Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:062/17
Data do Acordão:02/16/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Descritores:NEXO DE CAUSALIDADE
RESPONSABILIDADE MÉDICA
HOSPITAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
Sumário:É de admitir revista estando em discussão a apreciação do regime jurídico respeitante ao nexo de causalidade, no caso concreto entre omissão médica e proclamada consequência.
Nº Convencional:JSTA000P21503
Nº do Documento:SA120170216062
Data de Entrada:01/23/2017
Recorrente:A.....................
Recorrido 1:INSTITUTO DE OFTALMOLOGIA DR. GAMA PINTO E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1.1. A………. intentou acção administrativa comum contra o Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto, ……………..e……………., médicos oftalmologistas, pedindo a condenação solidária dos réus ao pagamento de € 81.677,48, acrescidos de juros de mora.

1.2. O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, por Despacho de 23.01.2006 (fls. 243), decidiu:
«O autor na petição inicial alega que a conduta dos réus ………….…. e ……………, causa dos danos patrimoniais e não patrimoniais invocados, foi uma conduta negligente. / Neste quadro, imputando o autor àqueles réus uma simples conduta negligente, estes serão partes ilegítimas na acção em que o autor demanda o Instituto Oftalmológico Dr. Gama Pinto, formulado um pedido de condenação no pagamento de uma indemnização com fundamento em responsabilidade extracontratual. / Nesta medida e apenas com este fundamento (de que a obrigação de indemnizar emerge da responsabilidade civil extracontratual) há que julgar os réus …………… e …………… partes ilegítimas, absolvendo-os da instância (artigos 288, nº 1, alínea d), 493º, nº 2 e 494º, alínea c) do CPC, aplicáveis por força do artigo 42º, nº 1 do CPTA)».

1.3. Depois, por sentença de 09.03.2012 (fls. 839/874), o mesmo Tribunal julgou:
«Face ao exposto, decide-se:
- Julgar totalmente improcedente, por não provado, o pedido formulado pelo autor contra os médicos com fundamento em responsabilidade contratual e, em consequência, absolver o Dr.……………… (nesta data os respectivos herdeiros habilitados) e Dr.ª …………………do pedido de condenação no pagamento de indemnização com aquele fundamento;
- Julgar a apresente acção quanto ao pedido que o autor formula a título de responsabilidade civil extracontratual parcialmente procedente e, em consequência, condenar o réu Instituto Oftalmológico Dr. Gama Pinto a pagar ao autor A……………. a quantia de € 6000».

1.4. O Autor apelou para o Tribunal Central Administrativo Sul que, por acórdão de 13.09.2016 (fls. 998/1035), decidiu:
«I – Negar total provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, manter a sentença recorrida.
(…)».

1.5. É desse acórdão que o Autor vem interpor recurso de revista excepcional, ao abrigo do artigo 150.º do CPTA.

1.6. Os herdeiros de ………………… defendem a não admissão da revista.

Cumpre apreciar e decidir.

2.1. Tem-se em atenção a matéria de facto considerada no acórdão recorrido.

2.2. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».
A jurisprudência deste STA, interpretando o comando legal, tem reiteradamente sublinhado, como as partes reconhecem, a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito. Trata-se, efectivamente, não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, de uma «válvula de segurança do sistema» que apenas deve ser accionada naqueles precisos termos.

2.3. Conforme a alegação do recorrente, «a censura ao Acórdão proferido nos presentes autos incidirá precisamente na interpretação, apreciação e subsunção jurídica que o tribunal recorrido fez – a nosso ver mal - dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, nomeadamente no que concerne ao aferimento do nexo de causalidade existente entre os factos ilícitos praticados pelos médicos, ao serviço do R. / Recorrido e o dano que deles resultou (…)» (conclusão 5.ª).
E sustenta que «a excessiva demora, ou delonga, imprimida à prática clínica, que se traduziu na realização de um exame não atempado e, consequentemente, num diagnóstico tardio da doença – neste caso no descolamento da retina do olho direito – teve como consequência para o A/Recorrente que este viesse a ficar cego do olho direito (…)» (conclusão 9.ª).

As instâncias convergiram na decisão de inexistência do nexo de causalidade entre a actuação clínica e o dano total proclamado pelo Autor, embora tenha ficado afirmado pela sentença, confirmada pelo acórdão, nexo quanto a segmento desse dano.
A matéria de facto revela um quadro complexo do qual decorre, nomeadamente, que o Autor foi submetido a cirurgia para extração de catarata do olho direito, no qual tinha acuidade visual inferior a 1/10.
Na sequência dessa intervenção ficou com a mesma acuidade visual.
E foi já no período seguinte a essa intervenção, intervenção que, em si mesma, não vem censurada, que se verificou irreversível descolamento total da retina e cegueira definitiva nesse olho direito.

O Recorrente entende que a cegueira do seu olho direito resultou do protelamento da realização de ecografia ocular, meio de diagnóstico necessário para a deteção atempada do descolamento da retina do olho direito, descolamento esse que ao ser tardiamente detectado já era então irreversível, provocando a cegueira.

O acórdão recorrido sublinhou que «nexo de causalidade tem dupla vertente: de facto e de direito».
Na circunstância, o Recorrente não intenta discussão da vertente de facto, antes da vertente de direito. Defende que foi mal interpretado e aplicado o regime legal sobre a determinação do nexo causal, designadamente contra o que vem sendo entendido pela doutrina e jurisprudência, de que dá abundante referência. Ocorre que também o acórdão recorrido fez largo uso de jurisprudência para sustentar o seu entendimento.
O problema do nexo de causalidade em matérias que respeitam à saúde, e não sendo controvertida a ilicitude e a culpa, merece, em geral, ser tratado até ao limite do possível, o que significa que deve ser admitida a revista.

3. Pelo exposto, admite-se a revista.
Lisboa, 16 de Fevereiro de 2017. – Alberto Augusto Oliveira (relator) – Costa Reis – São Pedro.