Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:010/21.4BCLSB
Data do Acordão:11/25/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
TRIBUNAL ARBITRAL
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
PRESIDENTE DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO
QUESTÃO ESTRITAMENTE DESPORTIVA
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Justifica-se a admissão do recurso de revista dado estar em discussão quaestio juris que envolve algum melindre e dificuldade, mostrando-se dotada de complexidade, e que assume interesse para a comunidade jurídica, dado nela se verificar capacidade de expansão da controvérsia, já que suscetível de se projetar ou de ser transponível para fora do âmbito dos autos e para outras situações futuras indeterminadas.
Nº Convencional:JSTA000P28592
Nº do Documento:SA120211125010/21
Data de Entrada:11/15/2021
Recorrente:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Recorrido 1:A.................
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


1. FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL [FPF], invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 07.07.2021 do Tribunal Central Administrativo Sul [doravante TCA/S] [cfr. fls. 1212/1232 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que negou provimento ao recurso interposto e manteve a decisão proferida ao abrigo do n.º 7 do art. 41.º da Lei n.º 74/2013, de 06.09 [diploma que criou o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) - vulgo Lei do TAD (LTAD)], em 01.02.2021, pelo Presidente do TCA/S que julgou «procedente a presente providência cautelar» deduzida por A……………… e suspendeu a «eficácia da decisão tomada em 27.1.2021, pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol - e posteriormente confirmada pelo Pleno do mesmo Conselho de Disciplina em 29.1.2021 -, que impôs ao requerente a sanção disciplinar de 1 (um) jogo de suspensão e, acessoriamente, a sanção de multa no montante de € 153,00».

2. Motiva a admissão do recurso de revista [cfr. fls. 1243/1277] na relevância social e jurídica objeto de litígio e, bem assim, a necessidade de «uma melhor aplicação do direito», fundada quer na nulidade de decisão por omissão de pronúncia quer na errada interpretação e aplicação, nomeadamente dos arts. 615.º do Código de Processo Civil [CPC/2013], 04.º, n.º 6, e 41.º, n.º 7, da LTAD, 25.º da Lei n.º 1/90, de 13.01 [Lei de Bases do Sistema Desportivo], 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa [CRP] e 214.º do RD/LPFP.

3. O aqui recorrido produziu contra-alegações em sede de recurso de revista [cfr. fls. 1284/1316] nas quais pugna, mormente, pela sua não admissão.
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O Presidente do TCA/S julgou procedente a providência cautelar sub specie e suspendeu a eficácia da decisão tomada em 27.01.2021 pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol confirmada pelo Pleno do mesmo Conselho de Disciplina em 29.01.2021 [cfr. fls. 677/688], juízo este que o TCA/S manteve.

7. A aqui recorrente para além da relevância social e jurídica do litígio, sustenta a necessidade de melhor aplicação do direito, insurgindo-se, neste segmento, para além da nulidade de decisão, contra o que entende ser a errada interpretação e aplicação feita no acórdão recorrido do quadro normativo supra enunciado.

8. A jurisprudência desta formação tem considerado que a relevância jurídica fundamental, exigida pelo n.º 1 do art. 150.º do CPTA, se verifica quando, designadamente se esteja perante questão jurídica de elevada complexidade, seja porque a sua solução envolve a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou ao nível da doutrina.

9. E a relevância social fundamental ocorre, designadamente, nas situações em que esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão no tecido social, ou expansão do interesse orientador da intervenção do Supremo relativamente a futuros casos análogos ou apenas do mesmo tipo, mas em que a utilidade da decisão se antevê com condições para ultrapassar os limites do caso concreto e das partes envolvidas no litígio.

10. Já a admissão da revista fundada na melhor aplicação do direito prende-se com situações respeitantes a matérias relevantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, impondo-se a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como condição para dissipar dúvidas sobre o quadro legal que regula certa situação, vendo-se a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objetivo.

11. Temos, por outro lado, que o carácter excecional deste recurso tem sido reiteradamente sublinhado pela jurisprudência desta Formação de Admissão Preliminar, com especial destaque para os processos cautelares em que se tem afirmado a exigência de um rigor acrescido, constituindo sua orientação jurisprudencial a de que em sede cautelar não se justifica admitir revista de decisões de segunda instância, salvo quando se discutam aspetos do regime jurídico específicos ou que exclusivamente digam respeito ou se confinem à tutela cautelar, ou quando a decisão contenda com situações de relevância comunitária particularmente intensa ou de inobservância de princípios processuais fundamentais.

12. Cientes dos considerandos enunciados e entrando na análise do preenchimento dos pressupostos da revista sub specie impõe-se referir, desde logo a quaestio juris colocada revela-se, in casu, como dotada de relevância jurídica e social fundamental.

13. Com efeito, a matéria objeto de dissídio envolve e prende-se com a prévia delimitação/definição do conceito de «questão estritamente desportiva» e das suas implicações em termos da delimitação das esferas de competência entre tribunais estatais e os órgãos internos das federações desportivas, ditos órgãos jurisdicionais federativos, especificamente em sede de tutela cautelar, bem como da sua conexão com a tutela cautelar e impugnabilidade contenciosa das decisões sancionatórias destes órgãos, dos direitos de defesa e realização da tutela jurisdicional efetiva.

14. A mesma envolve complexidade jurídica dada a aplicação e concatenação de diversos quadros normativos e apelo a vários institutos e princípios jurídicos, apresentando interesse para a comunidade jurídica, o que legitima a admissão do recurso de revista como garantia de uniformização do direito nas vestes da sua aplicação prática, dado discutir-se problema facilmente replicável, com forte capacidade de expansão da controvérsia e que assume carácter paradigmático/exemplar, suscetível de se poder projetar ou de ser transponíveis para outras situações, e que reclama deste Supremo Tribunal a definição de diretrizes clarificadoras.

15. Daí que se segue a necessidade de recebimento do recurso, para reanálise do assunto com vista a uma esclarecida aplicação do direito, quebrando-se a regra da excecionalidade supra enunciada.

DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em admitir a revista.
Sem custas.
D.N..
Lisboa, 25 de novembro de 2021. – Carlos Carvalho (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso.