Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01012/11
Data do Acordão:11/30/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
Sumário:I - Em face da sucessão no tempo de diferentes prazos de prescrição, impõe-se convocar a regra estabelecida no nº 1 do art. 297º do CCivil, de acordo com a qual deverá aplicar-se o prazo mais curto, que se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
II - As causas de interrupção da prescrição que tenham ocorrido antes da alteração ao nº 3 do art. 49º da LGT, introduzida pela Lei 53-A/2006, produzem os efeitos que a lei vigente no momento em que elas ocorreram associava à sua ocorrência: eliminam o período de tempo anterior à sua ocorrência e obstam ao decurso do prazo de prescrição, enquanto o respectivo processo estiver pendente ou não estiver parado por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte.
III - Por força do disposto no art. 91º da Lei nº 53-A/2006, de 29/12, a revogação do nº 2 do art. 49º da LGT opera relativamente aos prazos de prescrição em curso que tenham sido objecto de interrupção em que, no dia 1/1/2007, ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo.
Nº Convencional:JSTA000P13545
Nº do Documento:SA22011113001012
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1.1. A……, com os demais sinais dos autos, recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, julgou improcedente a reclamação deduzida contra a decisão proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças de Guimarães 1, a qual indeferiu o pedido de declaração de prescrição das dívidas exequendas (IRS dos anos de 1997 e 1998).
1.2. O recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1. O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo julgou improcedente a reclamação apresentada pelo Recorrente.
2. O Recorrente requereu, em sede de Reclamação, que as dívidas fiscais referentes a IRS de 1997 e 1998 (Processos de Execução Fiscal nº 0418200001042858 e nº 0418200101004468) fossem declaradas prescritas, arquivando-se e extinguindo-se os respectivos processos de execução fiscal;
3. A fundamentação da douta sentença baseou-se na aplicação do art. 90º da Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro, que revogou o artigo 49º nº 2 da LGT.
4. Sucede que, o Recorrente não se pode conformar com tal fundamentação.
5. É entendimento do Recorrente que tal norma não pode ser aplicada ao caso sub judice, uma vez que já tinha ocorrido causa de interrupção da prescrição, que degenerou em suspensão, estando a decorrer a contagem do prazo de paragem.
6. Aliás, já tinham decorrido 165 dias.
7. Isto é, os art. 90º e 91º da Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro, só podem ser aplicados aos casos em que não se tenha verificado nenhuma causa de interrupção ou suspensão da prescrição e que esteja a correr normalmente, ou seja, em que a dívida não tenha mais de um ano de existência.
8. O que não é caso aqui em apreço!
9. Para além disso, é entendimento do Recorrente, salvo o devido respeito por opinião contrária, que o art. 91º da Lei 53/2005 (53-A/2006), de 29 de Dezembro é inconstitucional, por violar o Princípio da Não Retroactividade da Lei Fiscal e o Princípio de Confiança e da ideia do Estado de Direito.
10. Aliás, o Tribunal Constitucional considerou que o legislador não poderá impor a retroactividade das leis fiscais para, dessa forma, corrigir o mau desempenho da máquina fiscal e o défice das contas públicas, obtendo receita fiscal.
Termina pedindo a procedência do recurso e que se anule a sentença recorrida, declarando prescritas as dívidas fiscais de IRS de 1997 e 1998.
1.3. Não foram apresentadas contra alegações.
1.4. O MP emite Parecer, nos termos seguintes:
«Questões a decidir:
Se, conforme reclamação efectuada, as dívidas fiscais referentes a IRS de 1997 e 1998 (Processos de Execução Fiscal nº 041820000142858 e nº 04182001004468), encontram prescritas.
Se o art. 91° da Lei nº 53-A/06 ((1) Tal o que parece decorrer do alegado da conclusão 7, apesar dessa norma vir referida na conclusão 9 como sendo da Lei 53/2005, da mesma data), de 29 de Dezembro, que foi aplicado a dívida relativamente à qual se decidiu que tinha ocorrido causa de interrupção ou de suspensão, e tendo a mesma mais de um ano de existência, é inconstitucional por violar os princípios da não retroactividade da lei fiscal, e da confiança e do Estado de Direito. ((2) Opta-se por colocar autonomamente esta questão de constitucionalidade, em virtude da questão de constitucionalidade ter ínsita uma solução de direito que não decorre da simples aplicação do que resulta de normas legais, e admitindo-se que da recusa da aplicação de qualquer destas normas com esse fundamento, tenha ainda lugar recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do art. 70° da Lei Orgânica deste Tribunal.)
Trata-se de matéria de prescrição de dívida de imposto, relativamente à qual foi aplicado o regime decorrente de nova lei, com base no previsto no art. 12° do C. Civil.
Sendo que a matéria em causa não obtém cobertura directa no art. 12° da L.G.T., apesar desta disposição ter sido subordinada à epígrafe “aplicação da lei tributária no tempo”, afigura-se bem se ter decidido com base naquela disposição a que subsidiariamente há que recorrer.
Defendeu-se já em parecer que foi emitido serem aplicáveis as alterações ao art. 49° n.ºs 1 e 3 da L.G.T., com base no que resulta do nº 2 do art. 90° da referida Lei nº 53-A/06, e com o sentido que resulta do art. 91° desta última, disposição que se mostra já transcrita a fls. 58.
Ora, foi no considerando de estar em curso os efeitos decorrentes da interrupção que foi provocada pela citação efectuada a 19/7/06, ou seja, há menos de um ano à data da vigência da referida Lei nº 53-A/06, que produz efeitos desde 1/1/07, que se veio a decidir no sentido da prescrição não ter ocorrido.
Aliás, afigura-se que com a revogação do dito n° 2 do art. 49° se quis de certa forma retomar o regime anterior que já constara do art. 34° nº 3 do C.P.T., segundo o qual o efeito interruptivo de qualquer das respectivas causas cessava “se o processo estiver parado por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo”.
Acontece que o recorrente vem ainda invocar que tal causa de interrupção “degenerou” numa causa suspensiva ((3) Assim, ainda na conclusão 5.), embora sem referir qualquer norma de que tal consta.
É certo que a transmutação em tal causa parece ainda resultar do disposto no nº 4 do art. 49° da LGT, na redacção dada ainda pela referida Lei nº 53-A/06.
Assim, e no âmbito da versão actual da L.G.T., já se decidiu que os elementos relevantes a considerar para efeitos de interrupção e suspensão da prescrição são a dita citação e a garantia prestada relativamente a dívida fiscal, conforme consta do ac. do S.T.A. de 7/9/11, proferido no proc. 246/11 e reafirmado foi no ac. de 2-11-11 no proc. 0711/11.
É certo que a questão não tinha assim sido colocada na reclamação efectuada, apesar da mesma ter sido efectuada a 5/11/10, podendo sê-lo.
Contudo, atendendo a que é oficioso o conhecimento da prescrição, nos termos do art. 175° do C.P.P.T., afigura-se que poderá ser ainda de determinar a ampliação da matéria de facto com o que, quanto às referidas dívidas, conste a propósito da garantia, nos termos e para os efeitos dos arts. 49° nº 3 e 52° da L.G.T., e 169° e 170° do C.P.P.T..
Nestes termos, parece que o recurso é de improceder, ou ser ainda de mandar ampliar a matéria de facto, o que implica que se anule o decidido, em conformidade com o previsto nos artigos 729° nº 3 e 730° do C.P.C..»
1.5. Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, cabe decidir.
FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
1 - No dia 24/11/2000, foi instaurado contra o reclamante o processo de execução fiscal nº 0418200001042858, para cobrança de dívida de IRS, referente ao ano de 1998, no montante global de € 2.737,35 (cfr. fls. 5 dos autos).
2 - No dia 05/03/2001, foi instaurado contra o reclamante o processo de execução fiscal nº 0418200101004468, para cobrança de dívidas de IRS, referentes aos anos de 1997 e 1998, no montante global de € 21.090,53 (cfr. fls. 34 dos autos).
3 - O reclamante foi citado para as execuções supra identificadas no dia 19/07/2006 (cfr. fls. 9 dos autos).
4 - No dia 05/11/2010, o reclamante apresentou no Serviço de Finanças de Guimarães 1, um requerimento a solicitar o reconhecimento da prescrição das dívidas exequendas (cfr. fls. 13 e ss. dos autos).
5 - Por despacho de 21/06/2011, do Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Guimarães 1, foi indeferido aquele requerimento, por se considerar que as dívidas exequendas não se encontravam prescritas (cfr. fls. 16 a 18 dos autos).
6 - O requerente foi notificado dessa decisão em 27/06/2011 (cfr. fls. 19 e 20 dos autos);
7 - No dia 07/07/2011, foi apresentada a presente reclamação contra o referido despacho (cfr. fls. 21 dos autos).
3.1. A sentença recorrida considerou que as dívidas exequendas (IRS relativo aos anos de 1997 e 1998) não estão prescritas, com a seguinte fundamentação:
Nos termos dos nºs. 1 e 2 do art. 34º do CPT (em vigor à data) o prazo de prescrição das dívidas em causa seria o de 10 anos, contado, desde 1/1/1998 e 1/1/1999, respectivamente.
Porém, dado que em 1/1/1999 entrou em vigor a LGT, que encurtou o prazo de prescrição para 8 anos, é este, de acordo com o disposto no art. 297º do CCivil, o prazo de prescrição a considerar, com início a partir da data da entrada em vigor da nova lei. Assim, tal prazo completar-se-ia em 31/12/2006.
No entanto, a contagem do prazo pode ser influenciada por factos que a lei configura como causas de interrupção ou suspensão e, neste âmbito, serão relevantes os que estiverem previstos na lei vigente à data em que tiverem ocorrido, de acordo com o disposto no nº 2 do art. 12° do CCivil.
Ora, tendo o reclamante sido citado para a execução em 19/7/2006, tal facto interrompeu a contagem do prazo de prescrição, nos termos do nº 1 do art. 49º da LGT.
Mas, por outro lado, o art. 90º da Lei nº 53-A/2006, de 29/12 (OE para 2007), revogou o nº 2 deste mesmo art. 49° da LGT, prescrevendo o art. 91º da mesma Lei que tal revogação se aplica a todos os prazos de prescrição em curso, objecto de interrupção, em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo.
Ora, desde a interrupção da prescrição, ocorrida em 19/7/2006 até 1/1/2007 (data da entrada em vigor da dita Lei nº 53-A/2006, de 29/12) não se completou o período de um ano de paragem do processo, pelo que a interrupção da prescrição ocorrida por força da citação manteve todos os seus efeitos.
Assim, no caso, para além do efeito instantâneo de inutilizar todo o tempo anteriormente decorrido, a citação tem ainda o efeito duradouro de obstar ao decurso da prescrição até ao trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo em que a citação é levada a cabo (arts. 326°, nº 1 e 327°, nº 1, do CCivil), pelo que as dívidas exequendas não se encontram prescritas.
3.2. Contra este entendimento se insurge o recorrente, alegando que as dívidas estão prescritas pois que no caso não há que aplicar o disposto no art. 90º da Lei nº 53-A/2006 (ou seja, será inda aplicável o disposto no revogado nº 2 do art. 49º da LGT), uma vez que já tinha ocorrido causa de interrupção da prescrição, que degenerou em suspensão, estando a decorrer a contagem do prazo de paragem, tendo, aliás, decorrido já 165 dias. Isto é, os art. 90º e 91º da Lei 53-A/2006, só podem ser aplicados aos casos em que não se tenha verificado nenhuma causa de interrupção ou suspensão da prescrição e que esteja a correr normalmente, ou seja, em que a dívida não tenha mais de um ano de existência, o que não é o caso.
E para além disso, o art. 91º da Lei 53-A/2006 é inconstitucional, por violar o princípio da não retroactividade da lei fiscal e o princípio de confiança e da ideia do Estado de Direito.
3.3. Assim, em face das Conclusões do recurso e do teor do Parecer do MP, a questão a decidir é a de saber se ocorreu a prescrição das dívidas exequendas (IRS relativo aos anos de 1997 e 1998).
Vejamos.
4.1. O art. 34º do CPT dispunha o seguinte:
«1. A obrigação tributária prescreve no prazo de 10 anos, salvo se outro mais curto estiver fixado na lei.
2. O prazo de prescrição conta-se desde o início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário, salvo regime especial.
3. A reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e a instauração da execução interrompem a prescrição, cessando, porém, esse efeito se o processo estiver parado por facto não imputável ao contribuinte durante mais de um ano, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após este período ao que tiver decorrido até à data da autuação.»
4.2. Em 1/1/1999 entrou em vigor a LGT, cujos arts. 48º e 49º, na sua redacção inicial, dispunham:
Artigo 48º
«Prescrição
1 - As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.
2 - As causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários.
3 - A interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5º ano posterior ao da liquidação.»
Artigo 49º
«Interrupção e suspensão da prescrição
1 - A reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2 - A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.
3 - O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento ou prestação legalmente autorizada, ou de reclamação, impugnação ou recurso.»
4.3. A Lei nº 100/99, de 26/6, alterou os nºs. 1 e 3 deste art. 49º da LGT, os quais ficaram a ter a seguinte redacção:
«1 - A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
3 - O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso.»
4.4. Posteriormente, a Lei nº 55-B/2004, de 30/12, alterou o nº 1 daquele art. 48º da LGT, o qual ficou com a redacção seguinte:
«1 - As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.»
4.5. Finalmente, a Lei nº 53º-A/2006, de 29/12, veio alterar o citado art. 49º da LGT:
− tendo sido revogado o seu nº 2 (revogação que se aplica a todos os prazos de prescrição em curso, objecto de interrupção, em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo - art. 91º da Lei nº 53-A/2006, de 29/12);
− tendo sido alterada a redacção do seu nº 3;
− e tendo sido aditado o actual nº 4.
Assim a actual redacção desse preceito é a seguinte:
«1 - A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2 - Revogado
3 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar.
4 - O prazo de prescrição legal suspende-se em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida.»
5.1. A sentença considera que, por aplicação das regras previstas no art. 297º do CCivil, é aplicável o prazo de prescrição de 8 anos constante do nº 1 do art. 48º da LGT e não o de 10 anos constante do art. 34º do CPT.
E o recorrente não contesta esta conclusão.
E, assim é, na verdade.
Com efeito, por um lado, as regras do art. 297º do CCivil aplicam-se directamente às leis que alteram prazos (embora já não se apliquem às leis que alteram causas de suspensão ou interrupção - estas não são leis que alterem prazos e para elas vale a regra de aplicação no tempo constante do nº 2 do art. 12º do CCivil: os efeitos jurídicos de factos que para tal relevem, são determinados pela lei vigente no momento em que eles ocorrem (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, 2ª ed., 2010, pp. 92 e 103).
Por outro lado, a determinação do prazo de prescrição a aplicar faz-se no momento da entrada em vigor da nova lei, ou seja, a «determinação do prazo a aplicar depende do tempo que faltar para a prescrição se completar à face de ambas as leis, considerando o momento da entrada em vigor da lei nova». Quando esta entra em vigor falta a totalidade do tempo que ela prevê; por isso o que é necessário é calcular «o tempo que, nesse momento, falta para a prescrição à face da lei antiga. Se faltar menos tempo do que o previsto no novo prazo, é de aplicar o prazo da lei antiga». E esta contagem do prazo que falta faz-se, por um lado, «considerando tudo o que consta da lei antiga (início, causas de suspensão e de prescrição) como se depreende do texto da parte final do nº 1 do art. 297º do CPPT» mas, por outro lado, faz-se «sem ponderar a interferência de causas de suspensão ou interrupção da prescrição que possam vir a ocorrer na vigência da lei nova, só constatáveis a posteriori» − ou seja, para a determinação do prazo a aplicar o tempo que releva é o tempo que falta em abstracto. ( ( ) (Cfr. autor e local citado pp. 94 a 96.
Aliás, como o mesmo autor também refere (ob. cit. p. 118), a solução do problema de aplicação da lei no tempo «depende do momento em que ocorrer o facto interruptivo e não da eventualidade de, à face das regras do art. 297° do CC, ser aplicável o regime do CPT ou da LGT, no que concerne à duração do prazo de prescrição». Assim, pode concluir-se que a aplicação de diferentes regimes no tocante aos prazos prescricionais não determina a aplicação de um ou outro regime em bloco, porquanto o art. 297º só manda aplicar o prazo prescricional mais curto, e não as disposições legais que regem os termos em que esse prazo se conta e tudo o mais que releva para o seu curso (cfr. o ac. do STA, de 19/1/2011, rec. nº 629/09).)
No caso dos autos, estando em causa dívidas de IRS reportadas aos anos de 1997 e 1998, o prazo de prescrição (10 anos) contava-se, à luz dos nºs. 1 e 2 do art. 34º do CPT, desde o início do ano seguinte ao da ocorrência dos respectivos factos tributários.
Assim, à luz do regime previsto no CPT, quando entrou em vigor a lei nova (LGT), em 1/1/1999, tinha decorrido, em relação ao IRS de 1997, apenas 1 ano (não tendo, entretanto, ocorrido qualquer facto interruptivo ou suspensivo desse prazo prescricional em questão) e, assim, faltavam 9 anos para aquele prazo de 10 anos se completar; já em relação ao IRS de 1998, faltava a totalidade do prazo de 10 anos para a prescrição se completar.
Não há dúvida, portanto, que o prazo que é aplicável é o de 8 anos previsto na nova lei (LGT) pois desde a data de entrada em vigor desta (data que é o momento relevante para a determinação do prazo de prescrição a aplicar) faltam, à luz das normas dela constantes, apenas 8 anos para a prescrição se consumar (cfr. nº 1 do art. 48º da LGT).
5.2. Assente que é, no caso, aplicável o prazo de 8 anos previsto no nº 1 do art. 48º da LGT, vejamos, então, se esse prazo de prescrição já ocorreu.
Vem provado que:
─ No dia 24/11/2000, foi instaurado o processo de execução fiscal nº 0418200001042858, para cobrança de dívida de IRS, referente ao ano de 1998;
─ No dia 5/3/2001, foi instaurado o processo de execução fiscal nº 0418200101004468, para cobrança de dívidas de IRS, referentes aos anos de 1997 e 1998.
─ O reclamante foi citado para tais execuções, no dia 19/7/2006.
─ No dia 5/11/2010 foi apresentado no Serviço de Finanças requerimento pedindo o reconhecimento da prescrição das dívidas exequendas, pedido que foi indeferido por despacho de 21/6/2011, notificado ao reclamante em 27/6/2011.
5.3. Os processos de execução foram, portanto, instaurados já na vigência da LGT.
Instauração esta que, à face da LGT, não constituía já facto interruptivo da prescrição [contrariamente ao que sucedia no âmbito da vigência do art. 34º do CPT, no domínio da LGT a instauração da execução deixou de constituir facto interruptivo da prescrição (na redacção original do nº 1 do art. 49º da LGT a prescrição interrompia-se apenas com a dedução de reclamação, recurso hierárquico, impugnação e pedido de revisão oficiosa da liquidação) mas posteriormente, com a alteração que a Lei nº 100/99, de 26/7, introduziu no nº 1 do art. 49º da LGT, a citação passou, porém, a constituir facto interruptivo da prescrição].
No caso dos autos, a citação do recorrente ocorreu em 19/7/2006.
E anteriormente a essa data não consta ter ocorrido qualquer outra causa de interrupção (ou de suspensão).
Assim, até 19/7/2006 (data da citação) não se completara ainda o prazo de prescrição (8 anos) pois tinham decorrido, desde 1/1/1999, 7 anos, 6 meses e 18 dias.
Ora, tendo o prazo sido interrompido (pela citação) nessa data de 19/7/2006, e dado que se trata de uma causa de interrupção da prescrição que ocorreu antes da alteração que a Lei nº 53-A/2006 introduziu no nº 3 do art. 49º da LGT, produz os efeitos que a lei vigente no momento em que ela ocorreu associava à sua ocorrência (elimina o período de tempo anterior à sua ocorrência e obsta ao decurso do prazo de prescrição, enquanto o respectivo processo estiver pendente ou não estiver parado por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte).
É certo que, no caso, desde a data em que ocorreu a citação (19/7/2006) até à data em que o recorrente apresentou (em 5/11/2010) requerimento pedindo a declaração de prescrição das dívidas o processo esteve parado.
Só que esta paragem já não tem o efeito de transformar o efeito interruptivo decorrente da citação em efeito suspensivo decorrente da paragem do processo por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte: é que, como bem se diz na sentença, tendo a Lei nº 53/-A/2006, de 29/12, e entrada em vigor em 1/1/2007, revogado o nº 2 do art. 49º da LGT, essa degeneração do efeito interruptivo em efeito suspensivo já não ocorreu, uma vez que à data da entrada em vigor desta alteração do art. 49º da LGT, ainda não tinha decorrido o prazo de um ano iniciado após a data em que ocorrera o facto com capacidade interruptiva (a citação – ocorrida em 19/7/2006). Ou seja, desde esta data e até à entrada em vigor da nova lei não chegou a decorrer o prazo de um ano de paragem do processo, para que o efeito interruptivo se tivesse transmutado em efeito suspensivo do prazo, à luz do, entretanto, revogado nº 2 do art. 49º da LGT.
Daí a não aplicabilidade do disposto no art. 91º da dita Lei nº 53-A/2006, de 29/12 (que estabelece que a revogação daquele nº 2 do art. 49º da LGT se aplica a todos os prazos de prescrição em curso, objecto de interrupção, em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo).
5.4. O recorrente sustenta, contudo, que este art. 91º é aplicável, uma vez que desde a instauração da execução até à data da citação decorrera já aquele prazo de um ano.
Mas carece de razão legal.
Com efeito, como supra se disse, desde a instauração das execuções até à data da citação o prazo nunca esteve interrompido nem esteve suspenso. Portanto, nunca poderia concluir-se pela verificação de qualquer causa interruptiva do prazo de prescrição que tivesse degenerado em causa suspensiva desse mesmo prazo de prescrição, pelo facto de o processo ter estado parado por mais de um ano. Tanto que, como supra também se viu, se considerou terem decorrido, desde 1/1/1999 e até à data da citação, 7 anos, 6 meses e 18 dias, ou seja, a totalidade do prazo decorrido (sem descontar o tempo equivalente a um ano antes da invocada transmutação do prazo em suspensivo).
Daí que, por não ter em conta que a citação, como facto interruptivo que é, tem como efeito próprio a inutilização de todo o prazo anteriormente decorrido, não possa proceder o entendimento do recorrente, sendo, antes, de confirmar, o julgado recorrido.
5.5. E também não se vê que o art. 91º da Lei 53-A/2006, na interpretação acolhida na sentença, padeça da alegada inconstitucionalidade, por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal e do princípio da confiança e da ideia do Estado de Direito, pois que, além de o recorrente não especificar quaisquer razões que concretamente susbstanciem tal violação, também não vislumbramos, no caso dos autos, nenhuma aplicação retroactiva da citada norma (como se disse, a situação prevista na norma verificou-se já na respectiva vigência desta).
5.6. Diga-se, finalmente, que, face à factualidade constante do Probatório, à circunstância de no próprio despacho proferido Chefe do Serviço de Finanças de Guimarães 1 (a fls. 16) constar que «Os presentes autos estiveram parados, por facto não imputável ao executado, desde a data de autuação de cada um deles até 19 de Julho de 2006», bem como ao anteriormente exposto, não se vê que seja caso de determinar a ampliação da matéria de facto com o que, quanto às dívidas exequendas, eventualmente conste a propósito da garantia, nos termos e para os efeitos dos arts. 49° nº 3 e 52° da LGT, e 169° e 170° do CPPT, nos termos promovidos pelo MP.
DECISÃO
Nestes termos acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 30 de Novembro de 2011. - Casimiro Gonçalves (relator) - Ascensão Lopes - Pedro Delgado.