Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0310/14
Data do Acordão:07/12/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:ERRO NA FORMA DE PROCESSO
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
CONHECIMENTO DE MÉRITO
Sumário:I - O erro na forma de processo, constitui excepção dilatória que determinará a anulação de todo o processo, e a absolvição do réu da instância, nos casos em que a própria petição inicial não possa ser aproveitada para a forma de processo adequada, em conformidade com o disposto nos artºs. 199º, nº 1; 288º, nº 1, al. b); 493º, nº 2, e 494º, al. b), todos do Código de Processo Civil, ex vi do artº 2º do Código de Procedimento e Processo Tributário.
II - Sendo inviável a conversão do processo de impugnação em processo de oposição, estamos perante uma excepção dilatória que obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa.
Nº Convencional:JSTA000P23517
Nº do Documento:SA2201807120310
Data de Entrada:03/12/2014
Recorrente:A............
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – RELATÓRIO

A…………, devidamente identificado nos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal do despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que indeferiu liminarmente a impugnação judicial por erro na forma processual.

Inconformado com o assim decidido, apresentou as respectivas alegações que resumiu nas seguintes conclusões:
«A) O Tribunal a quo não deveria ter indeferido liminarmente a referida impugnação judicial apresentada pelo ora recorrente com o fundamento no erro na forma processual empregue;
B) O recorrente alegou diversas questões, nomeadamente a prescrição que o Tribunal deveria obrigatoriamente que conhecer e pronunciar-se sobre as mesmas;
C) Não decorre do artigo 99º do CPPT nem do artigo 97° do mesmo diploma que a impugnação judicial apenas tenha de versar sobre liquidação de tributos;
D) Refere-se incompetência no mencionado artigo 99º, que é uma excepção e nada tem a ver com liquidação de tributos, logo seguindo a mesma interpretação, a ausência ou vício da fundamentação legalmente exigida e a preterição de outras formalidades legais não podem apenas estar relacionadas com a liquidação dos tributos.
E) A excepção da prescrição teria que ser sempre apreciada.
F) Bem como, as ausências ou vícios da fundamentação legalmente exigida e a preterição de outras formalidades legais.
G) Nomeadamente, a questão prévia referida na impugnação judicial, da falta de fundamentação do despacho de reversão e a inobservância do disposto no n° 7 do artigo 60º da LGT, dado que os elementos novos suscitados na audição do contribuinte não foram tidos em conta na referida fundamentação, que deveria ter sido apreciada tendo em conta o Princípio Pro Actione do Tribunal;
H) Quanto à prescrição, consideramos que o Tribunal deveria ter conhecido oficiosamente da prescrição (Cfr. Artigo 175° CPPT), sendo que aquela pode ser conhecida em qualquer momento do processo;
I) As dívidas tributárias prescrevem no prazo de 8 anos contados, nos impostos de obrigação única (IRC), a partir da data em que o facto tributário ocorreu;
J) No caso em apreço, poder-se-á constatar que os montantes de imposto (IRC) relativos aos períodos de tributação indicados, já prescreveram;
K) Os efeitos da interrupção da prescrição em relação ao devedor principal não produzem efeitos relativamente ao responsável subsidiário, uma vez que o ora recorrente, só foi notificado após o 5° ano posterior ao da liquidação, pelo que, a dívida encontra-se prescrita na esfera do revertido, ora recorrente — Cfr. Nº 3 do artigo 48° da LGT;
L) O Tribunal ao não apreciar e não pronunciar-se sobre diversas questões em sede de sentença, violou, salvo melhor opinião, o artigo 125°, n° 1 e artigo 124° do CPPT, constituindo tal circunstância uma causa de nulidade da sentença;
M) Questões relacionadas com a falta de requisitos essenciais do título executivo e diversos vícios da citação;
N) Por todas estas razões, podia e devia o Tribunal recorrido ter decidido pela procedência da nulidade da citação e/ou prescrição do imposto, invocada pelo recorrente na Impugnação, com todas as legais consequências.
Nestes Termos e nos melhores de Direito, com o douto suprimento de V/Ex.as, Sr. Dr.s Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal Administrativo, deve o presente Recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por douto acórdão que julgue procedente a impugnação, declarando-se a prescrição do imposto e/ou Nulidade da citação e/ou nulidade da sentença.»

Não foram apresentadas contra alegações.

Neste Supremo Tribunal, o Ministério Público a fls. 128 e seguintes emitiu parecer com o seguinte conteúdo:
«Vem interposto recurso do despacho de 19.11.2013 que indeferiu liminarmente a petição da impugnação judicial deduzida pelo ora recorrente.
Nas Conclusões da sua Alegação sustenta o recorrente que o Tribunal a quo não deveria ter indeferido liminarmente a impugnação judicial com o fundamento em erro na forma processual empregue. Sustenta, concretamente, que a sentença é nula por não se ter pronunciado sobre a prescrição da dívida exequenda e outras questões invocadas relativas ao título executivo e à citação. Expressamente indica a “falta de fundamentação do despacho de reversão”, a “inobservância do disposto no art. 60.º da LGT” e a “nulidade da citação”.
Salvo melhor entendimento, não assiste razão ao recorrente.
Com efeito, como se anota no recente douto Acórdão deste Supremo Tribunal de 06.03.2014- P0639/13, a jurisprudência dominante “vem afirmando que o processo de impugnação judicial não pode ter por objecto directo o conhecimento da prescrição da obrigação tributária, por este processo visar apreciar a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação e a prescrição não ter a ver com essa legalidade, mas apenas com a exigibilidade da obrigação criada com a liquidação”. É cedo, refere-se ainda nesse aresto, que se tem entendido também que a prescrição poderá ser conhecida oficiosamente, em processo de impugnação judicial, como pressuposto da questão da utilidade ou não do prosseguimento da lide, desde que o tribunal possua os elementos necessários. Porém, acrescenta-se, “a prescrição não pode ser invocada como fundamento autónomo de impugnação judicial”.
Ora, sendo invocados, para além da prescrição, vícios atinentes ao despacho de reversão e a ilegitimidade passiva, inexistia questão que fundamentando a impugnação judicial possibilitasse o conhecimento oficioso da alegada prescrição.
Na verdade, conforme é jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, o meio processual adequado para impugnar o despacho de reversão é o processo de oposição à execução fiscal e este é também o meio adequado para conhecer da ilegitimidade passiva do responsável subsidiário.
Quanto à nulidade da citação de que se fala na Alegação de Recurso, para além de não ser invocada no articulado inicial, a mesma não é de conhecimento oficioso, salvo o caso de citação edital ou falta de indicação do prazo para deduzir oposição (cf. Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de Jorge Lopes de Sousa, vol. III, pag. 137-138).
Sendo a citação uma formalidade do processo de execução fiscal é na execução fiscal que deve ser arguida e conhecida a eventual nulidade ou irregularidade do acto de citação, com eventual reclamação para o tribunal da decisão que vier a ser proferida.
Não procederá, pois, a invocada nulidade da sentença, por omissão de pronúncia sobre questões que o juiz devesse apreciar, nos termos do disposto no art. 125°, n° 1 do CPPT.
Assim, não tendo sido invocados fundamentos de impugnação judicial mas antes de oposição à execução fiscal, é manifesto o erro na forma de processo utilizada, pelo que, não sendo viável a convolação para o meio processual adequado, dada a extemporaneidade do articulado inicial, não merece qualquer reparo a decisão recorrida.
Pronuncio-me, em face do exposto, pela total improcedência do presente recurso e, consequentemente, pela manutenção do julgado.»

2 - Fundamentação

O despacho sob recurso tem o seguinte teor:
«A………… intentou ação de impugnação judicial, alegando a falta de fundamentação do despacho de reversão, a prescrição da dívida exequenda, a inexistência de pressupostos materiais e formais inerentes à reversão da dívida exequenda.
Perspetivada a convolação desta impugnação em processo de oposição, o SF prestou a informação que consta de fls. 86.
CUMPRE APRECIAR E DECIDIR
Os factos relevantes são os seguintes:
O oponente foi citado para a execução em 28/9/2012 (informação de fls. 99 e fls. 98 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
A petição inicial foi apresentada por via eletrónica em 3/12/2012 (fls. 3 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
A ação de impugnação visa atacar a legalidade da liquidação, com a invocação de quaisquer vícios desta (Artº 97º/1 a) a f) e 99º CPPT).
A ação de oposição pretende a extinção da execução, original ou revertida, com alegação dos factos que integrem os fundamentos alegados no artº 204º do CPPT.
• Sendo também esta a forma de processo na qual o interessado pode impugnar a legalidade do despacho de reversão (Ac. do STA n.º 1292/12 de 30 Sumário: I. É a oposição à execução fiscal o meio processual adequado para o revertido impugnar contenciosamente o despacho que ordena o reversão.
• Os factos alegados e que integram a causa de pedir, não visam atacar a legalidade da liquidação, mas sim a legalidade da reversão.
Ora esta é fundamento de oposição e não de ação de impugnação judicial.
• Verifica-se assim, erro na forma de processo (Artº 193º CPC).
Havendo erro na forma do processo, este será convolado na forma do processo adequada, nos termos da lei (art.98º/4 CPPT).
Como tal, impunha-se a convolação desta impugnação em oposição.
Mas a oposição deverá ser apresentada no prazo de 30 dias a contar da data da citação pessoal (Artº. 203º/1, a) CPPT)
A citação pessoal ocorreu em 28/9/2012.
O prazo de 30 dias para deduzir oposição expirava em 28/10/2012.»

3- DO DIREITO:
Questões objecto de recurso:
1- Indeferimento liminar da impugnação.
2- Conhecimento da prescrição, falta de fundamentação do despacho de reversão, preterição do direito de audição.
3- Nulidade da decisão por omissão de pronúncia.
O presente processo é um processo de impugnação judicial que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria com o nº 1519/12.6BELRA no qual o recorrente pretende atacar diversos vícios procedimentais que diz terem ocorrido no processo de execução fiscal nº 2089200501101005, a saber:
1. Falta de fundamentação do despacho de reversão por desconsideração das alegações que apresentou em sede de audição prévia;
2. Prescrição das dívidas exequendas - (IVA 2002 e 2003);
3. Ilegalidade da reversão por ausência dos seus pressupostos formais;
4. Ilegitimidade do Oponente por nunca desempenhou, de facto, o exercício da gerência;
5. Preterição de formalidades legais e demais vícios formais de que enferma o despacho que ordena a reversão.

Formulou o pedido de procedência da impugnação judicial, com a consequente extinção da execução fiscal.
Vejamos:
Previamente se dirá que este STA julgou em 18/06/2014 outro processo do mesmo contribuinte com o nº 1327/13 no qual o ora Relator interveio como 2º Adjunto sendo que no processo já julgado o recorrente, embora por referência a outro processo executivo, também apresentou impugnação onde suscitou as mesmas questões jurídicas.
E no recurso do indeferimento liminar da impugnação apresentou no processo referido as mesmas conclusões que apresenta nos presentes autos.
Assim o presente recurso tem de enfrentar as mesmas questões já decididas naquele recurso nº 1327/13, pelo que com a devida vénia passamos a seguir de perto a fundamentação jurídica então expressa:
Tal como entendido pelo Tribunal recorrido a petição inicial, muito embora se intitule de impugnação judicial, não só não ataca a legalidade do acto de liquidação, como seria devido num processo de impugnação do acto de liquidação – artº 99º do Código de Procedimento e Processo Tributário – como segue o figurino previsto para o processo de oposição judicial à execução fiscal – artº 204º do Código de Procedimento e Processo Tributário -.
Assim, claramente se representa erro na forma de processo por ter o recorrente lançado mão do processo de impugnação do acto de liquidação quando formula um pedido suportado numa causa de pedir absolutamente enquadrável no processo de oposição.
Tentando o reaproveitamento da iniciativa processual desenvolvida pelo recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 98º, nº 4 do Código de Procedimento e Processo Tributário, com vista a garantir a salvaguarda dos seus direitos, o tribunal ainda equacionou a conversão do processo de impugnação, erradamente interposto, em processo de oposição que processualmente deveria ter sido instaurado.
Porém, o reaproveitamento dos actos praticados, dado que a tal não obsta o seu conteúdo, como vimos, depara-se com uma limitação insuprível decorrente de no momento em que foi instaurada a errada impugnação, já se haver esgotado o prazo para deduzir oposição. Com efeito, tendo o recorrente sido citado para os termos da execução em 28 de Setembro de 2012, ao apresentar o processo de impugnação em 30/11/2012 no Serviço de Finanças e em 03/12/2012 no Tribunal Tributário de Leiria através de transmissão electrónica (vide fls. 3) fê-lo quando já se mostrava esgotado o prazo para deduzir oposição – 30 dias contados da data de citação para a execução – artº 203º, nº 1, a) do Código de Procedimento e Processo Tributário – comprometendo, assim, de modo inelutável qualquer reaproveitamento/conversão do processo.
Mas o recorrente insiste que a dívida está prescrita e a prescrição é de conhecimento oficioso, que não é parte legítima, que o despacho de reversão não está fundamentado, etc. tudo vícios praticados no processo de execução fiscal, em seu entender, a que o Tribunal, pese embora em processo errado e instaurado depois de esgotado o prazo legal para instaurar o processo próprio, deve, mesmo assim atender.
A posição do recorrente tornaria desnecessário ou útil o estabelecimento de qualquer prazo para o exercício de um direito, o estabelecimento de formas processuais para mais adequadamente servirem a declaração de certos direitos, e, até quase a necessidade sequer de processo, pois, bastaria que quando se deixassem passar os prazos para exercer um direito pelo meio processual próprio se lançasse mão do meio processual errado para conseguir tal desiderato.
O erro na forma de processo, constitui excepção dilatória que determinará a anulação de todo o processo, e a absolvição do réu da instância, nos casos em que a própria petição inicial não possa ser aproveitada para a forma de processo adequada, como aqui ocorre, em conformidade com o disposto nos artºs. 199º, nº 1; 288º, nº 1, al. b); 493º, nº 2, e 494º, al. b), todos do Código de Processo Civil, ex vi do artº 2º do Código de Procedimento e Processo Tributário. No caso dos autos, uma vez que é inviável a conversão do processo de impugnação em processo de oposição, estamos perante uma excepção dilatória que obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa, como pretende o recorrente.
Assim, também no caso dos presentes autos a decisão recorrida não enferma de qualquer nulidade por omissão de pronúncia porque lhe estava vedado conhecer de qualquer uma das questões solicitadas pelo recorrente, pelo que não merece qualquer censura e falecem todas as conclusões de recurso.

4- DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 12 de Julho de 2018. – Ascensão Lopes (relator) - Ana Paula Lobo - Dulce Neto.