Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01126/11
Data do Acordão:10/16/2013
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
Sumário:A admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27.º, alínea b) do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, depende de existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito, sendo que a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade das questões suscitadas e resolvidas, perante quadro legal substancialmente idêntico e substancial identidade das situações fácticas.
Nº Convencional:JSTA000P16418
Nº do Documento:SAP2013101601126
Data de Entrada:05/29/2013
Recorrente:A....
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- Relatório -

1 – A…….., com os sinais dos autos, não se conformando com o acórdão deste Supremo Tribunal de 7 de Novembro de 2012 (a fls. 115 a 129 dos autos), que concedeu provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 14 de Novembro de 2011, que julgou procedente impugnação judicial deduzida pelo ora recorrente contra liquidação de IMI respeitante ao ano de 2003, no valor de €1.325,05, vem, nos termos dos artigos 27º n.º 1 al. b) do ETAF e 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), interpor recurso para este Supremo Tribunal, por oposição com o acórdão também do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de Abril de 2012, proferido no recurso n.º 036/12 (junto a fls. 185 a 194 dos autos), na parte em que o mesmo julgou que o acto impugnado não padece de falta de fundamentação.
O recorrente apresentou (a fls. 153 a 158 dos autos) alegações tendentes a demonstrar a alegada oposição de julgados, não tendo a Fazenda Pública contra-alegado.
Por despacho de 16 de Janeiro de 2013 (fls. 161) do Exmo Conselheiro Relator veio o recurso a ser admitido, no entendimento de que poderia verificar-se a apontada oposição de julgados, ordenando-se em consequência a notificação das partes para as alegações sucessivas, nos termos do n.º 5 do art. 284.º do CPPT.
O recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

1.ª – Vai este recurso interposto para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo no seguimento do douto despacho de fls. 161 que deu por verificada a oposição que, sobre a mesma questão fundamental de direito, resultou do julgamento feito pelo acórdão de 7 de Novembro de 2012, dado no processo referenciado supra (acórdão recorrido) e pelo acórdão de 19 de Abril de 2012, dado no processo n.º 36/12-30 (acórdão fundamento), sendo ambos os acórdãos da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal.
2.ª – A questão fundamental de direito a que os acórdãos em oposição dão solução oposta é a seguinte:
- Os elementos constantes do documento de cobrança do imposto municipal sobre imóveis (IMI) são ou não suficientes para dar cumprimento às exigências legais de fundamentação no que se refere, designadamente, à determinação do valor patrimonial tributário?
3.ª – Decidiu o acórdão recorrido que o acto tributário notificado pelo documento de cobrança do IMI, de 2003 (fls. 14), não padece de falta de fundamentação.
4.ª – Por sua vez, o acórdão fundamento decidiu que o acto tributário notificado pelo documento de cobrança do IMI, de 2004 (fls. 12 do proc. n.º 36/12-30), documento com dizeres em tudo idênticos ao documento referido na conclusão 3.º, está insuficientemente fundamentado, o que consubstancia vício de forma que determina a sua anulação.
5.ª – Para a mesma questão fundamental de direito têm os dois acórdãos citados soluções opostas.
6.ª – No entendimento do Recorrente é a decisão constante do acórdão fundamento – ao considerar que o acto tributário, tal como notificado pelo documento de cobrança, está insuficientemente fundamentado – a que melhor interpretação faz do Direito aplicável.
7.ª – Isto porque, tratando-se de acto em que a fundamentação é legalmente exigida (arts. 268.º/3 da CRP, 77.º/2 da LGT e 124.º/1-a) do CPA), tem (a fundamentação) de assumir a modalidade de fundamentação contextual.
8.ª – Foi a desconsideração, no caso, da fundamentação contextual do acto que levou a que no acórdão recorrido se tivesse afirmado que ao ora Recorrente foi dado a conhecer das razões em que assentou a liquidação do IMI impugnado e do itinerário cognoscitivo e valorativo de quem tomou a decisão.
9.ª – Só que esse conhecimento não foi dado pelo documento de cobrança (fls. 14),
10.ª – como se julgou no acórdão fundamento.
11.ª – O conhecimento que foi dado ao Recorrente ocorreu em momento posterior ao recebimento do documento de cobrança
12.ª – e reportou-se exclusivamente a um só dos pontos invocados na impugnação judicial – o da actualização do valor patrimonial tributário do imóvel.
13.ª – Foi, de todo o modo, uma explicação não contextual, meramente parcial, que não deu a conhecer ao Recorrente todas as operações que levaram à fixação daquele concreto valor patrimonial tributário, nem à aplicação da taxa concretamente aplicada.
14.ª – Fora de qualquer dúvida está que o documento de cobrança de flas. 14 contenha os dizeres que levem qualquer contribuinte a ficar ciente do itinerários cognoscitivo e valorativo de quem praticou o acto notificado por aquele documento.
15.ª – O que, deve dizer-se em nota final, é absolutamente inaceitável quando, como no caso, se trata da primeira notificação/liquidação/cobrança de um imposto novo, instituindo regras novas, algumas delas de considerável complexidade, que continuam, aliás, a suscitar justificada controvérsia na jurisprudência e na doutrina.
16.ª – Em suma, não foi a melhor interpretação e aplicação que o acórdão recorrido fez das normas, entre outras, dos artigos 268.º, n.º 3, da CRP; 77.º, n.º 2 da LGT; 124.º, n.º 1, alínea a), e 125.º, n.º 2 do CPA, quando considerou fundamentado o acto tributário de liquidação do IMI, ano de 2003, tal qual consta do respectivo documento de cobrança, nos autos a fls. 14, contrariamente ao julgamento feito, sobre a mesma questão fundamental de direito, pelo acórdão fundamento.
Termos em que, sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser proferida decisão que mantenha a doutrina do acórdão fundamento, para que assim se cumpra a LEI e faça JUSTIÇA.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal emitiu o parecer de fls. 181 a 183 dos autos, no qual se pronuncia no sentido da existência de oposição de acórdãos e, quanto ao mérito, pelo provimento do recurso, revogando o acórdão recorrido e confirmando a sentença de 1.ª instância, que anulou a liquidação sindicada por vício de forma por falta de fundamentação.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -

4 – Questões a decidir
Importa averiguar previamente se, no caso dos autos, estão reunidos os requisitos de admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos, cuja não verificação impede o conhecimento do presente recurso.

Concluindo-se no sentido da verificação daqueles requisitos, haverá então que conhecer do seu mérito.

5 – Matéria de facto
No acórdão recorrido encontram-se fixados os seguintes factos:

1 - O impugnante é comproprietário em uma terça parte do prédio urbano inscrito na matriz sob o artº 00313.
2 – Pelo documento de cobrança nº 2003300976303 foi notificado para proceder ao pagamento do IMI, com respeito ao ano de 2003, cfr. 14 destes autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida.

3 – O valor patrimonial atribuído à fracção identificada em 1), foi de € 165.129,00,cfr. fls.12 destes autos.
4. – Em 26 de Julho de 2004 o impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação do IMI do ano 2003 nos termos constantes de fls. 15 destes autos e que aqui se dá por reproduzida.
5. – A reclamação graciosa foi indeferida conforme despacho constante destes autos e que aqui se dão por reproduzidas.
6. – Em 21 de Janeiro de 2005, foi apresentada a presente impugnação judicial, cfr. fls. 2 destes autos.
7. – Dão-se aqui por reproduzidos os documentos de fls. 24 a 32 destes autos e que respeitam ao contrato de arrendamento e recibo de uma renda.

Por sua vez, é do seguinte teor o probatório constante do acórdão fundamento:

1. O Impugnante foi notificado por invólucro mensagem com o n.º de documento 2004 206120303 da liquidação de IMI do ano de 2004, com o valor total de € 664,52, do qual consta, entre o mais, o seguinte: [reproduz-se o teor do doc. de fls. 12 dos autos] - cfr. doc. de fls. 12 dos autos.

2. Consta de fls. 16 e 17 do p.a. apenso aos autos a matriz predial referente ao artigo urbano n.º 313, freguesia de …, Porto, da qual consta o Impugnante como titular de 1/3 dos rendimentos inscritos, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. – cf. docs. de fls. 16 e 17 do p.a. apenso aos autos.

3. Por escritura pública celebrada em 9.12.1986, B……, por si e em representação do aqui Impugnante e esposa C……, e D……, declararam dar de arrendamento a E……, Lda., ali representada por F…… e G……, o rés-do-chão, com Entrada pelos números … a … do prédio urbano sito na Rua …, n.º … a …, freguesia de …, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 313.
- cfr. doc. de fls. 15 a 22 dos autos.

4. Da escritura referida no ponto anterior consta, entre o mais, que “o prazo de duração é de um ano, considerando-se prorrogado por iguais períodos, e teve o seu início em 1 de Maio do corrente ano”. - cfr. doc. de fls. 15 a 22 dos autos.

5. Consta de fls. 23 dos autos “Recibo/Renda n. º 5/1989” emitido por A…… e outros, para liquidação de R. …, …, r/c, 4000 Porto, no valor de 133.455$00 e referente ao mês de Janeiro. – cfr. doc. de fls. 23 dos autos».


6 – Apreciando.
6.1 Dos requisitos de admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos

Alega o recorrente que o acórdão recorrido e o acórdão fundamento decidiram de forma oposta a questão de saber se os elementos constantes do documento de cobrança do imposto municipal sobre imóveis (IMI) são ou não suficientes para dar cumprimento às exigências legais de fundamentação no que se refere, designadamente, à determinação do valor patrimonial tributário.
Ora, não obstante o Relator do acórdão recorrido ter proferido despacho em que afirma que se lhe afigura que tal oposição de julgados se pode verificar (cfr. despacho de fls. 161 dos autos), importa reapreciar se a mesma se verifica, já que tal decisão, como vem sendo jurisprudência pacífica e reiterada deste Supremo Tribunal (vide, entre outros, o Acórdão de 7 de Maio de 2003, rec. n.º 1149/02), não só não faz caso julgado, como não impede ou desobriga o Tribunal de recurso de a apreciar (cfr. art. 641.º n.º 5 do Código de Processo Civil - CPC) – cfr. também neste sentido JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário: Anotado e Comentado, volume IV, 6.ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2011, p. 482 (nota 15 c) ao art. 284.º do CPPT).

O presente processo iniciou-se no ano de 2005, pelo que lhe é aplicável o regime legal resultante do ETAF de 2002, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, e 4.º, n.º 2, da Lei n.º 13/2002 de 19 de Fevereiro, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 107-D/2003 de 31 de Dezembro.

Assim, a admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27.º, alínea b) do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), depende de existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.

No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição, quais sejam:

- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
- a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta (Acórdãos do Pleno desta Secção do STA de 26 de Setembro de 2007, 14 de Julho de 2008 e de 6 de Maio de 2009, recursos números 452/07, 616/07 e 617/08, respectivamente).

A alteração substancial da regulamentação jurídica relevante para afastar a existência de oposição de julgados verifica-se «sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica» (v. Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 19 de Junho de 1996 e de 18 de Maio de 2005, proferidos nos recursos números 19532 e 276/05, respectivamente).

Por outro lado, a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, op. cit., p. 474 – nota 14 a) ao art. 284.º do CPPT - e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Abril de 1995, proferido no recurso n.º 87156).

Vejamos, então, se tais pressupostos se verificam.

Tanto no Acórdão recorrido, como no fundamento, estava em causa apreciar da suficiente fundamentação da liquidação de IMI notificada ao sujeito passivo, em especial quanto ao valor patrimonial tributário dela constante. Como alega o recorrente eram idênticos os “dizeres” constantes das liquidações respectivas, sendo que o Acórdão recorrido julgou inverificado o vício de falta de fundamentação, revogando a sentença recorrida que decidira verificar-se tal vício, e o Acórdão fundamento julgou-o verificado, confirmando a sentença de 1.ª instância que assim julgara.

Há, porém, que atender que as situações de facto subjacentes a um e outro Acórdão não são idênticas, tendo estas influenciado decisivamente o julgamento efectuado pelo Supremo Tribunal Administrativo num e noutro caso.

É que, enquanto no acórdão fundamento, estava em causa pura e simplesmente o recurso de uma decisão judicial proferida numa impugnação judicial da liquidação de IMI, no acórdão recorrido entendeu-se estar em causa a impugnação do indeferimento de reclamação graciosa tendo por objecto o acto de fixação do valor patrimonial do imóvel – pois que se em causa estivesse directamente a impugnação do acto de liquidação de IMI esta seria intempestiva -, razão pela qual o acórdão recorrido deu relevo ao facto de no âmbito do procedimento de reclamação o contribuinte ter sido devidamente informado dos fundamentos da liquidação quanto à determinação do valor patrimonial tributário, não podendo, pois, e atentas as circunstâncias, em impugnação desse indeferimento – que não directamente da liquidação – invocar o vício de falta de fundamentação da liquidação.

É isto que decorre na fundamentação do Acórdão recorrido, onde se consignou, e passamos a transcrever:

«No caso subjudice está em causa a fundamentação da liquidação de IMI, nomeadamente saber se foram satisfeitas as exigências legais de fundamentação no que se refere à determinação do valor patrimonial tributário.
Como se viu a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto considerou que, após a análise da nota de liquidação do IMI, não foi possível aferir da razão da atribuição dos valores patrimoniais das fracções em causa, “desconhecendo-se se os mesmos decorrem da aplicação dos coeficientes constantes da Portaria 1337/2003 de 05/12, como defende a Fazenda Pública “e também se aquele valor patrimonial foi apurado nos termos do regime transitório do artº 16º ou 17º de decreto-lei 287/2003, de 12/11 -cfr. fls. 79 nos autos.
Parece-nos que aqui não andou bem a sentença recorrida, incorrendo em manifesto erro de julgamento.

Com efeito em sede de IMI são os actos de fixação de valores patrimoniais que servem de base à liquidação do imposto.

Nos termos dos artigos 134º, nº 7 do CPPT e 86º, nºs. 1 e 2 da Lei Geral Tributária, a impugnação de actos de fixação do valor patrimonial depende do prévio esgotamento dos meios administrativos de revisão previstos no procedimento de avaliação (princípio da exaustão dos meios graciosos).
Sendo que, por outro lado, de acordo com os ns. 1 e 2 do referido artº 134º os actos de fixação de valores patrimoniais podem ser impugnados autonomamente, com fundamento em qualquer ilegalidade

Trata-se, pois, de actos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa.
No caso em apreço como se constata dos autos de reclamação apensos, o recorrido, tendo sido notificado, pelo documento com a referência 2003 300976303, do valor patrimonial tributário, da taxa tributária e da colecta apurados para efeitos de imposto municipal sobre imóveis referente ao ano de 2003, relativamente ao prédio em causa nos presentes autos, não aceitando o valor patrimonial fixado nem, reflexamente, a colecta liquidada, deduziu reclamação graciosa para o Director de Finanças do Porto, nos termos do disposto no art. 20.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro.
Nessa reclamação, o reclamante, e ora recorrido, invocou duas ilegalidades, a saber
: a) erro de facto e de direito, dizendo que a aplicação ao valor da matriz (€ 729,54) dos coeficientes de actualização previstos na Portaria nº 1337/2003, nos termos do nº 4 do artigo 16º do DL nº 287/2003, dá um valor patrimonial de €2.582.58 e não de €166.129.00, como está referido na notificação da liquidação; b) falta de fundamentação, porque a notificação não se refere, ainda que de forma sumária, «à razão porque os valores patrimoniais tributários são os que constam daquele documento de cobrança, desconhecendo a Reclamante, porque lhe não foram notificadas as operações de apuramento da matéria tributável» (cfr. doc. de fls. 2 a 7 do autos apensos).
Mais se constata daqueles autos que, na sequência desta reclamação foram produzidos diversos de actos procedimentais, designadamente, proposta de decisão, projecto de decisão, defesa escrita e decisão final, que esclarecem concretamente os motivos de facto e de direito que estão na base na liquidação do IMI impugnado.
Na verdade, sobre a reclamação foi emitida pelo Chefe de Finanças Adjunto uma «proposta de decisão» no sentido do indeferimento do pedido do reclamante, com a seguinte fundamentação:
Analisados os elementos existentes no processo, verifica-se o seguinte:
1. Em 1989/02/10, foi entregue uma declaração de prédio urbano total ou parcialmente arrendado, referente às rendas recebidas durante o ano de 1988, do artigo urbano inscrito sob o art. 331 da freguesia da ……… conforme fotocópia a fls. 11 dos autos.
2. O valor total das rendas convencionadas foi de 19.802,62 €, que depois de deduzido 15% de despesas de conservação deu origem a um rendimento colectável de 16.832,23 €, conforme consta da fotocópia da matriz a fls. 12 e 13 dos autos.
3. Com a entrada em vigor do Código da Contribuição Autárquica, o referido rendimento colectável foi convertido em valor patrimonial (16.832,23€ x 15), que passou a ser de 252.483, 37€.
Conforme dispõe o nº 5 do art. 16º do D.L. nº 287/2003 de 12/11, “no caso de prédios urbanos arrendados que o deixaram de estar até 31 de Dezembro de 1988, é aplicado ao valor patrimonial resultante da renda o coeficiente correspondente ao ano a que respeita a última actualização da renda”.
Assim e conforme se encontra determinado, o valor patrimonial para efeitos de IMI, foi calculado partindo do valor patrimonial inicial, apurado com base na última declaração de rendas entregue no ano de 1989 referente ao ano de 1988, actualizado com base nos coeficientes de desvalorização da moeda previstos na Portaria nº 1337/2003 de 05/12, (252.483,37€ x 1.97) de onde resultou o valor patrimonial actualizado é de 497.392,24€. Como a reclamante é proprietária de apenas 1/3 do referido artigo, o IMI devido no ano de 2003 é de 662.53 € (497.392,24€ : 3 x 0,80% : 2 )” - cfr. doc. de fls. 16 do autos apensos.
Sobre essa proposta emitiu o Chefe de Serviços de Finanças um «projecto de decisão» do seguinte teor:
«O pedido de fls. 2 foi feito em tempo e com legitimidade, no entanto, face à informação e proposta de decisão a fls. 15 e 16, cujos elementos dou aqui por reproduzidos, INDEFIRO-O considerando que a actualização prevista no artigo 16º do DL 287/2003 de 12/11 foi feita tendo em conta os valores patrimoniais do prédio em causa e por base a última declaração de rendas e não, como pretende, em função do rendimentos colectáveis.
Notifique o reclamante nos termos e para os efeitos da alínea b) do artigo 60º da Lei Geral Tributária, esclarecendo-o de que a sua participação na formação do acto administrativo poderá ser feita no prazo de 15 dias, por escrito” – cfr. doc. de fls. 17 dos autos apensos.
O reclamante exerceu o direito de audiência prévia, começando por dizer que «entende perfeitamente a proposta de decisão de fls. 16, embora dela discorde», e que considera “ininteligível” o projecto de decisão, por não pretender que o valor patrimonial seja calculado em função dos «rendimentos colectáveis», mas que seja calculado e fixado de acordo com o nº 4 do artigo 16º do DL nº 287/2003 e que, no caso em apreço, não tem aplicação o nº 5 do desse artigo.
Subsequentemente foi emitido despacho de indeferimento da reclamação nos seguintes termos:
Cumprido o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 60º da LGT, foi apresentada a petição de fls. 19 a 22, mas sem que dela resultem elementos novos pelo que, nos termos do artigo 75º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e por força do artigo 27º do D.L. 366/99 de 18/9, INDEFIRO o pedido tendo em conta o seguinte:
1º - O projecto de decisão a fls. 17, pese embora nele se considerem os elementos constantes da proposta de fls. 15 e 16, na parte final do seu 1º parágrafo induz, efectivamente, em confusão.
2º - Desta forma, impõe-se clarificar a decisão: - O Valor Patrimonial Tributário alvo da presente reclamação foi encontrado tendo subjacente o regime de actualização dos valores patrimoniais previsto no DL 287/2003 de 12/11, isto é, tomou-se por base a última declaração de rendas entregue em 1989 e reportada a 1988 (nº 5 do artigo 16º).
- No ponto 10 da referida petição, põe em causa a norma que lhe foi aplicada considerando que “Se é compreensível a distinção entre prédios não arrendados (art.16º) e prédios arrendados (art.17º), para efeito de determinação do respectivo valor patrimonial, já se compreenderia com dificuldade a necessidade de criar uma terceira categoria - a de prédios que estiverem arrendados mas que o deixem de estar até 31 de Dezembro de 1988” - “sic”.
- Penso que aqui reside a divergência entre a actualização que foi efectuada e aquela que defende o reclamante, na medida em que este regime transitório efectivamente só contempla dois tipos de situações, ou seja, os prédios arrendados e os não arrendados, incluindo-se neste últimos os que deixaram de estar arrendados até 31/12/88, a cujo valor patrimonial resultante da renda é aplicado o coeficiente do ano a que respeita a última actualização da renda (artigo 16º/5).
Aliás, mesmo que os prédios continuassem arrendados depois de 31/12/88, a sua actualização continuava a ser efectuada pelo regime dos não arrendados nos termos do artigo 16º, a não ser que reunissem as condições previstas no artigo 17º".
Da recensão de peças processuais atrás efectuada forçoso é concluir que não subsistem dúvidas de que o reclamante teve possibilidade de conhecer das razões de facto e de direito que estão na base pressupostos em que assentou a liquidação do IMI impugnado e bem assim de conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo de quem tomou tal decisão.
Na verdade o reclamante insurgiu-se contra o facto do IMI ter sido actualizado com base na norma do nº 5 do artigo 16º do DL nº 287/2003 e não com base na norma do nº 4 do mesmo artigo.
Argumentou para o efeito que o prédio continuou arrendado após 31 de Dezembro de 1988 e por isso a norma do nº 5 daquele artigo não pode ser aplicada, reiterando tal discurso argumentativo já na impugnação judicial (cf. petição inicial).
Teve oportunidade de participar, e participou, no procedimento de reclamação graciosa.

Por sua vez a Administração Fiscal, na decisão do procedimento de reclamação graciosa, sustenta que a actualização deve ser feita nos termos do nº 5, porque
nos prédios não arrendados devem incluir-se aqueles que o deixaram de estar após 31/12/1988, caso não se verifiquem os requisitos do artigo 17º.
Como se vê, o acto que tornou definitiva a liquidação, e que é objecto de impugnação, dá a conhecer a um destinatário normal e razoável a razão pela qual a actualização deve ocorrer nos termos do nº 5 e não do nº 4.
Não há, pois, qualquer obscuridade, contradição ou insuficiência na exposição dos fundamentos de facto e de direito do acto impugnado, que não padece de falta de fundamentação.
Sucede, porém, que a sentença recorrida cai em erro de julgamento quando conclui pela falta de fundamentação e atende exclusivamente aos elementos constantes do documento de cobrança do IMI, sendo certo que o acto impugnado é, e só pode ser, o acto que decidiu a reclamação.
Efectivamente, e como se constata da petição inicial o recorrido veio deduzir impugnação judicial da decisão do Sr. Chefe do Serviço de Finanças do Porto que recaiu sobre o procedimento de reclamação graciosa, fazendo-o ao abrigo do disposto no artº 102º, nº2 do Código de Procedimento e Processo Tributário (Tendo em conta a data em que a impugnação judicial foi introduzida em juízo, só o acto que decidiu a reclamação poderia ser objecto de fiscalização, pois nessa data já se havia esgotado o prazo de impugnação relativamente ao acto primário.), facto que a sentença parece ter olvidado.
Ora no caso, e como vimos, sendo a fundamentação um requisito formal da decisão, que não se confunde com o seu conteúdo, não pode deixar de se entender que o impugnante teve conhecimento, no âmbito do processo de reclamação graciosa, de forma acessível, clara, congruente e suficiente, do juízo que a administração tributária efectuou para decidir no sentido em que decidiu
(Ver também neste sentido o recente Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 10.10.2012, recurso 277/12, que tratou de caso em tudo idêntico, até nos pressupostos de facto, ao dos presentes autos, e cuja argumentação jurídica vimos acompanhando, por com ela concordarmos.).
A sentença recorrida, que assim não entendeu, não pode, pois, ser confirmada, pelo que procede o recurso.» (fim de citação; destacados nossos).


Ora, o circunstancialismo de facto subjacente ao Acórdão recorrido não tem paralelo com o fixado no acórdão fundamento, onde, como se disse já, está em causa o recurso de uma decisão proferida em impugnação judicial da liquidação, não havendo no probatório fixado qualquer referência a uma anterior reclamação graciosa do acto de fixação do valor patrimonial no âmbito da qual o contribuinte tenha sido informado do que quer que seja.

Assim, julgamos que o facto de o STA ter dado respostas divergentes quanto à suficiência da fundamentação das liquidações de IMI num e noutro caso resulta da ponderação de circunstâncias de facto diversas, razão pela qual se julga não haver oposição juridicamente relevante que determine o prosseguimento do presente recurso.

Consequentemente, vai este julgado findo.

- Decisão -

6 – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em julgar findo o recurso.


Custas pelo recorrente.
Lisboa, 16 de Outubro de 2013. – Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) – Dulce Manuel da Conceição Neto – João António Valente Torrão – Joaquim Casimiro Gonçalves – José da Ascensão Nunes Lopes – Pedro Manuel Dias Delgado.