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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01364/14
Data do Acordão:12/02/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:PRESCRIÇÃO
CONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO
PROCESSO
IMPUGNAÇÃO
CONHECIMENTO OFICIOSO
PROIBIÇÃO DA PRÁTICA DE ACTOS INÚTEIS
Sumário:I - A prescrição é de conhecimento oficioso no processo de execução fiscal, artº 175º do Código de Processo e Procedimento Tributário. Tal conhecimento oficioso que corre ao arrepio da prática em direito civil – artº 303º do Código Civil – é uma especificidade do direito fiscal que se impõe por razões de ordem pública.
II - Se este conhecimento oficioso da prescrição no processo de execução fiscal resulta frontal e directamente da lei, já se não manifesta expresso quanto à sua aplicação ao processo de impugnação judicial.
III - É admitido o conhecimento da prescrição da dívida tributária em sede de impugnação judicial, pese embora a prescrição não contenda com a legalidade do acto de liquidação ali em questão, por ele se apresentar, como um pressuposto da verificação de uma outra questão processual – a utilidade ou não do prosseguimento da lide -, que o tribunal deve conhecer oficiosamente, dado o princípio da limitação dos actos que afirma a ilegalidade de realizar no processo actos inúteis – artº 130º do Código de Processo Civil, aqui aplicável por força do disposto no artº 2º do Código de Processo e Procedimento Tributário.
IV - Nas questões de conhecimento oficioso a liberdade de actuação do juiz mostra-se condicionada pelos dados disponíveis no processo.
(elaborado nos termos do disposto no artº 663º, nº 7 do Código de Processo Civil)
Nº Convencional:JSTA000P19780
Nº do Documento:SA22015120201364
Data de Entrada:11/20/2014
Recorrente:A... LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso Jurisdicional
Decisão recorrida – Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra
. 27 de Março de 2014
. 9 de Maio de 2014.

Julgou improcedente a impugnação.
Considerou que o poder jurisdicional se extinguiu, logo que a decisão foi exarada no processo e portanto mesmo antes de as partes serem notificadas, pelo que nada havia a pronunciar quanto ao articulado que apresentado.


Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A………………., Ld.ª, Impugnante no processo acima identificado, não se conformando com a Sentença datada de 27 de Março de 2014 e com o Despacho subsequente de 8 de Maio de 2014, veio interpôr o presente recurso no processo de Impugnação Judicial n.º 429/10.6BEAVR, que instaurou contra o acto tributário de liquidação adicional n.° 03073144, no valor de € 613.559,80, referente a IVA do ano de 1999, bem como do acto de liquidação de juros compensatórios n.° 03073143, no valor de €126.729,52, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

1. A prescrição poderá ser conhecida oficiosamente, também no presente processo de impugnação judicial.

2. Mas a Douta Sentença recorrida é omissa a esse respeito, pese embora a obrigação tributária estar prescrita desde 2012, em violação da norma constante do art. 125.º do Código de Procedimento e Processo Tributário.

3. Assim, constitui nulidade da sentença a falta de pronúncia sobre questões que o juiz devia apreciar, nos termos do art. 125.º do C.P.P.T.

4. Ainda que assim não fosse, a Recorrente, em requerimento dirigido ao Tribunal recorrido de 21.04.2014, requereu que fosse declarada prescrita a obrigação tributária, subjacente à presente Impugnação.

5. Violou assim a norma do art. 175 C.P.P.T. o Despacho de 8 de Maio de 2014 ao não se pronunciar sobre a prescrição invocada.

6. É que a prescrição ocorreu na pendência da presente acção de impugnação judicial ainda sem qualquer Decisão transitada em julgado.

7. Em consequência, impunha-se o conhecimento da prescrição pelo Tribunal recorrido, nos termos do art. 48.º da L.G.T., tendo em conta que o prazo de prescrição é de 8 anos, a citação ocorreu em meados de 2003 e não houve causas de suspensão, estando portanto a obrigação tributária prescrita desde 2012.

Requereu o recurso seja julgado procedente, por provado, e em consequência, declarada prescrita a obrigação tributária sob apreciação.

Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público no sentido da confirmação da sentença recorrida por entender não conter o processo elementos para conhecimento da prescrição da dívida tributária, não devendo ser conhecido o recurso interposto do despacho de 9 de Maio de 2014 por este ter transitado em julgado.

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

A) A Impugnante tem como objecto social a venda de cursos de inglês, os quais incluem, o material didáctico e apoio pedagógico.

B) A Impugnante foi sujeita a uma acção de inspecção, aberta para dar cumprimento ao despacho do Subdirector Geral da Direcção de Serviços do IRC para análise do enquadramento jurídico-tributário de reconhecimento dos proveitos numa base de Caixa.

C) Na sequência da acção de inspecção a que alude a al. B) do probatório foi elaborado o RIT, do qual se destaca:
«O sujeito passivo decidiu alterar em 31/12/99, o critério de reconhecimento dos seus proveitos que vinha adoptando até à data: óptica de Caixa para óptica de acréscimo.
(...)
1- No exercício de 1999, o sujeito passivo procedeu a correcções aos proveitos e custos contabilizados desde 1995 a 1999, regularizando-os em 31 de Dezembro de 1999, segundo o parecer de uma empresa de auditoria.
2-Alterou o procedimento de contabilização dos Proveitos: da óptica de Caixa para a óptica de acréscimo. Nos exercícios anteriores a 1999, contabilizou os seus proveitos consoante ia recebendo dos seus clientes. Quando de facto, deveria ter contabilizado de imediato o valor de venda estabelecido no contrato. Alterou também o critério seguido de contabilização custos de Publicidade, Comissões e Matérias Primas. No entregou nos cofres do Estado o IVA apurado, até á presente data.
3-Apurou-se o Lucro tributável corrigido no montante de Esc: 2523753284$ (1258.842,83€). Tendo o sujeito passivo declarado um prejuízo fiscal de Esc: (181961630$) (907 620,78 6€), foram efectuadas correçcões no montante de Esc: 434.336 958$ (2 166463,61 €). Consequentemente o sujeito passivo não apurou o seu lucro tributável nos termos dos artigos 15 a 20° do CIRC, sendo tal falta punível pelo disposto no Art.° 34° do RJIFNA.
4-A sua contabilidade não evidencia quais os valores a tributar por período de imposto em função dos vencimentos das prestações. Pelo que se apurou em 31/12/99 o valor do IVA a pagar evidenciado na contabilidade do sujeito passivo, por não ter declarado contratos no montante de Esc: 846.582.382$, (4.222.735,12 €) consequentemente, não entregou nos cofres do Estado, no exercício de 1999 IVA no montante de Esc:123.007.696$ (613.559,80 €), valor apurado por exercícios e por períodos, conforme mapas anexos, fornecidos pelo sujeito passivo e, mapas elaborados em virtude da alteração de critério no apuramento dos valores totais dos contratos, nomeadamente pelo acréscimo dos valores dos contratos incobráveis.
O sujeito passivo não apurou, nem regularizou nos termos do Art°. 71 não entregou o IVA nos cofres do Estado no prazo previsto no Art.°40°, nem termos do Art. º 26 do IVA, sendo tais faltas punidas nos termos do Art,°29 e 340 o do RJIFNA.» (Doc. fls. 31/49 dos autos).

D) Com base nas correcções efectuadas, foi emitida em 15.04.2003, a liquidação adicional de IVA n.° 03073144, referente ao exercício de 1999, no montante de € 613.559,00, na qual se mostra aposta a data de 30.06.2003 como data limite de pagamento voluntário. (Doc. fls. 512 dos autos).

E) Em 15.04.2003, foi emitida a liquidação de juros compensatórios n.° 03073143, no montante de € 126.729,52, e foram «Liquidados nos termos do n° 2 do artigo 89° do Código do IVA e sobre 613.559,80», sendo o número de dias contados de 10.02.2000 a 22.01.2003, a taxa de juros legais fixada nos termos do artigo 559°, n.°1 do CC. (Doc fls. 53 dos autos).

F) Em 29.04.2003, a impugnante foi notificada das liquidações a que aludem as alíneas D) e E) do probatório. (Cfr. artigo 49° da p.i.).

G) Em 29.09.2003, deu entrada em juízo a petição inicial que originou os presentes autos. (Cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos autos)


Questão objecto de recurso:
-Conhecimento da prescrição da dívida tributária em processo de impugnação do acto de liquidação da mesma.

Tal como anotado pelo Magistrado do Ministério Público não consta do processo que haja sido interposto nem admitido o recurso do despacho proferido no dia 9 de Maio de 2015. Porém, de forma clara e expressa, menciona a impugnante logo nas primeiras linhas da motivação do recurso que, efectivamente estava a impugnar, também esse despacho, ainda que o faça de forma residual e como modo de reforçar o seu entendimento de que o Tribunal deveria ter declarado a prescrição da obrigação tributária.
Na falta de requerimento de interposição do recurso do referido despacho, apenas pode concluir-se que o mesmo transitou em julgado, não sendo possível aqui a sua apreciação, face ao disposto no artº 628º do Código de Processo Civil aqui aplicável por força do artº 2º do Código de Processo e Procedimento Tributário.
Analisando o objecto do recurso verifica-se que a impugnante o circunscreve exclusivamente à questão de saber se deveria ou não ser declarada a prescrição da dívida tributária constituída pelo acto de liquidação impugnado.
Falando de «falta de pronúncia» sobre a referida questão, assacou à sentença recorrida o vício de omissão de pronúncia, gerador da sua nulidade.
Não há dúvida que a sentença recorrida não analisou a questão da prescrição. O tribunal recorrido não apreciou tal questão na sentença, não lhe tendo a mesma sido colocada. Também não o fez posteriormente quando tal lhe foi solicitado pela impugnante, invocando estar esgotado o seu poder jurisdicional quanto à causa, com a prolação da sentença.
A prescrição é de conhecimento oficioso no processo de execução fiscal, artº 175º do Código de Processo e Procedimento Tributário. Tal conhecimento oficioso que corre ao arrepio da prática em direito civil – artº 303º do Código Civil – é uma especificidade do direito fiscal que se impõe por razões de ordem pública. Se este conhecimento oficioso da prescrição no processo de execução fiscal resulta frontal e directamente da lei, já se não manifesta expresso quanto à sua aplicação ao processo de impugnação judicial, pelo menos de forma directa.
O Supremo Tribunal Administrativo de forma unânime tem vindo a admitir o conhecimento da prescrição da dívida tributária em sede de impugnação judicial, pese embora a prescrição não contenda com a legalidade do acto de liquidação ali em questão, por ele se apresentar, como um pressuposto da verificação de uma outra questão processual – a utilidade ou não do prosseguimento da lide -, que o tribunal deve, também, conhecer oficiosamente, dado o princípio da limitação dos actos que afirma a ilegalidade de realizar no processo actos inúteis – artº 130º do Código de Processo Civil, aqui aplicável por força do disposto no artº 2º do Código de Processo e Procedimento Tributário.
Nas questões de conhecimento oficioso a liberdade de actuação do juiz mostra-se condicionada pelos dados disponíveis no processo. Ora nem a impugnante invocou, nem se apura que o processo contenha todos os elementos indispensáveis ao conhecimento desta questão, nomeadamente se ocorreram, ou não, factos suspensivos ou interruptivos da prescrição, o que impede o seu conhecimento em sede de impugnação do acto de liquidação. De todo o modo, sempre o não conhecimento de uma questão de conhecimento oficioso, se os autos contivessem todos os elementos necessários a tanto, constituiria erro de julgamento e não omissão de pronúncia gerador de nulidade da sentença, que, pois, se não verifica.
Contudo, caso a dívida tributária em referência esteja efectivamente prescrita, a impugnante poderá no processo de execução fiscal requerer essa mesma declaração.
Tanto basta para concluir que a sentença apesar de se não ter debruçado sobre a questão da prescrição da dívida tributária originada pelo acto de liquidação impugnado, não enferma de qualquer erro de julgamento, a determinar a sua confirmação.

Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 2 de Dezembro de 2015. – Ana Paula Lobo (relatora) - Fonseca Carvalho – Ascensão Lopes.