Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01173/12
Data do Acordão:02/14/2013
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:RUI BOTELHO
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS
FUNÇÃO LEGISLATIVA
Sumário:De acordo com o disposto no art. 4º, n.º 1, alínea g), do ETAF (aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19.2, alterada pela Lei n.º 10/D/2003, de 31.12) compete aos tribunais administrativos apreciar os litígios que tenham por objecto "Questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa”.
Nº Convencional:JSTA00068128
Nº do Documento:SA12013021401173
Data de Entrada:01/11/2013
Recorrente:MUNICIPIO DA HORTA
Recorrido 1:ESTADO PORTUGUÊS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCA SUL DE 2012/06/21
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR ADM CONT - REC REVISTA EXCEPC
Legislação Nacional:CPTA02 ART150 N5
CPTA02 ART4 N2 A
CPTA02 ART4 N1 G H I
ETAF02 ART4 N1 G ART5 N1
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I Relatório

O MUNICÍPIO DA HORTA interpôs para este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do art. 150º do CPTA, recurso de revista do acórdão do TCA Sul de 21.6.12 que negou provimento ao recurso jurisdicional deduzido do despacho saneador que, conhecendo da excepção de incompetência do tribunal em razão da matéria invocada pelo ESTADO PORTUGUÊS, julgou-a procedente e absolveu o réu da instância.

Para tanto alegou, vindo a concluir:
1. O Acórdão proferido pelo TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL que negou provimento ao Recurso Jurisdicional interposto pelo RECORRENTE - e que constitui objecto do presente Recurso de Revista - tem por referente o pedido oportunamente formulado pelo ora RECORRENTE no âmbito da acção de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito interposta junto do TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE PONTA DELGADA, circunscrito à condenação do Estado Português no pagamento de indemnização no montante de € 945.549,78, nos termos do disposto no artigo 15.°, n.° 1, do Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas.
2. Entende o RECORRENTE, para aquele efeito, que o RECORRIDO elaborou as Leis do Orçamento do Estado para 2009, 2010 e para 2011 em desconformidade com a Constituição e com a Lei de Enquadramento Orçamental (concretamente, na parte em que impõem ao RECORRIDO o dever, - assim violado - de inscrição nos respectivos Mapas de Base das denominadas despesas obrigatórias ou decorrentes de obrigações legais, in casu, das despesas de transferência para o RECORRENTE decorrentes da participação variável de 5% no IRS prescrita pela LFL), preenchendo, desse modo, os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado e tornando o RECORRIDO, por esse motivo, responsável, perante o RECORRENTE, pelos danos causados.
3. Neste contexto, o TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE PONTA DELGADA - primeiro - e o TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL - em sede de Recurso Jurisdicional e no Acórdão de que presentemente se recorre -, perfilharam o entendimento segundo o qual a apreciação da pretensão indemnizatória formulada pelo RECORRENTE se encontra excluída da jurisdição administrativa e fiscal nos termos do que se dispõe no artigo 4.°, n.° 2, alínea a) do EIAF - quando proscreve daquela jurisdição a apreciação impugnatória de actos praticados no exercício da função político-legislativa -, absolvendo, em consequência, o RECORRIDO da instância.
4. Resulta do que antecede, portanto, que a questão decidenda que se pretende submeter à apreciação do SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO consiste em saber se a norma que transcorre do invocado artigo 4.°, n.° 2, alínea a) do ETAF, subtrai - ou não - à competência material da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de acções fundadas na responsabilidade civil extracontratual do Estado pelo exercício da função político-legislativa, em particular quando a correspondente pretensão indemnizatória se funde em facto ilícito consubstanciado na adopção de actos normativos desconformes com parâmetros normativos de valor reforçado.
5. E a pertinência deste thema decidendum recrudesce perante o que se dispõe na alínea do n.° 1 do mesmo artigo 4.° do ETAF, quando expressamente integra no âmbito daquela mesma jurisdição as “Questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa”.
6. Na verdade, faz-se notar que a presente controvérsia ultrapassa os limites da situação concreta, sendo potencialmente receptível num número ilimitado de casos futuros, v.g., sempre que seja formulada pretensão indemnizatória com fundamento em responsabilidade civil extracontratual do Estado pelo exercício da função político-legislativa, na medida em que tal pretensão assentará, por imperativo lógico, em actos praticados no exercício daquela mesma função político-legislativa; assim sendo, a questão de saber se aquela apreciação se encontra incluída ou excluída da jurisdição administrativa e fiscal permitirá clarificar o procedimento a adoptar pelos futuros lesados para efectivação da tutela que lhes é expressamente conferida pelo artigo 15.° do Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas.
7. Conclui-se, portanto, pela admissibilidade do presente Recurso de Revista ao abrigo do que se dispõe no artigo 150.°, n.° 1, do CPTA, na medida em que a questão decidenda se reveste de uma inequívoca relevância jurídica e social, contribuindo, ainda, para uma melhor aplicação do direito, já que a tese sufragada pelo Acórdão recorrido colide, frontalmente, com o que se dispõe no artigo 4.°, n.° 1, alínea g) do CPTA.
8. Ultrapassada a questão da admissibilidade do presente Recurso, e já no que respeita à apreciação da competência material de determinada jurisdição, salienta o RECORRENTE que não pode deixar de acompanhar o entendimento adoptado - de forma francamente maioritária, senão uniforme - quer pela jurisprudência, quer pela doutrina, nos termos do qual se considera que a competência jurisdicional se fixa no momento da propositura da causa, de acordo com regra da perpetuatio fori (cf. artigo 5.°, n.° 1, do ETAF e artigo 22.° da LOFTJ), para decidir a matéria da excepção - em concreto da (in)competência em razão da matéria - há que considerar tanto a factualidade emergente da petição inicial (i.e., a que foi alegada como causa pretendi) como o pedido formulado pelo autor, posto que é “a petição inicial que nos dá a pedra de toque que permite decifrar a competência; tal o modo como o pedido nos aparece concretamente delineado, assim se fixa qual o tribunal competente para o conhecer. No fundo o que sucede com a competência do tribunal, sucede também com outros pressupostos processuais (legitimidade, forma de processo), ou seja, é a instância -, no seu primeiro segmento consubstanciado no articulado inicial do demandante - que determina a resolução desses pressupostos.” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 13 de Maio de 2004, acessível em www.dgsi.pt, sob o n.° SJ200405130008752).
9. Do que antecede resulta que, na situação em apreço, a apreciação da competência do TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE PONTA DELGADA se encontrava circunscrita pelos termos em que o ora RECORRENTE propôs a acção, seja quanto aos elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária e factos onde deriva esse direito), seja quanto aos elementos subjectivos (identidades das partes).
10. Por conseguinte, em face dos termos da pretensão formulada pelo RECORRENTE e fixados na respectiva petição inicial, verifica-se que a indemnização peticionada no âmbito da presente acção se funda em factos que, a serem dados como provados, preenchem os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado pelo exercício da função político legislativa, tal como previstos no artigo 15.°, n.° 1, do Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas (a saber, o facto ilícito imputável ao legislador; a culpa do legislador na sua actuação; o dano indemnizável; e o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano causado).
11. Acresce, por outro lado, que nos termos do artigo 4.°, n.° 1, alínea g), e 5.°, n.° 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, “A jurisdição administrativa conhece (...) das acções destinadas à reparação dos danos resultantes do exercício da função legislativa (...) que, nos termos da lei [ie., do Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas], seja passível de engendrar a responsabilidade extracontratual do Estado” (cf. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais Anotados, vol. 1, Almedina, 2004, p. 59-60).
12. Significa o anterior, portanto, que o TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL extravasou -, ao confirmar a verificação da excepção de incompetência em razão da matéria com fundamento no artigo 4.°, n.° 2, alínea a) do ETAF os poderes que resultam do artigo 664° do Código de Processo Civil.
13. Na verdade, como resulta inexorável e inelutavelmente da petição inicial, a pretensão que o RECORRENTE pretende ver acautelada através da presente acção pressupõe a manutenção dos pertinentes actos normativos - ainda que ilícitos - na ordem jurídica, não se vislumbrando, neste domínio, a subsistência de qualquer pretensão impugnatória proscrita pelo artigo 4.°, n.° 2, alínea a) do CPTA.
14. Aliás, é justamente porque a impugnação de actos praticados no exercício da função política e legislativa se encontra excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, que o ora RECORRENTE teve, necessariamente, que propor a presente acção de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, com vista ao ressarcimento dos danos que lhe foram causados pela - inevitável e indiscutível - subsistência de actos normativos desconformes com a Constituição e com a Lei de Enquadramento Orçamental.
15. Nestes termos, o RECORRENTE pretende apenas suscitar, através da presente acção administrativa comum, a apreciação da desconformidade das Leis do Orçamento do Estado para 2009, para 2010 e para 2011 com a Constituição e com a Lei de Enquadramento Orçamental, enquanto factos ilícitos geradores da responsabilidade civil extracontratual do RECORRIDO.
16. De resto, e ao contrário do que parece fazer crer o Acórdão recorrido, a (des) conformidade constitucional de actos normativos é expressamente sindicável no âmbito da apreciação da responsabilidade civil extracontratual do Estado, enquanto facto ilícito gerador de tal responsabilidade.
17. Neste sentido, o n.° 2 do artigo 15.° do Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas estabelece que “A decisão do tribunal que se pronuncie sobre a inconstitucionalidade ou ilegalidade de norma jurídica (…) para efeitos do número anterior, equivale, para os devidos efeitos legais, a decisão de recusa de aplicação de norma cuja inconstitucionalidade, ilegalidade ou desconformidade com convenção internacional haja sido suscitada durante o processo, consoante o caso”.
18. Da citada norma legal, infere-se, portanto, que “a instauração da acção de indemnização não depende de um prévio juízo de inconstitucionalidade ou de ilegalidade por parte do Tribunal Constitucional; é o tribunal competente para conhecer da acção que irá verificar a existência do requisito de ilicitude para efeito de considerar ou não procedente a acção” (cf. CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais entidades Públicas Anotado, Coimbra Editora, 2008, p. 275).
19. Significa o anterior, pois, que na presente situação, a apreciação da (dês) conformidade constitucional dos actos normativos consubstanciados nas Leis do Orçamento do Estado para 2009, 2010 e 2011, assume um carácter meramente instrumental, tendente à averiguação do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado e da consequente pretensão indemnizatória formulada pelo RECORRENTE.
20. Consequentemente, conclui-se que não só a apreciação de pretensão indemnizatória fundada em responsabilidade civil extracontratual do Estado pelo exercício da função político-legislativa não se encontra excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal pelo artigo 4.°, nº 2, alínea a) do CPTA, como, pelo contrário, se encontra nela expressa e inequivocamente incluída, por força do que se dispõe no artigo 4.°, nº 1, alínea g) do CPTA e no artigo 15.° do Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas.
21. Travejando a bondade desta solução jurídica aponta, igualmente, o voto de vencido constante do Acórdão de que presentemente se recorre, no âmbito do qual se entendeu que, “ao abrigo da al. g) do n.° 1 do art. 4.° ETAF, a jurisdição administrativa é a competente para julgar este pedido indemnizatório (bem ou mal) formulado, com base na ilegalidade omissiva (reforçada) invocada”.
22. De resto, propugnar entendimento diverso implicaria admitir uma clara violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20.° da Constituição, na medida em que teria por efeito, nos casos de responsabilidade civil extracontratual do Estado decorrente do exercício da função político-legislativa, recusar aos respectivos lesados a possibilidade de efectivarem a tutela indemnizatória que lhes é conferida pelo artigo 15.° do Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, por impossibilidade de sindicância do acto ilícito - in casu, normativo - que constitui seu pressuposto.
23. Por fim, cumpre somente demonstrar que o objecto da presente acção não se circunscreve à apreciação - como também parece ter considerado o TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL na decisão de que presentemente se recorre - de uma omissão de providências legislativas praticada pelo legislador no exercício da função legislativa.
24. A este propósito sublinha-se, singelamente, que a prática de um acto legislativo desconforme com a Constituição - ainda que essa desconformidade advenha da não inscrição de uma obrigação legal, como se verifica ser o caso da “participação variável de 5% no IRS” -, traduz-se, ipso facto, na prática de um acto legislativo gerador de responsabilidade civil extracontratual do Estado, não sendo esta situação, portanto, subsumível no conceito de omissão ilícita (a qual. a existir, teria que se consubstanciar na - putativa - inexistência de Leis do Orçamento do Estado para 2009, para 2010 e para 2011), na medida em que as providências legislativas foram, nestes casos, efectivamente adoptadas.
25. Assim, e em face de todo o exposto, conclui-se que o Acórdão recorrido violou o disposto no artigo 664° do Código de Processo Civil, e bem, assim, o disposto nos artigos 4º, n.° 1, alínea, e 52º, n.° 1, do ETAF, impondo-se por esse motivo, a sua revogação.”

A Magistrada do Ministério Público, em representação do estado Português, contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
1. Está sob apreciação o recurso extraordinário de revista que o Autor, Município da Horta, interpôs do acórdão deste Tribunal que negou provimento ao recurso jurisdicional, também interposto pelo Autor, da sentença que considerara os tribunais administrativos incompetentes em razão da matéria para apreciar e decidir a presente acção, na sequência da excepção invocada pelo Estado na sua contestação.
2. Está em causa nesta acção, um pedido de indemnização ao Estado, representado pelo M.P., formulado nos termos do nº 1, do artº 15, do Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31-12, no montante de 945.549,78 €, acrescidos de juros de mora contados desde a data da citação até ao integral pagamento, pelos alegados danos causados ao autor por não inscrição nas Leis do Orçamento do Estado para 2009 (Lei nº 64- A/2008, de 31-12), para 2010 ( Lei nº 3-B/2010, de 28-4 ) e para 2011 ( Lei nº 55-A/2010, de 31-12), das despesas relativas às transferências financeiras que lhe caberiam, nos termos do artº 10º nº 1 alínea d) e 25º nº 1, ambos da Lei nº 2/2007, de 15-1, respeitantes ao direito previsto na alínea c) do nº 1 do artº 19º da mesma Lei.
3. Parece-nos salvo melhor opinião, que não será admitir o presente recurso de revista, sob pena de este tipo de recursos deixar de se apresentar como extraordinário para ter como objecto normais questões que sempre aparecem nos tribunais para resolver.
4. De facto, a questão controvertida, porque muito específica, não tende a generalizar-se de tal modo que seja necessário estabelecer jurisprudência sobre a mesma.
5. Além disso, a questão não se reveste de especial relevância jurídica ou social, não é de especial complexidade ou dificuldade e não se pode considerar errada por lapso ou manifesta ilegalidade, antes se apresenta como uma decisão senão totalmente evidente, pelo menos perfeitamente plausível à luz de uma determinada interpretação doutrinária e jurídica.
6. (NO ORIGINAL ESTÁ ASSIM, SEM TEXTO)
7. Se o presente recurso for recebido, não deverá, contudo, merecer provimento.
8. A omissão em causa, na medida em que se traduz na não atribuição de dinheiros do Estado às Autarquias Locais, numa relação financeira interna entre órgãos do Estado, sem qualquer repercussão directa nos direitos dos cidadãos, tem a natureza de uma opção de política económico-financeira e, como tal, está excluída tanto da alínea g), do nº 1, do artº 4º, do ETAF, como do nº 1, do artº 15º, da Lei 67/2007.
9. De resto, para que fosse aplicável o nº 1 do artº 15º citado, ao caso vertente, à invocada violação de normas constitucionais ou de valor reforçado teria que corresponder, cumulativamente, a susceptibilidade de lesão de posições jurídico-substantivas de interessados particulares.
10. No caso vertente, apenas foram invocados danos para o Município da Horta aliás equivalentes ao montante da verba não recebida.
11. A inscrição ou não de uma verba, no Orçamento do Estado, é um acto político, e não um acto administrativo.
12. Nos termos da alínea c) do nº 2 do artº 4º do ETAF, está nomeadamente excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto a impugnação de actos praticados no exercício da função política e legislativa.
13. Nos termos da alínea g) do nº 1 do mesmo artigo, compete aos tribunais administrativos a apreciação de litígios que tenham nomeadamente como objecto, questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa.
14. Destes dois normativos decorre que não pertence aos tribunais administrativos conhecer da impugnação de actos praticados no exercício de funções políticas, nem da propositura de acções para efectivação da responsabilidade civil, resultante do exercido de funções políticas.
15. São, assim, os tribunais administrativos incompetentes em razão da matéria para apreciar e decidir a presente acção.
16. Nestes termos, não violou o douto acórdão recorrido qualquer dos dispositivos legais invocados pelo recorrente pelo que deverá o mesmo ser mantido, negando-se provimento ao presente recurso jurisdicional, caso o mesmo seja recebido.
Assim decidindo, farão Vossas Excelências, a costumada Justiça.”

Sem vistos, mas com distribuição prévia do projecto de acórdão, cumpre decidir.

II Direito

1. Por acórdão proferido pela formação da Secção de Contencioso Administrativo prevista no n.º 5 do art. 150º do CPTA, de 6.12.12, foi admitido o recurso de revista intentado pelo MUNICÍPIO DA HORTA do acórdão do TCA Sul, de 21.6.12, que negou provimento ao recurso jurisdicional interposto do despacho saneador que, conhecendo da excepção de incompetência do tribunal em razão da matéria invocada pelo ESTADO PORTUGUÊS, julgou a mesma procedente e absolveu o réu da instância.
2. Os fundamentos de admissão do presente recurso, onde se definem as questões a que urge responder, encontram-se naquele acórdão explanados nos seguintes termos: “Como resulta dos autos, o Acórdão recorrido veio sufragar a decisão do TAF de Ponta Delgada, de 20-02-2012, que julgou verificada a excepção dilatória de incompetência em razão da matéria e em consequência, absolveu o ora Recorrido Estado Português da instância. Para assim decidir o TCA Sul concluiu que “(...) de acordo com o disposto no artigo 4°, n° 2, alínea a) do ETAF, está expressamente excluída a competência dos tribunais administrativos para apreciar actos [ou omissões} praticados no exercício da função política e legislativa”, ora “(...) a decisão recorrida, ao julgar os tribunais administrativos incompetentes em razão da matéria para conhecerem do pedido de indemnização formulado, não incorreu no apontado erro de julgamento”. (cfr. fls. 199) Já o Recorrente discorda do decidido no Acórdão do TCA Sul, argumentando nos termos que constam da sua alegação de fls. 206-237, salientando, desde logo, que o “(...) Acórdão recorrido violou o disposto no artigo 664.° do Código de Processo Civil, e bem assim, o disposto nos artigos 4.°, n.° 1, alínea g), e 5.°, n.° 1, do ETAF, impondo-se, por esse motivo, a sua revogação” -cfr. fls. 236-327 - 25 conclusão. Sucede que, efectivamente, como defende o Recorrente, as questões levantadas na presente revista revestem-se de especial relevo jurídico e social na medida em que a sua resolução passa pela realização de operações exegéticas de alguma dificuldade, tendo em vista esclarecer, designadamente, se as acções indemnizatórias fundadas em responsabilidade civil extracontratual do Estado pelo exercício da função político-legislativa, quando a respectiva pretensão se baseia em facto ilícito que se traduz na adopção de actos normativos tidos por desconformes com parâmetros normativos de valor reforçado, se encontram, ou não, excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal de acordo com o preceituado no artigo 4°, n.° 2, alínea a) do ETAF, interessando, para além do mais, distinguir o campo de aplicação do citado preceito com o que se estatui na alínea g), do n° 1, do mesmo artigo 4°, que atribui à jurisdição administrativa as “Questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa”, e, também, com o que se estipula no n° 2, do artigo 15° da Lei 67/2007, sendo que se trata de questões que se podem colocar em muitos outros casos, o que tudo aconselha a intervenção deste STA. É, assim, de concluir pela verificação dos pressupostos de admissão do recurso de revista.”
3. Vejamos então. É ponto assente que a competência (ou jurisdição) de um tribunal se determina pela forma como o autor configura a acção, definida pelo pedido e pela causa de pedir, isto é, pelos objectivos com ela prosseguidos (acórdão do Tribunal dos Conflitos de 21.10.04 proferido no Conflito 8/04). Estamos perante uma acção emergente de responsabilidade civil extracontratual proposta contra o Estado visando “a condenação do réu Estado a pagar ao autor uma indemnização no montante de € 945.549,78, tendo por referente o montante correspondente à participação variável de 5% no IRS devida àquele nos termos da alínea c) do artigo 19 e artigo 20, ambos da Lei das Finanças Locais, e que não lhe foi efectivamente transferido nos meses de Março a Dezembro de 2009, no mês de Dezembro de 2010 e na totalidade do ano de 2011, acrescida dos danos resultantes da indicada indisponibilidade dos montantes, correspondentes à dita participação variável de 5% no IRS, determinados mediante a aplicação da taxa legal de 4%”.
O acórdão recorrido concluiu pela incompetência dos tribunais administrativos por ter entendido que “de acordo com o disposto no artigo 4º, nº 2, alínea a) do ETAF, está expressamente excluída a competência dos tribunais administrativos para apreciar actos [ou omissões] praticados no exercício da função política e legislativa”, assim confirmando a decisão do TAF de Ponta Delgada.
De acordo com o disposto no n.º 1 do art. 211º da CRP, (Idêntica redacção tem n.º 1 do art. 18º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13.1 e o art. 66º do CPC.) "Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais" e nos termos do art. 212º, n.º 3, (No mesmo sentido o art. 1º, n.º 1, do ETAF.) "Compete aos tribunais administrativos e fiscais o conhecimento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas". O conceito de relação jurídica administrativa é, assim, erigido, tanto pela Constituição como pela lei ordinária, como operador nuclear da repartição de jurisdição entre os tribunais administrativos e os tribunais judiciais. Em matéria de responsabilidade civil extracontratual no âmbito da jurisdição administrativa, dizem-nos as alíneas g), h) e i), do n.º 1 do art. 4º do ETAF (aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19.2, alterada pela Lei n.º 10/D/2003, de 31.12) competir aos tribunais administrativos e fiscais a apreciação de litígios que tenham por objecto:
"g) Questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa;
h) Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes e demais servidores públicos;
i) Responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público".
Sendo o n.º 1 a norma padrão, a que define as matérias que aos tribunais administrativos cabe apreciar, os n.ºs 2 e 3 identificam as excepções. O n.º 2 reporta-se exclusivamente aos “litígios que tenham por objecto a impugnação” de actos (alíneas a) e c)) ou decisões jurisdicionais (alínea b)). Como é bom de ver a acção em causa nos autos não visa a impugnação de qualquer acto ou decisão jurisdicional, traduzindo-se num simples pedido indemnizatório (a coberto do disposto no art. 15º da Lei n.º 67/2007, de 31.12, que aprovou o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual de Demais Entidades Públicas). Sublinhe-se que não estão em causa os próprios actos (ou omissões) imputados às referidas entidades mas as suas consequências. Cabe, portanto, na supra citada alínea g) já que aí se incluem as questões geradoras de responsabilidade incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa.

O acórdão recorrido não pode, pois, manter-se.

III Decisão

Tendo em consideração o disposto no art. 4º, n.º 1, alínea g), do ETAF, acordam em conceder provimento ao recurso, em revogar o acórdão recorrido e em considerar os tribunais administrativos competentes para o conhecimento da acção.
Custas a cargo do réu.
Lisboa, 14 de Fevereiro de 2013. – Rui Botelho (relator) - Luís Pais Borges – Jorge Artur Madeira dos Santos.