Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0804/18.8BEPRT
Data do Acordão:12/09/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:IRC
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
REGIME ESPECIAL DE TRIBUTAÇÃO
Sumário:I - Nesta situação, em que está em causa o momento temporal relevante para a aferição dos dois anos de participação, tem de fazer-se apelo a uma interpretação sistemática da alínea c) do n.º4 do artigo 69.º do CIRC, no sentido que deve ser interpretada em consonância com os requisitos previstos nos n.º 2 e 3 do mesmo preceito legal, tendo presente que aí o legislador definiu os critérios de aplicação do regime, entre os quais o da alínea b) do n.º 3, em que se exige que a detenção da participação pela sociedade dominante ocorra há mais de um ano, estabelecendo-se no 2.º segmento da norma que a contagem desse prazo se faça com referência à data em que se inicia a aplicação do regime.
II - Por seu lado, o 2.º segmento da alínea c) do n.º 4 exige apenas um prazo mais longo dessa detenção por parte da sociedade dominante - dois anos - nos casos em que a sociedade a incluir registe prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao do início da aplicação do regime, de modo que, sendo este segmento da norma uma excepção à excepção prevista nesse normativo (no n.º 4 prevêem-se os casos em que se afasta a aplicação do regime previsto nos números anteriores), ele tem que ser interpretado em consonância com os elementos previstos nos n.ºs 2 e 3 do mesmo preceito, que constituem a regra geral, o que equivale a dizer que, constando da regra geral prevista na alínea b) do n.º 3 que o prazo de detenção da participação pela sociedade dominante se conta “com referência à data em que se inicia a aplicação do regime”, como já ficou dito, não se mostra necessário que na alínea c) do n.º 4, em que se prevê mais um caso de aplicação do regime, se repita de novo esse elemento aferidor.
III - Assim sendo, temos de concluir que o momento temporal relevante para a aferição dos dois anos de detenção da participação por parte da sociedade dominante, nos casos em que a sociedade a incluir no perímetro do grupo tenha registado prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao do início da aplicação do regime, se faz por referência ao primeiro dia do exercício fiscal em que se inicia a aplicação do regime.
Nº Convencional:JSTA000P28670
Nº do Documento:SA2202112090804/18
Data de Entrada:03/02/2021
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............ ......, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I - Relatório

1 – A………… …… Lda., com os sinais dos autos, impugnou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [de ora em diante, apenas TAF do Porto], a liquidação do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, [de ora em diante IRC] relativa ao exercício de 2013, no montante de € 68.663,53.

2 – Por sentença de 17 de Novembro de 2020, o TAF do Porto julgou procedente a impugnação.

3 – A Representante da Fazenda Pública, inconformada com sentença do TAF do Porto, vem dela interpor recurso, apresentando, para tanto, alegações que remata com as seguintes conclusões:
«[…]
a) É entendimento dos serviços da Administração Tributária que a alínea c) do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC deve ser aplicada tanto a sociedades dominantes como a sociedades dominadas, sendo, por conseguinte, requisito de aplicação do RETGS a não verificação de prejuízos fiscais nos três períodos de tributação anteriores ao da aplicação do regime, salvo, no caso das dominadas, se a participação já for detida pela sociedade dominante há mais de dois anos.

b) De facto, a única exceção à aplicação da alínea c) do n° 4 do artigo 69.º do CIRC, conforme o texto da norma, refere-se apenas aos casos em que as sociedades dominadas apresentem prejuízos e, a participação seja ou não, detida há mais de dois anos pela sociedade dominante do grupo, não existindo na norma qualquer referência ou exceção em relação aos prejuízos da sociedade dominante.

c) Por outro lado, a nova redação do n.º 10 do artigo 69.º do CIRC, o legislador veio confirmar a interpretação da ora Impugnante no sentido de que o disposto na alínea c) do n° 4 não se aplica à sociedade dominante, sendo que a estas alterações, introduzidas pela Lei n° 2/2014, de 16 de janeiro, e portanto, apenas aplicável aos períodos de tributação que se tenham iniciado ou aos factos tributários que tenham ocorrido em, ou após, 1 de janeiro de 2014, não foi atribuído natureza interpretativa.

d) Quanto à introdução do artigo 69.°-A no CIRC, diga-se que esta norma só foi aditada ao código do IRC pela Lei n° 82-C/2014, de 31 de dezembro, aplicando-se aos períodos de tributação com início em, ou após, 1 de janeiro de 2015, e veio na linha de jurisprudência recente do Tribunal de Justiça da União Europeia, que estendeu o RETGS aos grupos, em que a sociedade dominante tenha residência em um Estado membro da União Europeia ou no Espaço Económico Europeu que esteja vinculado à cooperação administrativa.

e) Neste âmbito, refere expressamente na alínea g) do n.º 1, do citado artigo, que quando a sociedade dominante não tenha sede ou direção efetiva em território português, mas detenha cá um estabelecimento estável através do qual sejam detidas as participações nas sociedades dominadas, pode optar pelo RETGS desde que não se verifique relativamente a este qualquer das situações previstas nas alíneas a), c), d) ou e) do n.º 4 do artigo anterior.

f) Concluindo, haverá que interpretar os pressupostos do regime da alínea c) do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC, no sentido de se considerar que o período de detenção enunciado na norma é apurado por referência ao primeiro dia do exercício económico;

g) Ora, uma vez que a 1 de janeiro de 2013 (data de início do período de tributação de 2013) a sociedade “B............” não era detida há mais de 2 anos pela sociedade dominante, tendo apurado prejuízos fiscais nos três períodos de tributação anteriores ao início da aplicação do regime (isto é, nos períodos de tributação de 2010, 2011 e 2012) a mesma não podia fazer parte do grupo de sociedades no período de tributação de 2013, conforme o estabelecido na alínea c) do n° 4 do artigo 69° do CIRC.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de v. Exas., deverá ser concedido provimento ao presente recurso, por provado, e em consequência, deverá a sentença recorrida pela ora recorrente, com as devidas consequências legais, assim se fazendo a costumada justiça.
[…]».


3 – A Recorrente apresentou alegações tendo concluído do seguinte modo:
«[…]
1. São as conclusões das alegações que delimitam o objeto do recurso.

2. Vistas as conclusões da recorrente Fazenda Pública, o que parece estar em causa é saber qual a interpretação a dar à alínea c) do n° 4º do artigo 69º do CIRC, concretamente no que diz respeito ao cômputo do período de detenção de dois anos aí referido,

3. Com ampla fundamentação a douta sentença recorrida decidiu que, no RETGS, relativo ao período (exercício) de 2013, cuja dominante era a A………… ……, S.A., e entre as dominadas incluía-se a ora recorrida, A………… ……, S.A., a B............, S.A., também dominada, cumpria o requisito do período de detenção de dois anos estabelecido na alínea c) do n.º 4.º do artigo 69° do CIRC, uma vez que, entre a data de aquisição pela sociedade dominante do RETGS da participação social na referida dominada B............, S.A, - 22 de junho de 2011- e a data do final desse mesmo período - 31 de dezembro de 2013, os referidos dois anos mostravam-se verificados, pelo que julgou a impugnação judicial procedente.

4. A Fazenda Pública, porém, nas conclusões f) e g) das suas alegações de recurso, entende que "o período de detenção enunciado na norma [alínea c) do n.º 4º do artigo 69.º do CIRC] é apurado por referência ao primeiro dia do exercício económico", e uma vez que a 1 de janeiro de 2013 (data de início do período de tributação de 2013) a sociedade "B............" não era detida há mais de 2 anos pela sociedade dominante, tendo apurado prejuízos fiscais nos três períodos anteriores ao início da aplicação do regime (isto é, nos períodos de 2010, 2011 e 2012) a mesma não podia fazer parte do grupo de sociedades no período de tributação de 2013, conforme o estabelecido na alínea c) do n.º 4º do artigo 69.º do CIRC."

5. Mas, para extrair estas conclusões f) e g), a Fazenda não indica uma única razão que as sustentem, o mesmo é dizer, a Fazenda Pública nada justifica ou fundamenta que lhe permita concluir o que concluiu sendo que, na conclusão g) não podia a Fazenda, extrair que em 1 de janeiro de 2013 a B............, S.A. não era detida pela A………… ……, S.A. há mais de dois anos, porque, quer nas alegações quer nas conclusões de recurso, a Fazenda Pública não refere a data em que a dominante adquiriu a participação social na indicada B............, S.A.

6. Acresce que nas alegações e conclusões de recurso apresentadas nada se vislumbra que permita dizer que a Fazenda Públia "ataca" ou contraria a fundamentação da douta sentença recorrida, que levou a julgar a impugnação procedente,

7. Assim, o recurso da Fazenda Pública não observa o disposto no art. 639.º, n.ºs. 1 e 2, b), do CPC, aplicável ex vi do art. 2.º, f), do CPPT, peio que o recurso deve ser rejeitado.

SEM PRESCINDIR,

8. Segundo a Fazenda Pública, a dominada, B............, S.A., "não cumpria o requisito temporal constante da alínea c) do n.º 4.º do artigo 69.º do CIRC, dado a Fazenda entender que "a 1 de janeiro de 2013 (data de início do período de tributação de 2013) a sociedade "B............" não era detida há mais de 2 anos pela sociedade dominante".

9. Foi este entendimento que originou a liquidação impugnada, efetuada pela AT, uma vez que a AT, baseada em tal entendimento, decidiu fazer cessar, em 2013, a tributação segundo o RETGS, quer da recorrida quer de todas as sociedades (dominante e dominadas) que constituíam o respetivo perímetro.

10. Todavia como muito bem refere a douta sentença recorrida a págs. 19 a 34 o período de dois anos a que alude a alínea c) do n.º 4 do art. 69.º do Código do IRC, deve contar-se desde a data de aquisição, pela dominante, da participação social na B............, S.A., que foi em 22 de junho de 2011, até 31 de dezembro de 2013, que é a data da ocorrência do facto gerador de IRC relativo a 2013,

11. Portanto, em 31 de dezembro de 2013, a dominante do aludido RETGS, A………… ……, S.A., já detinha a participação na dominada B............, S.A. há mais de dois anos, pelo que, ao contrário do que entende a Fazenda Pública, em 2013 esse requisito exigido pela dita alínea c) do n.º 4 do art, 69.º mostrava-se cumprido.

12. Porque não violou disposição legal alguma, a douta sentença recorrida não merece qualquer censura, devendo manter-se na ordem jurídica.

Nestes termos,
Deve o presente recurso interposto peia Fazenda Pública ser julgado totalmente improcedente e, em consequência, a douta sentença recorrida deve manter-se na ordem jurídica.
[…]».


4 - A Excelentíssima Procuradora-Geral da República junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação


1. De facto
A decisão recorrida deu como provada a seguinte factualidade concreta:
[…]
1. A impugnante é uma sociedade comercial com o CAE 451100 - comércio de veículos automóveis (por acordo);

2. A impugnante é detida em 100% pela sociedade A………… ……, SGPS, que por sua vez é detida em 100% pela A………… …… - Comércio de Automóveis, S.A. (facto constante do RIT, não impugnado);

3. A A………… ……, enquanto sociedade dominante de um grupo de sociedades, optou pela aplicação do RETGS no exercício de 2008 (por acordo);

4. O exercício económico do grupo de sociedades identificado em 3) correspondia ao ano civil (por acordo);

5. No exercício económico de 2013, a impugnante integrou na qualidade de sociedade dominada, o perímetro de um grupo de empresas tributado pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), no qual a sociedade dominante é a empresa A………… …… - Comércio de Automóveis, S.A. (por acordo);

6. Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI201603898, foi a Impugnante objecto de acção de inspecção tributária relativa a IRC, e abarcando o exercício de 2013 (cfr. pontos do RIT);

7. Em 29 de Setembro de 2017, foi proferido Projecto de Relatório de Inspecção, cujo teor se dá integralmente por reproduzido, notificado à impugnante através do ofício n.º 220.10.02, de 2 de Outubro de 2017 (cfr. fls. 114 e ss do PA);

8. A impugnante apresentou pronúncia em sede de audiência prévia, cujo teor se dá integralmente por reproduzido (cfr. doc. constante do PA);

9. Em 2 de Novembro de 2017, foi proferido Relatório de Inspecção Tributária, onde foi proposta a cessação da tributação da impugnante pelo REGTS resultante da seguinte fundamentação inclusa no relatório de inspecção tributária, cujo teor se dá por integralmente reproduzido bem dos respectivos anexos, e onde se refere designadamente o seguinte (cfr. fls. 146 e ss do PA):

“(…)

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

III.l - IRC - Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas

Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto

Relativamente ao final do período de tributação anterior, no exercício de 2013 o grupo foi alterado pela inclusão de quatro empresas adquiridas em 2011, A………… ……, SA, A………… ……, Lda, A………… …… e …… (Norte), SA e B............, SA, tendo a …..… procedido ao envio, por transmissão eletrónica de dados, da declaração de alteração do grupo, conforme determina a alínea b) do n.º 7 do artigo 69.º do Código do IRC

A B............, SA foi adquirida pela A………… ……, SGPS, SA em 2011-06-22, à C………… SGPS SA, NIF ………, empresa que até então detinha 100% do seu capital social.

Da análise do sistema informático da AT verifica-se que a B............ entregou a declaração Modelo 22 de IRC referente aos exercícios de 2010, 2011 e 2012, no regime geral de tributação, tendo declarado prejuízo fiscal nos três anos.

Nos termos do artigo 69.º, n.º 4, alínea c) do CIRC:

“4 - Não podem fazer parte do grupo as sociedades que, no início ou durante a aplicação do regime, se encontrem nas situações seguintes:

c) Registem prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao do início da aplicação do regime, salvo, no caso das sociedades dominadas, se a participação já for detida pela sociedade dominante há mais de dois anos; ”

Deste modo, verificando-se que a B............ não cumpre o requisito estabelecido na alínea c) do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC, na medida em que declarou prejuízo fiscal em 2010, 2011 e 2012 e no início do período de tributação de 2013 não era detida pela sociedade dominante há mais de dois anos, não pode a mesma fazer parte do perímetro neste exercício.

A inclusão indevida da B............ origina a cessação da aplicação RETGS a todo o grupo ………, conforme o estabelecido na alínea b) do n.º 8 do artigo 69.º do CIRC, reportando-se os efeitos da cessação, nos termos da alínea c) do n.º 9 do mesmo artigo, ao período de tributação anterior (isto é, 2012), já não se aplicando no exercício de 2013.

Como tal, atendendo a que as diversas empresas do grupo, referidas no ponto II.3 procederam à entrega da declaração Modelo 22 de IRC referente ao período de 2013 no regime de "Grupo de sociedades", propõe-se a alteração para o regime "Geral", com a consequente liquidação, decorrente das declarações enviadas individualmente.

(...)

IX. DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO

Em cumprimento do disposto nos artigos 60.º da Lei Geral Tributaria (LGT) e 60.º do RCPITA, o sujeito passivo foi notificado, por carta registada datada de 2017-10-22 (ofício n.º 2017S000230254), para, querendo, exercer, no prazo de 15 dias, o direito de audição, acerca do teor do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária (doravante projeto de relatório) remetido em anexo ao referido ofício, cujo conteúdo é igual ao dos capítulos anteriores.

Na sequência da referida notificação, o advogado D…………, veio na qualidade de mandatário do sujeito passivo apresentar direito de audição, por escrito, o qual deu entrada nestes serviços em 2017-10-31. Para o efeito anexou procuração forense datada de 2017-10-12.

No referido documento o sujeito passivo veio manifestar que não concorda com a cessação do RETGS, proposta no projeto de relatório, alegando:

1. ilegalidades cometidas pela AT, as quais se confinam nos seguintes pontos:

1.1. falta de decisão fundamentada para a extensão de competências

1.2. falta de fundamentação do projeto de relatório

2. discordância com os fundamentos apresentados

1. Das ilegalidades cometidas pela AT

(...)

Quanto à falta de fundamentação, o sujeito passivo vem alegar, nos pontos 18 a 22, que a AT não especificou a data que considerou para concluir pelo não cumprimento do prazo de 2 anos, desde a aquisição da B.............

Diz que a AT apenas referiu que no início do período de tributação de 2013 a B............ não era detida há mais de 2 anos, sem precisar a data, o que considera uma formulação vaga, e, como tal, equivalente a falta de fundamentação, contrariando o disposto nos artigos 77º nºs e 2 da LGT e 153º nº 2 do CPA

Sobre estas alegações cumpre salientar que no projeto de relatório se refere expressamente que o cálculo da verificação do prazo de detenção de dois anos, estabelecido na alínea c) do nº 4 do artigo 69.º do CIRCI tem por referência a data de início do período de tributação de 2013.

Ora, não parece admissível que o sujeito passivo, que adota o ano civil para período de tributação (como muito bem preencheu o quadro 1 da declaração Modelo 22 de IRC), venha agora manifestar desconhecimento sobre a data de início do período de tributação.

Note-se que relativamente à data do último dia do período de tributação, o sujeito passivo não revela ter qualquer dúvida. Pelo contrário, nos pontos 24 e 25 do direito de audição, demonstra que tem perfeito conhecimento de que o último dia do ano é o dia 31 de dezembro de 2013, citando inclusive o artigo 80 do CIRC, que define o período de tributação

Parece-nos caricato que o sujeito passivo venha alegar que desconhece qual a data de início do período de tributação e que se trata de uma formulação vaga, que não permite a concretização de qualquer data. Saberá, porventura, o sujeito passivo qual a data do último dia do período de tributação, mas não a data em que este se inicia?

É por demais evidente que o sujeito passivo compreendeu os fundamentos da correção, e que a mesma resulta da circunstância de que a 1 de janeiro de 2013 (data de início do período de tributação de 2013) a B............ não era detida há mais de 2 anos pela sociedade dominante, pelo que tendo apurado prejuízos fiscais nos três períodos de tributação anteriores ao início da aplicação do regime (isto é, nos períodos de tributação de 2010, 2011 e 2012) a mesma não podia fazer parte do grupo de sociedades no período de tributação de 2013, conforme o estabelecido na alínea c) do n° 4 do artigo 69° do CIRC.

De salientar que, não obstante o sujeito passivo vir dizer que não compreendeu os fundamentos da correção, supostamente não saber qual a data de início do período de tributação, certo é que nos pontos 18 a 92 do direito de audição, manifestou a sua discordância com a data considerada pela AT, início do período de tributação, alegando que deveria ser considerada a data final do período de tributação de 2013, isto é, 31 de dezembro de 2013, apresentando uma extensa fundamentação no sentido da sua tese.

Deste modo conclui-se, inequivocamente, que o projeto de relatório se encontra devidamente fundamentado.

2. Da discordância com os fundamentos apresentados

Nos pontos 23 e seguintes do direito de audição, o sujeito passivo vem alegar que, para efeitos do cálculo do cumprimento do prazo de 2 anos estabelecido na alínea c) do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC, a referida contagem deveria ter por referência o último dia do período de tributação (isto é, 31 de dezembro de 2013), apresentando um extenso leque de argumentos no sentido da referida tese, ora dizendo que a AT considerou relevante o início do período de tributação, ora referindo que a AT considera que aquele requisito teria de se verificar até à data limite da comunicação prevista no n.º 7 do artigo 69.º do CIRC (isto é, 31 de março de 2013).

Prossegue argumentando, com base na alteração introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, a qual não se aplica ao caso em apreço uma vez que apenas se aplica aos períodos de tributação iniciados a 1 de janeiro de 2014, no sentido de que a data para a comunicação do perímetro de consolidação do grupo de sociedades, prevista no n.º 7 do artigo 69.º não tem efeitos constitutivos, pelo que a AT não pode considerar como sendo esta a data relevante para efeitos da aplicação do requisito temporal previsto na alínea c) do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC, aduzindo ainda outros argumentos contra a referida pretensa tese da AT.

Analisados os argumentos apresentados, importa referir que o projeto de relatório é bastante claro no sentido de que a aferição do período de dois anos deve ser efetuada por referência a data de início do período de tributação de 2013, sendo que em parte alguma é referido que a data relevante é a da entrega da declaração referida no n.º 7 do artigo 69.º do CIRC.

Neste contexto, fica prejudicada a análise dos argumentos no sentido de afastar a consideração da data de entrega da declaração prevista no n.º 7 do artigo 69.º do CIRC como sendo a data relevante para efeitos do prazo estabelecido na alínea c) do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC, atendendo que a AT nunca deu relevância a tal data no projeto de relatório,

No que se refere aos argumentos apresentados pelo sujeito passivo no sentido de que a data relevante não é a data do início do período de tributação (1 de janeiro de 2013), mas sim a data do término do período de tributação (31 de dezembro de 2013), entendemos que os mesmos não têm qualquer sustentação legal e contrariam abertamente a letra da lei.

Na verdade, o n.º 4 do artigo 69.º do CIRC, na redação em vigor à data dos factos, amplamente citado no projeto de relatório, é absolutamente cristalino quanto à data relevante para efeitos da verificação do requisito temporal referido na alínea c) «4 - Não podem fazer parte do grupo as sociedades que, no início ou durante a aplicação do regime, se encontrem nas situações seguintes: (... ) c) Registem prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao do início da aplicação do regime, salvo, no caso das sociedades dominadas, se a participação já for detida pela sociedade dominante há mais de dois anos» (nosso sublinhado).

Com efeito, na data de início da aplicação do regime, 1 de janeiro de 2013, a B............ não era detida há mais de dois anos pela sociedade dominante, pelo que não poderia ser incluída no perímetro de consolidação fiscal. É igualmente inequívoco que, durante uma parte substancial do referido período de tributação, ao qual foi aplicado o RETGS, a mesma não cumpria o requisito temporal previsto na alínea c), o que contraria expressamente o disposto no n.º do artigo 69.º do CIRC,

Parece-nos também ilógico argumentar que a aplicação do regime não se inicia no primeiro dia do período de tributação, mas apenas no final do período de tributação.

De referir que a alínea a) do n.º 7 do artigo 69.º do CIRC é absolutamente inequívoca relativamente a esta matéria «No caso de opção pela aplicação do regime, até ao fim do 3.º mês do período de tributação em que se pretende iniciar a aplicação.» (nosso sublinhado).

Deste modo, é evidente que apesar da comunicação se efetuar até ao final do mês de março, no caso de sociedades que adotem um período de tributação coincidente com o ano civil, o mesmo produz efeitos a 1 de janeiro do período de tributação em que é efetuada a referida comunicação, iniciando-se a aplicação do regime nesta data.

Se assim não fosse, no primeiro período de tributação não se aplicariam as especificidades constantes da alínea e) do n.º 1 do artigo 97.º do CIRC - Dispensa de retenção na fonte sobre rendimentos auferidos por residentes, n.º 4 do artigo 105.º-A CIRC - Cálculo do pagamento adicional por conta), n.º 12 do artigo 106.º do CIRC - Pagamento especial por conta,

Parece-nos igualmente completamente absurdo que a sociedade dominante comunique em março de 2013, a inclusão de uma sociedade, com efeitos já para o referido período de tributação, sem que à referida data se demonstrem cumpridos os requisitos de detenção.

De salientar que no limite a referida sociedade poderá nunca cumprir o referido requisito temporal de dois anos, caso a dominante aliene a referida participação após a data da comunicação da inclusão da sociedade. Como se poderá defender a aplicação do referido regime especial, designadamente as regras previstas nos artigos 97.°, 105.°-A e 106.º do CIRC a uma sociedade que nunca cumpriu com os requisitos previstos no n.º 4 do artigo 69.º do CIRC? O apuramento do lucro consolidado é apenas uma das consequências do RETGS, contudo há outros momentos anteriores, ao termo do período de tributação, em que o mesmo tem efeitos fiscais.

Mais uma vez se reitera que, conforme expressamente estabelece a referida norma, a sociedade tem que cumprir com todos os referidos requisitos durante todo o período de aplicação do regime especial de tributação, o que não se verifica no caso em concreto, tendo em consideração que até 22 de junho de 2013 a sociedade não cumpria com o disposto no artigo na alínea c) do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC, conforme referido no projeto de relatório de inspeção.

Em face do exposto, não se verifica qualquer motivo para alterar o entendimento vertido no projeto de relatório, pelo que se mantêm as correções propostas.

(…)”

10. O relatório de inspecção tributária foi notificado à impugnante através do ofício datado de 15 de Novembro de 2017 (cfr. fls. 158 do PA);

11. Com data de 22 de Novembro de 2017, foi emitida a demonstração de liquidação de IRC com o número 2017 8310032606, relativo ao exercício de 2013, onde foi apurado valor a pagar de € 68.663,53, (cfr. documento 1 junto com a p.i.).».

Na decisão recorrida foi ainda referido de que «inexistem factos não provados com relevância para a decisão a proferir.

[…]».


2. Questões a decidir
A questão que se coloca no presente recurso é a da correcta interpretação do modo de contagem do prazo de dois anos referido na alínea c) do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC.
Previamente, há ainda que conhecer da alegada violação do artigo 639.º do CPC (aqui aplicável ex vi do disposto na alínea f) do artigo 2.º do CPPT), que justificaria a rejeição do recurso.


3. De direito
3.1. Da violação do artigo 639.º do CPC

Alega o Recorrido que o recurso interposto pela Fazenda Pública viola o disposto no n.º 1 e na alínea b) do n.º 2 do artigo 639.º do CPC, razão pela qual deve ser rejeitado. Mas sem razão.

O n.º 1 do artigo 639.º do CPC contempla o ónus de formular conclusões, o qual se encontra cumprido, como resulta da transcriação das conclusões recursivas a que procedemos no início desta decisão judicial, pelo que o fundamento de rejeição do recurso com base nesta norma legal é manifestamente improcedente.

Em segundo lugar, o Recorrido alega também que a Recorrente não indica, como exige a alínea b) do n.º 2 do artigo 639.º do CPC, “o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão, deviam ter sido interpretadas e aplicadas”. Mas também sem razão. Com efeito, do que vem alegado e das conclusões de recurso resulta evidente que a Recorrente discorda da interpretação que a sentença recorrida fez da contagem dos prazos previstos na alínea c) do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC, sendo esse o fundamento do alegado erro de julgamento que aqui cumpre apreciar.

Inexistindo fundamentos que obstem ao conhecimento do recurso, é isso que faremos em seguida.

3.2. Do alegado erro de julgamento na interpretação e aplicação da alínea c) do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC

3.2.1. A questão controvertida diz respeito à aplicação do RETGS, previsto no artigo 69.º do CIRC, na redacção de 2013, data a que se reporta o facto tributário, e, mais precisamente, ao modo de contagem do prazo de dois anos previsto na alínea c) do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC. Na norma legal aqui em discussão estipula-se que “[N]ão podem fazer parte do grupo as sociedades que, no início ou durante a aplicação do regime, se encontrem nas situações seguintes (…) [R]egistem prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao do início da aplicação do regime, salvo, no caso das sociedades dominadas, se a participação já for detida pela sociedade dominante há mais de dois anos (…)”.

3.2.2. Da factualidade assente resulta que a B............, SA foi adquirida pela A………… ……, SGPS, SA em 22 de Junho de 2011 e que a mesma B............ entregou a declaração Modelo 22 de IRC referente aos exercícios de 2010, 2011 e 2012, no regime geral de tributação, tendo declarado prejuízo fiscal nos três anos.

A divergência entre o sujeito passivo e a AT, patente na leitura do excerto do RIT, transcrito no ponto 9 da matéria de facto assente, resulta de a AT considerar que o resultado do exercício de 2013 da B............, SA não pode integrar o resultado do grupo, uma vez que, tendo registado prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores, seria necessário que a sua participação fosse detida pela sociedade dominante há mais de dois anos, o que não sucedia, uma vez que aquele prazo de dois anos se contava desde o início do período de tributação, ou seja 1 de Janeiro de 2013. Já o sujeito passivo considerava que podia integrar o resultado do grupo, uma vez que o referido prazo de dois anos estipulado na alínea c) do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC se contava a partir do fim do período do exercício fiscal em causa.

3.2.3. Na sentença recorrida, o TAF do Porto concluiu que “[…] o momento temporal para aferir do cômputo temporal de dois anos de detenção das participações sociais será o último dia do exercício económico, por corresponder ao momento em que se forma o facto tributário […]”.

3.2.4. A questão aqui em apreço – a da determinação do momento temporal relevante para a aferição dos dois anos de participação, tem de fazer-se apelo a uma interpretação sistemática da alínea c) do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC – foi recentemente objecto de análise e decisão por este Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 23 de Junho de 2021 (proc. 0393/18.3BEPRT), e aí se concluiu e sumariou o seguinte:

« I - Nesta situação, em que está em causa o momento temporal relevante para a aferição dos dois anos de participação, tem de fazer-se apelo a uma interpretação sistemática da alínea c) do nº 4 do artigo 69º do CIRC, no sentido que deve ser interpretada em consonância com os requisitos previstos nos nºs 2 e 3 do mesmo preceito legal, tendo presente que aí o legislador definiu os critérios de aplicação do regime, entre os quais o da alínea b) do nº 3, em que se exige que a detenção da participação pela sociedade dominante ocorra há mais de um ano, estabelecendo-se no 2º segmento da norma que a contagem desse prazo se faça com referência à data em que se inicia a aplicação do regime.

II - Por seu lado, o 2º segmento da alínea c) do nº 4 exige apenas um prazo mais longo dessa detenção por parte da sociedade dominante - dois anos - nos casos em que a sociedade a incluir registe prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao do início da aplicação do regime, de modo que, sendo este segmento da norma uma excepção à excepção prevista nesse normativo (no nº 4 prevêem-se os casos em que se afasta a aplicação do regime previsto nos números anteriores), ele tem que ser interpretado em consonância com os elementos previstos nos nºs 2 e 3 do mesmo preceito, que constituem a regra geral, o que equivale a dizer que, constando da regra geral prevista na alínea b) do nº 3 que o prazo de detenção da participação pela sociedade dominante se conta “com referência à data em que se inicia a aplicação do regime”, como já ficou dito, não se mostra necessário que na alínea c) do nº 4, em que se prevê mais um caso de aplicação do regime, se repita de novo esse elemento aferidor.

III - Assim sendo, temos de concluir que o momento temporal relevante para a aferição dos dois anos de detenção da participação por parte da sociedade dominante, nos casos em que a sociedade a incluir no perímetro do grupo tenha registado prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao do início da aplicação do regime, se faz por referência ao primeiro dia do exercício fiscal em que se inicia a aplicação do regime».

Como resulta da decisão que acabamos de referir e para a qual aqui remetemos nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 663.º do CPC [aplicável ex vi do disposto no artigo 2.º, al. e) do CPPT], dispensando-nos de juntar cópia, uma vez que o texto se encontra disponível, na íntegra, em www.dgci.pt, inexistindo no caso razões de facto que nos levem a não reiterar e aplicar aqui aquela decisão “o momento temporal relevante para a aferição dos dois anos de detenção da participação por parte da sociedade dominante, nos casos em que a sociedade a incluir no perímetro do grupo tenha registado prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao do início da aplicação do regime, se faz por referência ao primeiro dia do exercício fiscal em que se inicia a aplicação do regime”, ou seja, vertendo esta solução para o caso dos autos, cabe concluir que esse momento seria o dia 1 de Janeiro de 2013.

Assim, tem razão a Recorrente quanto ao não preenchimento do prazo de dois anos exigido pela alínea c) do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC e, nessa medida, quanto à impossibilidade de aplicação ao caso dos autos do regime de RETG no exercício de 2013 em relação a esta sociedade.



III - Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a impugnação.


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Custas pela Recorrida em ambas as instâncias.
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Lisboa, 9 de Dezembro de 2021. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.