Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0118/23.1BECBR
Data do Acordão:03/14/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:ERRO DE ESCRITA
RECTIFICAÇÃO
PROCEDIMENTO PRÉ-CONTRATUAL
Sumário:
Nº Convencional:JSTA00071829
Nº do Documento:SA1202403140118/23
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:B..., LDA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:CCP ART72 N4
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

1. RELATÓRIO
B..., Ldª, pessoa colectiva número ...58, com sede na Rua ... ..., ..., ..., devidamente identificada nos autos, intentou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra – Unidade Orgânica 1 - a presente acção administrativa pré-contratual contra a C..., SA, indicando como contra – interessada A..., SA, pedindo a anulação do ato de exclusão da proposta da Autora e do ato de adjudicação à contra-interessada, devendo ordenar-se a recomposição do ato final e fazer-se a adjudicação à proposta da Autora, no âmbito do Concurso Público Internacional de Prestação de Serviços de Manutenção dos Centros Operacionais Afectos ao Departamento de Equipamentos Norte – Procedimento Pré-contratual TA_22_171_CI_S_008_DMA, para a aquisição de serviços para a execução de trabalhos de manutenção do sistema Multimunicipal de Saneamento da Entidade Demandada naqueles Centros Operacionais.
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O TAF por decisão (saneador/sentença) datada de 12.08.2023, julgou totalmente improcedente a presente acção e, em consequência, absolveu o R. e a Contra-interessada do pedido.
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Inconformada, a A. interpôs recurso jurisdicional apelando para o TCA Norte tendo este por acórdão proferido a 17.11.2023, com um voto de vencido, concedido provimento ao recurso, e, em consequência, revogado a sentença recorrida, julgado a acção movida pela Autora, procedente por provada, anulado o ato de adjudicação, com as legais consequências, condenado a Entidade Adjudicante a rectificar o erro de escrita e a admitir a proposta apresentada pela Autora, seguindo-se os demais trâmites procedimentais até à decisão final de adjudicação à proposta que, em função do critério de avaliação, fique graduada em 1º lugar, e celebração do respectivo contrato.
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É desta decisão que a Contra-interessada, ora recorrente, vem interpor o presente recurso de revista, apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
«A. Vem o presente recurso interposto do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 17/11/2023, que concedeu provimento ao recurso apresentado pela ora Recorrida B... e revogou a sentença do TAF de Coimbra, de 12/08/2023, proferida no âmbito do Concurso Público Internacional para a “Prestação de Serviços de Manutenção dos Centros Operacionais afetos ao Departamento de Equipamentos Norte”, que determina a anulação da adjudicação do citado procedimento à proposta apresentada pela ora Recorrente.
B. A presente revista excecional é interposta ao abrigo do nº 1 do artigo 150º do CPTA, e tem por fundamento a violação da lei, em concreto, uma errada interpretação e aplicação do regime da retificação de erros de escrita numa proposta apresentada no âmbito de um procedimento pré-contratual público, regulado pelo CCP.
C. O STA deve pronunciar-se sobre duas questões jurídicas, que fixam o objeto do presente recurso. A primeira é saber se uma entidade adjudicante pode retificar um erro de escrita numa proposta apresentada no âmbito de um procedimento pré-contratual público, regulado pelo CCP, fazendo recurso ao regime previsto no artigo 249º do Código Civil e ignorando o regime especialmente previsto, para esta matéria, no nº 4, do artigo 72º do CCP (e os princípios jurídicos em matéria de contratação pública).
D. A segunda questão jurídica é a de saber, se num procedimento em que foi apresentado o DEUCP, em vez da declaração do Anexo I do CCP, aquele documento pode ser convocado como um indício para aferir da existência de um erro de escrita de uma proposta, quando o concorrente declara expressamente (e de forma especificada) vincular-se com um atributo, ou um termo ou condição, que viola o respetivo aspeto de execução do contrato estabelecido no caderno de encargos, e quando não existe qualquer outra declaração específica na proposta, que corrobore, de forma clara e inequívoca, a existência desse erro de escrita e/ou da forma de o sanar.
E. Deve o STA fazer uso dos seus poderes de cognição alargados e proferir uma verdadeira decisão substitutiva, que fixe a melhor aplicação das normas com relevo para a conformação da situação controvertida nos presentes autos.
F. Deve o presente recurso ser admitido porque (i) é necessário para uma melhor aplicação do direito e, (ii) estamos perante duas questões que, pela sua relevância jurídica ou social, revestem-se de importância fundamental.
G. A revista é necessária à melhor aplicação do direito, em primeiro lugar, porque a solução jurídica defendida pela Tribunal a quo padece de um manifesto erro na aplicação do direito aplicável, que é juridicamente insustentável.
H. A transitar em julgado o acórdão recorrido, consolidar-se-á no ordenamento jurídico uma decisão de um tribunal administrativo superior que permite destruir uma adjudicação por preterição do alegado dever de correção de um pretenso erro de escrita de uma proposta, apresentada no âmbito de um procedimento pré-contratual público regulado pelo CCP, ao abrigo do artigo 249º do CC, ignorando-se a verificação dos requisitos que o legislador fixou, de forma clara e especificada, no nº 4 do artigo 72º do CCP, para que tal correção possa ter lugar.
I. A transitar em julgado o acórdão recorrido, consolidar-se-á no ordenamento jurídico uma decisão de um tribunal administrativo superior que permite que seja tida em consideração uma declaração genérica de cumprimento do caderno de encargos, para concluir pela existência de um erro de escrita numa proposta, apesar de o concorrente propor, de uma forma especificada e contraditória, um termo ou condição, ou um atributo, que viola o respetivo aspeto de execução do contrato fixado no caderno de encargos.
J. Em segundo lugar, a pronúncia pelo STA, relativamente a esta questão, servirá de paradigma e orientação para apreciação de outros casos, onde se poderão colocar questões semelhantes.
K. Em terceiro lugar, resulta evidente do caso sub judice a forma pouco consistente ou contraditória como esta questão foi tratada pelas instâncias inferiores, que decidiram em sentidos diversos.
L. Acresce que, o acórdão recorrido foi lavrado com um voto de vencido de um dos juízes desembargadores que compuseram o coletivo do Tribunal a quo, que declara que teria negado provimento ao recurso.
M. Em quarto lugar, é sabido que, em geral, a interpretação do sentido e do alcance a conferir à declaração do Anexo I do CCP e a interpretação das normas constantes do artigo 72º do CCP são matérias altamente complexas e que geram a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais.
N. A revista é ainda necessária, porque as questões que fixam o objeto do recurso são questões que, pela sua relevância jurídica ou social, se revestem de importância fundamental.
O. Por um lado, quanto à relevância jurídica, em primeiro lugar, porque existe uma divisão da doutrina e da jurisprudência nestas matérias relativas ao alcance a conferir à declaração do Anexo I do CCP e à interpretação do artigo 72º do CCP.
P. Em segundo lugar, porque esta matéria do erro de escrita numa proposta foi alvo de uma alteração legislativa, uma vez que o artigo 72º do CCP foi alterado pelo Decreto-Lei nº 111-B/2017, de 31 de agosto, que transpõe para o ordenamento jurídico as Diretivas nºs 2014/23/UE, 2014/24/UE e 2014/25/UE, todas do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014.
Q. O acórdão recorrido invoca um acórdão deste STA que foi lavrado antes da modificação desta norma pelo citado Decreto-Lei nº 111-B/2017, de 31 de agosto, pelo que, deverá este STA confirmar se a sua interpretação se deve manter, ou foi modificada, por via da citada alteração legislativa.
R. Em terceiro lugar, porque não existe jurisprudência firmada nos Tribunais superiores quanto ao sentido e ao alcance da declaração do Anexo I do CCP, ou do DEUCP (i.e., de uma “declaração genérica de cumprimento do caderno de encargos”), para efeitos de aferição de um erro de escrita numa proposta, ou seja, se essa declaração pode ser usada como regra interpretativa, na aferição da existência de um erro de escrita, como forma de afastar uma declaração específica que viola uma regra estabelecida no caderno de encargos.
S. Acresce que, não existe qualquer jurisprudência dos tribunais superiores quanto ao sentido e alcance do DEUCP, designadamente, no sentido de saber se este encerra uma declaração genérica de cumprimento do caderno de encargos, como a declaração do Anexo I do CCP.
T. É inequívoca a complexidade jurídica superior ao comum desta questão e, atendendo a esta complexidade, parece-nos que deve ser este STA a firmar a jurisprudência, confirmando se a interpretação constante do acórdão recorrido é, ou não, a interpretação correta das normas.
U. Por outro lado, quanto à relevância social, e em quarto lugar, a controvérsia sobre o modo de aplicação do artigo 249º do CC, e do nº 4 do artigo 72º do CCP, ultrapassa claramente os limites do caso sub judice, sendo suscetível de se repetir no futuro.
V. O interesse subjacente à apreciação pelo STA desta questão vai muito além do interesse prosseguido pela ora Recorrente, uma vez que a concreta apreciação do modo de aplicação do artigo 249º do CC, e do nº 4 do artigo 72º do CCP comporta interesses de grande relevo, porquanto aplicáveis a uma miríade de situações futuras.
W. É do conhecimento comum que os litígios associados à contratação pública representam uma parte substancial dos processos da jurisdição administrativa, tendo esse “elevado volume de processos” sido apontado pelo próprio legislador como uma das razões para a criação de juízos de competência especializada de contratação pública.
X. É igualmente um facto público e notório que a grande maioria desses processos versam temas de exclusão de propostas (ou candidaturas), muitos dos quais, relativos a erros de escrita, ao âmbito dos esclarecimentos à proposta e, de resto, à interpretação do artigo 72º do CCP, e ao sentido e alcance da declaração do Anexo I do CCP (ainda que a outros propósitos).
Y. Acresce que, o valor económico deste processo é muitíssimo elevado (cerca de quinze milhões de euros), o que, por si só, é bem demonstrativo da relevância social deste litígio, pelo mesmo se referir a um contrato com um grande impacto na situação económica das empresas a concurso.
Z. Pelo que, a presente revista deve ser admitida e este Colendo Tribunal pronunciar-se, dizendo se a interpretação sustentada no acórdão recorrido é, ou não, a correta.
AA. O acórdão proferido pelo Tribunal a quo padece de diversos erros de julgamento.
BB. O primeiro erro de julgamento é a aplicação de forma errada do regime de retificação de um erro de escrita a uma proposta apresentada no âmbito de um procedimento pré-contratual público.
CC. O segundo erro de julgamento foi ter-se considerado que foi entregue a declaração do Anexo I do CCP e, por esse motivo, que a Recorrida teria feito a referida “declaração genérica de aceitação, sem reservas, do conteúdo do caderno de encargos”, pois não só a Recorrida não entregou a declaração do Anexo I do CCP, como não apresentou uma “declaração genérica de aceitação, sem reservas, do conteúdo do caderno de encargos”, porque o DEUCP não contém essa declaração.
DD. O terceiro erro de julgamento é entender que o Anexo I do CCP (ou o DEUCP), ou seja, uma declaração genérica de cumprimento do caderno de encargos, pode ser utilizada como um indício objetivo da existência de um erro de escrita.
EE. Quanto ao primeiro erro de julgamento, conclui-se que a possibilidade de correção oficiosa de erros de escrita numa proposta, ou candidatura, apresentada no âmbito do procedimento pré-contratual público, encontra-se prevista no nº 4 do artigo 72º do CCP, o qual pertence à Parte II do CCP, que é aplicável, nos termos do artigo 1º do CCP, “à formação dos contratos públicos”.
FF. Atendendo a que existe um regime especialmente previsto para estas matérias no CCP, é óbvio que não existe qualquer lacuna a ser integrada e, por esse motivo, não haverá que fazer uso do regime geral de interpretação das declarações negociais, previsto no Código Civil.
GG. De acordo com o disposto no nº 4 do artigo 72º do CCP, tanto a existência do erro, como os termos em que o mesmo deve ser corrigido deve ser “evidente” para “qualquer destinatário”, ou seja, ambos devem ser evidentes para qualquer concorrente, ou membro do júri do procedimento pré-contratual em apreço.
HH. Por força dos princípios vigentes em matéria de contratação pública, a evidência deste erro e da forma de o corrigir têm de resultar inequivocamente dos documentos da proposta (ou candidatura) inicialmente apresentada pelo concorrente (ou candidato), e a forma de retificação do erro não pode ter um carácter inovador, em relação aos documentos inicialmente entregues com a proposta (ou candidatura).
II. No procedimento pré-contratual público, há um vetor importantíssimo para proteger, para além do direito do declarante à “verdade material” da sua declaração negocial: a concorrência do procedimento, ou seja, os interesses dos restantes concorrentes ao procedimento pré-contratual público.
JJ. Em suma, a retificação de um erro de escrita de uma proposta (ou candidatura), apresentada no âmbito de um procedimento pré-contratual público, ao contrário do ajuizado pelo Tribunal a quo, apenas pode ocorrer se forem respeitados os seguintes requisitos, resultantes do nº 4 do artigo 72º do CCP e dos princípios da intangibilidade das propostas/candidaturas e da sã concorrência: (i) quando a existência do erro é evidente; (ii) quando é evidente a forma de o sanar; ambas tendo em conta, apenas e só, elementos objetivos dos documentos constitutivos da proposta, ou da candidatura; e (iii) quando a retificação do erro não traz qualquer “carácter inovador” àquilo que já seria proposto inicialmente pelo concorrente.
KK. O acórdão recorrido deve, assim, ser revogado, fixando-se o entendimento de que (i) um erro de escrita de uma proposta, ou candidatura, não pode, atualmente, ao abrigo da versão em vigor do CCP, ser sanado por recurso ao disposto no artigo 249º do CC; e (ii) esta sanação tem de respeitar os requisitos previstos no nº 4 do artigo 72º do CCP e os princípios vigentes num procedimento pré-contratual público.
LL. Quanto ao segundo erro de julgamento, resulta inequivocamente dos factos provados 10) e 11) que da proposta da Recorrida B... não consta a declaração que segue o modelo do Anexo I ao CCP.
MM. O procedimento pré-contratual sub judice seguiu a forma de concurso público com publicidade internacional (ou seja, de concurso público com publicidade no Jornal Oficial da União Europeia), pelo que, a declaração do Anexo I ao CCP foi substituída pelo DEUCP, nos termos do nº 6 do artigo 57º do CCP.
NN. Apesar de o DEUCP ser entregue em substituição da declaração do Anexo I ao CCP, os documentos não cumprem exatamente as mesmas funções.
OO. Do conteúdo do DEUCP não resulta qualquer declaração em como o concorrente afirma conhecer e “aceitar, sem reservas, todas as (…) cláusulas” do caderno de encargos.
PP. Resulta do Anexo I do Regulamento de Execução (UE) 2016/7 da Comissão, de 5 de janeiro de 2016, que o DEUCP “é uma declaração sob compromisso de honra dos operadores económicos que serve de elemento de prova preliminar em substituição dos certificados emitidos pelas autoridades públicas ou por terceiros. (…) trata-se de uma declaração formal do operador económico segundo a qual este último não se encontra em qualquer das situações que devem ou podem conduzir à exclusão de um operador económico, preenche os critérios de seleção relevantes e que, se for caso disso, satisfaz as regras e os critérios objetivos estabelecidos com o objetivo de limitar o número de candidatos qualificados que serão convidados a participar”.
QQ. O acórdão recorrido deve, assim, ser revogado, fixando-se o entendimento de que, ao submeter o DEUCP, os concorrentes não apresentam uma declaração genérica de cumprimento das obrigações do caderno de encargos.
RR. Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá, quanto ao último erro de julgamento, que jamais uma declaração genérica de cumprimento do caderno de encargos pode ser relevada como um “elemento objetivo” da proposta de um concorrente, que corrobore a existência de um erro de escrita, apenas porque aquela declaração genérica aponta num sentido contrário ao da declaração específica, que propõe um termo ou condição, ou um atributo, que desrespeita o disposto no caderno de encargos.
SS. Apenas porque um concorrente assinou uma declaração genérica de cumprimento do caderno de encargos, sempre que propuser um atributo, ou termo ou condição, que viole o caderno de encargos, não pode entender-se que esta segunda declaração apenas pode consubstanciar um “erro de escrita” do declarante, pois, na verdade, o concorrente vinculou-se genericamente a cumprir o caderno de encargos.
TT. O STA entendeu, no passado que, “não se pode concluir, pelo facto de a concorrente haver subscrito a Declaração de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, que tal aceitação afasta imediata e necessariamente a relevância e o compromisso manifestados através da apresentação de qualquer outro documento que contenha regras técnicas que contrariem esse mesmo caderno de encargos” – cfr. acórdão de 31/03/2016, proferido no âmbito do processo nº 023/16.
UU. O erro de escrita sempre teria de ser corroborado por um elemento objetivo da proposta, ou seja, uma declaração específica e clara, em sentido oposto, que revelasse que o concorrente não poderia ter querido, simultaneamente, vincular-se, de uma forma especificada (e não genérica) com as duas condições de execução do contrato, que são distintas. VV. O acórdão recorrido deve, assim, ser revogado, fixando-se o entendimento de que uma declaração genérica de cumprimento do caderno de encargos não é suficiente para defender a existência de um erro de escrita de uma proposta, sempre que o concorrente apresente um atributo, ou um termo ou condição, que viole o caderno de encargos.
WW. Concluindo-se que esta é a interpretação correta das normas, apenas se poderá concluir que suposto erro de escrita da proposta da Recorrida não pode ser retificado, ao abrigo do nº 4 do artigo 72º do CCP.
XX. Em primeiro lugar, porque não é evidente a qualquer destinatário a existência do erro de escrita na proposta apresentada pela Recorrida.
YY. Não ressalta dos documentos da proposta da Recorrida, que esta tenha pretendido propor uma qualquer experiência profissional, quanto aos mecânicos de bombas, que irá afetar à execução do contrato, caso venha a ser adjudicatária, que não seja os 5 (cinco) anos constantes da tabela transcrita no facto provado 11).
ZZ. A mera circunstância de a Recorrida ter demonstrado conhecer as exigências do caderno de encargos que estabelecem o parâmetro base de 8 (oito) anos de experiência para aquele perfil da equipa a afetar à execução do contrato, não pode ser entendido como uma intenção da Recorrida de as pretender cumprir e, muito menos, como uma declaração clara e inequívoca nesse sentido, de modo a que, qualquer declaração negocial da Recorrida, que desrespeite essa concreta exigência do caderno de encargos, apenas possa ser entendida como um erro de escrita.
AAA. Em segundo lugar, porque não é evidente para qualquer destinatário a forma de sanar o erro de escrita alegadamente constante na proposta apresentada pela Recorrida.
BBB. Ainda que se entenda que a Recorrida não queria incumprir o caderno de encargos, propondo 5 (cinco) anos de experiência para aqueles técnicos, a verdade é que é impossível saber que concretos anos de experiência a Recorrida pretenderia propor, para aqueles dois técnicos, através da análise dos documentos da sua proposta.
CCC. A experiência dos técnicos que compõem a equipa a afetar à execução do contrato era um atributo da proposta, pelo que, um maior número de anos de experiência dos membros da equipa significaria um número mais elevado de “pontos” num dos subfactores do critério de adjudicação das propostas.
DDD. Não existe qualquer documento da proposta da Recorrida que refira, de uma forma clara e inequívoca a qualquer destinatário, o número de anos de experiência dos “mecânicos de bombas” que compõem a equipa proposta pela Recorrida, a não ser o documento onde reside o suposto erro de escrita.
EEE. A inequívoca e derradeira prova de que a existência do erro e da forma de o sanar não são evidentes para qualquer destinatário é a de que, dos quatro juízes que se debruçaram sobre esta matéria, dois consideraram o erro evidente e outros dois não o consideraram evidente.
FFF. Nem se pode sustentar que se poderia encontrar uma máxima interpretativa em como a Recorrida B... indicou sempre, para cada categoria profissional, na sua proposta, a experiência mínima exigida no caderno de encargos, pelo que, também para os mecânicos de bombas, apenas poderia querer propor essa experiência mínima.
GGG. A Recorrida propôs um número de anos de experiência superior ao parâmetro base mínimo exigido no caderno de encargos para outros perfis que compõem a equipa proposta – cfr. facto provado 11).
HHH. Por último, também o último requisito, de a forma de sanar o erro não ter um carácter inovatório, não está preenchido.
III. Se se admitisse, como no acórdão recorrido, a correção do alegado erro quanto à experiência dos mecânicos de bombas, de 5 anos, para 8 anos, seria manifesto o carácter inovatório desta declaração negocial, em relação aos documentos constitutivos da proposta da Recorrida B..., pois a mesma não consta, objetivamente, de nenhum documento da sua proposta, tal qual foi inicialmente apresentada a concurso.
JJJ. Admitir-se a retificação deste erro, significaria que seria permitido à Recorrida retificar um “erro de escrita”, modificando um atributo da proposta, numa fase em que já são conhecidas as propostas apresentadas pelos outros concorrentes.
KKK. Deve este STA revogar o acórdão recorrido, proferindo uma verdadeira decisão substitutiva, que reconheça que não estão preenchidos os requisitos previstos no nº 4 do artigo 72º do CCP, e decorrentes dos princípios em matéria de contratação pública, que permitiriam sanar o alegado erro de escrita da proposta da Recorrida B....
LLL. Reconhecendo-se, em suma, que o ato de adjudicação impugnado não padece de qualquer vício que deva conduzir à sua anulação, mantendo-se, portanto, a exclusão da proposta da Recorrida e a adjudicação da proposta da Recorrente e, de resto, a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância.»
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A recorrida B... concluiu as suas alegações do modo seguinte:
«A. Do objecto do Recurso
I. As conclusões supra transcritas encerram uma discussão jurídica que está para além do tema decidendum e que nele não se contem, menos ainda integram o iter decisório igualmente transcrito.
B. Da Inadmissibilidade da Revista
II. A revista não pode ser admitida porque o caso, objecto do julgado, assumiu e decidiu a existência de erro de escrita manifesto em função das circunstâncias da declaração da concorrente e do que a mesma contém, no mesmo quadro e linha, no que concerne a requisito exigido pelo Caderno de Encargos.
Reconhecidas as circunstâncias determinantes do erro a declaração de conformidade é apenas um elemento coadjuvante do raciocínio do julgador e não o seu princípio. A aplicação da norma do artigo 249º do Cód. Civil não exige a menção expressa à norma do artigo 72º, nº 4, do CCP, em face do novo quadro legal, por se tratar de uma norma que contem a essência da primeira quanto ao reconhecimento do erro manifesto e da forma da sua resolução.
Não pode, por via interpretativa, usar-se dessa norma acoplada à exigência documental do DEUCP para se afirmar a necessidade de ser julgada quando interpretada em decisão no sentido do reconhecimento da superação do erro manifesto que impõe a admissão da candidatura excluída.
Uma e outra não podem ser desenquadradas da questão de facto nem permitem que se julgue fora dela, antes a pressupõem e exigem.
O elemento histórico e a própria letra da Lei assim o determinam e não impõem ao Tribunal um julgamento diverso daquele que a decisão contém.
Não pode proceder-se à interpretação, num caso concreto, em ordem a criar uma solução geral porque as circunstâncias de facto não são passíveis de replicação comum.
III. No caso trata-se de um erro de escrita o qual resulta da expressão literal da proposta e se revela no próprio contexto da declaração e das concretas circunstâncias em que a declaração é feita, a entender-se como erro de que o homem normalmente atento se apercebe no confronto da declaração com as circunstâncias em que é emitida, o que constitui a questão decidida.
IV. A Recorrente repristina a explicação de direito constante dos autos, e omite a operação de interpretação dos factos e aplicação do Direito levados a cabo pelo Tribunal a quo à qual está subjacente o comando normativo do artigo 72º, nº 4, do CCP.
V. Percorrendo a linha de pensamento da recorrente, em ordem a justificar a jurisdição excecional deste Venerável Tribunal, verificamos que para a Recorrente não é aplicável à situação subjudice o comando do artigo 249º do Código Civil mas apenas o que prevê a este respeito o artigo 72º, nº 4, do CCP, por se tratar de uma legislação especial que, na sua ideia, derroga o princípio geral.
VI. Ou seja, o regime jurídico do artigo 249º do Cód. Civil é transposto para o artigo 72º, nº 4 do CCP. A densificação normativa do artigo 249º do Código Civil, os pressupostos jurídicos da sua aplicação, surgem descodificados numa linguagem muito mais acessível, tendo como destinatários interpretes que nem sempre são juristas e para os quais se torna necessário uma ferramenta interpretativa mais compreensível e mais simplificada.
VII. A Doutrina e Jurisprudência supra referida realçam a admissibilidade e correção do “lapsus calami”, devendo sublinhar-se que o Acórdão recorrido socorre-se exatamente da Jurisprudência citada para fundamentar a sua decisão!
VIII. Podemos por isso concluir que o artigo 72º, nº 4, do CCP decalcou a interpretação do artigo 249º do Código Civil, transpondo especificamente para a matéria da contratação pública o regime do lapsus calami do Código Civil, transversal a todo o sistema jurídico, sendo precisamente esta ideia que perpassa pelo acórdão recorrido: a interpretação do artigo 249º do Código Civil, na hermenêutica acima explicitada e acolhida no Acórdão, idêntica à preceituada no artigo 72º, nº 4, do CCP.
IX. Toda a exegese jurídica patente no Acórdão recorrido é a da integração e aplicação do artigo 72º, nº 4, do CCP, à semelhança da interpretação do artigo 249º, do Código Civil, há muito adotada pelo Supremo Tribunal Administrativo.
X. No caso, resulta dos enunciados da Recorrente uma apreciação sobre questão de direito que esta cria como nova, que não se contém no decidido, não constituindo a sua apreciação uma questão que pela sua relevância jurídica se revista de importância fundamental porquanto a sua essencialidade é-lhe conferida pelo interesse particular daquela e não pelo sentido decisório do acórdão recorrido que teve por objeto a questão definida em 10.7 (ocorreu ou não erro de escrita, segundo a previsão do artigo 249.º do Cód. Civil na elaboração da proposta da Autora?)
XI. O juízo aí efetuado quanto ao erro de escrita segundo a previsão do artigo 249º do Cód. Civil na elaboração da proposta da Autora, no quadro de facto aí descrito, não pode legalmente ser qualificado como errado ou juridicamente insustentável e justificativo da admissão da revista para melhor aplicação do direito, pois que a singularidade factual em causa inibe que dela possa ser retirado, segundo a perspetiva da Recorrente, um padrão para reapreciação dos julgamentos de facto que as partes submetem a julgado como casos-tipo.
XII. Assim como não admite o que o julgado consignou, na sua aplicação, quanto às razões de facto e a sua integração no direito e nas regras da experiência comum ao considerar que por observar que no quadro apresentado pela concorrente B..., que integra a sua proposta, e que está reproduzido no ponto 11 do elenco dos factos provados, o mesmo contém, do seu lado esquerdo, aposta pela concorrente, a indicação expressa da exigência formulada pelo CE quanto aos “Requisitos Mínimos” e “qualificações da equipa” que há-de intervir na execução do contrato e que, na mesma linha, mas mais à direita, consta a qualificação desse pessoal proposta pela concorrente e respetiva experiência profissional.
XIII. E que a metodologia, foi também seguida na elaboração da proposta da B... relativamente ao grupo profissional constituído pelos mecânicos de bombas, sendo que se se atentar no último item da página 15 da proposta apresentada verifica-se que a mesma enunciou, do lado esquerdo do quadro apresentado, a exigência plasmada no caderno de encargos de dois mecânicos de bombas integrarem a equipa técnica para a execução do contrato e desses mecânicos possuírem uma experiência profissional mínima de 8 anos – cfr. facto provado 11. Mas também se constata, a olho nu, que precisamente ao lado dessa indicação, e na mesma linha, a Apelante indicou, para a equipa técnica a integrar por dois mecânicos de bombas que se dispunha a disponibilizar no âmbito do concurso público, apenas 5 anos de experiência profissional, e que, ter como certo que qualquer pessoa confrontada com o teor literal da proposta redigida nos termos anteditos, a leitura que dela faz, é a de que a concorrente incorreu num lapso manifesto ao escrever na coluna relativa à experiência dos mecânicos de bombas, que se compromete a disponibilizar, para efeitos de adjudicação do serviço a cujo concurso se candidata, que aqueles trabalhadores terão uma experiência de 5 anos, e isso, porque, na coluna imediatamente anterior foi expressa em indicar que era exigência mínima resultante do CE que esses trabalhadores tivessem uma experiência profissional de pelo menos 8 anos.
XIV. E conclui que só por erro é que se concebe que poderia indicar, como indicou, que os trabalhadores a disponibilizar nesse grupo profissional teriam apenas 5 anos de experiência, quando antes acabara de escrever que o CE exigia que os mesmos tivessem 8 anos no mínimo de experiência profissional, exigência que se incumprida da sua parte ditava a exclusão do concurso a que se estava a candidatar.
XV. uma incompatibilidade expressa entre a indicação que a concorrente faz de que para esses elementos era necessário que os mesmos tivessem uma experiência profissional de 8 anos e a indicação que faz de que se compromete a disponibilizar tais elementos com uma experiência de 5 anos, facto que de per se, revela a incursão da concorrente em manifesto erro ou “lapsus calami”.
XVI. O caso, na sua materialidade, em nada se distingue na solução jurídica, a concorrente cumpriu as formalidades do modo de apresentação e a proposta encontra-se devidamente instruída com todos os documentos exigidos, no que se inclui o DEUCP, o qual não pode servir para justificar as razões invocadas pelo Recorrente para o não reconhecimento do erro de escrita da proposta, porquanto «é um documento apresentado pelos candidatos ou concorrentes, constituído por uma declaração sob compromisso de honra atualizada que tem o valor de prova preliminar sobre a verificação de condições relativas aos candidatos ou concorrentes (habilitação pessoal e preenchimento de requisitos mínimos de capacidade): cfr. artigo 59º da Diretiva 2014/24/UE» - Pedro Costa Gonçalves, ob.cit., pág. 577. Assim, para além de pretender substituir a declaração de compromisso do Anexo I, trata-se de um documento destinado a atestar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da proposta e tem uma função de vinculação dos concorrentes, análoga àquela que é assegurada pela declaração de aceitação integral e incondicional do conteúdo do caderno de encargos, que os mesmos apresentam de acordo com o modelo constante do Anexo I do CCP.
XVII. E no exposto reside a questão de inadmissibilidade do presente recurso, porquanto, in casu, está-se perante um tema decidendum concreto resolvido no enquadramento de facto próprio do processo que não configura um interesse de particular relevância para efeitos de casos padrão ante a exigência da mesma e a concreta situação de facto em face da norma aplicada e efetuada, também, segundo as regras da experiência comum, pelo que a decisão não contraria as soluções mais plausíveis e acolhidas em sede de aplicação do direito em causa e dos princípios gerais da contratação pública, designadamente todas quantas as proferidas pelo STA nesse domínio.
XVIII. O reconhecimento, no caso, do erro manifesto constante da proposta, não constitui uma questão que revela uma especial capacidade de repercussão social, sendo que a utilidade da decisão não extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.
XIX. Já a pretensão da Recorrente reside na valorização do interesse particular em detrimento do interesse público cuja falta de razão é corroborada pela Jurisprudência supra citada designadamente quanto aos conceitos e definição de critérios de admissibilidade.
XX. O espírito interpretativo da Recorrente confunde-se numa questão essencial - o Acórdão recorrido não usou o DEUCP com regra interpretativa para efeitos de juízo decisório da declaração negocial, mas como mero elemento coadjuvante, ou na forma do decidido, uma do complexo de declarações heterogéneas em que os concorrentes procuram responder às diversas solicitações da entidade adjudicante quanto às questões consideradas procedimentalmente relevantes para aferir das vantagens da proposta (cfr. 13.1.).
XXI. E sendo, como aí se afirma – 13.2., a proposta uma declaração negocial (art. 56º, nº 1, do CCP) a sua interpretação está sujeita às regras interpretativas do negócio jurídico (art. 236º do CC) enquanto atividade destinada a determinar o significado juridicamente relevantes do respetivo conteúdo declarativo.
XXII. Acresce ao sentido desta declaração aquela outra que o julgado faz constar de 16.4. e 16.5 e por via do que conclui que sendo a própria, por exigência do concurso, por seu punho, a preencher na coluna do lado esquerdo (8) para efeitos de cumprimento dos requisitos e no mesmo local, logo ao lado, à direita, na experiência proposta escrever (5), em absoluta contradição com acabara de enunciar, tal não pode deixar de evidenciar um erro de escrita manifesto.
XXIII. E os fundamentos encontram-se plasmados de 15. a 17. do acórdão recorrido não sobressaindo da fundamentação aí exarada qualquer comprometimento interpretativo alicerçado no DEUCP para efeitos da conclusão final, porque não foi pela via das declarações que integram a proposta que se chegou à perentória existência do erro manifesto.
XXIV. Assim não pode o STA reconhecer, no caso, os objetivos que prossegue o DEUCP porque não foi o DEUCP, enquanto declaração quer integra a proposta, mas a proposta em si, o seu texto, e o erro nele contido que permitiu concluir pelo erro manifesto da declaração.
XXV. O que a Recorrente faz é usar elementos acessórios aquela declaração para elegendo-os como primado da interpretação que projecta para o caso os tornar elementos essenciais e a exigirem uma pronúncia do STA para aplicação genérica o que constituiria, isso sim, um erro de direito.
XXVI. Criando-se uma norma interpretativa para efeitos da aplicação do DEUCP no caso de um erro manifesto que assume, como já se referiu, uma particularidade que não pode ser generalizada.
XXVII. Persistindo numa interpretação conforme à sua pretensão verte nas conclusões YY. e ZZ. o princípio definidor da sua estratégia processual – primeiro e de forma categórica afirmar a impossibilidade da retificação do erro de escrita e por via da norma que quer ver convenientemente aplicada - depois a assunção da sua tese quanto à inexistência do erro de escrita na proposta apresentada pela Recorrida.
XXVIII. Nessa conveniente interpretação afirma que não ressalta dos documentos da proposta da Recorrida, que esta tenha pretendido propor uma qualquer experiência profissional, quanto aos mecânicos de bombas, que irá afetar à execução do contrato, caso venha a ser adjudicatária, que não seja os 5 (cinco) anos constantes da tabela transcrita no facto provado 11), bem sabendo que da análise da tabela resulta exatamente o contrário do que afirma conforme assertivamente se fez constar do Acórdão recorrido, e que é, aliás, é de fácil constatação para o homem médio numa análise despida de preconceito jurídico daquela tabela.
XXIX. O mesmo se diga quando afirma, numa pretensão de pronúncia sobre tal, que a mera circunstância de a Recorrida ter demonstrado conhecer as exigências do caderno de encargos que estabelecem o parâmetro base de 8 (oito) anos de experiência para aquele perfil da equipa a afetar à execução do contrato, não pode ser entendido como uma intenção da Recorrida de as pretender cumprir e, muito menos, como uma declaração clara e inequívoca nesse sentido, de modo a que, qualquer declaração negocial da Recorrida, que desrespeite essa concreta exigência do caderno de encargos, apenas possa ser entendida como um erro de escrita.
XXX. Venerandos Juízes Conselheiros é esta a questão objecto dos autos – o erro de escrita, e como tal julgado, e não as demais que trasvestidas desta e numa interpretação contra legem a Recorrida pretende ver apreciadas, quando é certo, esta ser a base única e a questão jurídica decidida, no enquadramento legal que lhe é devido, e que para tal foi usado pelo Acórdão recorrido.
XXXI. E sobretudo quando sobre esta particularidade da sua discussão jurídica apela ao juízo que sobre ela fizeram dois Juízes de Direito, como se se tratasse, no caso, de uma luta que ao Supremo Tribunal Administrativo cumpre desempatar.
XXXII. É nesta avidez jurídica com vista à obtenção de uma nova decisão no processo que confirme a sua pretensão que se percebe a linha argumentativa e sem razão da Recorrente que resulta igualmente justificada por apelo a interpretação, (…) o “objecto de uma determinada apreciação ou qualificação jurídica nunca é o facto puro, o acontecer fáctico em seu carácter imediato, mas uma imagem representativa já performada pela consciência, que se funda em percepções (do próprio julgador ou de outrem) mas que para além disso está já ordenada em categorias e interpretada em conformidade com a experiência. (…) Só é recolhido no relato, e afinal na situação de facto a julgar, aquilo que na opinião do julgador ou relator, apresenta alguma relação com o núcleo do acontecimento e está submetido a uma apreciação jurídica” (A Distinção entre a Questão-de-Facto e a Questão-de-Direito e a Competência do Supremo Tribunal de Justiça como tribunal de revista, Digesta, vol. I, pp 483-530).
XXXIII. O aspeto inovador do artigo 72º, nº 4, do CCP, não reside, portanto, na interpretação normativa dos erros de escrita ou de cálculo contidos nas candidaturas ou propostas porque ele absorve a interpretação civilista, mas no poder atribuído ao júri de as retificar oficiosamente, desde que observadas aquelas exigências.
XXXIV. O Tribunal Recorrido considerou que a menção na proposta elaborada pela recorrida indicando uma experiência profissional de 5 anos para a categoria de mecânico de bombas incorria em erro manifesto porque dela resultava, de forma patente, que a candidata queria propor uma experiência profissional de 8 anos para esse grupo profissional. Ou seja, o Tribunal Recorrido considerou que o lapso era evidente e que resultava da própria declaração os termos da retificação.
XXXV. O Acórdão Recorrido vem acolher o pensamento ínsito no artigo 72º, nº 4, do CCP e, mesmo sem referir expressamente no iter decisório, a decisão recorrida obedece à dogmática prevista naquele preceito, julgando de acordo com ela e apreendendo o seu sentido normativo.
XXXVI. A retificação do erro material limita-se a restituir a proposta a sua verdade original pelo que não fere os princípios da intangibilidade das propostas ou da concorrência.»
*
O “recurso de revista” foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº 6 do artº 150º do CPTA], proferido em 25.01.2024.
*
O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artº 146º, do CPTA, pronunciou-se no sentido da procedência do recurso e manutenção da decisão de 1ª instância, pese embora, com distinta fundamentação.
Notificados os sujeitos processuais deste parecer, apenas a recorrida B...-Ldª se pronunciou, mantendo o já defendido nos autos.
*
Sem vistos, por não serem devidos.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. MATÉRIA DE FACTO
A matéria de facto assente nos autos, é a seguinte:
«1) Através do anúncio de procedimento nº 11210/2022 datado de 02/09/2022, publicado no Diário da República, 2ª série – nº 171 de 05/09/2022 e no Jornal Oficial da União Europeia, com referência 2022/S172-487755, datado de 07/09/2022, a Entidade Demandada lançou o Concurso Público Internacional para “Prestação de Serviços de Manutenção dos Centros Operacionais afetos ao Departamento de Equipamentos Norte” – Procedimento Pré-contratual TA_22_171_CI_S_008_DMA, para a aquisição de serviços para a execução de trabalhos de manutenção do sistema Multimunicipal de Saneamento da Tejo Atlântico nos Centros Operacionais afetos ao Departamento de Equipamentos) (Diário da República de documento nº 005227092 de fls. 55 do SITAF, informação de Pasta 1 e Ficheiros 1 e 2 de Pasta 2 do Processo Administrativo).
2) A aquisição de serviços em causa no Concurso Público referido no número anterior tem, por objeto, a execução dos trabalhos de manutenção do sistema multimunicipal de Saneamento do Tejo Atlântico nos centros operacionais afectos ao Departamento de Equipamentos do Norte (Diário da República de documento nº 005227092 de fls. 55 do SITAF, informação de Pasta 1 e Ficheiros 1 e 2 de Pasta 2 do Processo Administrativo).
3) A Autora teve acesso ao Programa de Procedimento e ao Caderno de Encargos através da plataforma eletrónica de contratação pública ACINGOV (Diário da República e artigo 5º do Programa do Procedimento de documentos nºs 005227092 e 005227093 de fls. 55 e 61 do SITAF, Ficheiros 1 e 2 de Pasta 2 e Ficheiro 1 de Pasta 3 do Processo Administrativo).
4) Do artigo 7º do Programa do Procedimento, sob a epígrafe “documentos que constituem a proposta”, nº 1.2. os seguintes documentos contendo os atributos da proposta relativos a aspetos da execução do contrato submetidos à concorrência pelo Caderno de Encargos e de acordo com os quais Concorrente se dispõe a contratar” consta, do sub - número 1.2.4. “descrição da metodologia de intervenção e dos meios humanos contendo designadamente o seguinte”, alínea 1.2.4.5., a “indicação da experiência mínima de cada uma das especialidades prevista na listagem de meios humanos afetos à prestação de serviço, a propor pelo concorrente (Programa do Procedimento de documento nº 005227093 de fls. 61 do SITAF e Ficheiro 1 de Pasta 3 do Processo Administrativo).
5) Do artigo 14º, nº 1 do Programa do Procedimento consta, além do mais, que “a adjudicação será efetuada segundo o critério da proposta economicamente mais vantajosa na modalidade multifactor, com um conjunto de fatores densificados de acordo a metodologia de avaliação de propostas constante do Anexo V” (Programa do Procedimento de documento nº 005227093 de fls. 61 do SITAF e Ficheiro 1 de Pasta 3 do Processo Administrativo).
6) Do Anexo V do Programa do Procedimento consta a Metodologia de Avaliação das Propostas sendo, o ponto I, referente à Metodologia Geral, no qual se encontram descritos os fatores de apreciação e a percentagem de ponderação dos mesmos, nos seguintes termos (Programa do Procedimento de documento n.º 005227093 de fls. 61 do SITAF e Ficheiro 1 de Pasta 3 do Processo Administrativo):
“(...)
[IMAGEM]
(…)”
7) No ponto 2 do Anexo V do Programa do Procedimento, referente à Avaliação do Fator “Qualidade Técnica da Proposta”, consta, do nº 2.2.2., que a determinação da experiência da equipa será feita utilizando-se a seguinte base (Programa do Procedimento de documento nº 005227093 de fls. 61 do SITAF e Ficheiro 1 de Pasta 3 do Processo Administrativo):
“(...)
[IMAGEM]
(…)”
8) Do ponto 2 do Caderno de Encargos, nº 2.º, alínea 2.1.1, consta que o preço máximo que a Entidade Demandada se dispõe a pagar pela execução de todas as prestações que constituem o objeto do contrato é de 15.100.000,00€, para sete anos de duração do contrato (Caderno de Encargos de documento nº 005227110 de fls. 94 do SITAF e Ficheiro 2 de Pasta 3 do Processo Administrativo).
9) Do ponto 9 do Caderno de Encargos, epigrafado “Meios Humanos” consta, designadamente, o seguinte (Caderno de Encargos de documento nº 005227110 de fls. 94 do SITAF e Ficheiro 2 de Pasta 3 do Processo Administrativo):
(...) 9.2.9 As categorias profissionais a considerar pelo Prestador de Serviços deverão cumprir os seguintes requisitos mínimos:
(...)
e) Mecânicos de Bombas – Mecânicos com experiência profissional relevante de pelo menos 8 (oito) anos na área de reparação oficinal de grupos eletrobomba e equipamentos de saneamento de águas residuais; deverão ter conhecimentos básicos e experiência na operação de torno mecânico
(...)
9.2.10 O concorrente deverá indicar, para cada um dos elementos da equipa técnica a propor (equipa mínima base e elementos eventuais), a experiência mínima (em anos) dos mesmos. Esta informação será utilizada para efeitos de avaliação da proposta e a experiência indicada na proposta passará a ser requisito contratual obrigatório;
9.2.11 A Tejo Atlântico apenas considerará, na execução da prestação de serviços, trabalhadores que cumpram os anos de experiência indicada nos termos do ponto anterior (...)
10) Tanto a Autora como a Contra-interessada apresentaram as suas respetivas propostas na plataforma eletrónica em 14/11/2022 (Relatório Preliminar de Análise e Avaliação de Propostas de documento nº 005227155 de fls. 299 do SITAF e Ficheiro recibo de Pasta 6 do Processo Administrativo).
11) Da proposta da Autora consta, designadamente, o seguinte (proposta de documentos nºs 005227154 e 005235405 de fls. 220 e 440 do SITAF e Ficheiro 7.1.2.4) ass da Pasta 14_PR.197-22 da Pasta proposta_1412963_B..., Ldª da Pasta 6 do Processo Administrativo):
(...)
7.1.2.4)
MEIOS HUMANOS
1.. INTRODUÇÃO
1.1 – Considerações Gerais
No sentido de responder cabalmente à presente alínea, intitulada DESCRIÇÃO DA METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO E DOS MEIOS HUMANOS, a B..., responde às exigências submetidas a concurso, não só pelo estabelecido no ponto 9 do Caderno de Encargos – Meios Humanos – mas também pela experiência consolidada na prestação de serviços de Manutenção de Sistemas de Tratamento de Águas Residuais.
(...)
2. JUSTIFICAÇÃO DOS MEIOS HUMANOS
2.1 Considerações Gerais
(...)
A equipa proposta engloba todas as valências necessárias para uma boa execução da prestação de serviços, garantindo respostas rápidas, eficientes e tecnologicamente adequadas, tendo em conta as características intrínsecas de cada infraestrutura e especialidades dos trabalhos de manutenção, assegurando o cumprimento de todas as exigências do contrato.
(...)
2.4 Apresentação da Equipa Técnica
2.4.1 Equipa Técnica Residente
No Quadro seguinte apresentam-se os elementos que ficarão afetos ao presente contrato e que, por conseguinte, constituem a equipa residente. Nesse Quadro ainda se encontram discriminadas as respetivas habilitações (quando aplicável), a experiência profissional e a sua afetação à presente prestação de serviços. De salientar, que a B..., para suprir as necessidades de mão-de-obra privilegiará o recrutamento dos colaboradores que atualmente prestam serviço nas instalações a concurso. Como já foi mencionado, a B..., para suprir a necessidades de mão-de-obra dará preferência à contratação regional para os elementos a integrar na Equipa Técnica residente.
(...)
Constituição da Equipa Técnica Residente
[IMAGEM]
12) Em 02/12/2022, o Júri do procedimento procedeu à análise das propostas apresentadas e à respetiva classificação, tendo elaborado Relatório Preliminar, em 15/12/2022, no qual foi proposto, além do mais, a exclusão da proposta apresentada pela Autora e a admissão das propostas apresentadas pela Contra-interessada e pela D..., tendo sido proposta a graduação daquela em 1º lugar, com uma avaliação global de 8,18 pontos e a graduação desta em 2º e último lugar, com uma avaliação global de 6,51 pontos (Relatório Preliminar de Análise e Avaliação das Propostas de documento nº 005227155 de fls. 299 do SITAF e Ficheiro de Pasta 7 do Processo Administrativo).
13) Sobre a proposta de exclusão da proposta apresentada pela Autora, consta, designadamente, o seguinte, do Relatório Preliminar referido no número anterior (Relatório Preliminar de Análise e Avaliação das Propostas de documento nº 005227155 de fls. 299 do SITAF e Ficheiro de Pasta 7 do Processo Administrativo):
(...)
7. ANÁLISE DAS PROPOSTAS
O Júri do procedimento procedeu à análise das propostas, verificando as formalidades de apresentação e respetivo teor, nomeadamente o cumprimento dos requisitos estabelecidos no Caderno de Encargos não submetidos à concorrência. Da análise efetuada o Júri constatou o seguinte:
(...)
c) Concorrente N.º 3 – B..., LDA.
- A proposta do Concorrente Nº 3 – B..., LDA., apresenta um preço máximo de 14 097 394,08 € (catorze milhões e noventa e sete mil, trezentos e noventa e quatro euros e oito cêntimos);
- A proposta cumpre as formalidades do modo de apresentação e encontra-se devidamente instruída com todos os documentos exigidos.
- A proposta não cumpre com o disposto no Caderno de Encargos.
- A proposta propõe uma equipa técnica em que alguns dos elementos não cumprem os requisitos previstos no ponto 9.2.9 alínea e) do Caderno de Encargos:
[IMAGEM]
Nos termos do anteriormente exposto, por apresentar proposta que não cumpre com o definido no Caderno de Encargos, o Júri do procedimento deliberou, por unanimidade, excluir, por violação dos parâmetros base fixados no Caderno de Encargos, nos termos da alínea b) do nº 2 do artigo 70º do CCP ex vi da alínea o) do nº 2 do artigo 146º do mesmo diploma legal, a proposta do seguinte concorrente:
- Concorrente Nº 3 – B..., LDA. (...)
14) Em 22/12/2022 a Autora apresentou pronúncia sobre a proposta de exclusão referida no número anterior, através da qual requereu a inclusão da sua proposta à lista dos concorrentes admitidos (requerimento de pronúncia do Anexo II ao Relatório Final e Anexo I ao Relatório Preliminar de Análise e Avaliação das Propostas de documentos n.ºs 005227089 e 005227155 de fls. 35 e 299 do SITAF e ficheiro de Pasta 8 do Processo Administrativo).
15) Em 26/01/2023, o Júri do procedimento elaborou o Relatório Final, no qual analisou a pronúncia referida no número anterior nos seguintes termos (Relatório Final de documento nº 005227089 de fls. 35 do SITAF e Ficheiro de Pasta 9 do Processo Administrativo):
Sucede que do exposto na pronúncia, para além da reiterada indicação de ter existido lapso e de este se ter de considerar relevado, nada se retira do seu teor que permita confirmar se se tratou de lapso ou da efetiva indicação da experiência detida pelos dois referidos profissionais.
Mais se refira que não poderia a referência a “5 anos” feita pelo concorrente ser entendida como um manifesto lapso, como refere o próprio, porquanto para que fosse considerado como tal, teria de ser evidente para a entidade adjudicante a existência de um lapso, ora esse erro ostensivo não decorre da mera leitura da proposta. Por isso, a aceitação da razão apontada na pronúncia equivaleria a admitir, ou antes em sede de esclarecimentos sobre o teor da proposta, ou agora na sequência da pronúncia, uma alteração do que consta na proposta, contrariando o disposto no nº 3 do artigo 72.º do CCP.
Indica também a pronúncia jurisprudência e doutrina que, em seu entender, permitem a reparação de erro material. Porém, da análise da proposta e do que vem afirmado na pronúncia não pode considerar-se que houve erro material. A pronúncia afirma ter ocorrido, por lapso, erro material, mas não apresenta elementos que se consubstanciem como tal para além dessa afirmação.
Aceitar o Júri, apenas com a invocação de ter havido erro material, que a proposta corresponde ao que era exigido no procedimento, ou seja, tomar como certo que afinal onde consta cinco anos de experiência deve considerar-se oito anos nas duas situações, equivaleria a aceitar a alteração da proposta e a permitir a sua tangibilidade e mutabilidade. Esta aceitação acarretaria, pois, a violação dos princípios da intangibilidade das propostas, da igualdade e da concorrência.
Assim, conclui o Júri, por unanimidade, que a argumentação invocada não poderá proceder, reiterando a proposta de exclusão da proposta do Concorrente B... nos termos da alínea b) do nº 2 do artigo 70º do CCP, por apresentar atributos que violam o estabelecido no Caderno de Encargos.”
16) Em face da análise referida no número anterior, o Júri do procedimento manteve as conclusões do Relatório Preliminar de Análise e Avaliação das Propostas, propondo a adjudicação da proposta da Contra-interessada, pelo preço global de 14.441.722,68€, acrescido de IVA (Relatório Final de documento nº 005227089 de fls. 35 do SITAF e Ficheiro de Pasta 9 do Processo Administrativo).
17) O Relatório Final foi disponibilizado pelo Júri do procedimento, na plataforma eletrónica, no dia 17/02/2023 (impressão de documento de tramitação da plataforma eletrónica de documento nº 005227090 de fls. 53 do SITAF).
18) Em 17/02/2023, foi autorizada a adjudicação à proposta apresentada pela Contra-interessada (Ficheiro de Pasta 10 do Processo Administrativo).
19) A decisão de adjudicação foi disponibilizada na plataforma eletrónica na mesma data (impressão de documento de tramitação da plataforma eletrónica de documento n.º 005227091 de fls. 54 do SITAF).
20) A presente ação foi apresentada a juízo, via SITAF, no dia 02/03/2023 (comprovativo de entrega de peça processual de fls. 1 a 4 do SITAF).
*
2.2. O DIREITO
Como supra se referiu, o TAF de Coimbra, em sede de primeira instância (saneador/sentença), julgou a presente acção improcedente e consequentemente, absolveu a entidade demandada e a contra-interessada do pedido.
Fê-lo utilizando a seguinte fundamentação:
«(…) quanto ao vício de violação de lei:
“(...) Alega a Autora que houve preterição do disposto no artigo 72º, nº 2 do CCP e violação do princípio da igualdade, atendendo ao teor da resposta do Júri do procedimento à questão concreta da antiguidade dos profissionais, em sede de esclarecimentos, reiterando que os elementos documentais que corporizam o procedimento pré-contratual aqui em causa não deixam dúvidas, se lidos na perspectiva do erro material invocado de que respeitam os termos estatuídos, apenas copiados para coluna distinta, não sendo razoável admitir-se, num juízo linear, que estando inscrito na mesma linha a exigência de antiguidade de 8 anos se faça dela constar um valor inferior.
Assaca ainda a violação dos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade, do favor do procedimento, da concorrência, da legalidade administrativa e da imparcialidade.
Defendem a Entidade Demandada e a Contra-interessada que não há erro susceptível de ser reconhecido e corrigido, nem esclarecimentos que houvessem de ser solicitados, defendendo aquela que se trata de um atributo submetido à concorrência e defendendo esta que não há evidências nos elementos documentais existentes que tal indicação tenha sido efectivamente por lapso, ambas concluindo que que a sua admissão redundaria na violação do princípio da intangibilidade das propostas.
(...)
Ainda relacionado com a primeira fase, da análise das propostas, dispõe o artigo 72º do CCP, sob a epígrafe “Esclarecimentos e suprimento de propostas e candidaturas”, que (...)
Dispõe o artigo 249º do CC, sob a epígrafe “erro de cálculo ou de escrita”: “o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta”.
(...)
Porém, no artigo 249º do CC, supra transcrito, acolhe-se um princípio geral de direito que se mostra aplicável a todos os erros de cálculo ou de escrita juridicamente relevantes.
Consideram-se lapsos de escrita os que sejam ostensivos, facilmente detectáveis e identificáveis como tais pelo contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita e que respeitem à expressão material da vontade e já não os que possam ter influenciado a formação dessa vontade (neste sentido, inter alia, Ac. STA de 26/06/2014, proc. nº 0586/14).
Ou seja, os erros dizem-se, de escrita quando se escreve ou representa, por lapso, coisa diversa da que se queria escrever ou representar, sendo que se consideram manifestos os erros quando estes são de fácil detecção, isto é, quando a própria declaração ou as circunstâncias em que ela é feita permitem a sua imediata identificação – lapsos calami.
O simples erro mecânico, lapso evidente de escrita, é revelado através das circunstâncias em que a declaração é feita.
Se as circunstâncias em que a declaração foi efectuada não revelam a evidência do erro e, pelo contrário, permitem a dúvida, não há lugar a rectificação do mesmo.
Importa então apurar, no caso vertente, se a Autora, ao propor, no documento por si elaborado, uma experiência profissional de 5 anos, para a categoria de mecânicos de bombas, queria, afinal, propor uma experiência profissional de 8 anos.
Conforme consta do ponto 9.2.9, alínea e) do Caderno de Encargos, a categoria de mecânico de bombas, a considerar pelos concorrentes, deveria cumprir o requisito mínimo de experiência profissional relevante de pelo menos 8 anos, sendo que a declaração dos concorrentes nas respectivas propostas seria utilizada para efeitos de avaliação das mesmas e a experiência profissional indicada na proposta passaria a ser requisito contratual obrigatório (vd. facto provado 9)).
Mas na proposta apresentada pela Autora, esta propôs uma experiência profissional, para a ora referida categoria, de 5 anos, o que determinou a exclusão da sua proposta, mesmo após a apresentação e apreciação da sua pronúncia em sede de audiência prévia (vd. factos provados 11) a 15)).
Circunstância que não se pode considerar preenche os requisitos do lapso de escrita enunciado no artigo 249º do CC.
Com efeito, a aplicação desta norma, pressupõe a existência de um erro ostensivo, evidente para qualquer destinatário de boa-fé, de tal forma, que se permita que o erro seja rectificado.
O facto de a Autora ter declarado, genericamente, que a sua proposta responde às exigências submetidas a concurso, não só pelo estabelecido no ponto 9 do Caderno de Encargos – Meios Humanos – mas também pela experiência consolidada na prestação de serviços de Manutenção de Sistemas de Tratamento de Águas Residuais, assim como o facto de constar, na mesma linha, o requisito mínimo de 8 anos de experiência e ao lado constar uma experiência profissional de 5 anos, tal como nas cinco células imediatamente superiores, não é suficiente para que se possa concluir pela existência de lapso manifesto, não só porque nesta análise não está em causa uma questão aritmética ou contabilística, como o que se verifica é que esta “declaração negocial” foi unicamente preenchido pela Autora, sem campos pré-definidos, dela tendo feito constar expressamente uma experiência profissional de 5 anos para a categoria de mecânicos de bombas.
Não se está, também, perante um mero lapso no algarismo escolhido, nem divergente em relação a outros documentos integrantes da proposta apresentada pela Autora, motivo pelo qual inexiste lapso de escrita, nem se trata de um erro ostensivo ou manifesto, não sendo objectivamente apreensível ou comprovável no contexto da proposta apresentada.
Trata-se de uma afirmação na declaração negocial, assinada pela Autora, com uma experiência profissional diferente dos demais que se encontravam pré-definidos, que não se revela por si, no contexto da proposta e das circunstâncias em que a mesma foi apresentada.
Deste modo, não era exigível ao Júri do concurso que tivesse pedido quaisquer esclarecimentos, dado que o disposto no artigo 72º, nº 2 do CCP não o permite pois, ainda que se trate de um erro, seja de que natureza for, uma vez que se produziria no suprimento desse erro, uma alteração dos elementos da proposta, que a norma não permite.
Ou seja, como bem vinca o Ac. STA de 11/09/2019, proc. nº 0984/18.2BEAVR, cuja fundamentação se tem seguido de perto, por se concordar com a mesma, o artigo 72º do CCP não tem por fito suprir erros, omissões ou insuficiências das propostas, mas apenas e tão só, aclarar ou fixar o sentido de algum elemento menos apreensível, desde que não altere o conteúdo da proposta ou os elementos que com ela tenham sido juntos e dela façam parte integrante, que não foi o que sucedeu com a proposta apresentada pela Autora.
Esclarecer é clarificar não é, nem pode ter o efeito de completar ou de modificar a proposta, designadamente a sua substância (atributos, termos e condições) [PEDRO COSTA GONÇALVES, “Direito dos Contratos Públicos”, 4ª Edição, Almedina, págs. 875 a 878].
Assim, alterar a experiência profissional proposta de 5 para 8 anos, colidiria com os princípios da intangibilidade das propostas e da concorrência já que tal apenas se destinaria a alterá-la e não restituir-lhe a sua “verdade original”.
Donde se conclui que, ainda que se trate de erro, este é unicamente imputável à Autora e apenas a si o deve (sibi imputet).
Pelo que a decisão de exclusão da proposta apresentada pela Autora também não padece do vício de violação de lei, nem, se vê qualquer violação dos restantes princípios por si enumerados, e, consequentemente, terá de improceder».
*
Na sequência do recurso de apelação interposto pela Autora, o TCA Norte, concedeu provimento ao recurso apresentado, anulou o acto de adjudicação, com as legais consequências, e condenou a Adjudicante a rectificar o erro de escrita e a admitir a proposta apresentada pela Autora, seguindo-se os demais trâmites procedimentais até à decisão final de adjudicação à proposta que, em função do critério de avaliação, fique graduada em 1º lugar, e celebração do respectivo contrato.
E fê-lo argumentando em maioria o seguinte (com um voto de vencido):
O artigo 249º do Cód. Civil, sob a epígrafe “ Erro de cálculo ou de escrita” dispõe que: «O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à retificação desta».
14.5. Resulta deste preceito, a necessidade de o erro se revelar no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, daí decorrendo a necessidade de o lapso a corrigir ter uma natureza ostensiva, sob pena de o erro cair no âmbito do artigo 247º, preceito que prevê a possibilidade de a declaração ser anulável quando a mesma não corresponda à real vontade do seu autor e desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade para o declarante do elemento sobre que incidiu o erro.
14.6. Assim, numa situação de erro ostensivo, evidenciado no próprio contexto da declaração, ambas as partes estarão como tal cientes do mesmo, derivando a desconformidade entre o declarado e a vontade conhecida de ambas as partes, de mero lapso material ou de manifesto defeito na sua formulação, erro que, por força das regras da interpretação indicadas no artigo 236º do CC, é retificável/eliminável. É por essa razão que alguns autores afirmam que neste caso não há uma verdadeira divergência entre a vontade e o declarado, já que “com base no critério de interpretação do negócio jurídico do artigo 236º nº1, essa vontade se deduz dos termos, contexto ou circunstâncias da declaração” - cfr. Maria João Vaz Tomé em Anotação ao artigo 249º do CC in “Comentário ao Código Civil, Parte Geral”, Universidade Católica Editora, 2014, p. 587.
(…)
15. No caso sub judice, analisando o conteúdo da proposta apresentada, também se nos afigura, diversamente da posição perfilhada pelo Tribunal a quo, que a mesma revela de forma clara a existência de um “lapsus calami” na sua elaboração. (...)
15.3. Assim, neste exercício, se atentarmos no último item da página 15 da proposta apresentada pela Apelante, verificamos que a mesma enunciou, do lado esquerdo do sobredito quadro, a exigência plasmada no caderno de encargos de dois mecânicos de bombas integrarem a equipa técnica para a execução do contrato e desses mecânicos possuírem uma experiência profissional mínima de 8 anos – cfr. facto provado 11. Mas também constatamos, a olho nu, que precisamente ao lado dessa indicação, e na mesma linha, a Apelante indicou, para a equipa técnica a integrar por dois mecânicos de bombas que se dispunha a disponibilizar no âmbito do concurso público, apenas 5 anos de experiência profissional.
15.4.Ora, é neste ponto que reside o busílis da questão. E em relação a este aspeto, temos como certo que qualquer pessoa confrontada com o teor literal da proposta redigida nos termos anteditos, a leitura que dela faz, é a de que a Apelante incorreu num lapso manifesto ao escrever na coluna relativa à experiência dos mecânicos de bombas, que se compromete a disponibilizar, para efeitos de adjudicação do serviço a cujo concurso se candidata, que aqueles trabalhadores terão uma experiência de 5 anos, e isso, porque, na coluna imediatamente anterior foi expressa em indicar que era exigência mínima resultante do CE que esses trabalhadores tivessem uma experiência profissional de pelo menos 8 anos. Se assim era, claro está que a Apelante só por erro é que se concebe que poderia indicar, como indicou, que os trabalhadores a disponibilizar nesse grupo profissional teriam apenas 5 anos de experiência, quando antes acabara de escrever que o CE exigia que os mesmos tivessem 8 anos no mínimo de experiência profissional, exigência que se incumprida da sua parte ditava a exclusão do concurso a que se estava a candidatar. (...)
16.9. Em face das considerações que antecedem, a Apelante tem razão, sendo seguro que a indicação dos 5 anos de experiência profissional dos mecânicos de bombas surge completamente desenquadrada, evidenciando um erro de escrita que se revela no próprio contexto da declaração através das particulares circunstâncias em que essa indicação dos 5 anos é feita: ao ler-se a proposta da Apelante percebe-se imediatamente que a mesma queria escrever 8 anos e não 5 anos de experiência, sendo essa desconformidade entre o declarado e o pretendido declarar apreensível pela simples leitura da proposta e da consideração das circunstâncias em que a mesma teve lugar.
17. Perante o exposto, o júri do procedimento devia ter retificado a proposta apresentada pela Apelante. (...)
Assim sendo, deve ser revogado o saneador-sentença recorrido, e, em consequência, anulado o ato impugnando que excluiu a proposta apresentada pela Apelante, que ao invés do decidido, devia ter aceite a retificação da proposta apresentada pela Autora, ao abrigo do disposto no artigo 249º do Cód. Civil. (...)».
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Vejamos, pois, das questões que importam decidir nesta sede de revista e que ao fim e ao cabo, consistem em apurar (i) se se verifica o alegado erro de julgamento por “aplicação de forma errada do regime de rectificação de um erro de escrita a uma proposta apresentada no âmbito de um procedimento pré-contratual público”, por via da aplicação do regime dos erros de escrita, ou de cálculo, numa declaração negocial, previsto no artigo 249º, do Código Civil, sem atender ao regime especialmente previsto para a rectificação de erros de escrita numa proposta, ou candidatura, previsto no nº 4 do artigo 72º do Código dos Contratos Públicos e (ii) erro de julgamento por ter considerado que foi entregue a declaração do Anexo I do CCP e, por esse motivo, que a Recorrida teria feito a referida “declaração genérica de aceitação, sem reservas, do conteúdo do caderno de encargos”, pois não só a Recorrida não entregou a declaração do Anexo I do CCP, como não apresentou uma “declaração genérica de aceitação, sem reservas, do conteúdo do caderno de encargos”, porque o DEUCP não contém essa declaração; por fim, (iii) erro de julgamento por entender que o Anexo I do CCP (ou o DEUCP), ou seja, uma declaração genérica de cumprimento do caderno de encargos pode ser utilizada como um indício objectivo da existência de um erro de escrita.
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Antes porém, ou seja, antes de saber se o “erro de escrita” pode ser sanado, importa apurar se estamos perante um verdadeiro erro de escrita/palmar, sendo que, podemos desde já adiantar, ao contrário do decidido no acórdão recorrido, que não.
Senão, vejamos, evitando repetir muito do que já foi dito nas decisões proferidas nos autos.
Não resulta dos autos, de forma alguma e muito menos de forma expressa e manifesta que a A./recorrida quando propôs no documento por si elaborado, a experiência profissional de 5 anos para os trabalhadores, com a categoria de mecânicos de bombas, tivesse querido, fosse de que forma fosse, propor uma experiência profissional de 8 anos [requisito mínimo de experiência profissional relevante – cfr. ponto 9.2.9 alínea e), do Caderno de Encargos – que constituía um requisito contratual obrigatório].
Na verdade, a A. sabendo desta exigência, “limitou-se” a fazer constar no documento apresentado, no item/categoria experiência profissional destes trabalhadores (mecânicos de bombas) o tempo de 5 anos, facto que determinou, a exclusão da proposta por parte do júri do concurso.
E tudo o que se possa dizer em sentido contrário, não passam de meras conjunturas, pois é evidente que da documentação junta aos autos, nada existe que nos permita interpretar ou fazer outra leitura, nem mesmo o argumento usado pela recorrida e transposto para o acórdão recorrido de que, ao apor 5 anos, saberia de ante mão que tudo estava a fazer para ser excluída por incumprimento de um requisito, o que seria um contra senso para quem concorreu e pretendia ganhar o concurso.
Não tem no entanto qualquer sustento legal, a afirmação feita constar no acórdão recorrido, como veremos, de: «é seguro que a indicação dos 5 anos de experiência profissional dos mecânicos de bombas surge completamente desenquadrada, evidenciando um erro de escrita que se revela no próprio contexto da declaração através das particulares circunstâncias em que essa indicação dos 5 anos é feita: ao ler-se a proposta da Apelante percebe-se imediatamente que a mesma queria escrever 8 anos e não 5 anos de experiência, sendo essa desconformidade entre o declarado e o pretendido declarar apreensível pela simples leitura da proposta e da consideração das circunstâncias em que a mesma teve lugar».

Mas admitindo que assim tivesse acontecido, ainda assim seria caso de aplicação ou desaplicação do disposto no artº 249º do CPC (que a decisão de 1ª instância desatendeu) ou de aplicação do disposto no artº 72º do CCP como fez o acórdão recorrido?
Vejamos:
Estamos perante um procedimento concursal que se iniciou com a publicação do anúncio em 02.09.2022 no DR e, por isso, lhe é aplicável o quadro normativo existente antes da entrada em vigor do DL nº 78/2022 de 07.11, que veio introduzir diversas alterações ao CCP e que no seu artº 9º deixou consignado:
«O presente decreto-lei entra em vigor no primeiro dia útil do mês seguinte ao da sua publicação, só sendo aplicável aos procedimentos de formação de contratos públicos que se iniciem após a sua data de entrada em vigor e aos contratos celebrados ao abrigo desses procedimentos, sem prejuízo do disposto no nº 2 do artigo 27º da Lei nº 30/2021, de 21 de maio, no que respeita às alterações ao artigo 370º do CCP».
Assim sendo, mostra-se isento de dúvidas que o quadro normativo aplicável é a versão dada pela Lei nº 30/2021 de 21.05, alterada pela Rectificação nº 25/2021 de 21.07, sendo que, no que respeita propriamente ao artº 72º do CCP a redacção aplicável é a dada pelo DL nº 111-B/2017 de 31.08 [que visou entre o mais, como consta do seu preâmbulo, a transposição das Directivas nº 2014/23/EU nº 2014/24/EU, nº 2014/25/EU e 2014/55/EU do Parlamento Europeu e do Conselho].
E assim, previa-se no nº 4 do artº 72º do CCP: «O júri procede à retificação oficiosa de erros de escrita ou de cálculo contidos nas candidaturas ou propostas, desde que seja evidente para qualquer destinatário a existência do erro e os termos em que o mesmo deve ser corrigido».
Esta norma, prevê, pois, uma regra especial no que concerne à rectificação de erros de escrita ou de cálculo contidos nas candidaturas/propostas; e constituindo uma regra especial, naturalmente que com base no princípio da prevalência de lei especial sobre lei geral, terá de ser a especial a aplicar-se aos presentes autos – cfr. art 7º, nº 3 do Cód. Civil.
Tal significa que a decisão de 1ª instância, nunca poderia ter ido buscar sustento/apoio, no que respeita a esta matéria, ao disposto na lei geral consagrada no artº 249º do Cód. Civil, para responder à questão da possibilidade de eventual rectificação de erros de escrita contidos na proposta apresentada pela A/recorrida nos termos supra enunciados.
Deste modo, mesmo a entender-se, como não o entendemos, que estaríamos perante um erro de escrita e que o mesmo podia ser rectificado pelo próprio júri [tese do acórdão recorrido], sempre seria ao abrigo do disposto no nº 4 do artº 72º do CCP que teríamos de encontrar uma resposta, pelo que, quanto a esta questão de aplicação dos regimes jurídicos estamos esclarecidos.

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Outro segmento do recurso respeita ao facto de saber se o caso dos autos se encontra previsto no disposto no nº 4, do artº 74º do CCP, ou seja, saber se o júri do concurso, no caso concreto, tinha o deve/poder de efectuar a rectificação de forma oficiosa [no que respeita a erros de escrita ou de cálculo contidos na candidatura/proposta apresentada pela ora recorrida, sendo certo que tal só se aplica no que respeita a erros evidentes/ostensivos para qualquer destinatário e sempre em obediência aos princípios da imutabilidade/intangibilidade das propostas e da igualdade e da concorrência estruturais da contracção pública] e, obviamente, sem que desse acto não resulte qualquer alteração inovadora da proposta, designadamente quanto aos atributos da mesma].
Ora, estes requisitos não se verificam no caso sub judice [como aliás se mostra enunciado no voto de vencido que mereceu o acórdão recorrido].
Primo, porque como já no início se enunciou, não estamos sequer perante a existência de um erro de escrita, e muito menos que o mesmo seja evidente ou ostensivo para qualquer destinatário (normal); por outro lado, a sanação que a recorrida pretendia que fosse efectuada que é a substituição da experiência profissional dos mecânicos de bombas, de 5 para 8 anos [cfr. Ponto 9.2.9.e) CE], não resulta evidente em qualquer elemento documental objectivo que constitua a proposta.
Acresce que, para além de nada indiciar no sentido pretendido pela recorrida, se constata também que, relativamente aos demais meios humanos/trabalhadores referidos no Quadro que integra a proposta como sendo a contratar localmente, aquela nem sempre indicou o número de anos de experiência profissional exigido enquanto requisito mínimo, antes se verificando que em determinadas situações, [em que era exigido um número mínimo de 3 anos] fez constar um número de anos de experiência superior ao mínimo estabelecido no CE.
Deste modo, face à inexistência patente e linear de qualquer erro de escrita, não seria legítimo exigir que o júri do concurso tivesse tido outra postura ou comportamento, para além daquele que teve, designadamente, não pedir esclarecimentos, sob pena de, se assim o tivesse feito, aí sim estaria a incorrer na violação do disposto no nº 4 do artº 72º do CCP.
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Por outro lado, e em relação à declaração do Anexo I prevista na al. a), do nº 1, do artº 57º do CCP, a mesma nem sequer foi apresentada por estarmos perante um concurso público internacional, pelo que, a sua relevância ou não nem merece qualquer comentário ou tomada de posição.
Quanto à apresentação do Documento Europeu Único de Contratação Pública, apresentado em “substituição” daquela (v. artº 57º, nº 6 do CCP), a mesma não poderá dada a sua natureza e/ou o seu carácter genérico, substituir ou constituir, só por si só, um elemento relevante para apurar da verificação de qualquer erro de escrita constante da proposta nos limites apurados no caso concreto, ou seja, quando se verifica que o oponente apresentou uma proposta em que, expressa e especifica, indicou um atributo, que manifestamente está em violação do estabelecido no Caderno de Encargos, máxime quando, como supra já enunciamos, inexistem nos documentos constitutivos da proposta outros elementos de, forma clara e inequívoca, evidenciem a existência desse erro de escrita, bem como a forma de proceder à sua sanação.
Aliás, este foi o entendimento do júri do concurso, que para evitar a violação dos princípios da intangibilidade/imutabilidade e da igualdade e concorrência, não fez uso do disposto no nº 4 do artº 72º do CCP, tendo ao invés, em sede de audiência prévia, decidido:
«Sucede que do exposto na pronúncia, para além da reiterada indicação de ter existido lapso e de este se ter de considerar relevado, nada se retira do seu teor que permita confirmar se se tratou de lapso ou da efetiva indicação da experiência detida pelos dois referidos profissionais.
Mais se refira que não poderia a referência a “5 anos” feita pelo concorrente ser entendida como um manifesto lapso, como refere o próprio, porquanto para que fosse considerado como tal, teria de ser evidente para a entidade adjudicante a existência de um lapso, ora esse erro ostensivo não decorre da mera leitura da proposta. Por isso, a aceitação da razão apontada na pronúncia equivaleria a admitir, ou antes em sede de esclarecimentos sobre o teor da proposta, ou agora na sequência da pronúncia, uma alteração do que consta na proposta, contrariando o disposto no nº 3 do artigo 72º do CCP.
Indica também a pronúncia jurisprudência e doutrina que, em seu entender, permitem a reparação de erro material.
Porém, da análise da proposta e do que vem afirmado na pronúncia não pode considerar-se que houve erro material.
A pronúncia afirma ter ocorrido, por lapso, erro material, mas não apresenta elementos que se consubstanciem como tal para além dessa afirmação.
Aceitar o Júri, apenas com a invocação de ter havido erro material, que a proposta corresponde ao que era exigido no procedimento, ou seja, tomar como certo que afinal onde consta cinco anos de experiência deve considerar-se oito anos nas duas situações, equivaleria a aceitar a alteração da proposta e a permitir a sua tangibilidade e mutabilidade. Esta aceitação acarretaria, pois, a violação dos princípios da intangibilidade das propostas, da igualdade e da concorrência.
Assim, conclui o Júri, por unanimidade, que a argumentação invocada não poderá proceder, reiterando a proposta de exclusão da proposta do Concorrente B... nos termos da alínea b) do nº 2 do artigo 70º do CCP, por apresentar atributos que violam o estabelecido no Caderno de Encargos».
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Conclui-se pelo exposto, que o acto impugnado não padece das ilegalidades que lhe são assacadas, como aliás expresso no voto de vencido constante do acórdão recorrido.
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3. DECISÃO
Atento o exposto, concede-se provimento ao recurso, revoga-se o acórdão recorrido e julga-se a acção improcedente.
Custas pela recorrida.

Lisboa, 14 de Março de 2024. - Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – Ana Celeste Catarrilhas da Silva Evans de Carvalho - Cláudio Ramos Monteiro.