Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0221/12
Data do Acordão:10/08/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:TAXA DE CONSERVAÇÃO DE ESGOTOS
TAXA
IMPOSTO
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:O tributo denominado taxa de conservação de esgotos previsto no art. 77.º do Regulamento Geral das Canalizações e Esgotos da cidade de Lisboa, aprovado pelo Edital n.º 145/60, com a redacção dada pelo Edital n.º 60/90, tem natureza de taxa e não de imposto.
Nº Convencional:JSTA00068926
Nº do Documento:SA2201410080221
Data de Entrada:02/27/2012
Recorrente:A............, SA
Recorrido 1:CM DE LISBOA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TTRIB LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - TAXA.
Legislação Nacional:REG GERAL DAS CANALIZAÇÕES DE ESGOTOS DA CIDADE DE LISBOA ART77.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC018725 DE 1995/03/29.; AC STA PROC020485 DE 1998/03/11.; AC STA PROC026472 DE 2002/05/22.; AC STA PROC0605/06 DE 2006/11/15.; AC STA PROC0803/06 DE 2006/11/22.; AC STA PROC0236/07 DE 2007/06/27.; AC TC PROC652/2005 DE 2005/11/02.; AC TC PROC52/2006 DE 2006/01/17.; AC TC PROC68/07 DE 2007/01/30.; AC TC PROC60/07 DE 2007/01/30.
Referência a Doutrina:NUNO SÁ GOMES - MANUAL DE DIREITO FISCAL VOLI PAG76.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – A…………, S.A., com os demais sinais dos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação por si deduzida contra o despacho, que indeferiu o pedido de revisão da liquidação da taxa de conservação de esgotos, referente a 1994, no montante de € 16.660,38.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«A. Tendo sido notificada da liquidação da taxa de conservação de esgotos respeitante ao ano de 1994, a Recorrente apresentou impugnação judicial, nos termos do disposto no a 99° e ss. do CPPT, requerendo a sua anulação por considerar orgânica e materialmente inconstitucional a norma que a suporta - art.º 77° do RGCE.
B. O Meritíssimo Juiz a quo julgou totalmente improcedente tal impugnação.
C. Contrariamente ao entendimento do Meritíssimo Juiz a quo, a Recorrente defende que a taxa de conservação de esgotos consubstancia um verdadeiro imposto.
D. A mencionada taxa, calculada com base no valor patrimonial dos imóveis, é um verdadeiro imposto, porquanto não se verifica proporcionalidade entre a taxa cobrada e o serviço prestado.
E. Parece ser entendimento generalizado do Supremo Tribunal Administrativo que não sendo a correspondência económica entre taxa devida e serviço prestado um elemento essencial do conceito de taxa, mas sim mera correspondência jurídica, tem que haver proporção entre os mesmos sob pena de estarmos perante verdadeiros impostos, e já não taxas.
F. Ora, é o que se passa em relação à taxa de conservação de esgotos aqui em causa.
G. Sendo um verdadeiro imposto, a norma do art. 77° do RGCE é inconstitucional por violação da reserva de competência da Assembleia da República, mais concretamente os art°s 103.°, e 165.°, nº 1, alínea i) da CRP.
H. A taxa em causa viola, ainda, o princípio da igualdade, previsto no art. 13.° da CRP, porquanto o mesmo serviço, relativo a imóveis exactamente iguais, prestado a sujeitos passivos diferentes gera taxas diferentes, apenas e só porque os valores patrimoniais com base nos quais é calculada são distintos.
I. Distinção essa que, como o próprio Governo reconheceu, se traduz numa real e efectiva discriminação e iniquidade do sistema, gerando desigualdades injustificadas de tratamento entre contribuintes semelhantes.
J. Repetindo as palavras de AFONSO QUEIRÓ, transcritas supra, não só “não é natural exigir-se por uma prestação, serviço ou actividade administrativa pagamento de uma taxa de montante superior ao de outra que é cobrada pela Administração por uma prestação, serviço ou actividade idêntica”, como tal situação é contra a lei e a CRP.
K. O tratamento discriminatório imposto aos contribuintes por via deste regime de cálculo da taxa de conservação de esgotos é, pois, violador do princípio da igualdade previsto no referido art. 13º da CRP.»

2 – A entidade recorrida contra alegou e concluiu do seguinte modo.
«1. O Município, no âmbito da prossecução das respectivas atribuições em matéria de saneamento, assegura a conservação em condições de funcionamento da rede geral de esgotos.
2. É inquestionável que a actividade de conservação da rede geral de esgotos prosseguida pelo Município se, por um lado, se destina a prosseguir o interesse público, porque tem subjacente a manutenção das condições de higiene e salubridade das povoações, por outro,
3. beneficia de forma individualizada, os utilizadores de cada prédio ligado à rede geral de esgotos.
4. O facto de um prédio ser ligado à rede de esgotos determina que, a partir desse momento, respectivo proprietário/usufrutuário beneficia da prestação, por parte do Município de Lisboa, do serviço público de manutenção da mesma.
5. O facto gerador da obrigação tributária é constituído pela efectiva ligação do imóvel à rede geral de esgotos, momento a partir do qual o respectivo proprietário beneficia do serviço público prestado pelo Município de Lisboa.
6. Aqui reside o sinalagma caracterizador da taxa de conservação de esgotos, consubstanciando-se, assim, na contrapartida devida pela prestação do serviço público de manutenção e conservação da rede geral de esgotos.
7. Aliás, a obrigação de pagamento do tributo controvertido não depende da utilização efectiva da rede geral de esgotos, mas tão só da susceptibilidade de a poder utilizar.
8. Efectivamente, se o prédio se encontra ligado à rede de esgotos, a falta de utilização do serviço proporcionado pelo Município não afasta a necessidade de efectiva conservação da mesma.
9. Ora, para haver contraprestação, basta que se verifique a possibilidade da utilização da rede geral de esgotos, serviço que o Município assegura com carácter de permanência.
10. A taxa de conservação de esgotos configura uma verdadeira taxa, pois, em virtude do serviço prestado pelo Município, o proprietário obtém a mais-valia traduzida no facto de o seu prédio dispor da rede geral de esgotos em bom estado de conservação, o que o valoriza pela comodidade que proporciona, quer seja habitado pelo próprio, quer seja arrendado.
11. Neste contexto, tal como frisa o Tribunal ‘a quo’, a qualificação da natureza jurídica deste tributo como taxa, é pacífica, unânime e reiterada na douta Jurisprudência quer do Tribunal Constitucional, quer do Supremo Tribunal Administrativo.
12. A título meramente exemplificativo, louva-se a Recorrida nos doutos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo proferidos, respectivamente, nos Recursos nºs 605/06, 01921/03, 0263/07, de 28-09-2006; 31-03-2004 e 27-06-2007.
13. Quanto à alegada violação do princípio da proporcionalidade, esclarece a Recorrida, que a noção de sinalagma não pressupõe a existência de uma exacta equivalência económica entre as prestações dos sujeitos da relação jurídica tributária, porquanto, para haver taxa, basta uma equivalência jurídica de prestações.
14. Uma vez mais, asserção profícua e unanimemente tratada pela douta Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, designadamente, nos Acórdãos proferidos no âmbito dos Recursos nºs 26472, 0803/06, 0236 /07, respectivamente, de 22-05-2002, 22-11-2006, 27-06-2007.
15. O facto de o cálculo da taxa de conservação de esgotos se aferido com base no valor patrimonial dos imóveis, como tal inscrito nas respectivas matrizes, traduz um modo de determinação decidido no âmbito de poderes tributários e regulamentares cometidos constitucionalmente às autarquias tocais, não se afigurando, como invoca a Recorrente, desajustado. Pelo contrário, permite, com critério objectivo, a repartição dos encargos da conservação da rede geral de esgotos pela generalidade dos munícipes.
16. Não se vislumbrando, por conseguinte, qualquer desproporção violadora do princípio da igualdade ou proporcionalidade entre o montante cobrado e os custos inerentes ao serviço prestado, outrossim, o critério adoptado atende a circunstâncias, entre outras, como a dimensão e localização dos imóveis, promovendo uma maior igualdade e proporcionalidade das correlativas prestações.
17, Pelo aduzido, a taxa de conservação de esgotos configura uma verdadeira taxa, cuja criação e consequente liquidação e cobrança caiem no âmbito dos poderes tributários atribuídos às autarquias locais, por força do nº. 4, do artigo 238° e artigo 241°, ambos, da Constituição da República Portuguesa.
18. Consequentemente, cai por terra, a invocada violação do n.º 2, do artigo 103° e alínea i), do n.º 1, do artigo 165°, ambos, da Constituição da Republica Portuguesa, porquanto, enquanto taxa que é, a taxa de conservação de esgotos não está sujeita ao princípio constitucional da legalidade tributária de reversa de lei formal da Assembleia da república ou Decreto-Lei do Governo emitido a coberto de autorização legislativa.
19. O acto de liquidação e cobrança da taxa de conservação de esgotos sub judice não padece, assim, de qualquer vício.
20. Bem decidiu o tribunal ‘a quo’ na douta sentença proferida em 24 de Outubro de 2011 que deve, assim, manter-se em vigor na ordem jurídica, estando isenta de qualquer reparo.»

3- No seu parecer, emitido a fls. 209-211, o Exmº Procurador Geral Adjunto pronuncia-se pelo não provimento do recurso, com base na jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Constitucional que cita.

4 – Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5 - Em sede factual apurou-se na primeira instância a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão da causa:
A) Em Setembro de 1995, a Impugnante tomou conhecimento da liquidação da taxa de conservação de Esgotos, referente a 1994, que recaiu sobre um prédio da mesma— por acordo.
B) O prazo para pagamento voluntário terminava em Outubro de 1995 — por acordo.
C) Em 04/05/2005, deu entrada, na Câmara Municipal de Lisboa, um pedido de revisão da referida liquidação, pedindo a anulação da liquidação da taxa de conservação de esgotos, referente a 1994, com base na inconstitucionalidade do artigo 77.° do RGCEL — cf. documento constante do processo administrativo, documento esse cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
D) Através do oficio n.º 1314/DAJAF/DEF/2005, a Impugnante tomou conhecimento que, por despacho de 22/09/2005, foi indeferido o pedido de revisão com os fundamentos constantes das informações n.º 171/DAJAF/DEF/05 e 273/DAJAF/DEF/05, as quais seguiram em anexo — documentos constantes do processo administrativo, documentos esses cujos conteúdos se dão aqui por integralmente reproduzidos.
E) Do teor da Informação n.º 171/DAJAF/DEF/05 resulta: «(...) Inexiste erro imputável aos serviços, pelo que o presente pedido de revisão da liquidação é extemporâneo. (...) O tributo em causa configura a natureza de uma taxa devida pela contrapartida pela prestação de um serviço público prestado pelo Município — a conservação da rede geral de esgotos —, enquadrando-se no âmbito da prossecução das atribuições que a Câmara detém quanto ao saneamento. (...) Face ao exposto, conclui-se propondo o indeferimento do pedido formulado pela requerente, por extemporaneidade, uma vez que inexiste erro imputável aos serviços.» — cf. documentos constantes do processo administrativo, documentos esses cujos conteúdos se dão aqui por integralmente reproduzidos.

6. Do mérito do recurso

A questão objecto do presente recurso prende-se com a legalidade da taxa de conservação de esgotos liquidada pela Câmara Municipal de Lisboa ao abrigo do artº 77º do Regulamento Geral das Canalizações de Esgotos da Cidade de Lisboa, constante do edital n.º 145/60, aprovado em reunião da Câmara Municipal de Lisboa em 22 de Junho de 1960,publicado no Diário Municipal n.º 7649 de 1960/09/24, e alterado pelo Edital n.º 60/90, publicado em Diário Municipal n.º 15933 de 1990/08/07.

Alega a Recorrente que o art.° 77° do RGCE padece de inconstitucionalidade:
a) orgânica, por a taxa de conservação de esgotos se tratar verdadeiramente de um imposto e não de uma taxa, assim violando o disposto nos art.°s 103° e 165°, n.° 1, al. i) da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), mas sobretudo
b) material, por violação do princípio da igualdade, com consagração constitucional no art.° 13° da Lei Fundamental.

6.1 Da alegada inconstitucionalidade orgânica da taxa de conservação de esgotos por violação do disposto nos art.°s 103° e 165°, n.º 1, al. i) da Constituição da República Portuguesa.

No caso vertente está em causa o artº 77º do Regulamento Geral das Canalizações de Esgoto da Cidade de Lisboa que foi aprovado em Reunião de Câmara de 22-6-1960 e por Despacho do Ministro das Obras Públicas, de 12-9-1960 e publicitado pelo Edital n.º 145/60, publicado Diário Municipal n.º 7649 de 24-9-1960. Aquele Regulamento foi alterado pelo Edital n.º 60/90, publicado no Diário Municipal n.º 15933, de 7-8-1990.
De harmonia com o disposto nos arts. 4.º, n.º 1, alínea h), e 12.º, n.º 1, alínea b), da Lei das Finanças Locais em vigor em 1996 (Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro) são receitas do municípios «o produto da cobrança de taxas ou tarifas resultantes da prestação de serviços pelo município» respeitando estas tarifas, entre outras, às actividades de «ligação, conservação e tratamento de esgotos».
O art. 77.º do referido Regulamento, na redacção dada pelo Edital n.º 60/90, publicada no Diário Municipal de 19.07.1990, estabelece que «a tarifa de conservação, de 0,25 % do valor patrimonial, é anual. A obrigação do seu pagamento pertence ao respectivo proprietário.»

Este o enquadramento legal a considerar no caso subjudice e ao abrigo do qual foi efectuada a liquidação sindicada.
Alega a recorrente que a taxa em causa tem por base o valor patrimonial dos prédios, aferindo-se, em função da capacidade contributiva do sujeito passivo, sendo totalmente alheia ao custo ou ao benefício do serviço prestado.
Conclui por isso que não se trata de uma taxa, mas sim perante um efectivo e verdadeiro imposto.
Prosseguindo neste discurso argumentativo sustenta que, tratando-se de um verdadeiro imposto, a norma que o prevê – art.° 77° do RGCE – padece de inconstitucionalidade orgânica por violação do disposto nos art.°s 103°, e 165.°, n.° 1, al. i) da CRP, uma vez que não foi aprovada pelo órgão com competência para a sua fixação.

A sentença recorrida considera que a taxa de conservação de esgotos impugnada é uma verdadeira taxa e não um imposto e que os diplomas legais e regulamentares que a regulamentam não sofrem de qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade, nomeadamente por violação dos princípios da proporcionalidade ou da igualdade.
A questão em análise tem sido objecto de jurisprudência consolidada desta secção do Supremo Tribunal Administrativo a qual vem decidindo, de forma unânime, que a tarifa de conservação de esgotos, por ter natureza sinalagmática, é de qualificar como uma verdadeira taxa, e não como um imposto – vide, neste sentido, Acórdãos de 29-3-1995, recurso n.º 18725, AP-DR de 31-7-97, página 942 de 11-3-1998, recurso n.º 20485, AP-DR de 8-11-2001, página 773, de 25-11-1998, recurso n.º 22593, AP-DR de 21-1-2002, página 3276, de 22-5-2002, recurso n.º 26472, AP-DR de 8-3-2004, página 1626, de 31-3-2004, recurso n.º 1921/03, de 28-9-2006, recurso n.º 605/06 de 15-11-2006, recurso n.º 566/0, de 22-11-2006, recurso n.º 803/06 e de 27.06.2007, recurso 236/07, os cinco últimos in www.dgsi.pt.
E também foi já apreciada pelo Tribunal Constitucional que, nos seus Acórdãos de 652/2005, de 2-11-2005, Diário da República, II Série, de 5-1-2006, 52/2006, de 17-1-2006, e 68/07, de 30.01.2007, considerou que prestação devida às Câmaras Municipais pela conservação da rede de esgotos configura um tributo com a natureza de taxa e sublinhou, em abono desta qualificação jurídica (como taxa), que não se pode considerar que o critério da determinação do montante do tributo, isto é, o valor patrimonial do prédio, seja completamente alheio à utilidade que o particular retira dele, justamente por evitar a depreciação do valor desse mesmo prédio (Acórdão 68/07).
A questão suscitada pela recorrente pressupõe, antes do mais, a análise do conceito de taxa e do seu carácter bilateral e sinalagmático.
Refere Nuno Sá Gomes, no seu Manual de Direito Fiscal, vol. I, pag. 76, que «a única característica distintiva das taxas em face ao imposto não está na utilidade, nem na voluntariedade nem na solicitação dos serviços pelo particulares, mas apenas no carácter sinalagmático das primeiras em termos de equivalência jurídica mas não também económica da prestação devida. Por isso na taxa não basta existir uma contrapartida jurídica de carácter genérico, como sucede nas contribuições especiais, sendo necessário que seja satisfeita uma contraprestação individual exigível pelo devedor, como tem sido jurisprudência do STA».
Essa relação sinalagmática, como se sublinha no Acórdão Tribunal Constitucional 365/03 «há-de ter um carácter substancial ou material, e não meramente formal; isso não implica, porem, que se exija uma equivalência económica rigorosa entre ambos, não sendo incompatível com a natureza sinalagmática da taxa o facto de o seu montante ser “superior (e, porventura, até consideravelmente superior) ao custo do serviço prestado»”.

O que não pode é ocorrer uma «desproporção intolerável» (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 1140/96, in DR II Série, de 10/2/97)”, ou seja, “manifesta” e comprometedora, “de modo inequívoco, da correspectividade pressuposta na relação sinalagmática”, sendo certo que a sua aferição há-de tomar em conta, não apenas o valor da quantia a pagar, mas também a utilidade do serviço prestado».

É assim pela natureza da contraprestação da entidade pública que se há-de aferir a correspectividade característica da taxa.
No caso vertente é inegável que existe equivalência jurídica das contraprestações, pois são os proprietários dos prédios quem retira vantagem directa do facto dos seus prédios disporem de rede geral de esgotos em bom estado de conservação e manutenção, independentemente do grau, maior ou menor de utilização que dêem ao prédio em causa.
Por outro lado, no que concerne ao cálculo do montante do tributo ser baseado no valor patrimonial dos imóveis, importa sublinhar que se trata de uma forma de determinação desse montante que não se demonstra ser desajustada para repartir os encargos da conservação da rede de esgotos pela generalidade dos munícipes, pois tendencialmente os valores patrimoniais mais elevados corresponderão a imóveis de maior dimensão, habitados por maior número de utentes – cf. neste sentido, o já referido Acórdão 605/06.
Também o Tribunal Constitucional (Acórdão 60/07 de 30.01.2007 in http://www.tribunalconstitucional.pt) sublinha, a propósito da correspectividade entre a taxa e o benefício da utilização do bem, que «influindo na determinação do valor patrimonial circunstâncias como o tipo, dimensão e localização do imóvel, então, quanto maior for o seu valor patrimonial, maior será, tendencialmente, a sobrecarga por ele aduzida ao colector geral de esgotos (desde logo, porque um imóvel de menor valor patrimonial, por contraposição com um outro de maior valor, terá, presumivelmente, menor capacidade de suporte de pessoas ou estará inserido em zona menos densamente povoada; e se maior é a sobrecarga, maior serão, consequentemente, os encargos com a manutenção e conservação, quando não, mesmo, com o reforço das infra-estruturas).».
Trata-se de jurisprudência que também aqui se acolhe, e por isso se conclui também que tarifa de conservação de esgotos, por ter natureza sinalagmática, é de qualificar como uma verdadeira taxa, e não como um imposto.
Improcedem, pois, nesta parte as alegações de recurso.

6.2 Da alegada inconstitucionalidade material do art.° 77° do RGCE por violação do princípio da igualdade (artº 13º da Constituição da República)
Quanto a este ponto, em particular, a decisão recorrida, sufragando a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo – Acórdão 236/07 de 27.06.2007 – sustenta que a determinação do montante do tributo com base no valor patrimonial dos imóveis não se mostra desajustada para repartir os encargos da conservação da rede de esgotos pela generalidade dos munícipes, pois tendencialmente os valores patrimoniais mais elevados corresponderão a imóveis de maior dimensão, habitados por maior número de utentes.
E conclui, de seguida, que a fixação do valor da taxa pela forma indicada não viola o princípio da igualdade que, nesta situação, proíbe que se cobrem taxas diferentes a munícipes, proprietários de imóveis, que estão em situações iguais a nível da utilização dos serviços de esgotos, mas não que se cobrem taxas diferentes àqueles que estão em situação diferente.

Não conformada e, em correlação com a contestação da adequação e proporcionalidade da escolha do valor patrimonial do prédio como critério de determinação do montante da taxa em causa, a recorrente alega também que a taxa em causa viola, ainda, o princípio da igualdade, previsto no art. 13.º da CRP, porquanto o mesmo serviço, relativo a imóveis exactamente iguais, prestado a sujeitos passivos diferentes gera taxas diferentes, apenas e só porque os valores patrimoniais com base nos quais é calculada são distintos.
E conclui que deste regime de cálculo da taxa de conservação de esgotos resulta um tratamento discriminatório imposto aos contribuintes, violador do princípio da igualdade.

Entendemos que, também nesta vertente, não se lhe poderá reconhecer razão.
Como é sabido, e vem sendo afirmado pela jurisprudência do nosso Tribunal Constitucional, o princípio constitucional da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a realização de distinções.
Proíbe-lhe, antes, a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias – desde logo, diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas, como são as indicadas, exemplificativamente, no n.º 2 do artigo 13.º da Lei Fundamental (diferenciações baseadas na ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social) –, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objectiva e racional. Numa expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio – Cf.,neste sentido os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 226/03 de 29.04.2003, in www.tribunalconstitucional.pt e 186/90, 187/90 e 188/90, publicados no Diário da República, II Série, de 12 de Setembro de 1990.

Ora a esta luz, não se pode considerar que, ao fixar a tarifa de conservação de esgotos em 0,25% do valor patrimonial do imóvel, o legislador adoptou medida legislativa que estabeleça desigualdades de tratamento arbitrárias, sem fundamento razoável ou material bastante.

Com efeito e como se sublinhou no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 23.11.2006, proferido no recurso 803/06 (Também in www.dgsi.pt.), a quantificação da dita tarifa, em “0,25% do valor patrimonial do prédio”, «não pretende expressar a capacidade contributiva do proprietário mas apenas estabelecer um critério de remuneração que traduza monetariamente o serviço prestado. (…) «O legislador, no uso da sua ampla liberdade de conformação legislativa, e dentro dos parâmetros constitucionais, entendeu que a utilização (ou a possibilidade de utilização) da rede de esgotos devia ser “tarifada”, em vista do respectivo dever de conservação, por um quantitativo pecuniário correspondente àqueles 0,25%. Como poderia ter utilizado qualquer outro critério que não ferisse o princípio da proporcionalidade».

Trata-se, é certo, de um critério discutível, e bem poderia ter sido utilizado outro, v.g. indexação ao consumos de água de abastecimento público, porventura menos controverso.

O certo porém é como vimos, não é a capacidade contributiva do proprietário que é taxada mas sim o serviço prestado pela Administração.

Por outro lado, a determinação do montante do tributo com base no valor patrimonial dos imóveis, não se mostra arbitrária, desrazoável, ou desajustada para repartir os encargos da conservação da rede de esgotos pela generalidade dos munícipes, antes contempla uma correcta ponderação de interesses relevantes, pois tendencialmente, e por regra, os valores patrimoniais mais elevados corresponderão a imóveis de maior dimensão, habitados por maior número de utentes (Neste sentido o citado Acórdão 236/07.).

Acresce referir que improcede a argumentação da Recorrente ao fazer assentar a alegada violação do princípio constitucional da igualdade na destrinça de valores de avaliação patrimonial dos imóveis, consoante o sejam pelo Código do IMI ou pelo Código da Contribuição Predial.

Com efeito, e como bem nota a entidade recorrida, considerando que o acto de liquidação cuja anulação foi julgada totalmente improcedente pelo Tribunal a quo se reporta à taxa de conservação de esgotos do ano de 1994, tal destrinça, à luz dos normativos legais aplicáveis, não faz sentido.

Não se verifica, pois, nesta perspectiva – do princípio constitucional da igualdade - a invocada inconstitucionalidade material do artº 77º, pelo que improcede, também nesta parte, a argumentação do recorrente.

A sentença recorrida, que assim decidiu, não merece censura e deve ser confirmada.

7. Decisão

Nestes termos acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando o julgado recorrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 8 de Outubro de 2014. - Pedro Delgado (relator) – Fonseca Carvalho – Francisco Rothes.