Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0106/21.2BALSB
Data do Acordão:11/24/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P28581
Nº do Documento:SAP202111240106/21
Data de Entrada:09/01/2021
Recorrente:Z............
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

Z…………, Recorrido nos autos supra referenciados, notificado do douto Acórdão da 1.ª Subsecção da Secção de Contencioso do Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, de 13 de maio de 2021, Processo n.º 1079/10.2BELRS, e não se conformando com o mesmo, dele vem interpor recurso para uniformização de jurisprudência, nos termos do artigo 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante "CPPT"), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, na sua atual redação, por o acórdão recorrido estar em oposição com os acórdãos proferidos pelo TCA Sul nos recursos n.ºs. 1471/11.5BELRS, de 11.07.2019 e 700/08.7BESNT de 25.03.2021.

Alegou, tendo concluído:
1. A questão in contendo versa sobre a gerência de facto como requisito da responsabilidade subsidiária prevista no artigo 24.º da Lei Geral Tributária (doravante "LGT"), aprovada pelo Decreto-lei n.º 398/98, de 17 de dezembro, na redação à data dos factos;
2. Mais concretamente, o presente recurso centra-se na questão de se saber se a presidência de órgãos sociais da sociedade devedora originária, e a aposição de assinatura em requerimentos e cheques em nome da sociedade devedora originária por um dos membros dos órgãos de administração da referida sociedade devedora originária permitem que se conclua pela efetividade de gerência para efeitos da responsabilidade subsidiária prevista no artigo 24.º da LGT;
3. Face ao objeto do presente recurso, há contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito entre o Acórdão Impugnado e os vários Acórdãos Fundamento, na medida em que, perante o circunstancialismo fáctico idêntico, divergem nas suas decisões;
4. O objeto do presente recurso, tal como foi configurado, ainda não mereceu, até à presente data, qualquer pronúncia por parte do Supremo Tribunal Administrativo, o que significa que não há qualquer jurisprudência consolidada por parte deste Tribunal sobre esta matéria, o que, no entanto, não obsta à admissibilidade do presente recurso, porquanto, em nosso entendimento, o legislador o que quis, na norma do n.º 1 do artigo 284.º do CPPT, foi evitar que se submeta a julgamento do Supremo Tribunal Administrativo a apreciação de uma questão que, recentemente, foi consolidada em acórdão ou acórdãos do mesmo Tribunal;
5. De resto, quer o douto Acórdão Impugnado, quer os doutos Acórdãos Fundamento, já transitaram em julgado, pelo que estão reunidos todos os pressupostos necessários à admissão do presente recurso para uniformização de jurisprudência;
6. O douto Acórdão Impugnado padece de erro nos pressupostos de direito, porquanto, não respeitou o princípio constitucionalmente consagrado no artigo 20.º da CRP da tutela jurisdicional efetiva;
7. O raciocínio efetuado pelo douto Acórdão Impugnado é, assim, salvo devido respeito, contraproducente e inflexível na medida em que a responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efetivo do cargo de gerente;
8. O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efetiva ou de facto, ou seja, o efetivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito;
9. São presunções legais as que estão previstas na própria lei e presunções judiciais as que se fundam em regras práticas da experiência;
10. Não há uma presunção legal que imponha a conclusão de que quem tem a qualidade de gerente de direito exerceu a gerência de facto;
11. No entanto, o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum;
12. De ato isolado praticado pelo ora Recorrente, em que, aparentemente, terá agido em representação da executada originária em momento concreto, não é viável, à luz das regras de experiência comum, extrair a conclusão de que o mesmo exerceu, de facto, a gerência da dita sociedade;
13. A assinatura de vinte (20) cheques, todos datados de 15 de março de 2004, durante mais de 10 anos de atividade da sociedade devedora originária, não permite que se conclua pela efetividade da gerência, por falta de animus domini;
14. O mero gerente de direito quando pratica os atos formais de gerência, como assinar cheques, por exemplo, não visa prosseguir os fins societários, que podem ser-lhe completamente alheios, mas apenas cumprir uma determinação de outrem que por razões de dependência económica e funcional, ou reverência aceita levar a cabo;
15. Se assim não se entender, o que se admite por cautela de patrocínio e sem conceder, estar-se-á a fazer uma interpretação inconstitucional daquele artigo 24.º da LGT, por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva constitucionalmente consagrada no artigo 20.º da CRP, o que desde já se alega para os devidos e legais efeitos.
Termos em que, admitido nos termos do artigo 284.º n.º 1 do CPPT, ao recurso deve ser dado provimento, com as legais consequências.

Contra-alegou o Ministério Público, tendo concluído:
1º São requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência, nos termos do artº 284 º do CPPT, a contradição entre um acórdão de um TCA e acórdão anteriormente proferido pelo mesmo ou por outro TCA, ou pelo STA, ou entre dois acórdãos do STA, o trânsito em julgado do acórdão impugnado e do acórdão fundamento, a existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito e ser a orientação perfilhada no acórdão impugnado desconforme com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA;
2º Por sua vez, quanto à caracterização da questão fundamental de direito, deve haver identidade da questão de direito sobre a qual incidiu o acórdão em oposição, que tem pressuposta a identidade dos respectivos pressupostos de facto e a oposição deverá emergir de decisões expressas, e não apenas implícitas, as normas aplicadas devem conter regulamentação essencialmente idêntica, as normas diversamente aplicadas podem ser substantivas ou processuais e em oposição ao acórdão recorrido podem ser invocados mais de um acórdão fundamento, desde que as questões sobre as quais existam soluções antagónicas sejam distintas;
3º Ora, no caso em análise, nas alegações de recurso o Recorrente indica dois Acórdãos fundamento, todavia, em oposição ao acórdão recorrido só pode ser invocado mais do que um acórdão fundamento, desde que as questões sobre as quais existam soluções antagónicas sejam distintas, o que não nos parece suceder no caso em análise.
4ºCom efeito, da análise das doutas Decisões em confronto resulta que a questão essencial sobre que incidiu a sua apreciação teve por objecto o erro de julgamento na apreciação da matéria de facto e sua subsunção aos pressupostos exigidos pelo artigo 24º, nº1, al b) da LGT quanto ao exercício da gerência de facto pelo revertido na execução fiscal;
5º Todavia, a factualidade assente no douto Acórdão recorrido não é idêntica à das decisões em confronto, verificando-se que o diferente desfecho da questão em causa em relação aos Acórdãos fundamento residiu na diferente realidade fáctica subjacente às decisões.
6º Como se exarou, designadamente, no douto Acórdão do STA proferido em 09-12-2020, no processo 043/20.8BALSB “… Não sendo as realidades factuais subjacentes às decisões idênticas, não será possível afirmar que tais decisões resultaram unicamente de uma divergente interpretação jurídica o que é determinante para afirmar que não se verifica contradição sobre a mesma questão fundamental de direito e que não se deverá conhecer do recurso para uniformização de jurisprudência.”
7º Não se verificando, assim, salvo melhor juízo, contradição sobre a mesma questão fundamental de direito não se deverá conhecer do presente recurso interposto para uniformização de jurisprudência.

Cumpre decidir.

Dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto vertida no acórdão recorrido, bem como nos acórdãos fundamento.

O presente recurso vem interposto ao abrigo do disposto no artigo 284º do CPPT que estabelece o seguinte:
1 - As partes e o Ministério Público podem dirigir ao Supremo Tribunal Administrativo, no prazo de 30 dias contado do trânsito em julgado do acórdão impugnado, pedido de admissão de recurso para uniformização de jurisprudência, quando, sobre a mesma questão fundamental de direito, exista contradição:
a) Entre um acórdão do Tribunal Central Administrativo, e outro acórdão anteriormente proferido pelo mesmo ou outro Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo;
b) Entre dois acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo.
2 - A petição de recurso é acompanhada de alegação na qual se identifiquem, de forma precisa e circunstanciada, os aspetos de identidade que determinam a contradição alegada e a infração imputada ao acórdão recorrido.
3 - O recurso não é admitido se a orientação perfilhada no acórdão impugnado estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
(…)
Resulta claramente do texto deste artigo que o recurso para Uniformização de Jurisprudência só pode ser dirigido ao Supremo Tribunal quando se verifique uma contradição quanto à mesma questão fundamental de direito, entre dois acórdãos anteriormente proferidos pelos TCA’s, ou entre um acórdão de um dos TCA’s e um acórdão deste Supremo Tribunal.
O recurso não pode servir, e portanto não é admissível, para que o Supremo Tribunal se pronuncie quanto a decisões divergentes entre acórdãos, quando essa divergência resulta da diferente matéria de facto levada ao probatório dos mesmos ou das ilações de facto que foram retiradas dessa mesma matéria de facto.
Sem prejuízo do que ficou dito, importa referir que os recorrentes não estão impedidos de invocar mais do que um acórdão no recurso para uniformização, se invocarem oposição relativamente a mais do que uma questão ou questionarem a solução com base em dois vectores distintos ou sub-questões, tal como sucede no caso dos autos.

No presente recurso estamos precisamente perante uma situação em que as soluções dadas aos casos concretos se fundaram exclusivamente nas diferentes realidades fácticas que se julgaram provadas e comprovadas, posto que, em todos os acórdãos, recorrido e fundamento, se fez apelo às pertinentes normas respeitantes à responsabilização do gerente de sociedade pela seu exercício efectivo da gerência, cfr. artigo 24º da LGT.
Assim, escreveu-se no acórdão recorrido:
Assim sendo, resultando provado – ao contrário, do decidido na sentença recorrida - que o Recorrido representou a ………… em diferentes momentos na qualidade de gerente, tendo contribuído para o desenvolvimento do seu giro comercial nas datas em que lhe seja imputável a falta de pagamento das dívidas exequendas, o que juntando ao facto de bastar uma assinatura de um gerente para vincular a sociedade, terá que se considerar demonstrada a gerência de facto.
Diferentemente, a respeito da efectiva gerência de facto, escreveu-se no acórdão proferido no processo n.º 1471/11, quanto à primeira sub-questão:
Reitera-se, pois, que, considerando as específicas caraterísticas da responsabilidade tributária subsidiária, a que já nos referimos, da prova produzida não resulta que o Recorrido tenha sido gerente de facto da sociedade devedora originária.
Também não se extrai, de modo algum, a conclusão extraída pela Recorrente da aquisição de participação de sociedade. Aliás, ser sócio e ser gerente são duas realidades perfeitamente discerníveis, nem sendo sequer obrigatório que um sócio seja gerente (aliás, nem em sociedades unipessoais é obrigatório que o sócio único seja gerente – cfr. art.º 270.º-E, n.º 1, do CSC).
Não se extrai igualmente a gestão de facto da nomeação de gerente, pois que, como já referimos, a mesma não comporta uma presunção de gerência de facto nem tal pode ser extraído, por si só, das regras da experiência, que ditam a existência de inúmeras situações de nomeações de gerentes de cariz meramente formal – bastará atentar na inúmera jurisprudência sobre a matéria para se concluir nesse sentido.
Não se extrai, do mesmo modo, tal conclusão da mera circunstância de a devedora originária se obrigar com a assinatura de dois gerentes, quando, por um lado, os gerentes de direito eram três e quando, por outro, nem sequer foi alegada qualquer factualidade no sentido de o Recorrido assinar documentos da sociedade de forma reiterada e evidenciadora do exercício de funções efetivas de gestão.
Não se extrai igualmente da ata da Assembleia Geral mencionada pela Recorrente que o Recorrido tenha sido gestor de facto. Por um lado, tal ata é do órgão “assembleia geral”, órgão social distinto da gerência (art.º 248.º do CSC), do qual fazem parte todos os sócios. Por outro lado, a decisão de dissolução da sociedade depende da deliberação dos sócios nesse sentido [cfr. o art.º 246.º, n.º 1, al. i), do CSC]. A Recorrente extrai do exercício de direitos de sócio o exercício de funções de gestão, o que, como referimos, é perfeitamente discernível; por outro lado, não é feita qualquer referência pela Recorrente ao facto de da mesma ata resultar que A.......... assumiu todo o ativo e passivo da sociedade. Ou seja, da ata não se extrai qualquer elemento que permita concluir pelo exercício de funções efetivas de gestão por parte do Recorrido.
Em suma, cabendo à AT o ónus da prova do efetivo exercício de funções de gestão por parte do Recorrido e não tendo esta logrado proceder a tal prova, o recurso está votado ao insucesso.
Por sua vez, escreveu-se no acórdão proferido no processo n.º 700/08, quanto à segunda sub-questão - a da relevância da assinatura dos cheques:
Na verdade, é pacífico que não há qualquer presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efectivo exercício dessa função ou que faça inverter o ónus da prova que recai sobre a Fazenda Pública, pelo que não lhe assiste razão.
Assim sendo, em face das regras da experiência, considerando os circunstancialismos supra apreciados, resulta a convicção do tribunal de que não foi provado o exercício efectivo (de facto) da gerência por parte do oponente, ora recorrido, tendo em conta que, nas circunstâncias concretas do caso que nos ocupa, a aposição pelo recorrido da sua assinatura em cheques não traduz uma actuação em nome e por conta da sociedade devedora originária no sentido de definir o rumo da sociedade e de deter o poder de decidir que pagamentos efectuar e em que termos, de modo a que possa afirmar que seja um órgão atuante da sociedade acompanhado de animus domini. Constituindo a gerência de facto requisito da responsabilidade subsidiária dos gerentes, impõe-se concluir pela improcedência do recurso, com a consequente confirmação da sentença recorrida.

Ou seja, como já se disse, as diferentes decisões dos acórdãos em confronto não resultaram de uma diferente interpretação das normas legais aplicáveis às concretas situações dos autos, antes resultaram da diferente matéria de facto que se logrou apurar e das diferentes ilações de facto que da mesma foram retiradas pelas instâncias.
Assim, não se verifica o principal requisito para a admissão do presente recurso e que passa por se verificar a contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, que consistia em saber se o gerente da sociedade pode ser responsabilizado pelas dívidas da mesma, independentemente de ter exercido ou não a gerência de facto efectiva, uma vez que nos três acórdãos se concluiu que tal responsabilização só poderia ocorrer quando o gerente tivesse efectivamente, de facto, exercido a gerência.
Concluindo, não pode este Supremo Tribunal tomar conhecimento do mérito do recurso.

Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do mérito do recurso.
Custas pelo recorrente, com dispensa do pagamento do remanescente da t.j. de justiça.
D.n.

Lisboa 24 de Novembro de 2021. – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo.