assim sendo, de acordo com o disposto nos citados diplomas legais, o conteúdo da deliberação final que aprovou a taxa de IMI a aplicar no ano de 2014 encontra-se, sem excepções, sujeita às seguintes formalidades: (a) publicação integral no sítio da internet; (b) a publicação integral no Boletim da autarquia local; (c) a publicação integral em edital a afixar nos lugares de estilo; (d) a publicação integral em jornal regional editado na área do município (caso exista um jornal regional que cumpra os supra enunciados requisitos).

7. A deliberação da Assembleia Municipal que determinou a taxa de IMI referente ao ano de 2014 não foi publicada em Boletim da autarquia local, não foi publicada em edital afixado nos locais de estilo nem em qualquer jornal regional editado na área do município.

8. Motivo pelo qual a deliberação da Assembleia Municipal que determinou a taxa de IMI a aplicar em 2014 é ineficaz por falta de publicação, nos termos do artigo 119.º, n.º 2 da CRP, não podendo a liquidação de IMI ser imputada à Impugnante.

9. Em face do exposto, o presente recurso deve ser julgado totalmente improcedente mantendo-se a sentença recorrida que não merece qualquer censura nesta conclusão.

Termos em que deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente mantendo-se a douta sentença recorrida, assim se fazendo o que é de lei e de JUSTIÇA!».

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto, após ter promovido a junção aos autos das sentenças para que o Juiz do Tribunal a quo, apelando ao disposto no n.º 5 do art. 94.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), remeteu na sentença recorrida, emitiu parecer no sentido da revogação da sentença e da devolução dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, «a fim de ser ampliada a matéria de facto em ordem à apreciação de todas as questões que foram colocadas ao tribunal e às várias soluções plausíveis do direito». Para tanto, após delimitar o objecto do recurso e referir os termos da sentença, expendeu a seguinte fundamentação:
«Atenta a fundamentação de facto e de direito da sentença recorrida, a questão que se coloca consiste em saber se o tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento na interpretação e aplicação do disposto nos artigos 119.º, n.º 2, da CRP, e art. 56.º do RJAL.
Decorre da matéria de facto assente que a deliberação da assembleia municipal que fixou a taxa de IMI para o ano de 2014 não foi publicitada em qualquer jornal regional editado na área do município.
Considerando-se como assente tal factualidade, a questão que se coloca é a de saber se a omissão de tal tipo de publicação tem por efeito a falta de eficácia da deliberação, com efeitos invalidantes dos actos tributários impugnados.
Dado que estamos perante prédios inscritos na matriz predial urbana o CIMI estabelece uma taxa variável entre dois parâmetros – alínea c) do n.º 1 do artigo 112.º do CIMI –, competindo ao Município da respectiva localização a sua fixação, através de deliberação da assembleia municipal – n.º 5 do artigo 112.º do CIMI –, a qual é comunicada à ATA até 31 de Dezembro do ano anterior ao da sua aplicação – n.º 14 do art. 112.º do CIMI. Mais refere este preceito que se tal comunicação não for feita até essa data, a taxa a aplicar será a correspondente ao valor mais baixo previsto na citada alínea c) do n.º 1 do artigo 112.º do CIMI.
Todavia não foi levado ao probatório qualquer elemento sobre o acto tributário impugnado que permita aferir qual a taxa aplicada pela ATA e designadamente se foi essa a taxa objecto da deliberação e se esta foi ou não comunicada à ATA.
É que se não foi comunicada e independentemente das eventuais irregularidades no procedimento de publicação e seus efeitos, nos termos do citado preceito legal a taxa a aplicar será a correspondente ao valor mais baixo, ou seja, ao valor de “0,2” previsto na citada alínea c) do n.º 1 do artigo 112.º do CIMI (na redacção então em vigor, já que actualmente o mínimo é de “0,3”).
Entendemos, assim, que para a correcta apreciação da questão que vem colocada a matéria de facto assente na sentença recorrida revela-se manifestamente insuficiente, motivo pelo qual se impõe a sua ampliação nos termos supra assinalados».

1.5 Colhidos os vistos das Conselheiras adjuntas, cumpre apreciar e decidir.


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2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

A sentença recorrida tem o seguinte teor, que aqui reproduzimos integralmente, por tal se nos afigurar pertinente à decisão a proferir:

«Proc. n.º 427/15.3BEMDL
RELATÓRIO
EÓLICA …….., S.A., pessoa colectiva n.º …………, com sede na Rua ……………., n.º …………, ………… Porto, vem, apresentar impugnação judicial do acto de liquidação referente a IMI de 2014 e aos artigos matriciais que identifica, no valor de 59.037,96 €, onde se incluem juros compensatórios.
Sucintamente invoca falta de fundamentação; ineficácia da deliberação que fixou a taxa de IMI relativamente às liquidações impugnadas; falta de preenchimento dos pressupostos objectivos e subjectivos das liquidações impugnadas – inexistência de prédio para efeitos de IMI; violação do princípio da equivalência e da igualdade.
O RFP contestou, em resumo, que inexiste qualquer ilegalidade que afecte as liquidações impugnadas.
O Dig. Mag. do MP foi de parecer que a impugnação deve ser julgada procedente.

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Com relevância para a decisão, e, também, para a aplicação do disposto no art. 94.º, n.º 5 do CPTA, provou-se que:
1. A deliberação da Assembleia Municipal de Montalegre que fixou a taxa de IMI a aplicar em 2014 não foi publicada em qualquer jornal regional editado na área do município – Cfr. art.º 161.º da PI, confirmado, no que concerne à publicação em jornal regional, no art. 21 da contestação da AT (embora com o enquadramento jurídico que a AT considerou relevante). Cfr. à contrário PA
As questões a resolver já foram apreciadas de modo uniforme e reiterado por este TAF nos processos infra identificados, para os quais se remete, pelo que, ao abrigo do disposto no art. 94.º, n.º 5 do CPTA, aplicável por remissão do art. 2.º, al. c) do CPPT, julgo a impugnação procedente.
Custas pela AT
Registe e notifique
Junte cópia das decisões proferidas nos processos: 345/13.0BEMDL; 342/14.8BEMDL; 477/14.7BEMDL; 494/14.7BEMDL; 91/15.0BEMDL; 424/15.9BEMDL; 426/15.5BEMDL; 29/16.7BEMDL e 241/16.9BEMDL».

2.1.2 As cópias das decisões supra referidas apenas foram juntas aos autos mediante solicitação deste Supremo Tribunal.


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 A DECISÃO RECORRIDA

Na presente impugnação judicial está em causa a legalidade das liquidações de IMI efectuadas com referência a aerogeradores e subestações que foram inscritos oficiosamente na matriz predial cada um como um prédio e que constituem, cada conjunto, um parque eólico.
Em síntese, a Impugnante sustentou que os actos tributários impugnados (as referidas liquidações de IMI e respectivos juros compensatórios) enfermam dos seguintes vícios:
i) falta de fundamentação, uma vez que antes das liquidações impugnadas não foi dado conhecimento à Impugnante do modo como foi calculado o VPT;
ii) a ineficácia da deliberação da assembleia municipal que fixou a taxa de IMI por falta de publicação;
iii) erro nos pressupostos de facto e direito relativos à incidência subjectiva e objectiva, pois a) os terrenos baldios não podem ser subsumidos ao conceito de prédio do CIMI e, b) contrariamente ao que entende a AT – que cada um daqueles aerogeradores e subestação deve ser tido como um prédio para efeitos da incidência de IMI e, por isso, os inscreveu oficiosamente na matriz predial e liquidou o IMI respectivo –, apenas o conjunto pode ser tido como um prédio;
iv) violação do princípio da equivalência;
v) violação do princípio da igualdade.
Como pode verificar-se da leitura da sentença recorrida (e por isso entendemos relevante reproduzi-la na íntegra, o que fizemos supra em 2.1.1), nesta,
a) na parte reservada à exposição dos fundamentos de facto, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela deu como provado um único facto: que a deliberação municipal que fixou a taxa de IMI para o ano de 2014 não foi publicada em qualquer jornal regional editado na área do município; não foi registado qualquer outro facto como provado ou não provado; de seguida, sem qualquer outra consideração,
b) o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela deixou escrito: «As questões a resolver já foram apreciadas de modo uniforme e reiterado por este TAF nos processos infra identificados, para os quais se remete, pelo que, ao abrigo do disposto no art. 94.º, n.º 5 do CPTA, aplicável por remissão do art. 2.º, al. c) do CPPT, julgo a impugnação procedente».
Segue-se-lhe a condenação da AT nas custas do processo e a ordem, que não foi cumprida, para junção aos autos de cópia das decisões proferidas em outros nove processos.
Como procuraremos demonstrar de seguida, a sentença foi lavrada em termos que não permitem a sua sindicância e que demandam a sua anulação.

2.2.2 ALGUNS REQUISITOS DA DECISÃO SUMÁRIA

Antes do mais, refira-se que não se questiona a possibilidade de decidir a impugnação judicial por decisão sumária, prevista no n.º 5 do art. 94.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável ex vi da alínea c) do art. 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), dando de barato a existência dos respectivos requisitos no caso, que «a questão de direito a resolver é simples, designadamente por já ter sido apreciada por tribunal, de modo uniforme e reiterado».
Essa faculdade que assiste ao juiz concretiza-se em que «a fundamentação da decisão pode ser sumária, podendo consistir na simples remissão para decisão precedente, de que se junte cópia». Mas essa possibilidade de a questão de direito ser decidida por remissão para uma anterior decisão, não dispensa o cumprimento de outros requisitos da sentença, a saber e no que ora nos interessa: o juiz «fixará as questões que ao tribunal cumpre solucionar» e «discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões» (cfr. art. 123.º, n.ºs 1 e 2, respectivamente, do CPPT), sendo que, relativamente à matéria de facto sobre a qual deve incidir o julgamento, deverá ser toda a que for «relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida» [cfr. art. 511.º, n.º 1, do CPC na sua redacção anterior à que foi aprovada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 36/2013, de 12 de Agosto (A remissão é para essa versão do CPC, em vigor à data em que o CPPT foi aprovado (1 de Janeiro de 2000, nos termos do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, diploma que o aprovou), uma vez que neste último Código não está previsto o despacho saneador nem o despacho de prova (cfr. art. 596.º do CPC e art. 89.º-A do CPTA).)].
Sempre no que ora nos interessa considerar, o juiz deve também apreciar todas as questões jurídicas suscitadas e as que sejam de conhecimento oficioso, cuja resolução não deva considerar-se prejudicada pela solução dada a outras [cfr. art. 608.º, n.º 2, do CPC (A remissão é para o CPC, e não para o CPTA, uma vez que no processo de impugnação judicial, contrariamente ao que sucede nos processos impugnatórios regulados pelo CPTA (cujo art. 95.º, n.º 2, impõe o conhecimento de todos os vícios invocados contra o acto impugnado), no âmbito do processo de impugnação judicial previsto no CPPT, como decorre do estabelecimento de uma ordem no conhecimento dos vícios do acto impugnado (cfr. art. 124.º do CPPT), pois «conhecendo de um vício que conduza à eliminação jurídica do acto impugnado, o tribunal deixará de conhecer dos restantes, pois, se assim não fosse, se o julgador tivesse de conhecer de todos os vícios imputados ao acto, seria indiferente a ordem do conhecimento// Isto significa, assim, que reconhecimento da existência de um vício leva a considerar prejudicados o conhecimento dos restantes» (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotação 17 ao art. 124.º, pág. 340). Note-se que a crítica que este Autor faz a essa prática, que reconhece ser a que vem sendo seguida pelos tribunais tributários, não vale na situação sub judice, pois dos vícios invocados apenas a falta de fundamentação não impediria a renovação do acto.)], devendo os vícios do acto impugnado ser conhecidos pela ordem estabelecida no art. 124.º do CPPT.
Feitos estes considerandos de carácter geral, regressemos ao caso sub judice.
Salvo o devido respeito, a sentença que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela proferiu por decisão sumária não respeita os requisitos a que aludimos. Vejamos:
Desde logo, nela não se identificaram as questões a dirimir, não podendo valer como tal a mera enunciação no relatório dos fundamentos invocados pela Impugnante.
Depois, no julgamento da matéria de facto, foi registado um único facto, respeitante à não publicação, em jornal regional editado na área do município, da deliberação da assembleia municipal que fixou a taxa do IMI para o ano em causa.
Em seguida, o Juiz, afirmando que «[a]s questões a resolver já foram apreciadas de modo uniforme e reiterado por este TAF nos processos indicados», remeteu para esses processos e julgou a impugnação improcedente.
Finalmente, não foram juntas as sentenças para que o Juiz remeteu.
Ora, estas irregularidades comprometem irremediavelmente a compreensão da sentença.
Desde logo, não sabemos que questões se propôs o Tribunal apreciar e decidir, qual foi a questão ou questões efectivamente decididas e, sendo mais do que uma, em que sentido foi decidida cada uma delas, mas apenas que a impugnação judicial foi julgada procedente.
Nem se diga que as questões apreciadas e decididas foram as mesmas que foram apreciadas e decididas nas sentenças para que se remeteu na decisão recorrida.
Antes do mais, porque o Juiz não deveria ter remetido para mais do que uma sentença. Na verdade, se o requisito para que seja proferida decisão sumária é, no caso, a simplicidade da questão de direito a resolver, em virtude de existir jurisprudência que tenha apreciado a questão de modo uniforme e reiterado – e para demonstrar a verificação desse requisito se compreende a menção de várias sentenças – já não nos parece admissível que a remissão a que alude o n.º 5 do art. 94.º do CPTA possa ser feita para mais do que uma sentença por cada questão (a norma refere «remissão para decisão anterior»), sob pena de se colocar sobre as partes e sobre o tribunal de recurso o ónus de as estudar todas, sem qualquer limitação.
Depois, e decisivamente, porque, se foram decididas várias questões, se impunha a referência expressa ao sentido da decisão relativamente a cada uma delas: se foi julgada procedente, se foi julgada improcedente ou se foi tida por prejudicada pela decisão dada a questão anteriormente decidida.
Nem se diga que esta posição que ora assumimos peca por formalista, pois já pudemos verificar diversas interpretações sobre o âmbito da decisão sumária, nos presentes autos e noutros em que o Juiz seguiu idêntico procedimento: assim, enquanto alguns interpretaram a sentença como tendo decidido exclusivamente a questão da falta de publicidade da deliberação da assembleia municipal que fixou a taxa do IMI (Parece ter sido esse o sentido em que a interpretaram o Procurador-Geral Adjunto e a Recorrida, tanto mais que esta, tendo contra-alegado o recurso, nada refere quanto às demais questões, sendo legítimo pressupor que entende que, na procedência do recurso, os autos deverão regressar ao Tribunal a quo, a fim de serem conhecidas destas.), outros entenderam que foram apreciadas outras questões; entre estes últimos, também há divergência de interpretações, pois uns consideraram que todas as questões foram decididas no sentido da procedência ( Veja-se o parecer proferido pelo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo no processo com o n.º 425/15.7BEMDL.) e outros que umas questões foram julgadas procedentes e outras improcedentes (Veja-se o parecer da Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal Administrativo no processo com o n.º 623/15.3BEMDL.). O que demonstra à saciedade a inadequação do procedimento adoptado na decisão recorrida.
É certo que, se a questão da publicidade da deliberação da assembleia municipal que fixou a taxa do IMI foi apreciada e decidida em sentido favorável à AT – e, neste ponto, todos parecem concordar – mal se compreenderia que o Juiz tivesse prosseguido na apreciação de outras questões, ao invés de dá-las como prejudicadas pela decisão daquela questão. Na verdade, porque a ilegalidade em causa obstaria a que a AT praticasse de novo o acto, nenhum motivo haveria para que o Juiz prosseguisse com a apreciação dos demais vícios invocados (Ver nota 3 supra.).
Seja como for, esta obscuridade da decisão e a referida equivocidade quanto às questões que nela foram decididas e quanto ao sentido da respectiva decisão, impõe a sua anulação oficiosa e que os autos regressem à 1.ª instância, a fim de aí ser proferida nova decisão, em que sejam respeitados os requisitos que consideramos não terem sido observados na decisão ora recorrida.
Sem prejuízo do que deixámos dito, mesmo a admitir-se que a única questão apreciada e decidida foi a da falta de eficácia da deliberação da assembleia municipal que fixou a taxa do IMI no ano em causa por não ter sido publicitada nos termos prescritos na lei – o que colhe algum apoio no facto de o único facto dado como assente respeitar a essa questão – sempre teríamos de concluir, com o Procurador-Geral Adjunto, que «não foi levado ao probatório qualquer elemento sobre o acto tributário impugnado que permita aferir qual a taxa aplicada pela ATA e designadamente se foi essa a taxa objecto da deliberação e se esta foi ou não comunicada à ATA», pois «se não foi comunicada e independentemente das eventuais irregularidades no procedimento de publicação e seus efeitos, nos termos do citado preceito legal a taxa a aplicar será a correspondente ao valor mais baixo», sendo, assim, «que para a correcta apreciação da questão que vem colocada a matéria de facto assente na sentença recorrida revela-se manifestamente insuficiente, motivo pelo qual se impõe a sua ampliação nos termos supra assinalados».
O que sempre imporia também a anulação da decisão recorrida e o regresso dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, a fim de aí ser proferida nova decisão, depois de efectuado o julgamento da matéria de facto pertinente.
Tudo visto, entendemos ser de anular a sentença.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - A possibilidade de a fundamentação da decisão da questão de direito na sentença a proferir em processo de impugnação judicial ser “sumária” e por “remissão para decisão precedente, de que se junte cópia” (cfr. n.º 5 do art. 94.º do CPTA), não dispensa o juiz de observar outros requisitos da sentença, v.g., a fixação das questões que ao tribunal cumpre solucionar e a discriminação da matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões (cfr. art. 123.º, n.ºs 1 e 2, respectivamente, do CPPT).

II - Se a “decisão sumária” não observou estes requisitos e se não é inequívoco se resolveu mais do que uma questão e, na afirmativa, em que sentido, bem como se nela não foi fixada a factualidade pertinente à decisão, deve a mesma, em sede de recurso, ser anulada oficiosamente e os autos devolvidos à 1.ª instância, a fim de aí ser proferida nova decisão que respeite os referidos requisitos.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em anular a sentença recorrida e ordenar que os autos regressem ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, a fim de aí ser proferida nova sentença.

Custas pela Recorrente que, não havendo ganho da causa, é quem tira proveito da decisão (cfr. art. 527.º, n.º 1, do CPC).

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Lisboa, 20 de Março de 2019. - Francisco Rothes (relator) - Isabel Marques da Silva - Ana Paula Lobo.

Segue acórdão de 18 de Setembro de 2019:

Descritores:
– REFORMA QUANTO A CUSTAS
– VENCIMENTO
– CRITÉRIO DE CAUSALIDADE


Sumário:

I - Em sede de recurso jurisdicional, pedindo a Recorrente a revogação da decisão sumária proferida em 1.ª instância e sustentando a Recorrida, que contra-alegou o recurso, a manutenção da mesma, tendo o Tribunal ad quem anulado oficiosamente a decisão recorrida e determinado a devolução dos autos à 1.ª instância, a fim de aí ser proferida nova decisão, deve considerar-se que a Recorrida ficou vencida, pois foi ela quem viu a sua pretensão no recurso (de manutenção da decisão judicial recorrida) definitivamente decidida em sentido contrário, foi ela quem foi negativamente afectada pela decisão do recurso e, por isso, é a parte vencida.

II - É, pois, de reformar quanto a custas o acórdão que proferiu a condenação em custas em sentido diverso.

1. RELATÓRIO

1.1 O Representante da Fazenda Pública junto deste Supremo Tribunal veio pedir a reforma quanto a custas do acórdão proferido nestes autos.

1.2 Alegou, em síntese, que é parte vencedora no recurso, uma vez que foi a Impugnante «a dar azo ao processo, com a apresentação da Impugnação Judicial» e «foi a Fazenda Pública lesada com a procedência da Impugnação Judicial», motivo por que apresentou o recurso, não podendo ser condenada em custas «quando a sentença não julgava de forma correcta a matéria controvertida». Assim, concluiu «que não deverá ser lesada no pagamento da taxa de justiça sem que a mesma possa ser restituída pela parte, ou pelo tribunal, caso assim se entenda» e pediu que o acórdão seja reformado quanto a custas, dele passando a constar «Custas pela Impugnante/recorrida, em 1.ª instância e no recurso».

1.3 A Impugnante/Recorrida não respondeu.

1.4 Dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de «que se impõe a reforma do acórdão na decisão quanto a custas, a qual deve ser substituída por decisão que determine que as custas ficarão a cargo da parte vencida a final», com a seguinte fundamentação: «

1. A Fazenda Pública veio, através do requerimento de fls. …, requerer a reforma do acórdão quanto a custas, alegando que tendo o STA se decidido pela declaração de nulidade da sentença de 1.ª instância e determinado a baixa dos autos a fim de ser proferida nova sentença, não deve a Fazenda Publica ser onerada com o pagamento das custas relativas à instância recursiva, uma vez que não tendo dado causa ao fundamento dessa anulação, sempre deveria ser considerada parte vencedora, por a recorrida ter contra-alegado, e também por não ter possibilidade de ser ressarcida da taxa de justiça paga com o impulso processual.

2. No acórdão do STA, na parte relativa a custas, foi proferida a seguinte decisão: “Custas pela Recorrente que, não havendo ganho de causa, é quem tira proveito da decisão (cf. art. 527.º, n.º 1, do CPC)”.
Decorre do acórdão em causa que o peticionado no recurso não foi objecto de apreciação, por o STA ter considerado que a sentença de 1.ª instância padecia do vício de obscuridade, o que não permitia a correta apreciação das questões colocadas pela Recorrente. E nessa medida entendeu o tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, que não tendo havido parte vencedora e vencida, as custas ficariam a cargo da Recorrente, por ter tirado proveito da decisão de anulação da sentença recorrida.

3. Temos sérias reservas à aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 527.º do CPC, nos casos em que o tribunal “ad quem” se decide pela anulação da sentença e a baixa dos autos com base em erro do tribunal “a quo”. Na verdade, nestes casos, ainda não há qualquer veredicto sobre a procedência ou improcedência da acção ou sequer sobre o peticionado por qualquer das partes. O processo voltou à fase da sentença em 1.ª instância por motivos que se prendem com erros cometidos pelo tribunal “a quo” e não imputáveis a qualquer das partes, sendo certo que se revela bastante impreciso vislumbrar se alguma delas tenha tirou proveito de tal situação. Por esse motivo afigura-se-nos ofensivo do princípio da justiça e do acesso ao direito que a Recorrente seja onerada com essa responsabilidade pelas custas.
Entendemos, assim, que a responsabilidade pelas custas nesta fase recursiva devem ficar a cargo da parte vencida a final».

1.5 Cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

Com interesse para a decisão a proferir, há que ter em conta as seguintes ocorrências processuais:

a) o presente processo respeita a impugnação judicial deduzida pela sociedade acima identificada como Recorrida contra a liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis que lhe foi efectuada, relativamente ao ano de 2014 e a diversos artigos matriciais;

b) o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela proferiu decisão sumária pela qual julgou a impugnação judicial procedente;

c) o Representante da Fazenda Pública junto daquele Tribunal interpôs recurso dessa decisão para o Supremo Tribunal Administrativo e, após admissão do recurso, apresentou as respectivas alegações, pedindo a revogação da decisão recorrida e a manutenção do acto impugnado na ordem jurídica;

d) a sociedade Impugnante, ora Recorrida, contra-alegou o recurso, pugnando pela manutenção da decisão recorrida,

e) a Recorrente e a Recorrida pagaram a taxa de justiça devida, respectivamente, pela interposição do recurso e pela apresentação das contra-alegações;

f) decidindo o recurso, este Supremo Tribunal Administrativo proferiu acórdão a anular a decisão judicial recorrida, quer porque considerou que a mesma não enunciou as questões a apreciar nem o sentido em que as mesmas foram decididas quer porque julgou verificado o défice factual, ordenando que os autos regressem ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, a fim de aí ser proferida nova sentença que respeite as exigências legais de forma, depois de efectuado o julgamento da matéria de facto pertinente;

g) na parte final do referido acórdão, foi proferida condenação em custas nos seguintes termos: «Custas pela Recorrente que, não havendo ganho de causa, é quem tira proveito da decisão (cf. art. 527.º, n.º 1, do CPC)».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A DIRIMIR

O Representante da Fazenda Pública neste Supremo Tribunal discorda do acórdão na parte respeitante à condenação em custas e veio pedir a sua reforma ao abrigo do disposto nos arts. 616.º, n.º 1, e 666.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC).
Em síntese, sustenta que não deveria ter sido condenada no pagamento das custas e que deve ser a Impugnante/recorrida a suportá-las, quer em 1.ª instância quer no recurso.
A Recorrida não se pronunciou sobre o pedido de reforma.
Por seu turno, o Procurador-Geral Adjunto entende que deve ser deferida a reforma, passando a constar do acórdão a condenação em custas da parte vencida a final.
A questão a dirimir é, pois, a de saber se o acórdão cuja reforma é pedida errou ao condenar a Fazenda Pública nas custas e, na afirmativa, qual o conteúdo da decisão a proferir, atentas as regras da distribuição da responsabilidade por custas.

2.2.2 DA RESPONSABILIDADE POR CUSTAS

Conforme resulta do disposto no n.º 1 do art. 527.º do CPC e do n.º 2 do art. 1.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), os recursos são considerados processos autónomos para efeito de custas.
Nos termos da primeira parte do n.º 1 e do n.º 2 do art. 527.º do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que lhes tiver dado causa (As aludidas normas de responsabilidade pelo pagamento de custas estão conexionadas, no que se refere aos recursos, com o disposto no n.º 2 do artigo 663.º, do CPC, que, por remissão para o n.º 6 do art. 607.º, do mesmo Código, impõe que na parte final dos acórdãos, se condene os responsáveis no pagamento das custas processuais, estabelecendo a proporção da sua responsabilidade.), entendendo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respectiva proporção. Conforme o disposto na segunda parte do n.º 1 do referido artigo, se não houver vencimento no recurso, é condenada no pagamento das custas a parte que dele tirou proveito.
Ou seja, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta, em primeira linha, na causalidade – considerando-se que lhes deu causa a parte vencida – e, subsidiariamente, na vantagem ou proveito processual. Em caso algum a responsabilidade por custas depende de culpa da parte, i.e., trata-se de uma responsabilidade puramente objectiva.
Assim, antes do mais, cumpre verificar se há parte vencida no recurso, sendo certo que no acórdão cuja reforma ora é pedida entendemos que não e, por isso, nos socorremos do critério subsidiário do proveito para proferir a condenação em custas.
Adiantamos desde já que errámos nessa conclusão e que na apreciação do presente pedido de reforma nos vamos socorrer dos ensinamentos de SALVADOR DA COSTA (Para além das obras de referência, foram-nos particularmente úteis os seguintes comentários de jurisprudência da autoria do Conselheiro SALVADOR DA COSTA, disponíveis do blog do Instituto Português de Processo Civil:
1, Condenação do pagamento de custas da parte vencida a final, comentário ao acórdão do Tribunal Relação da Relação de Évora de 2 de Outubro de 2018, disponível em
https://drive.google.com/file/d/1MtOBWIpTJeuWORomYNKKWpzFb8Sbxmns/view;
2. Custas a final pela parte vencida, comentário ao acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de Novembro de 2018, disponível em
https://drive.google.com/file/d/1PE3yHd7MS-g5p-HWs17yXXba05vQnC4m/view;
3. Custas pela parte vencida a final ou na proporção da respectiva sucumbência, comentário à decisão singular do tribunal da Relação de Coimbra de 28 de Novembro de 2018, disponível em
https://drive.google.com/file/d/1Q4B9Xv8lsXAxlPgBjt3-sbnMlFXN1nVs/view;
4. Custas a final pela parte vencida, comentário ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de Dezembro de 2018, disponível em
https://drive.google.com/file/d/1hay3ROnY-S19XlGT94V98WjVq7JFJ5KZ/view;
5. Custas pela parte vencida a final face aos princípios da causalidade e do proveito, comentário ao acórdão do tribunal da Relação de Lisboa de 10 de Janeiro de 2019, disponível em
https://drive.google.com/file/d/10dGk8pIOmmmGuqFdaP9PU0kqED-37sX2/view;
6. Custas do recurso conforme for devido a final, comentário ao acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de Janeiro de 2019, disponível em
https://drive.google.com/file/d/11TKiaNCLg7evemtxM4BPT6unz1L25Hr7/view.).
Porque a decisão recorrida foi anulada, a Recorrida deve ter-se como vencida: a sua pretensão em sede de recurso (no caso, até expressamente formulada em sede de contra-alegações), de que a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela se mantivesse na ordem jurídica, não teve sucesso.
Poderá, eventualmente, argumentar-se que também a pretensão deduzida pela Recorrente não obteve procedência. Na verdade, a Recorrente pediu a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por acórdão que julgasse improcedente a impugnação judicial e, como dissemos já, este Supremo Tribunal anulou a decisão recorrida e determinou que o Tribunal a quo profira nova decisão.
Porém, há que ter presente que enquanto a pretensão da Recorrida em sede de recurso foi definitivamente desatendida pelo acórdão reformando, ficando arredada pela anulação da sentença, a pretensão da Recorrente pode ainda vir a ser atendida na nova decisão a proferir pela 1.ª instância.
Para o efeito, pouco importa que o acórdão não tenha apreciado o mérito da acção, pois nada permite distinguir, para efeitos de condenação em custas, as situações em que o recurso tenha sido decidido por razões formais daquelas em que a decisão se refere ao mérito da causa. Como salienta SALVADOR DA COSTA, «[o] vencimento e o decaimento a que o referido artigo [527.º do CPC] se reporta não tem apenas a ver com o mérito da causa decorrente do direito substantivo, sendo também aplicável aos casos de vencimento ou decaimento meramente formais, baseados em factos e fundamentos jurídicos de natureza meramente processual, como ocorre no caso vertente» (Cf. os comentários referidos na anterior nota de rodapé.). Num e noutro caso impõe-se que haja condenação dos responsáveis pelas custas e, se for caso disso, estabelecer a proporção da sua responsabilidade.
Não acompanhamos, pois, o Procurador-Geral Adjunto quando, para efeitos da condenação em custas, designadamente para fazer recair a responsabilidade das custas do recurso por quem venha a ser condenado nas custas da acção, pretende conferir relevância ao facto de o acórdão ter decidido com base em fundamentos formais e, por isso, não ter entrado na apreciação do mérito do recurso. A posição sustentada no parecer (transcrito supra, em 1.4), de que deve ser condenada em custas a parte vencida a final, se foi já possível à luz de anterior legislação, não tem cabimento no âmbito do regime de custas que foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro. Neste regime, sendo o recurso considerado uma autónoma espécie processual, não se compreenderia uma solução legal que permitisse diferir a condenação em custas e pô-las a cargo de «um sujeito incerto que viesse a decair em autónoma espécie processual futura, decaimento esse também incerto» (Idem.).
Não podemos também acompanhar o Procurador-Geral Adjunto nas reservas que exprimiu relativamente à condenação das partes pelas custas nos recursos em «o tribunal “ad quem” se decide pela anulação da sentença e a baixa dos autos com base em erro do tribunal “a quo”», pois, para além do que deixámos já dito quanto à irrelevância da decisão do recurso ser por motivos formais ou substanciais, a atribuição da responsabilidade por custas também não depende da ocorrência de «erros […] imputáveis a qualquer das partes»; aliás, a procedência do recurso jurisdicional assenta sempre em erro da decisão recorrida, ou seja, em erro do juiz ou do colectivo de juízes, que visa corrigir (O recurso jurisdicional, como meio de impugnação judicial, constitui uma «contestação concreta contra um acto de vontade jurisdicional que se considera errado» e a sua admissibilidade «funda-se na falibilidade humana e possibilidade de erro por parte dos juízes» (FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 2009, 9.ª edição, pág. 71 e segs.).).
Em conclusão, como há parte vencida no recurso, não faz sentido recorrer ao critério subsidiário do proveito, sob pena de enviesarmos a responsabilidade por custas, pois a parte vencedora no recurso é sempre quem dele tira proveito (no caso, esse proveito resulta do prosseguimento da impugnação judicial, anteriormente julgada improcedente pela decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que foi anulada).
O pedido de reforma merece, pois, provimento, com a fundamentação que ora expendemos, passando a constar do acórdão reformando, de acordo com o critério da causalidade, a condenação em custas da parte vencida no recurso, ou seja, da Recorrida.
Porque as custas se decompõem em taxa de justiça, encargos e custas de parte (cf. art. 529.º do CPC e art. 3.º, n.º 1, do RCP), impõe-se ainda concretizar o âmbito daquela condenação: a taxa de justiça foi paga pela Recorrida quando da apresentação das contra-alegações; não há encargos a considerar relativamente ao recurso; restam, pois, as custas de parte, sendo que a Recorrida, enquanto parte vencida no recurso, terá de suportar as custas da parte vencedora (cf. art. 533.º, n.º 1, do CPC).
Porque a Recorrente pediu também que a reforma do acórdão quanto a custas abrangesse a responsabilidade da Recorrida pelas custas em 1.ª instância, cumpre ter presente que o acórdão reformando não decidiu em substituição, antes se limitando a uma actividade cassatória, motivo por que, por ora, não há lugar à condenação em custas na 1.ª instância.
Finalmente, quanto às custas do presente incidente (A reforma está prevista expressamente como incidente na Tabela II anexa ao RCP. Aliás, a reforma do acórdão quanto a custas «perfila-se como um verdadeiro recurso, uma vez que se impugna a decisão proferida, com base em erro de julgamento, por incorrecta aplicação ou interpretação do direito aplicável, e se pretende a sua substituição por outra conforme à lei» (FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, idem, pág. 63)), ele mesmo sujeito a tributação própria (cf. arts. 1.º, n.ºs 1 e 2, e 7.º, n.º 8, do RCP), elas deverão também ser suportadas pela Recorrida, que é de considerar como vencida, nos termos do já referido critério da causalidade (cf. art. 527.º, n.º 1, do CPC), fixando-se a taxa de justiça em 0,5 UC, atenta a relativa simplicidade e nos termos da Tabela II anexa ao RCP (a que se referem os n.ºs 1, 4, 5 e 7 do art. 7.º).

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - Em sede de recurso jurisdicional, pedindo a Recorrente a revogação da decisão sumária proferida em 1.ª instância e sustentando a Recorrida, que contra-alegou o recurso, a manutenção da mesma, tendo o Tribunal ad quem anulado oficiosamente a decisão recorrida e determinado a devolução dos autos à 1.ª instância, a fim de aí ser proferida nova decisão, deve considerar-se que a Recorrida ficou vencida, pois foi ela quem viu a sua pretensão no recurso (de manutenção da decisão judicial recorrida) definitivamente decidida em sentido contrário, foi ela quem foi negativamente afectada pela decisão do recurso e, por isso, é a parte vencida.

II - É, pois, de reformar quanto a custas o acórdão que proferiu a condenação em custas em sentido diverso.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em deferir o pedido de reforma, com a fundamentação acima expendida e, consequentemente, em reformar o acórdão nos seguintes termos: onde, na parte decisória do mesmo se escreveu «Custas pela Recorrente que, não havendo ganho de causa, é quem tira proveito da decisão (cf. art. 527.º, n.º 1, do CPC)», deve passar a ler-se «Custas, na modalidade de custas de parte, a suportar pela Recorrida, que ficou vencida no recurso (cf. arts. 527.º, n.º 1, 529.º, n.º 4, e 533.º, n.º 1, do CPC e arts. 1.º, n.ºs 1 e 2, e 3.º, n.º 1, do RCP)».

Custas do incidente pela Recorrida, de acordo com a fundamentação supra, fixando-se a taxa de justiça em 0,5 UC (cf. art. 527.º, n.º 1, do CPC e os arts. 1.º, n.ºs 1 e 2, e 7.º, n.º 4, do RCP, bem como a Tabela II anexa ao Regulamento).

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Lisboa, 18 de Setembro de 2019. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Aragão Seia.