Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0495/05
Data do Acordão:11/09/2005
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:BAETA DE QUEIROZ
Descritores:IRC.
REPORTE DE PREJUÍZOS.
DEDUÇÃO DE PREJUÍZOS.
MÉTODOS INDIRECTOS.
MÉTODOS INDICIÁRIOS.
Sumário:O artigo 46º nº 2 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas não proíbe que, num exercício em que o lucro tributável é apurado a partir da contabilidade do sujeito passivo, sejam deduzidas perdas de anos anteriores, ainda que apuradas por métodos indirectos.
Nº Convencional:JSTA00062609
Nº do Documento:SA2200511090495
Data de Entrada:04/20/2005
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF VISEU.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRC.
Legislação Nacional:CIRC88 ART3 ART7 ART16 ART46 N1 N2.
CONST97 ART104 N2.
CPTRIB91 ART121.
CPPTRIB99 ART100.
Referência a Doutrina:JOÃO JOSÉ GARCIA FREITAS E OUTRO CÓDIGO DA CONTRIBUIÇÃO INDUSTRIAL ANOTADO 5ED VI PAG481.
SALDANHA SANCHES A QUANTIFICAÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA DEVERES DE COOPERAÇÃO AUTOAVALIAÇÃO E AVALIAÇÃO ADMINISTRATIVA PAG237.
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO (STA)

1.1. A FAZENDA PÚBLICA recorre da sentença da Mmª. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou procedente a impugnação judicial da liquidação adicional de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) relativo ao exercício do ano de 1999 deduzida por A..., com sede em ..., Santa Maria da Feira.

Formula as seguintes conclusões:
«A.
A Ilustre Julgadora, anulou a liquidação de IRC, referente ao ano de 1999, por entender que os prejuízos fiscais fixados pelos Serviços de Inspecção Tributária em exercícios anteriores com recurso à aplicação dos métodos indirectos podiam ser deduzidos ao lucro tributável apurado com suporte na contabilidade, nos termos do disposto no n° 1, do art° 46º, do CIRC.
B.
Na esteira do mesmo entendimento, a Excelentíssima Juíza "a quo" considerou que o n° 2, do art° 46º, do CIRC, não é susceptível interpretação extensiva, e assim, pelo facto de aí se estabelecer que os prejuízos fiscais não são dedutíveis nos exercícios em que tiver lugar o apuramento do lucro tributável com base em métodos indirectos, não permite retirar a solução para a situação inversa, isto é, não admitir que os prejuízos fiscais, fixados mediante aplicação do método presuntivo, também não possam ser deduzidos ao lucro apurado no exercício seguinte com base na contabilidade.
C.
Concomitantemente, a douta peça decisória, para além de fixar que a situação em apreço configurava “(…) uma lacuna da lei que necessita de ser integrada e, na dúvida, a lei fiscal deve ser interpretada a favor do contribuinte”, acabou também por afastar a interpretação que suportou as correcções introduzidas pela Administração Tributária, por considerar que esta materializava um regime de excepção e sancionatório e, assim, não só colidir com o disposto no art° 11º, do Código Civil, art° l n° 3, do Código Penal e art° 29°, n° 1, da Constituição da República Portuguesa, como também violar os princípios constitucionais da capacidade contributiva e da tributação das empresas pelo rendimento real, plasmados nos art° s 103° e 104° da Lei Fundamental.
D.
O art° 46°, n° 2, do CIRC, norma que, segundo o entendimento da Ilustre Julgadora, não veda ao contribuinte a faculdade de poder deduzir, ao lucro tributável determinado com base na contabilidade, os prejuízos fiscais fixados mediante aplicação de métodos indirectos, limita-se a acolher a regra já consagrada no art° 17°, n° 1, do mesmo diploma legal, que determina que o resultado fiscal tem de estar sempre apoiado na contabilidade.
E.
No caso do reporte dos prejuízos, aquela mesma regra adquire especial acuidade face ao disposto no n°2, do art° 46°, do CIRC, uma vez que se proíbe a dedução de um prejuízo fiscal, apurado com base na contabilidade, a um lucro tributável determinado com base em métodos indirectos, e por conseguinte, onde a contabilidade não desempenhou o seu papel fundamental de suporte da base tributável.
F.
Mas a razão de ser desta norma estende-se necessariamente à situação inversa, isto é, um prejuízo fixado pela aplicação de métodos indirectos não poder ser deduzido a lucro tributável determinado com base na contabilidade, e isso deriva do proémio do n° 1, do art° 46°, do CIRC, quando se estabelece que a dedução de prejuízos se reporta aos apurados nos termos das disposições anteriores e estas só podem ser as respeitantes à determinação de um resultado com suporte integral na contabilidade e não com base em métodos indirectos, matéria que apenas é tratada nos art°s 51° e seguintes do mesmo diploma legal.
G.
O princípio da solidariedade dos exercícios, subjacente ao reporte de perdas, só faz verdadeiramente sentido quando as perdas e lucros são determinados pelo mesmo método e este só pode ser o do lucro real efectivo.
H.
A Ilustre Julgadora, ao decidir como decidiu, descortinando na situação em concreto uma lacuna de lei, diagnosticou mal a situação, já que a impossibilidade de deduzir ao lucro tributável determinado com base na contabilidade os prejuízos fiscais fixados mediante aplicação de métodos Indirectos, mesmo que se considere não estar especificada na letra do art° 46º do CIRC, encontra-se presente no espírito e vontade da lei, tomando desnecessário o recurso à analogia.
I.
A solução preconizada pelos competentes serviços da Administração Tributária, consubstanciada na negação da dedução dos prejuízos em questão, não traduz qualquer tipo de pena ou medida de segurança.
J.
Assim, e sempre com o devido e merecido respeito, também não podemos concordar com a Excelentíssima Juíza “a quo”, quando veda o acesso à interpretação extensiva, analisando a solução preconizada pela Administração Tributária, à luz do direito sancionatório, convocando para o efeito normas como o art° 1°, n° 3, do Código Penal e art° 29°, n° 1, da CRP.
K.
O Direito Tributário não tem a natureza sancionatória do Direito Penal, o que se manifesta, designadamente, no facto do ónus de prova da Administração Tributária dos factos tributários, consagrado no art° 74°, da LGT, estar invertido em caso de incumprimento dos deveres de cooperação do contribuinte, revelando-se absolutamente incompatível com os princípios basilares do Direito Penal.
L.
A tributação do rendimento real efectivo pressupõe que o sujeito passivo disponha de um sistema fiável de confirmação dos seus resultados, pelo que, em caso contrário, justifica-se a tributação por meio de indícios ou presunções, solução que continua a ter pleno acolhimento no actual texto constitucional — art° 104°, n°2, da CRP.
M.
Com o devido e merecido respeito, a douta sentença foi proferida ao arrepio dos critérios plasmados no art° 90, do Código Civil e no art° 110 da LGT, fazendo uma incorrecta interpretação e aplicação do art° 46°, do CIRC.
Nos termos vindos de expor (…), deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, substituir a decisão por outra que julgue a impugnação de todo improcedente (…)».
1.2. Não há contra-alegações.
1.3. O Exmº. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal é de parece que o recurso não merece provimento, pelas razões que adiante se abordarão.
1.4. O processo tem os vistos dos Exmºs. Adjuntos.
***
2. São os seguintes os factos provados:
«A)
A impugnante dedica-se à actividade de restaurantes com local de dança;
B)
Do relatório da Inspecção Tributária extracta-se: foi apurado lucro tributável de PTE 12.915.270$00, e deduzidos prejuízos fiscais de PTE 12 915.270$00 [pela impugnante], apurando matéria colectável nula; de facto em 1999, seriam dedutíveis prejuízos fiscais gerados de 1994 a 1998, nos termos do artigo 46.º CIRC; contudo os resultados fiscais apurados nesses exercícios foram os seguintes: em 1992 e 1993, respectivamente de PTE 21.361.644$00 e 43.807.025$00, mas por recurso a métodos indirectos, e tais prejuízos não poderiam vir a ser deduzidos; em 1994, 1995 e 1996 apresentou resultados fiscais negativos no valor de PTE 37.612.786$00, PTE 10.306.375$00 e PTE 4.387.798$00, respectivamente, os quais foram deduzidos na sua totalidade ao lucro tributário apurado em 1997; em 1997 declarou um resultado fiscal positivo de PTE 66.648.683$00; em 1998 apurou prejuízo fiscal no montante de PTE 943.625$00; assim, o montante do saldo de prejuízos dedutíveis ao lucro tributável de 1999 era de 943.625$00, pelo que a matéria tributável apurada deveria ter sido apurada como segue:
• Lucro tributável…………………………………….. 12.915.270$00
• Prejuízos Fiscais Dedutíveis……………………… 943.625$00
• Matéria Colectável…………………………………. 11.971.645$00
• Valor da correcção à matéria colectável: PTE 11.971.645$00;
C)
Em 2001.09.01, a petição de impugnação deu entrada na 2.ª Repartição de Finanças da Feira».
***
3.1. A recorrida foi objecto de uma inspecção de fiscalização que entendeu que ao lucro tributável apurado no exercício do ano de 1999, no montante de 12.915.270$00, não era possível deduzir prejuízos fiscais de igual montante, como fizera a recorrida que, deste modo, chegara a uma matéria colectável nula.
Tal entendimento baseou-se em que os prejuízos dos exercícios dos anos de 1992 (21.361.644$00) e 1993 (43.807.025$00) tinham sido apurados com recurso a métodos indirectos, pelo que não eram dedutíveis, só o sendo o prejuízo do exercício do ano de 1998 (943.625$00). Limitando a este último montante a dedução aceite, a Administração chegou a uma matéria colectável de 11.971.645$00 (12.915.270$00 – 943.625$00), originando a liquidação adicional impugnada.
A actuação da Administração Fiscal estribou-se no disposto no artigo 46º do Código do IRC (CIRC), designadamente, no seu nº 2, cuja redacção era, ao tempo, a seguinte:
«1. Os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício, nos termos das disposições anteriores, serão deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos seis exercícios posteriores.
2. Nos exercícios em que tiver lugar o apuramento do lucro tributável com base em métodos indiciários, os prejuízos fiscais não são dedutíveis, ainda que se encontrem dentro do período referido no número anterior, não ficando, porém, prejudicada a dedução, dentro daquele período, dos prejuízos que não tenham sido anteriormente deduzidos».
A regra do número 1 tem antecedente no artigo 43º do Código da Contribuição Industrial: «os prejuízos verificados em determinado exercício serão deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos cinco anos posteriores».
A previsão do nº 2 tem paralelo no § 3º acrescentado ao artigo 54º do mesmo Código pelo artigo 1º do decreto-lei nº 187/81, de 29 de Maio: «Sendo a matéria colectável determinada de harmonia com as disposições aplicáveis ao Grupo B, não serão de efectuar as deduções estabelecidas nos artigos 43º e 44º, não ficando prejudicada, porém, a dedução, dentro do período legalmente estabelecido, dos prejuízos que não tenham sido anteriormente deduzidos».
A Administração Fiscal entende que quando se chegue, por métodos indiciários, a um resultado fiscal negativo, deve aplicar-se a regra do transcrito nº 2, pois a situação é a inversa da ali prevista. Argumenta, ainda, com a referência que no nº 1 é feita às «disposições anteriores», que não respeitam à fixação do lucro tributável por métodos indirectos.
Em consequência, os prejuízos apurados por métodos indirectos não são dedutíveis aos lucros de exercícios posteriores, quer aqueles tenham sido apurados a partir da contabilidade, quer com recurso a métodos indirectos.
3.2. O IRC é, como se sabe, um imposto periódico, ou seja, surpreende não um facto tributário isolado, ocasional, mas um conjunto deles, inseridos numa actividade continuada que, para efeitos contabilísticos e, também, fiscais, se convencionou seccionar em períodos de tempo coincidentes com o ano civil, denominados «exercícios» – cfr. o artigo 7º nº 1 do CIRC.
No final de cada um desses períodos é apurado o resultado da actividade desenvolvida, e daí são retiradas as consequências que couberem, designadamente, fiscais.
Todavia, a periodização dos resultados por exercícios não pode ser absoluta, antes implica alguma permeabilidade. Os exercícios não são estanques entre si, mas cada um está com o outro numa relação de continuidade. Numa perspectiva não estática, os lucros de um exercício acumulam-se com os anteriores, o mesmo acontecendo com sucessivos prejuízos; os lucros de um dado exercício compensam os prejuízos de outro ou outros, anteriores; e os prejuízos de um exercício anulam, parcial ou totalmente, lucros pretéritos.
Figure-se uma empresa que exerce, durante vários anos, a sua actividade, sempre com resultados positivos, até que, no último ano, o resultado é de tal modo negativo que não só excede todos os lucros anteriormente havidos como consome o próprio capital. Os titulares desta empresa, em vez de proveitos, só dela tiveram, a final, prejuízos; e se o princípio da tributação segundo a capacidade contributiva revelada vigorasse plenamente (e não por segmentos temporais), o Estado não cobraria qualquer imposto sobre o rendimento da empresa, posto que o seu rendimento foi, globalmente, negativo.
O reporte de prejuízos contribui, além do mais, para assegurar a igualdade entre os sujeitos passivos. Tome-se o exemplo que dão JOÃO JOSÉ GARCIA DE FREITAS e JOAQUIM SOARES TELES no CÓDIGO DA CONTRIBUIÇÃO INDUSTRIAL ANOTADO, 5ª edição, volume I, pág. 481: «uma empresa teve em cada um dos anos de 1964, 1965 e 1966 um lucro de 200.000$00; outra empresa, naqueles mesmos anos teve, respectivamente, o lucro de 700.000$00, o de 200.000$00, e o prejuízo de 300.000$00; cada uma das empresas, considerados os resultados do aludido triénio, obteve, praticamente, um lucro de 600.000$00 que (se fosse o tributável) produziria a contribuição de 90.000$00; ora, se a lei não permitisse que à segunda empresa, que teve prejuízos em um dos anos, estes fossem reportados, ela pagaria 135.000$00 (900.000$00x15%) mais, portanto, 45.000$00 que a primeira».
De todo o modo, a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real, como se lê no artigo 104º nº 2 da Constituição. A expressão «rendimento real» não se contrapõe a rendimento presumido, mas a «rendimento normal», englobando quer o rendimento efectivo, quer o presumido. Em ambos os casos se trata de um rendimento líquido; na definição do artigo 3º nº 2 do CIRC, «o lucro consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação».
O rendimento real alcança-se, em regra, a partir da contabilidade do sujeito passivo. Mas, mesmo quando isso acontece, convém acautelar que não se trata, necessariamente, de um resultado rigorosamente exacto, podendo não coincidir integralmente com o real: basta pensar que o critério mais ou menos prudente como são avaliadas as existências e/ou o património imobiliário da empresa é susceptível de influenciar o resultado Deste modo, e desde que sejam respeitados os princípios contabilísticos aceites, «é sempre de admitir um erro tolerável, um desvio em relação à situação real que, dentro dos esforços que podem ser considerados exigíveis para obter a exactidão dos dados compilados, possa ser considerado como devendo estar isento de qualquer censura» (JOSÉ LUÍS SALDANHA SANCHES, A QUANTIFICAÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA DEVERES DE COOPERAÇÃO, AUTOAVALIAÇÃO E AVALIAÇÃO ADMINISTRATIVA, pág. 237).
3.3. O transcrito número 1 do artigo 46º do CIRC contem a regra geral sobre o reporte de prejuízos: os apurados em exercícios anteriores são dedutíveis aos lucros tributáveis apurados em um ou mais dos exercícios posteriores, até ao limite de seis.
Ou seja, se uma empresa obtém, num determinado exercício, um resultado fiscal positivo, esse resultado pode ser diminuído ou, até, eliminado pela consideração dos prejuízos que tenham ocorrido nos (hoje) seis exercícios anteriores.
Porém, para a Administração Fiscal, só há reporte quando os prejuízos tiverem sido apurados a partir da contabilidade da empresa. Se resultaram da aplicação de métodos indiciários, já não são dedutíveis.
É que, diz a Administração Fiscal, o número 1 do artigo 46º do CIRC fala de «(…) prejuízos apurados (…) nos termos das disposições anteriores». Ora, como as disposições anteriores não se referem ao apuramento de resultados por métodos indirectos, de que só adiante o Código se ocupa, o legislador só admite a dedutibilidade dos prejuízos apurados a partir da contabilidade, e só deles. E, sendo esta a única norma que se ocupa da dedutibilidade de prejuízos, os apurados por métodos indiciários não são, nunca, dedutíveis.
Há várias razões que impossibilitam esta leitura da norma.
Desde logo, a sua letra:
Não é verdade que as normas anteriores ao artigo 46º se refiram, exclusivamente, ao apuramento da matéria colectável pelo método directo. O artigo 16º enuncia os métodos para a determinação da matéria colectável, referindo, expressamente, a possibilidade de o ser por via indiciária.
Por outro lado, se o legislador quisesse obstar ao reporte dos prejuízos apurados por métodos indirectos diria isso mesmo, de modo afirmativo. Mas não só o não fez, claramente, no nº 1, como no número 2 do artigo 46º, voltando a referir-se aos prejuízos anteriormente apurados, para dizer quando podem e quando não podem ser deduzidos, não distingue o modo do seu apuramento.
Por último, a impossibilidade de reporte de prejuízos apurados por métodos indirectos seria incompatível com a regra da solidariedade dos exercícios e com a da tributação conforme a capacidade contributiva e de acordo com o rendimento real.
A capacidade contributiva de um sujeito passivo de IRC não se revela, só, pelo benefício obtido num determinado período de tempo, artificialmente autonomizado: essa capacidade, assim patenteada, está inflacionada se ele suportou anteriormente perdas, uma vez que o resultado positivo vai ser aplicado na compensação do anterior prejuízo. E as perdas não deixam de o ser só porque não foram apuradas a partir dos seus elementos contabilísticos, mas a partir de índices de que a Administração fez uso. Por detrás do resultado fiscal não deixa nunca de estar o facto tributário, independentemente do método por que se chegou ao seu apuramento e quantificação. [Significativo é que a fundada dúvida de que falava o artigo 121º do Código de Processo Tributário (CPT) e é hoje tratada no artigo 100º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) conduza à anulação do acto de liquidação, quer tenham sido utilizados métodos indirectos, quer o não tenham sido, apenas com a ressalva do nº 2 de ambos os apontados artigos]. É que não há tributação sem facto tributário, seja qual for o modo como este se patenteie – por acção do contribuinte, declarando-o ou evidenciando-o na sua contabilidade, ou por acção da Administração, pelo conhecimento que lhe chegou por qualquer meio, ou extraindo-o de elementos seus conhecidos.
Assim, o facto tributário, e a respectiva quantificação, a que a Administração chega mediante métodos indirectos, não deixa de ser um verdadeiro facto tributário, tão verdadeiro como o que é revelado pelas contas do sujeito passivo. A Administração age utilizando índices, partindo de factos que conhece para aceder a outros, desconhecidos, mediante métodos indiciários, socorrendo-se de regras da experiência, assim desembocando na quantificação do facto tributário.
Num caso, os factos são evidenciados pela contabilidade; no outro, são apurados pela Administração Fiscal – mas sempre o apuramento da situação contributiva se funda em factos, e a tributação incide sobre o rendimento real.
É verdade que a matéria colectável apurada por métodos indirectos não goza de um grau de certeza tão elevado quanto a que tem a resultante da contabilidade. Mas a diferença não está na substância, mas só no grau, sendo certo que, como já se notou, mesmo uma contabilidade escorreita pode revelar um resultado do exercício discutível. E se, apurada matéria colectável positiva, ainda que por métodos indiciários, se segue a tributação, do mesmo modo que acontece quando aquela matéria resulta da contabilidade, então, também o apuramento de uma matéria colectável negativa através de métodos indirectos não pode ter consequências diferentes das que tem o apuramento contabilístico de um resultado fiscal negativo: o reporte dos prejuízos.
Em súmula, a expressão do número 1 do artigo 46º do CIRC «(…) prejuízos apurados (…) nos termos das disposições anteriores», não significa que só os prejuízos apurados na base da contabilidade do sujeito passivo são dedutíveis. Deve ser entendida como referência global ao conjunto normativo que o Código dedica à incidência do imposto (artigos 1º a 7º), isenções (artigos 8º a 14º) e determinação da matéria colectável, sendo certo que, antes do artigo 46º citado, o artigo 16º aponta a existência de dois métodos de determinação da matéria colectável: com base na declaração do contribuinte e por obra da Administração. Ou seja, o uso da expressão «nos termos das disposições anteriores» não é sinal excludente do apuramento da matéria colectável por métodos indiciários.
3.4. Importa voltar aos dizeres do artigo 46º do CIRC:
O seu número 1 enuncia a regra geral: os prejuízos fiscais apurados em exercícios anteriores são dedutíveis aos lucros tributáveis apurados em um ou mais dos exercícios posteriores, até ao limite de seis.
O número dois estabelece um limite à aplicação desta regra: a dedutibilidade dos prejuízos não é permitida nos exercícios em que o lucro tributável seja apurado com base em métodos indiciários. Ainda assim, os prejuízos fiscais pretéritos não deixam de poder ser deduzidos, dentro do referido limite de seis anos, em qualquer exercício em que o lucro tributável seja apurado sem recurso a métodos indiciários.
Ora, este número dois não contem uma previsão que interesse ao nosso caso, uma vez que no exercício de 1999 o lucro tributável da recorrida não foi determinado por métodos indirectos.
Porém, diz a Administração Fiscal, a situação sobre que dispõe o número dois é a inversa da que, no caso, se verifica, pelo que deve aplicar-se a mesma regra.
Mas não há qualquer razão para que assim seja.
Desde logo, e como já se disse, o número dois não contém uma regra, mas uma restrição à aplicação da regra do número 1. Tanto basta para que o intérprete não deva alargar a restrição a hipóteses diversas das contempladas pelo legislador.
Nem estamos perante uma lacuna da lei. O que a Administração fez da norma do artigo 46º nº 2 do CIRC foi uma interpretação analógica, «para contemplar factualidade diversa, assim criando uma verdadeira norma tributária», como bem aponta o Exmº. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal. Esta actuação não é conforme aos princípios da legalidade e à proibição da analogia consagrados nos artigos 8º e 11º nº 4 da Lei Geral Tributária (LGT), como também aponta o mesmo Magistrado do Ministério Público. Não pode olvidar-se que as normas que regulam o modo como é apurada a matéria colectável são de direito substantivo, influindo na medida da tributação e que, consequentemente, são abrangidas pelo princípio da legalidade, e as lacunas pela proibição da analogia ditada pelo citado nº 4 do artigo 11º da LGT.
Improcedem, pelo exposto, os fundamentos do recurso.
***
4. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença impugnada, ainda que com fundamentação diversa.
Sem custas.
***
Lisboa, 9 de Novembro de 2005. – Baeta de Queiroz (relator) – Pimenta do Vale – Lúcio Barbosa.