Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:073/18.0BCLSB
Data do Acordão:03/01/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24279
Nº do Documento:SA120190301073/18
Data de Entrada:02/18/2019
Recorrente:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Recorrido 1:FUTEBOL CLUBE ..., SAD
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO
Futebol Clube ……. – Futebol, SAD recorreu para o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) do acórdão proferido pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol que o sancionou com três multas pela prática das seguintes infracções:
(i) multa de 1.148,00 €, pela infracção prevista e punida no art. 187º, nº 1, al. a) do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional
(ii) multa de 306,00 €, pela infracção p. e p. no art. 119º, nº 2, alínea a) do RDLPFP.
(iii) multa de 1.760,00 € pela infracção p. e p. no art. 187º nº 1, alínea b) do RDLPFP”

Sem êxito já que o TAD negou provimento ao recurso.

O Autor recorreu para o TCA Sul e este concedeu provimento ao recurso, revogou a decisão do TAD e anulou o acto impugnado.

É desse Aresto que a FPF vem recorrer (art.º 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. No dia 25/11/2017 realizou-se, no Estádio do Clube Desportivo ….., um jogo de futebol entre o CD …… e o FC…. e, durante o mesmo, na bancada onde se encontravam os adeptos do clube visitante, foram deflagrados potes de fumos, um flash light, lançada cerveja sobre um apanha bolas, arremessados isqueiros para o terreno de jogo, lançadas moedas em direcção ao banco da equipa visitada e proferidas frases ofensivas para esta equipa, daí resultando a instauração de um processo disciplinar contra o FC….. e a punição deste, pelo Conselho de Disciplina da FPF, nas multas acima referenciadas.

FC….. - SAD recorreu para o TAD mas este manteve a decisão recorrida.

Inconformado, recorreu para o TCA Sul e este, concedendo provimento ao recurso, anulou o acto punitivo. Fê-lo pelas seguintes razões:
“ ….Um dos fundamentos desse recurso apresentado pelo ora recorrente é o de que a decisão condenatória do Conselho de Disciplina não se mostra suportada em factos e provas que permitam concluir pelo preenchimento dos elementos que integram os ilícitos disciplinares em causa. Alega concretamente que inexistem factos dos quais seja possível extrair que actuou de forma culposa, designadamente por nada ter feito para impedir a ocorrência das condutas de terceiros no recinto desportivo.
.........
Ora, tais factos nada revelam acerca da actuação culposa do ora recorrente, pois que se limitam a descrever de forma objectiva os comportamentos adoptados pelos adeptos do Futebol Clube ……….
E nem se diga que a culpa do ora recorrente está implícita e pode ser presumida em face de tais comportamentos, concluindo que se os adeptos se comportaram da forma como o fizeram é porque aquele não observou os deveres que sobre si impendem de segurança e de prevenção da violência ...
Não podemos deixar de ter presente que a prática das infracções disciplinares previstas no artigo 187 do RDFPFP resulta da violação culposa dos aludidos deveres por parte do clube de futebol, mas só ocorre com a adopção de comportamento social ou desportivamente incorrecto por parte dos seus adeptos. ....
Assim sendo, para que se pudesse concluir pela prática das infracções disciplinares em causa tornava-se necessário que a entidade detentora do poder disciplinar lograsse provar factos dos quais se pudesse concluir que o ora recorrente violou os deveres que sobre ele impendem de forma culposa, isto é, que tal violação decorreu da omissão de um comportamento que podia e devia ter adoptado e que só não o foi por razões merecedoras de censura.
Sucede que, como bem refere o recorrente, só em sede de recurso é que foram dados como provados os factos que permitiram concluir pela existência de culpa.
São factos novos, no sentido de que não haviam sido considerados na primeira decisão punitiva e, por isso, o recorrente não teve a possibilidade de sobre eles se pronunciar e de os contraditar.
Resulta, assim, violado o direito de audiência e defesa do ora recorrente (cfr. artigo 32 n.º 10 CRP), o que determina a anulação do acórdão de 2/01/2018 do Pleno da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol ......

3. É deste Acórdão que a FPF recorre pelas razões indicadas nas seguintes conclusões:
“2. A questão em apreço diz respeito à responsabilização dos clubes pelos comportamentos incorretos dos seus adeptos por ocasião de jogos de futebol, o que, para além de levantar questões jurídicas complexas, tem assinalável importância social uma vez que, infelizmente, os episódios de violência em recintos desportivos têm sido uma constante nos últimos anos em Portugal e o sentimento de impunidade dos clubes dado por decisões como aquela de que agora se recorre nada ajudam para combater este fenómeno;
3. A questão essencial trazida ao crivo deste STA – responsabilização dos clubes pelos comportamentos incorretos dos seus adeptos - revela uma especial relevância jurídica e social e sem dúvida que a decisão a proferir é necessária para uma melhor aplicação do direito;
7. Admitir, como fez o TCA Sul, que os clubes devem ser desresponsabilizados pelos comportamentos dos seus adeptos – ao arrepio do entendimento de toda a comunidade desportiva e das instâncias internacionais do Futebol, onde esta questão, de tão clara e evidente que é, nem sequer oferece discussão – é fomentar este tipo de comportamentos o que se afigura gravíssimo do ponto de vista da repercussão social que este sentimento de impunidade pode originar;”.

4. O que está em causa é a questão é a de saber se a ocorrência dos factos que determinaram a condenação do Recorrido é, por si só - independentemente do que se vier a provar em sede de culpa - suficiente para o sancionar pela prática das identificadas infracções. Ou seja, e repetindo o que se afirmou no Acórdão recorrido, importa saber se o TCA ajuizou correctamente quando afirmou que “para que se pudesse concluir pela prática das infracções disciplinares em causa tornava-se necessário que a entidade detentora do poder disciplinar lograsse provar factos dos quais se pudesse concluir que o ora recorrente violou os deveres que sobre ele impendem de forma culposa, isto é, que tal violação decorreu da omissão de um comportamento que podia e devia ter adoptado e que só não o foi por razões merecedoras de censura.”
O que evidência que essa questão tem relevante importância jurídica uma vez que é decisivo saber, se nas circunstâncias dos autos, recai sobre a acusação o ónus de provar o que o Acórdão recorrido considerou indispensável sob pena de absolvição do Clube acusado. Se assim for, isto é, se for fundamental fazer a prova exigida por aquele Aresto a conclusão que se retira é que os normativos alegadamente violados terão uma diminuta aplicação visto ser muito difícil fazer essa prova. O que vale por dizer que a aplicação do disposto nos art.º 127.º e 187.º do RD da FPF, que a Recorrente considera importante para assegurar a ordem nos desafios de futebol, será residual.
Acrescendo que, no caso, o Acórdão mencionou que “só em sede de recurso é que foram dados como provados os factos que permitiram concluir pela existência de culpa” e que “por isso, o recorrente não teve a possibilidade de sobre eles se pronunciar e de os contraditar.” O que se traduzia na violação direito de audiência e defesa determinante da anulação do acórdão Conselho de Disciplina da FPF.

Decisão.
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista.
Sem custas.
Porto, 1 de Março de 2019. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – Carlos Carvalho.