Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01251/18.7BELSB
Data do Acordão:05/16/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24559
Nº do Documento:SA12019051601251/18
Data de Entrada:05/07/2019
Recorrente:A...... E FILHA B.......
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do STA:

RELATÓRIO:
A…….. e a filha menor B………. intentaram, no TAC de Lisboa, contra o Ministério da Administração Interna, acção administrativa especial impugnando o acto, de 20/06/2018, do Director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras que considerou infundados os pedidos de protecção internacional e de autorização de residência por protecção subsidiária que lhe dirigiram.

Aquele Tribunal julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré do pedido.
E o TCA Sul, para onde a Autora apelou, negou provimento ao recurso.

É desse acórdão que vem a presente revista com fundamento na errónea aplicação do direito. (art.º 150.º do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. As AA., mãe e filha menor, têm nacionalidade marroquina e, juntamente com C……... – que diz ser seu marido e pai – chegaram ao Posto de Fronteira do Aeroporto de Lisboa onde lhes foi recusada a entrada em território nacional o que as levou a requerer a protecção internacional alegando que o seu marido e pai era vítima, por parte dos seus familiares, de acções de natureza persecutória por o seu matrimónio haver sido contraído contra a vontade deles.
Esse pedido foi indeferido por o SEF ter sido entendido que as declarações da Autora não mereciam credibilidade não só por serem vagas e pouco estruturadas como não por terem sido acompanhadas de qualquer tipo de prova que pudesse demonstrar que o seu relato era verdadeiro ou que permitissem deferir o seu pedido com fundamento no benefício da dúvida.

Inconformada, impugnou esse indeferimento com fundamento em erro sobre os pressupostos de facto visto, por um lado, estar demonstrado serem árabes e professarem a religião muçulmana e, por outro, que atentava contra os seus costumes e mandamentos religiosos a convivência marital antes de contraído casamento. Deste modo, tendo, contra a vontade da sua família, ido viver com o seu marido um mês e meio antes do casamento, viu-se obrigada a fugir em resultado das ameaças físicas e psicológicas de que passou a ser alvo por parte dos seus familiares tendo, até, o seu marido sido agredido diversas vezes e o casal ameaçado de morte.

O TAC julgou a acção improcedente com a seguinte fundamentação:
Do Direito de Asilo
....
Compete, pois, ao requerente do direito de asilo o ónus de alegar e demonstrar, de forma directa ou indirecta, o seu fundado receio de vir a ser perseguido, convencendo as entidades competentes de que foi ou está, individualmente, sujeito a perseguições ou ameaças no país de origem (ainda que tal ónus seja mitigado pela concessão do benefício da dúvida, contanto que a versão dos factos alegada seja credível, coerente e consistente).
Como já indicado, a A. apenas refere que é ameaçada pela família, sem, no entanto concretizar, em relação a si, tais ameaças, pelo que não é possível configurar uma situação objectiva de perseguição.
Nem o próprio motivo alegado (viver com o marido antes do casamento) é de relevar, não só porque é contraditório face às declarações do marido .... como também não se comprova que aquela convivência seja um costume intolerável para a etnia e religião que professam ....
Assim, embora se possa admitir algum sentimento de insegurança (elemento subjectivo), face à hostilidade demonstrada pelos dois irmãos face ao marido da A., essa insegurança não assenta em factos objectivos, sistemáticos e suficientemente graves para pôr em perigo a vida, a integridade física ou a liberdade pessoal da A. ....
.... pelo que neste segmento, a decisão impugnada não padece de qualquer ilegalidade.

Da Protecção Subsidiária
....
Atendendo ao que foi exposto para efeitos de apreciação do pedido de asilo – que aqui se dá por reproduzido –, resulta manifesto o não preenchimento dos pressupostos agora elencados, para efeitos de concessão de protecção subsidiária.
Não resultam comprovados nem uma sistemática violação de direitos humanos em Marrocos, nem o risco de a A. vir a sofrer ofensa grave, designadamente resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado ou violação generalizada dos direitos humanos.
.....
Também nesta sede – de não concessão de autorização de residência por protecção subsidiária, por infundado – o acto impugnado não merece qualquer censura.”

A Recorrida apelou para o TCA Sul e este negou provimento ao recurso pelas razões que se destacam.
......
De acordo com o disposto no artigo 7.°-A do CPTA, o juiz da causa pode dispensar ou recusar os actos ou diligências que se demonstrem impertinentes ou meramente dilatórias, incluindo as diligências probatórias.
O despacho que indefere o requerimento probatório e que antecede a prolação da sentença recorrida mostra-se suficientemente fundamentado, porquanto o Tribunal explicita as razões por que se considerou dispensável a prova testemunhal e as declarações de parte.
O exercício, nos referidos termos, do dever de gestão processual e do poder discricionário que lhe está associado não se reconduz a preterição de uma formalidade prevista na lei, inexistindo, por conseguinte, a invocada nulidade.
Termos em que improcedem as conclusões atinentes à alegada nulidade processual.

..... os actos de perseguição mencionados só fundamentam o pedido de asilo quando a pessoa perseguida tenha tido uma actividade em prol da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.
Por sua vez, os actos de perseguição mencionados no n° 2 do artigo 3°devem constituir uma flagrante violação dos direitos humanos, sob pena de qualquer cidadão comum vítima de perseguição, por qualquer motivo, poder vir a pedir asilo. O que vale por dizer que o instituto do asilo não visa propriamente substituir-se ao regime criminal dos países de onde os cidadãos que requerem o asilo são originários.
.........
Cabe ao Requerente do pedido de asilo o ónus da prova dos factos que alega .... sendo certo porém que o mesmo n° 4 excepciona tal prova quando estejam reunidas cumulativamente as condições referidas nas suas diversas alíneas, entre elas "as declarações prestadas pelo requerente forem consideradas coerentes, plausíveis, e não contraditórias face às informações disponíveis e a credibilidade geral do requerente".
Importa ainda salientar que o "beneficio da dúvida" ..... deverá, apenas, ser concedido quando todos os elementos de prova disponíveis tenham sido obtidos e confirmados e "quando o examinador esteja satisfeito no respeito à credibilidade geral do requerente. As declarações do requerente deverão ser coerentes e plausíveis e não deverão ser contraditórias face à generalidade dos factos conhecidos".
.....
E assim sendo, salvo caso de erro grosseiro por parte da entidade aqui Recorrida, não pode o tribunal sindicar a opinião desta no tocante a este requisito (credibilidade do depoimento) a qual é de vital importância para a concessão do asilo peticionado.
No caso, as Requerentes não conseguiram demonstrar quaisquer factos concretos .... que permitam concluir que, se tiverem de regressar ao seu país de origem, ou da sua residência habitual, serão objecto de perseguição em virtude da raça, nacionalidade, religião, opiniões políticas ou integração de grupo social, não ocorrendo no caso, razões de facto e de direito que imponham o acolhimento da pretensão de asilo ou de protecção internacional.
.......
Por último, quanto ao pedido de residência por razões humanitárias cabe dizer que os factos invocados pela A. A……… não são demonstrativos de que, se regressar ao seu país de origem com a sua filha B……., serão perseguidas e, muito menos, mortas.
Termos em que improcedendo as demais conclusões da alegação das Recorrentes, é de negar provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmar na íntegra a sentença recorrida.

3. A Autora pede a admissão desta revista para que seja dada resposta às três seguintes questões:
a. Se o Tribunal podia dispensar a produção de prova oferecida pelas Recorrentes, a qual era essencial em face da situação concreta em que se encontram – em fuga de país terceiro e sem quaisquer outros meios;
b. Se essa dispensa configura ou não uma nulidade processual;
c. Se situações como a dos presentes autos preenchem os pressupostos do Direito de Asilo e protecção subsidiária.
Resposta essa que se reveste da maior relevância social e jurídica para garantia do direito fundamental de asilo, constitucionalmente previsto.

4. As questões relativas aos pedidos de protecção internacional têm vindo a colocar-se na jurisdição administrativa com significativa frequência e, atenta a dificuldade de interpretação do bloco normativo constante da Lei do Asilo referente a essa problemática têm sido, por vezes, decididas de modo divergente. Por essa razão esta Formação tem entendido que essas questões não só são juridicamente relevantes como, sendo grande a sua capacidade de replicação, se justifica a admissão da revista.
Todavia, as questões que leva a Recorrente a requerer a admissão desta revista nada têm a ver com as acima enunciadas visto elas serem simples e, por isso, a sua resolução não envolve raciocínios de grande complexidade jurídica. O que aconselha a que recurso não seja admitido.
Acresce que as instâncias decidiram de forma convergente as três questões identificadas pela Recorrente e tudo indica que decidiram bem, uma vez que esse julgamento foi feito com uma adequada ponderação das leis em vigor e da matéria de facto provada.
Não estão, assim, preenchidos os requisitos de admissão do recurso.

DECISÃO.

Termos em acordam não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 16 de Maio de 2019.- Costa Reis (relator) – São Pedro – Madeira dos Santos.