Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01719/15.7BEPRT
Data do Acordão:03/10/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULO ANTUNES
Descritores:IMPOSTO DE SELO
COOPERATIVA
ISENÇÃO
VERBA
Sumário:I - No art. 1.º n.º1 do Código de Imposto de Selo (C.I.S.), na redação dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, foi previsto tributar para além de vários “factos” na mesma referidos também “situação jurídicas”, sendo estas de considerar como correspondendo a um estado em que o contribuinte por via de ato jurídico praticado fica investido em poderes e deveres, diferentes dos factos enunciados anteriormente nessa norma.
II - Quanto a cooperativas, a isenção da verba 28 da tabela anexa, na redação dada pela referida Lei 83-C/2013 que incluiu também os “terreno para construção cuja edificação autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI” cujo valor “seja igual ou superior a € 1 000 000”, tinha de se lhe referir para ser aplicável, conforme resulta do art. 103.º n.º 2 da C.R.P. e do princípio da tipicidade.
III - Ora, em 2014, ano a que respeita a liquidação, o art. 66.º-A do E.B.F. manteve-se, com a redação anterior o n.º 12, respeitante à isenção aos anteriores “factos”, bem como se manteve o aditamento constante do n.º 6 do art. 7.º do E.B.F., na redação dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, em que se previu que “são ainda aplicáveis às situações previstas na Verba n.º 28 da Tabela Geral as isenções previstas no artigo 44.º do EBF” que não diz respeito a cooperativas.
IV - Entende-se que, uma vez afastado o quadro de grave crise que norteou a aprovação das referidas normas em 2012 e 2013, tenha sido reconhecida a isenção da verba 28 às cooperativas, tal como veio a ser previsto no n.º 14 do dito art. 66.º-A, na redação dada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março – Lei de Orçamento de Estado para 2016.
V - Não tendo tal sido aprovado com carácter retroativo, é de concluir, de acordo ainda com o previsto no art. 12.º n.º 1 da L.G.T., que o legislador apenas pretendeu a partir de então isentar as cooperativas do imposto de selo referente à referida verba 28 e enquanto esta se manteve.
Nº Convencional:JSTA000P27329
Nº do Documento:SA22021031001719/15
Data de Entrada:12/14/2019
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A…………., COOPERATIVA DE HABITAÇÃO ECONÓMICA, CRL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I. Relatório

I.1. O representante da Fazenda Pública vem interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 08/11/2018, que julgou procedente a impugnação deduzida por A………., COOPERATIVA DE HABITAÇÃO ECONÓMICA, CRL, melhor sinalizada nos autos, contra a liquidação de imposto de selo nº 2007 406185 constante das notas nº 2015 003481525 e nº 2015 003481526, referentes à 1ª e 2ª prestação daquele tributo, no montante global de € 56.830,20.

I.2. Formulou alegações que rematou com as seguintes conclusões:
A. O presente recurso é interposto contra a sentença que declarou procedente a impugnação deduzida por A…………, Cooperativa de Habitação Económica, CRL, anulando a liquidação impugnada de Imposto do Selo, nº 2007 406185, constante das notas nº 2015 003481525 e nº 2015 003481526, referentes à 1ª e 2ª prestação daquele tributo, no montante global de € 56.830,20.
B. Está em causa a questão da aplicação às cooperativas da verba 28 da TGIS, para o que releva a introdução do quadro legal resultante Lei nº 55-A/2012, de 29/10, e da Lei nº 66-B/2012, de 31/12.

C. Quando o legislador veio aditar a verba 28 à TGIS viu-se obrigado a alterar a redação do artigo 1.° CIS acrescentando aos "atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos", as "situações jurídicas".
D. As novas "situações jurídicas" que o legislador tributa em sede de imposto do selo com a introdução da nova verba são a "propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1.000.000".
E. Quando se lê no Preâmbulo do CIS que "A reforma de 2000 marcou uma tendência para a alteração de uma das suas mais ancestrais características, que de imposto sobre os documentos se tende a afirmar cada vez mais como imposto sobre as operações que, independentemente da sua materialização, revelem rendimento ou riqueza" constata-se que a nova verba introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, não reflete a anterior preocupação de fazer incidir "imposto sobre os documentos" e também não traduz a nova tendência aí apontada que vê o imposto do selo "como imposto sobre as operações".
F. Temos, assim, que esta norma de incidência (objetiva) não visa documentos ou operações, antes, preocupa-se em tributar ''situações jurídicas" estáticas, incidindo o imposto sobre o valor patrimonial dos imóveis, em tudo semelhante ao CIMI, mas sem que a receita obtida reverta a favor dos municípios. Essa maior aproximação com os princípios e regras presentes no CIMI faz com que o legislador para este remeta quando em causa esteja a aplicação da Verba 28.
G. Essa proximidade é tão mais notória quando se observa que o aditamento do n.º 6 ao artigo 7.º do CIS, ex vi artigo 3.º da Lei 55-A/2012, prescreve que "São ainda aplicáveis às situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral as isenções previstas no artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais", preceito este que enuncia isenções em sede de imposto municipal sobre imóveis.
H. Este regime jurídico especialmente criado, numa conjuntura económica própria, justifica que o legislador tenha criado uma solução única, no que resultou, relativamente à isenção prevista no n.º 12 do artigo 66-A do EBF - "os atos, contratos, documentos, títulos e outros factos, incluindo as transmissões gratuitas de bens" -, que o legislador nem tenha procedido do mesmo modo que o fez relativamente à alteração da redação efetuada no artigo 1.° CIS, onde acrescentou aos "atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos", as "situações jurídicas", nem tenha expressamente previsto no artigo 7.º do CIS a aplicação da isenção, e consequente afastamento da norma de incidência da verba 28, às realidades enunciadas no artigo 66.º-A, a exemplo do que fizera com o artigo 44.º do EBF.
I. Assim, resulta de todo o exposto que, é forçoso concluir, as cooperativas estão sujeitas e não isentas de IS da verba 28 da TGIS."
J. O objecto da presente impugnação judicial consiste nas liquidações de Imposto do Selo (IS) nº 2015 3481225 e 2015 3481526, referentes a 2014, relativas ao artigo urbano inscrito sob o nº 4282 (ex art 4354) da freguesia de Lordelo do Ouro e Massarelos, no valor de € 56.830,20, requerendo a impugnante a sua nulidade.
K. Em 31/12/2014 a impugnante consta como proprietária do prédio urbano inscrito na respetiva matriz predial da freguesia de Lordelo do Ouro e Massarelos sob o artigo nº 4282. Por consulta à matriz predial, verifica-se que o imóvel tem o valor patrimonial tributário de € 5.683.020,38, com afetação habitacional, pelo que está sujeito a imposto do selo da verba 28.1 da tabela geral.
L. Nos termos do nº 4 do art.º 2.º do Código do Imposto do Selo (CIS), estão sujeitos ao imposto do selo previsto na verba 28.1 da tabela geral os proprietários, em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeitar, de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante na matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 por prédio com afetação habitacional, aplicando-se a taxa de 1%.
M. Como se vê, literalmente, o legislador, no artigo 66º-A, nº 12 do EBF, não isenta as cooperativas de IS sobre os "papéis" e "situações jurídicas" que inclui na norma de incidência, o que demonstra que não foi intenção sua isentar as cooperativas de todo o imposto do selo.
N. Acresce ainda que, nos termos do nº 6 do art.º 7º do Código do Imposto do Selo, às situações previstas na Verba 28 da Tabela Geral só são aplicáveis as isenções previstas no art.º 44º do EBF.
O. Atualmente, com o “novo” art. 66º-A, nº 12, do EBF, ficaram isentos do imposto do selo todos os factos abrangidos por esse imposto, nos termos do art. 1º, nº 1, do Código do Imposto do Selo, desde que, nos termos do art. 3º, devessem ser as cooperativas a suportar o respetivo encargo.
P. No entanto, veja-se, até à entrada em vigor da Lei nº 55-A/2012, a tributação em Imposto do Selo não abrangia qualquer situação jurídica estática, entendida no sentido de situação que não depende diretamente de qualquer conduta do obrigado tributário.
Q. Nessa medida, o mencionado art. 1º, nº 1, do Código do Imposto do Selo passou a referir, em vez de apenas "outros factos", a expressão "outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral".
R. Ficou legalmente determinado, assim, que a “situação jurídica” (estática) de proprietário a 31 de dezembro de cada ano, de que resulta o encargo do imposto do selo das cooperativas, seja considerada fundamento para a liquidação do imposto.
S. O sentido decisivo do nº 12 do artigo 66º-A do EBF, deve, assim, ser fixado com base numa interpretação declarativa, em que o sentido literal que o texto direta e claramente comporta deve ser assumido como cabendo no pensamento legislativo.
T. As realidades previstas pelo legislador no nº 12 do artigo 66.º-A do EBF - "atos, contratos, documentos, títulos e outros factos, incluindo as transmissões gratuitas de bens" - e no n.º 1 do artigo 1. º do CIS (até à redação dada pela Lei n. º 55-A/2012, de 29 de outubro) - "atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens" – coincidem.
U. Ou seja, a necessidade demonstrada, agora, pelo legislador em inserir as "situações" previstas na verba 28 TGIS demonstra que as realidades que se procuraram disciplinar são completamente novas, nunca tendo sido objeto de sujeição em sede de imposto do selo e consequente isenção, quer seja no CIS, quer seja no artigo 66. º - A do EBF.
V. Essa necessidade de prever uma nova realidade, até aí não sujeita, e, consequentemente, também não isenta, é ainda demonstrada no artigo 7.º do CIS [no n.º 6, alínea c)] com a inclusão, nele expressamente feita, das situações previstas na verba 28 da Tabela Geral, e a aplicação a estas, apenas e só, das isenções previstas no artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, reforçando a natureza especial e excecional da medida, não devendo aproveitar a isenção subjetiva genérica inclusa no artigo 6. º do CIS (Aditado pela Lei n.º 55.º-A/2012 - 29/10).
W. Tal significaria uma desnecessária, e, até, inútil previsão legal, no referido artigo 7º, nº 6, alínea c), se se considerasse à partida que a isenção subjetiva do artigo 6º tudo abarcaria.
X. Acresce ainda o facto de que, em matéria de benefícios fiscais, o legislador vincou, desde logo, no próprio Preâmbulo do EBF - marca característica dos benefícios fiscais -, o seu caráter obrigatoriamente excecional, devendo a concessão dos benefícios fiscais, que mais não são do que despesas fiscais por determinação legal expressa, ser ainda mais cuidada, dado que "as receitas são postas em causa com a concessão de benefícios, quando o País tem de reduzir o peso do défice público" (cfr. Preâmbulo Decreto-Lei n.º 215/89, de 01.07).
Y. E não parece, constituindo os benefícios medidas de caráter excecional instituídas para a tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores ao da própria tributação, que devam estes sujeitos (cooperativas) gozar de uma prerrogativa em sede de imposto do selo que noutros impostos não têm e que legitimem essas medidas que, de outro modo, seriam discriminatórias e, nessa medida, inconstitucionais por violação do artigo 13.º da C.R.P."
Z. Com a ressalva do sempre devido respeito, que é muito, a Fazenda Pública considera que a douta sentença, ao decidir como decidiu, encontra-se afectada por erro de julgamento sobre a matéria de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação do disposto nos art. 1º, nº 1, 2º, nº 4, 3º, nº 3 al u), 4º, nº 2 e 6, 5º, al u) e 23º, nº 7 do CIS, art. 22º, nº 1 do CIS e Verba 28 da TGIS, art. 7º do CIS e 44º do EBF, art. 66º-A EBF, art. 8º e 113º, nº 1 do CIMI, e art. 13º CRP, pelo que a mesma deverá ser revogada e substituída por decisão que declare a Impugnante sujeita e não isenta de Imposto do Selo por aplicação às cooperativas da verba 28 da TGIS (art. 22º, nº 1 CIS).
Termos em que,
Deve ser admitido e concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser anulada a douta sentença recorrida, com as devidas consequências legais.

I.3. O recurso foi admitido, tendo a recorrida vindo a apresentar contra-alegações que finalizou com o seguinte quadro conclusivo:

1. A Recorrida é uma Cooperativa de Habitação Económica que tem por objeto principal a aquisição de fogos para a habitação dos associados, bem como a sua reparação e remodelação, e/ou a aquisição de terrenos para edificação de fogos que, posteriormente, são vendidos aos cooperantes.

2. O prédio sujeito a tributação – à data inscrito sob o artigo urbano 4282, da união de freguesias de Lordelo do Ouro e Massarelos – estava descrito na matriz como “terreno para construção” e tinha, e tem ainda, por finalidade os fins estatutários, estando, por via disso, não sujeito a tributação em sede de IMI.

3. Atualmente, este prédio encontra-se inscrito sob o artigo 4634, da união de freguesias de Lordelo do Ouro e Massarelos e em regime de propriedade horizontal, sendo constituído por 8 edifícios destinados a habitação, a lugares de estacionamento e a estabelecimentos de serviços, compostos por 74 frações destinadas a habitação e 4 frações destinadas a serviços, num total de 78 frações autónomas.

4. Sem prejuízo da AT alegar que o prédio tinha afetação habitacional, à data das liquidações não havia sido emitida a licença de utilização, estando assim no campo das potencialidades e expetativas, sendo certo que esta podia, inclusive não ser emitida. Para além do facto da tributação ter de incidir sobre situações presentes e não futuras, a edificação e respetivo licenciamento incluiu frações destinadas a serviços, logo, sem afetação habitacional.

5. O n.º 6, do art.º 7.º do CIS, estabelece que «são ainda aplicáveis às situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral as isenções previstas no art.º 44.º do EBF».

6. A intenção legislativa que está na origem da norma do n.º 6 do art.º 7.º do Código do IS, é a de alargar às situações abrangidas pelo art.º 44.º do EBF, que contempla apenas a isenção de IMI, a isenção da verba 28.1 da TGIS.

7. Do n.º 6, do art.º 7.º do CIS, não decorre que apenas subsistem as isenções do art.º 44.º do EBF; antes coloca em evidência que outras isenções subsistem, como é o caso da isenção prevista no n.º 12, do art.º 66.º-A do EBF, que versa especificamente sobre a isenção de imposto de selo.

8. Se a intenção legislativa tivesse sido a de retirar a isenção de IS relativamente à verba n.º 28 da Tabela não poderia deixar de estabelecer essa restrição no lugar próprio, ou seja, no mesmo art.º 66.º-A do EBF.

9. A intenção do n.º 6, do art.º 7.º do CIS, foi manifestamente a de alargar e não a de restringir o âmbito de isenção. Na verdade, graças a essa norma, entidades não isentas de imposto de selo passaram a estar isentas relativamente à verba 28.1 da TGIS, o que sem ela não sucederia.

10. Salienta-se o n.º 3, do art.º 9.º do CC.: Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”).
11. A Recorrida está isenta do pagamento de Imposto de Selo sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos e outros factos, incluindo as transmissões gratuitas de bens, quando esse imposto constitua seu encargo, nos termos do disposto no n.º 12, do art.º 66.º-A do EBF.

12. A revisão do regime de benefícios fiscais às cooperativas inseriu-se num conjunto de reformas fiscais que teve em vista a eliminação de regimes especiais de tributação e de regimes de isenção. O que restou do Estatuto Fiscal Cooperativo (EFC) no Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) foi o núcleo duro dos benefícios fiscais às cooperativas, ou seja, os benefícios sem os quais deixaria de fazer sentido um regime de tributação mais favorável a estas entidades.

13. Não faria sentido que o legislador, na vigência do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF), tivesse alterado o regime fiscal das cooperativas através da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, e, com a introdução da verba 28.1 da TGIS, através da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, ou seja, em menos de um ano, viesse fazer das cooperativas sujeitos passivos numa situação específica como era a prevista na verba 28.1 da TGIS.

14. Ao contrário do defendido pela Recorrente, o legislador não viu necessidade de repetir no CIS o que já resultava da norma genérica prevista no n.º 12, do art.º 66.º-A do EBF, daí não ter feito referência expressa, nesse artigo, à verba 28.1 da TGIS. No entanto, após a posição assumida pela AT e de muitas decisões jurisprudenciais sobre o assunto, através da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que aprova o orçamento de Estado para o ano de 2016, vem deixar clara a sua posição sobre o tema, prevendo expressamente no n.º 14, do art.º 66.º-A do EBF: “As cooperativas de habitação e construção estão isentas de imposto do selo previsto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.”.

15. O legislador, através da Lei n.º 55-A/2012, pretendeu apenas regular uma fórmula de consolidação orçamental para o ano de 2012. Esta norma de incidência (objetiva) respeitava ao imposto sobre o valor patrimonial dos imóveis, em tudo semelhante ao CIMI, mas sem que a receita obtida revertesse a favor dos municípios.

16. Quanto à inserção do art.º 66.º-A no EBF, o legislador pretendeu que as cooperativas ficassem isentas de imposto de selo em todos os factos sujeitos a tributação nessa sede e que constituíssem seu encargo, até porque, como defende a Recorrente, a passagem do EFC ao EBF representou, em matéria de imposto de selo, um alargamento das categorias de situações abrangidas pela isenção.

17. É certo que o n.º 1, do art.º 1.º do CIS, na redação da Lei n.º 55-A/2012, passou a incluir a expressão «situações jurídicas» e o n.º 12, do art.º 66.º-A do EBF, não possui essa expressão – porque como já alegado, o legislador não viu necessidade de se repetir nessa norma – mas tal não significa o afastamento da isenção das cooperativas a essa específica verba de imposto de selo. Essa opção linguística não pode ter a interpretação defendida pela AT, nem fazia qualquer sentido, quer pelo curto espaço de tempo decorrido desde a revisão do regime de benefícios fiscais das cooperativas, na vigência do PAEF e do seu alargamento, quer pelo facto do legislador aplicar a isenção a todas as entidades previstas no art.º 44.º do EBF [ou seja, não fazia sentido isentar essas entidades e excluir dessa isenção as cooperativas que sempre beneficiaram de um estatuto fiscal privilegiado (como era o EFC e passou a ser o art.º 66.º-A do EBF)].

18. Já quanto à incidência subjetiva, a Recorrente alega que, com a Lei n.º 55-A/2012, foi também aditado o n.º 4 ao art.º 2.º, estabelecendo-se aí que, nas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, são sujeitos passivos do imposto os referidos no art.º 8.º do CIMI.

19. Ora, sem prejuízo de, a 31 de dezembro de 2014, a Requerida constar como proprietária do prédio e ser sujeito passivo, está isenta do pagamento de IMI, nos termos do disposto no n.º 9, do art.º 66.º-A do EBF. Essa é outra razão pela qual só se pode entender que a isenção prevista no n.º 12, do art.º 66.º-A do EBF, abrange a tributação prevista na verba 28.1 da TGIS, porquanto trata da tributação de um facto jurídico consubstanciado na titularidade de um direito real sobre um bem imóvel com determinadas características em 31 de dezembro de cada ano, não fazendo qualquer sentido que uma cooperativa beneficiasse de isenção de IMI no que respeita aos imóveis de que é proprietária e não ficasse isenta da verba 28.1 da TGIS, atentos os seus fins estatutários.

20. A expressão “situações jurídicasprevista no n.º 1, do art.º 1.º do CIS, na redação da Lei n.º 55-A/2012, não tem a virtualidade de afastar da isenção da verba 28.1 da TGIS as cooperativas que, em regime próprio e mais favorável, beneficiam de isenção de imposto de selo sobre os atos, contratos, documentos, títulos e outros factos, incluindo as transmissões gratuitas de bens, quando este imposto constitua seu encargo.

21. Os argumentos da Recorrente, salvo o devido respeito, não têm cabimento legal, nem podem ter procedência. Na verdade, para os que não a tinham como clara, a intenção do legislador ficou expressa através da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que aprova o orçamento de Estado para o ano de 2016, prevendo expressamente no n.º 14, do art.º 66.º-A do EBF: “As cooperativas de habitação e construção estão isentas de imposto do selo previsto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.”, e fê-lo sem distinguir se está em causa uma “situação jurídica estática” ou outra qualquer!

22. Não incorreu, assim, o digníssimo Tribunal “a quo” em erro de julgamento sobre a matéria de direito ou na errada interpretação ou na violação de qualquer disposição legal!

23. Apesar da revogação do Estatuto Fiscal Cooperativo, foi intenção do legislador manter os benefícios fiscais atribuídos às Cooperativas, designadamente os que se reportam a IRC, IMI, IMT e IMPOSTO DE SELO, pelo que aditou o art.º 66.º-A no Estatuto dos Benefícios Fiscais.

24. No n.º 9 da supra citada norma legal, ficou estabelecida a isenção subjetiva das Cooperativas quanto a IMI e, no n.º 12, quanto a IMPOSTO DE SELO.

25. O ato tributário em apreço enferma assim de ilegalidade, como bem decidiu o digníssimo Tribunal “a quo”, pelo que tal decisão não merece qualquer censura, devendo ser confirmada.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO DOUTAMENTE SUPRIDOS POR V. EX.AS SE REQUER SE DIGNEM JULGAR TOTALMENTE IMPROCEDENTE, POR NÃO PROVADO, O PRESENTE RECURSO, CONFIRMANDO A DOUTA SENTENÇA PROFERIDA PELO DIGNÍSSIMO TRIBUNAL “A QUO”, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.

ASSIM FAZENDO, ASSIM, INTEIRA E MERECIDA JUSTIÇA!

I.4. Remetidos os autos ao S.T.A., foi dada “vista” ao exm.º magistrado do Ministério Público, o qual emitiu parecer nos termos que seguem:
“1.OBJETO.
Sentença do TAF do Porto, que julgou procedente impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação de Imposto do Selo (verba 28.1 da TGIS) do ano de 2014, no entendimento de que a recorrida, enquanto cooperativa de habitação, se encontrava isenta de tributação em IS, ao abrigo do estatuído no artigo 66.º-A/12 do EBF, na redação vigente à data do facto tributário
2.FUNDAMENTAÇÃO.
Em concordância com a entidade recorrente, cujo discurso fundamentador se subscreve, no essencial, entendemos que o recurso merece provimento.
O DL 64-B/2011, de 30/12 (OE 2012) procedeu à revogação do Estatuto Fiscal Cooperativo (EFC) e introduziu no EBF o artigo 66.º-A, que no seu n.º 12, isenta as cooperativas de IS sobre os atos, contratos, documentos, títulos e outros factos, incluindo as transmissões gratuitas de bens, quando o imposto constitua seu encargo.
As realidades atrás referidas, previstas pelo legislador, coincidem com as realidades previstas no artigo 1.º/1 do CIS até à redação introduzida pela Lei 55-A/2012, de 29/10.
Acontece que, através da Lei 55-A/2012, de 29/10, o legislador aditou a verba 28 à TGIS, vendo-se obrigado a proceder à alteração do artigo 1.º do CIS, acrescentando aos “atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos” as “situações jurídicas”.
As novas “situações jurídicas” que são tributadas com a nova verba 28 da TGIS são a “propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) seja igual ou superior a (euro) 1.000.000”.
A verba 28 da TGIS não visa, assim, documentos ou operações mas sim tributar situações jurídicas, estáticas, incidindo o tributo sobre o VPT dos imóveis, à semelhança do IMI, embora seja certo que a receita não reverte para os Municípios.
Assim, o artigo 3.º da Lei 55-A/2012 aditou o n.º 6 ao artigo 7.º do CIS, nos termos do qual são aplicáveis às situações previstas na verba 28 da TGIS as isenções previstas no artigo 44.º do EBF, que enuncia as isenções em sede de IMI.
Ora, parece certo que o legislador não quis que a isenção do artigo 66.º-A do EBF abrangesse a verba 28 da TGIS, pois que, à semelhança do que fez ao artigo 1.º/1 do CIS, em que às realidades ali previstas acrescentou as “situações jurídicas”, nada acrescentou aquele normativo, nem previu, expressamente, no artigo 7.º do CIS a aplicação da isenção e consequente afastamento da norma de incidência da verba 28 às realidades enunciadas no referido artigo 66.º-A, como havia feito em relação ao artigo 44.º do EBF.
Que assim é parece resultar do aditamento da norma do n.º 14 ao artigo 66.º-A do EBF, pela Lei 7-A/2016, de 30/03, à qual não foi conferido caráter interpretativo, que, expressamente, isenta as cooperativas de habitação e construção, para o ano de 2016, do IS previsto na verba 28.1 da TGIS, o que seria, absolutamente, desnecessário, se tal isenção já estivesse prevista, de acordo com uma interpretação extensiva do normativo do n.º 12 do artigo 66.º-A do EBF (Neste sentido decisão arbitral de 21/02/2017, proferida no processo 322/2016-T, disponível em www.caad.pt).
A sentença recorrida merece, assim, censura.
3.CONCLUSÃO.
Deve dar-se provimento ao recurso e revogar-se a sentença recorrida, e, em substituição, julgar-se improcedente a impugnação judicial, com consequente manutenção da liquidação sindicada na ordem jurídica.”

I.5. Sendo de delimitar o objeto do recurso de acordo com as conclusões apresentadas pela recorrente, nos termos do art. 635.º n.ºs 3 e 4 e 639.º n.º1 do C.P.C., resulta para apreciar e decidir se há erro de direito no decidido na sentença recorrida no que respeita à isenção considerada aplicável à recorrente enquanto cooperativa, sendo tal unicamente o que sustenta a anulação da impugnada liquidação de imposto de selo efetuada em 2014.

É relativamente a essa questão que o recorrente obteve decisão desfavorável na sentença recorrida, invocando agora ter sido efetuada uma errada interpretação e aplicação do disposto nos arts. 1.º, n.º 1, 2.º, n.º 4, 3.º, n.º 3, u), 4.º, n.ºs 2 e 6, 5.º, u), e 23.º, n.º 7 do C.I.S., art. 22º, nº 1 do C.I.S. e Verba 28 da T.G.I.S., art. 7.º do C.I.S. e 44.º do E.B.F., art. 66º-A do E.B.F., art. 8.º e 113.º, nº 1 do C.I.M.I. e art. 13.º da C.R.P. que importa ainda apreciar e decidir.

Com efeito, no que respeita à incidência objetiva do previsto na dita verba 28 quanto a terrenos para construção com edificação autorizada ou prevista, na redação dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, bem como ainda quanto à inconstitucionalidade de que se conheceu ainda na sentença recorrida, em conformidade com decisão do Tribunal Constitucional que foi já proferida nos presentes autos.

Acresce que a recorrida, embora invoque não se verificar a afetação habitacional do dito prédio rústico, não pôs propriamente em causa o decidido, nos termos do art. 636.º do C.P.C., quanto às demais questões em que obtive resposta desfavorável na sentença recorrida.

E quanto à dita questão ainda em causa invoca, em resumo, que goza da isenção prevista no n.º12 do art. 66.º-A do E.B.F., de acordo ainda com o n.º14 aditado a esse art. 66.º-A, pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, bem como que o art.º 1.º do C.I.S., na redação da Lei n.º 55-A/2012, que passou a incluir a expressão «situações jurídicas» não tem a virtualidade de afastar a referida isenção no que respeita à norma constante da verba 28 da T.G.I.S..

I.6. Colhidos os vistos legais, nada obsta a que se conheça do recurso em conferência.

II.Fundamentação.

II.1.De facto.
A sentença recorrida fixou como provada a seguinte matéria factual:
1. A Impugnante, “A……….., Cooperativa de Habitação Económica, Lda.”, Contribuinte Fiscal nº ……….., é uma cooperativa que tem por objecto principal a construção ou aquisição de fogos para habitação dos seus membros, bem como a sua reparação, remodelação ou administração, inclusive de condomínios, nos termos exarados no documento de fls. 15/23.

2. A Autoridade Tributária, em 20/3/2015, emitiu a liquidação de imposto de selo relativa ao imóvel inscrito na matriz predial da freguesia de Lordelo do Ouro sob o artigo U-004282, com o valor patrimonial tributário de € 5.683.020,38, com os elementos que constam do documento de fls. 9/10 que se dá por reproduzido, a saber: verba da TGIS: 28.1; valor patrimonial: € 5.683.020,38, taxa: 1,00 %, colecta: € 56.830,20, importância a pagar: € 18.943,40 (1ª prestação).

3. A Autoridade Tributária, em 20/3/2015, emitiu a liquidação de imposto de selo relativa ao imóvel inscrito na matriz predial da freguesia de Lordelo do Ouro sob o artigo U-004282, com o valor patrimonial tributário de € 5.683.020,38, com os elementos que constam do documento de fls. 11 que se dá por reproduzido, a saber: verba da TGIS: 28.1; valor patrimonial: € 5.683.020,38, taxa: 1,00 %, colecta: € 56.830,20, importância a pagar: € 18.943,40 (2ª prestação).

4. A liquidação mencionada em 2/3 admitia pagamento em Abril de 2015 (1ª prestação) e Julho de 2015 (2ª prestação).

5. Dá-se por reproduzido o documento de fls. 12 que constitui cópia da caderneta predial urbana do prédio sito na Rua de ………. e Travessa ………., inscrito na matriz predial da freguesia de Lordelo do Ouro sob o artigo U-004282, com o valor patrimonial tributário determinado em 2012 de € 5.477.610,00, cuja propriedade se encontra inscrita a favor da Impugnante.

