Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01112/12
Data do Acordão:02/20/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:USUCAPIÃO
ISENÇÃO DE IMPOSTO DE SELO
PRINCÍPIO DO ESTADO DE DIREITO
Sumário:I - Quando o legislador veio, no art. 1º, nº 3, do CIS, dizer que para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral são consideradas transmissões gratuitas, designadamente a aquisição por usucapião, não ignorava que a usucapião não consubstancia uma aquisição translativa da propriedade, nem quis alterar essa natureza, visando apenas alargar a base de incidência, equiparando a usucapião às transmissões gratuitas, o que equivale a uma ficção legal para efeitos fiscais.
II - É, portanto, irrelevante o momento da aquisição do direito de propriedade para efeitos do nascimento da obrigação tributária, pois esta se constitui com a transmissão gratuita operada por via da escritura de justificação notarial [al. r) do art. 5º do CIS], incluindo o imposto sobre o acto de aquisição por usucapião.
III - O artº 6º, alínea e), do CIS, ao isentar de imposto de selo o cônjuge ou unido de facto, descendentes e ascendentes, remetendo para as transmissões gratuitas sujeitas à verba 1.2 da tabela geral de que são beneficiários, significa que por mera interpretação declarativa se chega ao resultado de incluir a usucapião nas “transmissões gratuitas” para efeitos da referida isenção.
IV - Deve considerar-se contrário ao princípio da confiança e da certeza e segurança jurídica, enquanto sub-princípios do princípio do Estado de Direito, que o legislador possa utilizar, sobretudo ao nível de normas de isenção fiscal e no âmbito do mesmo imposto, os mesmos conceitos com significados opostos, para daí extrair encargos económicos sobre os contribuintes de forma pouco clara e transparente.
Nº Convencional:JSTA000P15336
Nº do Documento:SA22013022001112
Data de Entrada:10/23/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... E B...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – RELATÓRIO


A…… e B……, contribuintes n° ….. e ……, deduziram impugnação judicial às liquidações de Imposto de Selo n° 115184 e 115186, no montante cada uma delas de 3.960,00€.
Alicerçaram a sua impugnação na consideração de que as liquidações padecem de ilegalidade consubstanciada na violação do direito de propriedade já reconhecido anteriormente e ainda na caducidade do direito de liquidar.
Por sentença de 30 de Maio de 2012, o TAF de Castelo Branco, julgou parcialmente procedente a impugnação, revogando a liquidação quanto à autora, mantendo contudo, relativamente ao autor.

Só a Fazenda Pública reagiu na parte em que decaiu, interpondo o presente recurso, cujas alegações integram as seguintes conclusões:
1.º
A Meritíssima Juiz “a quo” não tem razão na decisão julgar procedente parcialmente a impugnação judicial na parte em que revogou a liquidação do Imposto de Selo efectuada relativamente à autora B……, violando assim, o estatuído no art.°6 alínea e) do CIS o art.° 103.° n.° 2 da CRP.
2.°
Ao ter revogado a aludida liquidação de IS no caso “sub judice”, aplicou erradamente o direito aos factos dados como provados.
Com efeito,
A questão que aqui se coloca é de saber, se aos factos em apreço nos autos, é de aplicar ou não a isenção prevista na alínea e) do art.°. 6.° do Código de Imposto de Selo relativamente à aquisição por usucapião do direito de propriedade, a favor da impugnante B……, operada em 2004-09-23, através da celebração da escritura pública de justificação notarial, na qual é mencionado que o referido prédio lhe foi doado verbalmente em parte, pelos seus pais, sem contudo ter sido reduzida a escrito tal doação.
Considerando que a doação foi feita verbalmente, não se poderá invocar com base em facto translativo da propriedade do imóvel a favor da impugnante, pelos pais da impugnante, através da doação, porque este não ocorreu uma vez que a doação foi feita verbalmente e por conseguinte, por se tratar de um imóvel, a mesma não é válida por falta de forma, art.° 947.° n.° 1 do Código Civil
A aquisição por usucapião, é uma aquisição originária, da qual resulta a inexistência de transmitente do imóvel, por conseguinte,
Está fora do âmbito das transmissões gratuitas a favor de herdeiros legitimários, porque estas pressupõem a existência de um transmitente.
A isenção do imposto de selo, prevista e regulada no normativo do art.° 6.° e) do CIS, contempla as transmissões gratuitas a favor de herdeiros legitimários.
No caso em apreço, a transmissão gratuita do direito de propriedade sobre o imóvel, é resultante da sua aquisição por usucapião a qual tem por base a inexistência de um transmitente.
Entendemos que o caso em apreço não se enquadra no normativo da isenção, previsto no art.° 6.° e) do CIS e consequentemente o tributo liquidado é devido.
10.º
Por outro lado, a Meritíssima Juiz “a quo” ao enquadrar os factos na alínea e) do art.° 6.° do CIS, isentando o acto impugnado de imposto, fez uma interpretação extensiva que as leis fiscais não permitem no tocante às isenções, violando assim o art.° 103.° n.° 2 da CRP.
11.º
Considerando que o legislador, quer, no art.° 1 n.° 3 alínea a) parte final, quer na tabela geral do imposto do selo no seu 1.2 do imposto do selo, menciona a referência “ incluindo a aquisição por usucapião”.
12.°
Não tendo feito tal menção na citada na alínea e) do art.° 6.°, teve a intenção de não abranger as isenções derivadas de aquisições por usucapião, a fim de evitar fraude fiscal.

Nestes termos deve-se conceder provimento ao presente recurso e, revogar, em consequência a sentença recorrida na parte em que revogou a liquidação do IS efectuada à autora, que deverá ser substituída por outra que julgue improcedente a impugnação nessa parte e mantenha válido o acto tributário posto em crise, como será de, JUSTIÇA!

Não houve contra-alegações.

O EMMP pronunciou-se emitindo o seguinte parecer:

FUNDAMENTAÇÃO
Questões decidendas
1ª Questão: sujeição a Imposto de Selo de aquisição de imóvel por usucapião, fundada em posse derivada de anterior doação verbal
2ª Questão: interpretação da norma constante do art.6° al.e) Código do Imposto do Selo (CIS)

1ª Questão
A usucapião é uma forma originária de aquisição do direito de propriedade fundada na posse, que retroage os seus efeitos ao início da posse (arts.1287° e 1288° CCivil)
O momento da aquisição do direito de propriedade por usucapião é o do início da posse (art.1317 al.c) CCiviI)
O Imposto do Selo, contrariamente à antiga Sisa e ao actual IMT, não incide sobre a aquisição do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, antes sobre factos tipificados que revelam a circulação de riqueza (cf. art.1° n°1 CIS; Soares Martinez Direito Fiscal Almedina 203 pp.597 e sgs.)
Por via de uma ficção jurídica, apesar da sua natureza de forma de aquisição originária, a aquisição por usucapião é considerada para efeitos fiscais uma transmissão gratuita, sujeita a Imposto do Selo (art. 1º n°s 1 e 3 al.a) CIS)
O beneficiário da aquisição por usucapião é o sujeito passivo do imposto (art.2° n°2 al.b) CIS)
O imposto constitui encargo do beneficiário, adquirente por usucapião, sendo liquidado à taxa de 10% incidente sobre o valor do bem transmitido (art.3° n°s 1 e °3 al.a) CIS; Tabela Geral do Imposto de Selo verba 1.2)
A obrigação tributária considera-se constituída na data do trânsito em julgado da acção de justificação judicial ou na data da celebração da escritura de justificação notarial (art.5° al.r) CIS)
A incidência real do imposto sobre a aquisição por usucapião não é incompatível com a constituição da obrigação tributária em momento posterior (arts.1° n°s 1 e 3 al. a) e 5 al.r) CIS)
Em consequência da sua natureza de forma de aquisição originária, a validade da usucapião não é inquinada por eventuais vícios que tenham afectado a constituição de anteriores direitos sobre o objecto usucapido.
No caso concreto a invocação da doação verbal do imóvel usucapido na escritura de justificação notarial destina-se apenas a estabelecer a data do início da posse em nome próprio, pacífica, contínua e pública em que radica a aquisição por usucapião (arts.1287° e 1296° CCivil; escritura de justificação notarial fls.21)

2ª Questão
A questão foi apreciada e decidida no acórdão Pleno SCT 2.05.2012 processo n° 746/11
O aresto alinha com a solução adoptada no anterior acórdão STA —SCT 13.10.2010 processo n°431/10
Merecendo a fundamentação do acórdão do Pleno STA-SCT o sufrágio do Ministério Público, permitimo-nos a transcrição do respectivo sumário doutrinário, nos segmentos pertinentes:
«(…) 3.O art° 6°, alínea e) do CIS, ao isentar de imposto de selo o cônjuge ou unido de facto, descendentes e ascendentes, remetendo para as transmissões gratuitas sujeitas à verba 1.2 da tabela geral de que são beneficiários, significa que por mera interpretação declarativa, se chega ao resultado de incluir a usucapião nas “transmissões gratuitas” para efeitos da referida isenção.
4. Deve considerar-se contrário ao princípio da confiança e da certeza e segurança jurídica, enquanto subprincípios do princípio do Estado de Direito, que o legislador possa utilizar, sobretudo a nível de normas de isenção fiscal e no âmbito do mesmo imposto, os mesmos conceitos com significados opostos, para daí extrair encargos económicos sobre os contribuintes de forma pouco clara e transparente».

CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada.

2 – FUNDAMENTAÇÃO
A decisão de 1ª Instância deu como assente a seguinte matéria de facto, subordinada a alíneas da nossa iniciativa:

a) No dia 23 de Setembro de 2004, no Cartório Notarial de Proença-a-Nova, os impugnantes celebraram escritura de justificação na qual como outorgantes declararam ser donos e legítimos possuidores de um prédio urbano sito em …., freguesia de ….., concelho da Sertã, omisso na Conservatória do Registo Predial da Sertã e inscrito na matriz em nome do justificante marido sob o art. 1063. Em tal escritura foi mencionado que o dito imóvel foi-lhes doado, em dia e mês não apurado, do ano de 1981, por C…… e mulher D……, pais da justificante mulher, doação que nunca veio a ser reduzida a escrito.

b) Em 08/11/2004 cada um dos impugnantes apresentou no Serviço de Finanças da Sertã o modelo 1 de Imposto de Selo para efeitos do qual participavam a aquisição por usucapião do prédio urbano acima descrito conforme escritura pública outorgada. Em consequência, tais participações conduziram às liquidações números 115184 e 115186, de 10706/2006, que apresentam o valor cada uma de 3.960,00 euros. Tais liquidações foram notificadas aos impugnantes subsequentemente e o seu limite para pagamento era até 31/08/2006.
c) Em 30/08/2006 os impugnantes, não se conformando com as liquidações apresentaram petição inicial com vista à instauração da presente impugnação. Os autores são casados entre si desde 03/01/1076.

d) A autora nasceu em 05/03/1958 sendo filha de C….. e de D…..
A doação efectuada consistia num terreno com um palheiro e um curral onde os autores vieram a construir uma moradia de dois pisos com superfície coberta de 250 m2 cujos encargos de construção suportaram.

e) A doação teve lugar poucos anos após a celebração do casamento dos autores e foi somente verbal, nada tendo ficado escrito.

f) A posse do prédio foi de imediato entregue aos autores.

g) Os autores procederam à inscrição do imóvel construído na matriz em 1983. Passaram, desde então, a pagar todas as contribuições prediais a ele respeitantes.

FACTOS NÃO PROVADOS
Com relevo para a decisão a proferir, que é essencialmente de direito, não resultaram quaisquer factos por provar. As demais asserções integram conclusões de facto e de direito ou meras considerações pessoais.


3 – DO DIREITO

A meritíssima juíza do TAF de Castelo Branco, julgou parcialmente procedente a impugnação por entender que (destacam-se apenas os trechos mais relevantes da decisão com interesse para o presente recurso):

“SENTENÇA
I - RELATÓRIO
1.
A…… e B….., contribuintes n° …… e ……., deduziram a presente impugnação judicial versando sobre as liquidações de Imposto de Selo n° 115184 e 115186, no montante cada uma delas de 3.960,00€.
Alicerçaram a sua impugnação na consideração de que as liquidações padecem de ilegalidade consubstanciada na violação do direito de propriedade já reconhecido anteriormente e ainda na caducidade do direito de liquidar.

(…)
MATÉRIA DE FACTO
8.
OS FACTOS E O DIREITO
(…)
8.1.
ILEGALIDADE DAS LIQUIDAÇÕES
Alegam os impugnantes que as liquidações postas em crise derivam de procedimento tributário inquinado com vício de ilegalidade por violação do direito de propriedade e que remontando a transmissão à efectiva aquisição que ocorreu no ido ano de 1981 já se encontraria prescrito o direito da Administração Tributária.
Em primeiro lugar haverá que referir que a participação efectuada pelos impugnantes relativamente à transmissão operada pela escritura de justificação decorre de uma obrigação legal contida no art. 26°, n° 1 do Cód do Imposto de Selo — “ (...) o beneficiário de qualquer transmissão gratuita sujeita a impostos são obrigados a participar ao serviço de finanças competente a justificação (...) notarial (...) da aquisição por usucapião (...)”.
Tal participação consubstancia a intervenção dos sujeitos passivos / contribuintes no procedimento tributário que prossegue, em conformidade com o disposto nos arts. 25°, n° 1 e 33°, n° 1 do CIS, com a liquidação do imposto pelo Chefe do Serviço de Finanças observando as disposições legais aplicáveis.
Ora, as disposições legais no caso concreto dos autos são as referentes à concreta tributação do acto subjacente às citadas participações para efeitos de aplicação de Imposto de Selo. A saber relevam os artigos 1°, n° 1 e 3° que estabelecem enquanto incidência objectiva do aludido imposto a transmissão gratuita de bens, concretamente a aquisição do direito de propriedade de bens imóveis por usucapião.
Aplica-se ainda o disposto no art. 2°, n°2, aI. b) quanto à responsabilidade pelo Imposto sendo esta dos beneficiários da transmissão.
Quanto à fonte da obrigação tributária ela emana da escritura pública de justificação notarial, designadamente da data da sua outorga.
Invocam os autores, contrapondo este enquadramento, dever ser-lhes reconhecida uma isenção ao abrigo do disposto na al. e) do art. 6° do Código do Imposto de Selo. A questão central a discutir será, pois, esta, isto é, saber se está sujeita a imposto de selo a aquisição de imóvel por usucapião, titulada por escritura notarial na qual foi invocada a posse derivada de anterior doação verbal ou de partilha de bens pertencentes aos progenitores dos impugnantes, isto tendo em conta a isenção constante do art° 6°, alínea e), do Código do imposto do Selo.
A matéria em apreço já foi discutida em todos os Tribunais superiores tendo sido despoletada decisão por oposição de Acórdãos.
Assim, foi fixada a seguinte jurisprudência que subscrevemos inteiramente pelo Acórdão do Proc. n° 746/11 do STA, de 02/05/2012, publicado in www.dgsi.pt:
“No Acórdão fundamento invocam-se, entre outros, os seguintes argumentos: “Apesar de constituir uma forma de aquisição originária (cfr arts. 1287° e segts. do CCivil), a usucapião é, para efeitos fiscais, considerada como uma transmissão gratuita de bens imóveis, que ocorre no momento em que se torna definitivo o documento que titula essa aquisição ou transmissão: a data em que transitar em julgado a acção de justificação judicial ou for celebrada a escritura de justificação notarial — cfr. a citada al. r) do art. 5° do CIS). É, portanto, irrelevante o momento da aquisição do direito de propriedade para efeitos do nascimento da obrigação tributária, pois que esta se constitui com a transmissão gratuita operada por via da escritura de justificação notarial (al. r) do art. 5° do CIS), incidindo o imposto sobre o acto de aquisição por usucapião.
(...) a usucapião, uma vez que seja invocada, determina a aquisição originária do direito correspondente à posse exercida, pelo que há que concluir que não estamos aqui perante uma transmissão do direito anteriormente incidente sobre a coisa e correspondente ao adquirido por usucapião. Esta (usucapião) é uma forma de constituição de direitos reais e não uma forma de transmissão. Daí que os direitos que nela tenham a sua origem não sofrem em nada com os vícios de que pudessem eventualmente padecer os anteriores direitos sobre a mesma coisa, v.g a falta de titulo ou a falta de registo (no caso, diz-se na própria escritura de justificação que a compra e venda do prédio urbano indicado como n° 1 foi uma «compra verbal» e que o prédio indicado como n° 2 foi adquirido por «partilha verbal»).
Trata-se aqui (na aquisição por usucapião) de uma forma de aquisição de direitos que se funda na posse (poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real — cfr. o art. 1251° do CCivil), quando esta reveste certas características e desde que se mostrem verificados alguns requisitos, relativos, nomeadamente, ao seu tempo de duração (art. 1287° do CCivil), sendo certo que a usucapião tem sempre na sua base uma situação possessória e essa posse pode ter sido constituída ex novo pelo sujeito a quem a usucapião aproveita ou pode derivar da transmissão, a favor desse sujeito, de posse anterior.
A invocação desta posse apta à usucapião, tanto pode ser feita judicial como extrajudicialmente (como no presente caso aconteceu) e, uma vez invocada, a usucapião actua retroactivamente, tendo-se a aquisição como operada desde o início da posse [arts. 1288° e 1317°, al. c)].
E tratando-se de justificação, só no caso de ser invocada a usucapião como causa de alguma das aquisições é que pode haver lugar ao pagamento de imposto de selo; tal não acontecerá, por exemplo, no caso de o processo de justificação se destinar ao reatamento do trato sucessivo tendo em vista suprir a falta de um título relativo a uma transmissão derivada intermédia. Só que não é esse o caso dos autos.
Ora, tendo sido, como se diz no acórdão recorrido, pela verificação de todos os requisitos da usucapião na esfera da autora que se deu por justificada extrajudicialmente a aquisição originária do direito de propriedade, deve concluir-se que não estamos perante caso de justificação de transmissão de direitos anteriores (independentemente de também terem sido referidos na escritura de justificação) e que, portanto, não é aplicável a isenção referida na al. e) do art. 6° do CIS (normativo que, de todo o modo, nunca poderia, mesmo na tese da recorrente, aplicar-se ao prédio indicado no n° 1 da escritura de justificação).
Ou seja, tal como entendeu o acórdão recorrido, a justificação notarial aqui em causa permite somente estabelecer e reatar o trato sucessivo em sede de registo predial, como aquisição originária, nunca uma aquisição derivada, assente numa alegada transmissão de bens operada por escritura pública de compra e venda ou de doação (arts. 875° e 947°, do CC) que, no caso, nem sequer existem, (Na escritura de justificação exara-se «... pelo que os adquiriu por usucapião, não tendo todavia, dado o modo de aquisição, documento que lhe permita fazer prova do seu direito de propriedade».) atento o carácter originário das aquisições por usucapião que, por isso, nunca são verdadeiras transmissões, pois o usucapiente não sucede nos direitos dum qualquer anterior titular do direito de propriedade (bem como de qualquer outro direito real do gozo) sobre o bem adquirido por usucapião.
E, mais adiante, conclui-se que “apesar de a aquisição por usucapião não se consubstanciar em qualquer transmissão gratuita ou onerosa, como decorrência do seu carácter originário e não derivado (dado não lhe subjazer qualquer fonte contratual), o legislador entendeu, a partir da entrada em vigor do CIS, que tal aquisição por usucapião passaria a ser tributada, incluindo-a nas respectivas regras de incidência objectiva (n° 1 do art. 1° conjugado com o segmento final da al. a) do n° 3 do mesmo preceito, do CIS).
E com base na al. r) do art° 5° do mesmo Código, o momento do nascimento da obrigação de imposto ocorreu, no caso presente, na data da escritura de justificação ou seja, em 20/8/2004.”
Segundo a doutrina do Acórdão, demonstrando-se que os prédios “foram adquiridos por usucapião — só poderia concluir como concluiu: que não estamos perante uma transmissão do direito anteriormente incidente sobre a coisa, mas sim perante a aquisição originária do direito correspondente à posse exercida e determinada pela usucapião, aquisição essa sujeita a Imposto de Selo nos termos do n° 1 e da al a) do n°3 do art. 1° do CIS, constituindo o imposto encargo do adquirente dos bens, nos termos do preceituado no art. 3°, n°s. 1 e 3, al. a) do mesmo CIS e que, consequentemente, por um lado, não é aplicável a isenção prevista na al. e) do art°. 6° do CIS”.
Em suma, para o acórdão fundamento, a isenção prevista na alínea e) do art°. 6° do CIS” somente pode ser aplicada em casos de transmissão de um direito anteriormente incidente sobre a coisa transmitida.
Esta não se afigura, porém, a interpretação mais adequada dos preceitos em análise, que entendemos não ser de manter, perfilhando antes a que ficou consignada no Acórdão deste Supremo Tribunal de 13/10/2010, proc. n°431/2010, cuja jurisprudência nos limitaremos a seguir de perto.
Da análise dos preceitos supra elencados no ponto 10.1, resulta que o imposto do selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis, e outros factos previstos na Tabela Geral do Imposto do Selo, incluindo as transmissões gratuitas de bens.
E se é verdade que assiste razão ao Acórdão fundamento quando sublinha que a usucapião constitui uma aquisição originária (art. 1287° ss. do Código Civil), ponto é que, para efeitos fiscais, o legislador veio considerá-la uma “transmissão gratuita de bens imóveis”.
Ora, quando o legislador veio, no art. 1°, n°3, do CIS, dizer que para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral são consideradas transmissões gratuitas, designadamente a “aquisição por usucapião”, não ignorava que a usucapião não consubstancia uma aquisição translativa da propriedade, nem quis alterar essa natureza. O objectivo do legislador, visando alargar a base de incidência objectiva do imposto, foi o de equiparar, para efeitos de imposto de selo, a usucapião às transmissões gratuitas. Trata-se, por conseguinte, de uma ficção legal para efeitos fiscais.
Ficção que é repetida nas normas seguintes, quando o legislador, no art. 2° do CIS, ao regular a incidência subjectiva do imposto, volta a dizer que “Nas demais transmissões gratuitas, incluindo as aquisições por usucapião, o imposto é devido pelos beneficiários” (alínea b) do mesmo preceito).
Finalmente, no art. 6° do CIS repete então o legislador que, no que concerne às isenções subjectivas, nas transmissões gratuitas sujeitas à verba 1.2. da tabela geral de que são beneficiários, são isentos de imposto do selo, quando este constitua seu encargo, o “cônjuge ou unido de facto, descendentes e ascendentes”.
Porém, para o Acórdão fundamento, aqui a expressão “transmissão gratuita” já não inclui a usucapião.
Ora, fica-se sem se perceber por que é que não há dúvidas quanto ao facto de nos preceitos anteriores (arts. 1° e 2° do CIS) a usucapião considerar-se equiparada ou ficcionada a uma transmissão gratuita, mas já não ser assim quando se chega ao preceito relativo às isenções. É verdade que o legislador nos preceitos anteriores referiu-se sempre à usucapião e no art. 6° do CIS não o faz. Mas o problema que se pode colocar, quando muito, é o de saber se era necessário fazê-lo.
Com efeito, repare-se que o legislador no art. 2° do CIS já regula a incidência subjectiva do imposto de selo, referindo expressamente que “nas demais transmissões gratuitas, incluindo as aquisições por usucapião, o imposto é devido pelos beneficiários.” O que significa que quando se chega ao art. 6° já não há necessidade de voltar a repetir-se a expressão. Primeiro porque o objectivo do preceito está centrado na enumeração das pessoas que estão isentas de imposto e não nas operações, o que foi tratado anteriormente. Em segundo lugar, realce-se que o preceito diz expressamente que são isentos “o cônjuge ou unido de facto, descendentes e ascendentes, nas transmissões gratuitas sujeitas à verba 1.2 da tabela geral de que são beneficiários”. Isto é, o preceito ao remeter expressamente para as “transmissões gratuitas sujeitas à verba 1.2 da tabela geral” dispensa a necessidade de repetir a expressão usucapião porque o n° 3 do art. 2° do CIS, para onde a alínea e) do ad. 6° do CIS remete, já contém, precisamente, a noção de “transmissões gratuitas” para efeitos daquela tabela onde se inclui a usucapião. O que significa que, por mera interpretação declarativa, se chega ao resultado de incluir a usucapião nas “transmissões gratuitas” para efeitos da isenção da alínea e) do art. 6° do CIS.
Finalmente, a prevalecer a tese do Acórdão fundamento, ficaria também por responder qual a razão de ser de dar tratamento diferente discriminando a usucapião das demais aquisições gratuitas, quando o objectivo da isenção prevista na alínea e) do art. 6° do CIS é o de favorecer precisamente o cônjuge ou equiparado e os descendentes e ascendentes. Não vemos razão para adoptar nesta sede uma noção restrita de “transmissão gratuita”, distinta do sentido amplo adoptado nos demais preceitos. Se o objectivo da lei é proteger as pessoas indicadas na alínea e) do art. 6° do CIS, então o mais natural é que valha a aqui a noção ampla de “transmissão gratuita” adoptado pelo legislador nos demais preceitos.
Acresce ainda que deve considerar-se contrário ao princípio da confiança e da certeza e segurança jurídica, enquanto sub-princípios do principio do Estado de Direito, que o legislador possa utilizar, sobretudo ao nível de normas de isenção fiscal e no âmbito do mesmo imposto, os mesmos conceitos com significados opostos, para daí extrair encargos económicos sobre os contribuintes de forma pouco clara e transparente. Em face do exposto, não podemos deixar de concluir no sentido do consignado no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 13/10/2010, proc n°0431/2010, que, “por um lado, a alínea a) do n°3 do artigo 1° do Código do Imposto de Selo, considera, desde sempre, transmissões gratuitas os casos de aquisição por usucapião de imóveis (…) E, por outro lado, o teor da alínea e) do artigo 6° do Código do Imposto de Selo é muito claro e de sentido unívoco: o cônjuge está isento do imposto de selo, quando o imposto constitua encargo seu — como teria de acontecer no caso, se não houvesse isenção legal a favor do cônjuge. E, assim, poderemos, a propósito, formular o seguinte silogismo: se o cônjuge está isento de imposto de selo nas transmissões gratuitas; e, para efeitos fiscais, a aquisição por usucapião é uma transmissão gratuita; a aquisição por usucapião pelo cônjuge está isenta de imposto de selo.”
11. Nestes termos e pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se o Acórdão recorrido, e, nesta sequência, revoga-se a sentença de 1ª instância, julgando procedente a impugnação judicial e anulada a liquidação impugnada.”

Prosseguindo, temos que concluir à luz desta Jurisprudência que a equiparação entre isenção de cônjuge e isenção de descendentes deve ter lugar porque igualmente previsto na al. e) do art. 6° do Código do Imposto de Selo.
Diversamente temos que concluir relativamente ao autor marido na medida em que não beneficia de isenção subjectiva, antes se enquadrando no quadro de incidência objectiva e subjectiva já enunciado.
Acrescente-se, ainda, que o reporte apresentado pelos autores quanto à aquisição do direito ao ido ano de 1981 não colhe pela circunstância pelos mesmos reconhecida de absoluta falta de respeito pela forma exigida para a doação em questão. Deste modo, e validamente, o facto gerador do aludido imposto tem lugar em 23/09/2004 e a liquidação notificada ao autor marido foi em data subsequente a 10/06/2006 (data do acto de liquidação) e anterior a 30/08/2006 (data da apresentação da petição inicial) pelo que não decorreram claramente os 8 anos previstos como prazo de caducidade, previsto no art. 39°, n° 1 do CIS em conjugação com o disposto no art. 45° da LGT.
Face ao exposto procede a impugnação quanto à autora, improcedendo quanto ao autor pelos fundamentos invocados.
III - DECISÃO
9.
Pelo exposto, revoga-se a liquidação de Imposto de Selo efectuada relativamente à autora e mantém-se a que concerne ao autor, julgando-se a impugnação parcialmente procedente.”


DECIDINDO NESTE STA
No presente recurso o que está em causa é saber se, no caso dos autos, é de aplicar ou não a isenção prevista na alínea e) do artº 6º do Código do Imposto de Selo (CIS). Dito de outro modo e como se equacionou na 1ª Instância: está em causa saber se está sujeita a imposto de selo a aquisição de imóvel por usucapião, titulada por escritura notarial na qual foi invocada a posse derivada de anterior doação verbal ou de partilha de bens pertencentes aos progenitores da impugnante mulher, isto tendo em conta a isenção constante do art° 6°, alínea e), do Código do imposto do Selo.

A recorrente Fazenda Pública entende que não, pois no seu modo de ver sendo a usucapião uma aquisição originária, não se pode estar a falar de uma transmissão, e daí que consequentemente não se deva falar de transmissão gratuita. Ora, como o artº 6º alínea e) do CIS se refere a transmissões gratuitas a favor de herdeiros legitimários, esta isenção não pode existir.

Por outro lado, na sentença, a meritíssima juíza entendeu que para efeitos de Imposto de selo a aquisição por usucapião é equiparada à aquisição por transmissão gratuita, citando os argumentos do acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 02/05/2012 tirado no recurso 746/11 . E, a nosso ver com razão, pois que o nº 1 do artº 1º do CIS refere que o imposto de selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens. E no nº 3 alínea a) do mesmo artigo e diploma, estabelece que são consideradas transmissões gratuitas designadamente as que tenham por objecto direito de propriedade sobre bens imóveis, incluindo a aquisição por usucapião. Não é pois a meritíssima juíza do tribunal a quo que faz uma interpretação extensiva em sede de direito fiscal, mas antes, é a própria lei que estabelece que, para efeitos de aplicação do CIS a aquisição por usucapião é tida como uma transmissão gratuita. Assim sendo é de aplicar ao caso sub júdice a isenção prevista na alínea e) do artº 6º do CIS.
Neste sentido o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário supra referido subscrito pelo ora relator no qual se refere nomeadamente “Ora, quando o legislador veio, no art. 1º, nº 3, do CIS, dizer que para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral são consideradas transmissões gratuitas, designadamente a “aquisição por usucapião”, não ignorava que a usucapião não consubstancia uma aquisição translativa da propriedade, nem quis alterar essa natureza. O objectivo do legislador, visando alargar a base de incidência objectiva do imposto, foi o de equiparar, para efeitos de imposto de selo, a usucapião às transmissões gratuitas. Trata-se, por conseguinte, de uma ficção legal para efeitos fiscais. Ficção que é repetida nas normas seguintes, quando o legislador, no art. 2º do CIS, ao regular a incidência subjectiva do imposto, volta a dizer que “Nas demais transmissões gratuitas, incluindo as aquisições por usucapião, o imposto é devido pelos beneficiários” (alínea b) do mesmo preceito). Finalmente, no art. 6º do CIS repete então o legislador que, no que concerne às isenções subjectivas, nas transmissões gratuitas sujeitas à verba 1.2. da tabela geral de que são beneficiários, são isentos de imposto do selo, quando este constitua seu encargo, o “cônjuge ou unido de facto, descendentes e ascendentes”.Porém, para o Acórdão fundamento, aqui a expressão “transmissão gratuita” já não inclui a usucapião. Ora, fica-se sem se perceber por que é que não há dúvidas quanto ao facto de nos preceitos anteriores (arts. 1º e 2º do CIS) a usucapião considerar-se equiparada ou ficcionada a uma transmissão gratuita, mas já não ser assim quando se chega ao preceito relativo às isenções. É verdade que o legislador nos preceitos anteriores referiu-se sempre à usucapião e no art. 6º do CIS não o faz. Mas o problema que se pode colocar-se, quando muito, é o de saber se era necessário fazê-lo.Com efeito, repare-se que o legislador no art. 2º do CIS já regula a incidência subjectiva do imposto de selo, referindo expressamente que “nas demais transmissões gratuitas, incluindo as aquisições por usucapião, o imposto é devido pelos beneficiários.” O que significa que quando se chega ao art. 6º já não há necessidade de voltar a repetir-se a expressão. Primeiro porque o objectivo do preceito está centrado na enumeração das pessoas que estão isentas de imposto e não nas operações, o que foi tratado anteriormente. Em segundo lugar, realce-se que o preceito diz expressamente que são isentos “o cônjuge ou unido de facto, descendentes e ascendentes, nas transmissões gratuitas sujeitas à verba 1.2 da tabela geral de que são beneficiários”. Isto é, o preceito ao remeter expressamente para as “transmissões gratuitas sujeitas à verba 1.2 da tabela geral” dispensa a necessidade de repetir a expressão usucapião porque o nº 3 do art. 2º do CIS, para onde a alínea e) do art. 6º do CIS remete, já contém, precisamente, a noção de “transmissões gratuitas” para efeitos daquela tabela onde se inclui a usucapião. O que significa que, por mera interpretação declarativa, se chega ao resultado de incluir a usucapião nas “transmissões gratuitas” para efeitos da isenção da alínea e) do art. 6º do CIS.”
Assim sendo, o recurso não deve ser provido e a sentença deve ser confirmada.

4- DECISÃO:
Pelo exposto acordam os Juízes deste STA em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.

Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 20 de Fevereiro de 2013. - Ascensão Lopes (relator) - Pedro Delgado - Valente Torrão.