Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02514/21.0BEPRT
Data do Acordão:03/14/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CONCURSO DE CONCEPÇÃO
Sumário:Por se tratar de assunto social e juridicamente relevante que tem grande repercussão na comunidade e que, sobretudo, quanto à alegada necessidade de realização da formalidade da audiência prévia dos interessados veio a ser objecto de um tratamento pouco consistente pelo acórdão recorrido, justifica-se admitir a revista interposta deste acórdão, proferido sobre o concurso público internacional de concepção para a elaboração do projecto de execução da ponte do metro sobre o Rio Douro e acessos entre Porto e Vila Nova de Gaia.
Nº Convencional:JSTA000P32023
Nº do Documento:SA12024031402514/21
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:B..., S.A. E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:


1. A..., LDA., intentou, no TAF, acção administrativa de contencioso pré-contratual, contra a B..., S.A. e em que eram contra-interessadas a C..., LDA., a D..., S.A e a E..., LDA, onde pediu que:
«a) conhecida e declarada a nulidade/anulabilidade das decisões do Júri (relatório final) e da decisão final da Ré e da decisão da Ré que indeferiu a impugnação da Autora (docs. 3, 3-A e 5), de não adjudicar a proposta da Autora e de adjudicar a proposta das aqui contrainteressadas, no concurso público internacional denominado de “conceção para a elaboração do projecto de execução da ponte sobre o rio Douro e acessos entre o Porto (Campo Alegre) e Vila Nova de Gaia (Candal)” tudo com as legais consequências;
b) conhecida e declarada a nulidade do contrato, na decorrência do procedimento de concurso público internacional concurso público internacional denominado de “conceção para a elaboração do projecto de execução da ponte sobre o rio Douro e acessos entre o Porto (Campo Alegre) e Vila Nova de Gaia (Candal)” celebrado entre a Ré e alguma das contrainteressada, com as legais consequências;
c) condenar a Ré a selecionar a proposta da Autora em primeiro classificado e a se lecionar para a fase de ajuste directo, com as legais consequências;
d) condenar a Ré à adopção das condutas necessárias ao restabelecimento dos direitos e interesses violados, com as legais consequências;
e) condenar a Ré a pagar uma indemnização à Autora no valor de € 150.000,00 para ressarcimento de todos os danos e prejuízos que lhe foram causados pelos actos ilícitos supra referidos.»
Foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente a acção e o pedido de reenvio prejudicial formulado pela A., absolvendo-se a entidade demandada e as contra-interessadas dos pedidos.
O A apelou para o TCA-Norte, o qual, por acórdão de 15/12/2023, “negou provimento ao recurso, confirmando as decisões recorridas”.
É deste acórdão que o A. vem pedir a admissão do recurso de revista.

2. Tem-se em atenção a matéria de facto considerada pelo acórdão recorrido.

3. O art.º 150.º, n.º 1, do CPTA, prevê que das decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos possa haver excepcionalmente revista para o STA “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como decorre do texto legal e tem sido reiteradamente sublinhado pela jurisprudência deste STA, está-se perante um recurso excepcional, só admissível nos estritos limites fixados pelo citado art.º 150.º, n.º 1, que, conforme realçou o legislador na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs. 92/VIII e 93/VIII, corresponde a uma “válvula de segurança do sistema” que apenas pode ser accionada naqueles precisos termos.
Além de pedir o reenvio prejudicial, para que coloca questões atinentes à possibilidade de não realização da formalidade da audiência prévia dos interessados, a A., para justificar a admissão da revista, invoca a relevância jurídica e social das questões a apreciar, por versar matérias juridicamente complexas e dotadas de capacidade expansiva e por estar em causa um procedimento de contratação pública que visa a escolha do projecto de engenharia da ponte do metro sobre o Rio Douro, no valor de dois milhões e oitocentos mil euros e com grande impacto, quer mediático quer económico-financeiro, na região. Alega ainda a necessidade de se proceder a uma melhor aplicação do direito, imputando ao acórdão recorrido diversos erros de julgamento, por violação dos seguintes preceitos:
- Art.º 87.º-B, n.º 2, do CPTA, que não era aplicável no caso em virtude de não se ter proferido de imediato a decisão de mérito;
- Art.º 87.º-B, n.º 3, do CPTA, que não permitia dispensar a audiência prévia por não ter sido proferido despacho a identificar o objecto do litígio e a fixar os temas de prova;
- Art.º 90.º, nºs. 1 e 3, do CPTA, por, além de haver matéria de facto controvertida e relevante para a decisão, o despacho de indeferimento de produção de prova não ter fundamentado o juízo conclusivo que formulou sobre a suficiência da prova, sendo violador dos artºs. 20.º, nºs. 1 e 4 e 268.º, n.º 4, ambos da CRP, do art.º 6.º, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, do art.º 47.º, parágrafo 2.º, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e dos artºs. 4.º, n.º 3 e 6.º, do Tratado da União Europeia, o entendimento que basta essa fundamentação genérica para a dispensa de prova;
- Art.º 63.º, do CPTA, quando considerou intempestiva a ampliação da impugnação, independentemente da natureza da invalidade que se imputava e do facto de o processo administrativo ter sido junto através de “pen”;
- Artºs. 123.º, 147.º e 219.º-A, n.º 6, todos do CCP, 121.º a 123.º, do CPA, 266.º, n.º 1, 267.º, n.º 5 e 268.º, todos da CRP, por não ter sido cumprida a formalidade da audiência prévia dos interessados, até porque, em rigor, não se está perante um concurso de concepção a que fosse aplicável os artºs. 219.º e seguintes do CCP, mas face a um procedimento concursal internacional de prestação de serviços no valor de dois milhões e oitocentos mil euros em matéria de engenharia civil de estruturas sujeito a audiência dos interessados, tratando-se, pois, de um procedimento misto, onde há uma 1.ª fase de selecção de 3 propostas onde é entregue a parte inicial do projecto e uma 2.ª fase onde é contratada uma dessas propostas.
Conforme resulta do que ficou exposto, está-se perante assunto social e juridicamente relevante que tem grande repercussão na comunidade e que, sobretudo, quanto à alegada necessidade de realização da formalidade da audiência prévia dos interessados veio a ser objecto de um tratamento pouco consistente pelo acórdão recorrido – que se limitou a remeter para o referido na sentença, afirmando que esta “não carecia de fundamentação acrescida” – quando a solução a adoptar, que poderá ser orientadora em futuros concursos da mesma natureza, terá de avaliar a legislação europeia e, eventualmente, convocar a jurisprudência do TJUE, sendo certo que neste STA já foi proferido um acórdão sobre a matéria no âmbito do mesmo concurso (datado de 19/4/2023, proferido no processo n.º 2524/21.7BEPRT), mas que ainda não existe uma jurisprudência consolidada.
Convém, pois, que o Supremo reanalise o caso que suscita interrogações jurídicas e que tem potencialidade de repetição, justificando-se, assim, que se quebre a regra da excepcionalidade da admissão das revistas.

4. Pelo exposto, acordam em admitir a revista.
Sem custas.

Lisboa, 14 de Março de 2024. – Fonseca da Paz (relator) – Teresa de Sousa – Maria do Céu Neves.