6. A presente impugnação foi apresentada em 23/6/2015.
*
Não foram dados como provados outros factos.

II.2. De direito.

No art. 1.º n.º1 do Código de Imposto de Selo (C.I.S.), na redação dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, foi previsto tributar para além de vários “factos” na mesma referidos também “situação jurídicas”.
Estas são de considerar como correspondendo a um estado em que o contribuinte por via de ato jurídico praticado fica investido em poderes e deveres, diferentes dos factos enunciados anteriormente nessa norma.
Por outro lado, a isenção tem de se lhe referir, conforme resulta do art. 103.º n.º2 da C.R.P. e do princípio da tipicidade.
Ora, nada a respeito da verba 28 da tabela anexa, na redação dada pela referida Lei 83-C/2013 que incluiu também os “terreno para construção cuja edificação autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI” cujo valor “seja igual ou superior a € 1 000 000”, veio então a ser previsto quanto a isenção aplicável a cooperativas.
Com efeito, no art. 66.º-A do E.B.F. que se referia aos benefícios fiscais a estas aplicáveis manteve-se, com a redação anterior, o n.º 12, respeitante à isenção aos anteriores “factos”.
À isenção da referida verba 28 se referia então o aditamento constante do n.º 6 do art. 7.º do E.B.F., na redação dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, em que se previu que “são ainda aplicáveis às situações previstas na Verba n.º 28 da Tabela Geral as isenções previstas no artigo 44.º do EBF”.
E desta norma resulta que a isenção apenas estava prevista quanto a Estados Estrangeiros, a instituições de segurança social, a associações religiosas, a associações sindicais e as demais entidades e prédios previstos, opinando a doutrina tratar-se fundamentalmente de benefícios de ordem estrutural - cfr. José Maria Pires, em Lições de Impostos Sobre o Património e do Selo, 3.ª ed. Almedina, 2018, pág. 513.
Acresce que as referidas normas foram aprovadas num quadro de grave crise financeira das finanças públicas, conforme este autor também refere.
Também a Comissão Europeia tinha deixado claro desde 2004 que o regime específico aplicável às cooperativas, ainda que podendo conter um regime fiscal mais favorável que o das sociedades comerciais, tinha de respeitar os princípios da necessidade e da proporcionalidade - cfr. ainda Júlio Costa Comesaña, em O regime fiscal das cooperativas como auxílio público que falseia a concorrência no mercado interno, pág. 120, em Jurisprudência Cooperativa Comentada, ed. 2012, da INCM.
Assim se entende que, uma vez afastado o referido quadro de grave crise, tenha então sido reconhecida a isenção da verba 28 às cooperativas, tal como veio a ser previsto no n.º 14 do dito art. 66.º-A, na redação dada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março – Lei de Orçamento de Estado para 2016, aplicável, pois, quanto ao ano de 2016 (a referida norma foi ainda revogada pela L.O.E. para 2017), e sem carácter retroativo.
Tal leva a concluir, de acordo ainda com o previsto no art. 12.º n.º1 da L.G.T., que o legislador apenas pretendeu a partir de então isentar as cooperativas do imposto de selo referente à verba 28 e enquanto esta se manteve.
Concluindo, no que respeita ao referido ano de 2014, a recorrida não estava isenta de imposto de selo previsto na referida verba 28, tendo a sentença recorrida incorrido na violação das normas anteriormente referidas.
Consequentemente, o recurso obtém provimento o recurso, sendo de revogar o decidido e, julgando por substituição, de acordo com o disposto no art. 665.º n.º 1 do C.P.C., improcede a impugnação judicial, com a consequente manutenção da liquidação impugnada.

III.Decisão:

Nos termos expostos, os Juízes Conselheiros da Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo acordam em conceder provimento ao recurso, revogam o decidido na sentença recorrida e julgam por substituição improcedente a impugnação judicial, com a consequente manutenção da liquidação impugnada.

Custas pela recorrida – art. 527.º n.º 1 do C.P.C.

Lisboa, 10 de março de 2021. - Paulo José Rodrigues Antunes (relator) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva.