Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0347/14.9BEMDL 01285/17 |
Data do Acordão: | 02/17/2021 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | ANÍBAL FERRAZ |
Descritores: | RECURSO OPOSIÇÃO DE JULGADOS |
Sumário: | I - Ao invés do que sucedia com a aplicação do (revogado) n.º 5 do art. 280.º do CPPT (redação anterior à, presentemente, em vigor), o, agora, vigente n.º 3 do mesmo normativo, embora na senda de continuar a prever que o recurso (por oposição de julgados) “é sempre admissível”, diferentemente, não determina que seja para o STA, em exclusivo. II - Na Secção de Contencioso Tributário, do STA, tem vindo a ser entendido, em síntese, que, numa interpretação conjugada com os objetivos das recentes alterações introduzidas, pelo legislador, na matéria dos recursos em processo tributário, o apelo, sui generis, regulado no n.º 3 do art. 280.º do CPPT, tem de ser dirigido contra decisões de mérito e, obviamente, satisfeita, ainda, a condição de o recurso se fundar, exclusivamente, em matéria de direito (caso esta não se verifique, o recurso, sob pena de incompetência hierárquica, tem de ser orientado para o competente Tribunal Central Administrativo (TCA)). III - O despacho recorrido, comprovada e consensualmente, não é uma decisão de mérito/sentença, porque esta, já, havia sido proferida anteriormente e decidiu a causa principal, bem como, também, não pode adquirir essa qualidade/natureza, em virtude de não haver decidido incidente que apresente a estrutura de uma causa (desde logo, a reclamação da nota justificativa é decidida sem exercício de, específico, contraditório e acompanha a tramitação da reclamação da conta, cuja estrutura, objetivamente, não é duma causa/lide normal - arts. 26.º-A e 31.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP)). IV - As decisões, proferidas em processos cujo valor da causa e/ou da sucumbência seja inferior ao da alçada do tribunal de que se recorre, continuam a ser, em princípio, sempre, passíveis de recurso, por oposição de julgados (art. 280.º n.º 3 do CPPT), que, nos casos de as visadas não serem de mérito, tem de ser interposto para o TCA competente (e não, como no passado, obrigatoriamente, para o STA). |
Nº Convencional: | JSTA000P27194 |
Nº do Documento: | SA2202102170347/14 |
Data de Entrada: | 10/27/2020 |
Recorrente: | AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | PE......- PARQUE EÓLICO........, S.A. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa; # I. O/A representante da Fazenda Pública (rFP), ao abrigo do disposto no artigo (art.) 280º n.º 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) (Na redação conferida pela Lei n.º 118/2019 de 17 de setembro.), recorre, para este Supremo Tribunal, do despacho (pág. 748 segs. (SITAF)), proferido no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Mirandela, na parte em que indeferiu reclamação, contra apresentada nota discriminativa e justificativa de custas de parte. Conclui a sua alegação, nestes moldes: «
* A recorrida (rda) contra-alegou e concluiu: « * O Exmo. magistrado do Ministério Público emitiu parecer. * Por despacho do relator, foi levantada a possibilidade de este recurso (por oposição de julgados) não poder ser admitido, para o STA, por inadmissibilidade legal. Notificadas, a recorrente (rte) veio defender que o recurso deve ser admitido e a rda, o contrário. * Cumpridas as formalidades legais, compete conhecer e decidir. ******* # II. O despacho recorrido é do seguinte teor: «
*** A previsão do art. 280.º n.º 3 do CPPT (na redação introduzida pela Lei n.º 118/2019 de 17 de setembro, aqui, sem reservas, aplicável), estabelece que, em matéria de recursos das decisões proferidas em processos judiciais tributários, além de outros casos, aqui, não cabidos, “é sempre admissível recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência, de decisões que perfilhem solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou de outro tribunal tributário”. No seguimento dos precedentes e pertinentes contributos jurisprudenciais, podemos assentar que, o tipo de recurso em apreço, por “oposição de julgados”, tinha (e tem) como requisitos, a exigência de que as decisões, opostas, respeitem à mesma questão fundamental de direito, com situações fácticas substancialmente idênticas, tenham sido proferidas no domínio do mesmo quadro legal/legislativo e perfilhem soluções, expressas, explícitas, antagónicas. A estas exigências doutrinárias, clássicas, acrescem, do ponto de vista formal, a necessidade de a decisão recorrida (inscrita em processo cujo valor da causa e/ou da sucumbência seja inferior ao da alçada do tribunal de que se recorre) perfilhar “solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou de outro tribunal tributário”, bem como, a obrigatoriedade de todas estas últimas se mostrarem transitadas em julgado. Esta obrigação justifica-se (apesar de não expressamente prevista na lei), porque, estando a discutir-se soluções jurídicas, com posterior escolha da correta, só poderem valer e ser relevantes decisões (fundamento) definitivas, imutáveis, em ordem a evitar-se a eventualidade da respetiva alteração e possível perda de valor, importância/substrato, quanto ao sentido do correspondente veredicto, para efeitos de assegurar a oposição com a decisão recorrida (a única sem trânsito em julgado).
Sobre esta exigência do apelo visar decisões de mérito/sentenças, importa, desde logo, ter presente: - em processo judicial, as decisões de mérito contrapõem-se às decisões de forma, integrando a primeira categoria todas as que se debruçam sobre o fundo da causa, no sentido de que apreciam e julgam, decidindo, a relação substantiva (de direito substantivo) em litígio, enquanto as segundas, correspondem às que são proferidas, num processo, com o objetivo de regular e cumprir as exigências formais de cada lide, especificamente; - a sentença (exemplo-tipo, sacramental, das decisões judiciais de mérito), é, por definição (Artigo 152.º n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC).), “o ato pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa”; - os despachos de mero expediente (paradigma de decisões formais) são destinados “a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes”; - no devir de um processo judicial é viável (e frequente) a pendência de matérias/questões controvertidas, de diversa natureza, a que se impõe o juiz prover, por regra, mediante a prolação de despacho(s) (que, por facilidade de raciocínio, comparação e exposição, podemos rotular de decisórios). Posto isto, como, entre outros, se argumentou no acórdão, do STA, de 28 de outubro de 2020 (279/18.1BEMDL), no tratamento do aspeto que nos ocupa, não podemos, ainda, olvidar que “a última reforma processual tributária, na parte respeitante aos recursos jurisdicionais, foi determinada por um objectivo de apreciação das competências da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, com o firme propósito de libertar este Tribunal dos recursos relativos a questões consideradas de menor importância, em termos idênticos aos anteriormente reconhecidos ao Supremo Tribunal de Justiça e à Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (cfr., respectivamente, artigos 678.º do CPC e 151º do CPTA). (Cfr. Despacho da Ministra da Justiça de 13-10-2016 (…) e a “ Exposição de Motivos” que acompanhou a Proposta de Lei n.º 168/XIII, disponível para consulta em (…). E embora seja certo que com esse objectivo se visava a criação de condições adequadas ao exercício da primordial função que deve estar reservada àquela Secção - de orientação e uniformização da jurisprudência tributária - e que o recurso previsto no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT teve em vista precisamente a uniformização de decisões, é evidente que também se tem de reconhecer que o legislador considerou que apenas as decisões contidas em sentenças (citado n.º 3 do artigo 280.º) ou em acórdãos (conforme artigo 284.º também do CPPT) revestiam dignidade suficiente para assumir a qualidade de “questão carecida de uniformização de decisões”. Em suma, o legislador não considerou que a existência de meros despachos de incidentes, que decidam em sentido oposto questão de mérito incidental assumam relevância bastante para poderem ser objecto do recurso previsto no n.º 3 do artigo 280.º, n.º 3 do CPPT. Entender o contrário seria, aliás, admitir que o legislador simultaneamente legislou em sentidos opostos, ou seja, enquanto, nas situações de recurso per saltum, restringia significativamente as competências da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo a decisões de mérito da causa (n.º 1, do artigo 280.º do CPPT), contrariamente, permitia que fossem susceptíveis de recurso jurisdicional quaisquer despachos proferidos pelos tribunais fiscais em sentido oposto, bastando para tanto mais de três despachos em sentido oposto, qualquer que fosse a sua natureza ou valor, desta forma vulgarizando um recurso que o legislador manifestamente quis que fosse excepcional (cfr. n.º 3, in fine, do artigo 9.º do CC) Note-se que a redacção do n.º 3 do artigo 280.º do CPPT foi modificada de forma a harmonizá-la com o regime geral dos recursos e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 118/19, designadamente com a introdução no processo fiscal do critério da sucumbência (…) e com a restrição da admissibilidade do recurso per saltum no contencioso tributário às situações em que a decisão proferida conhece do mérito da causa (artigo 280.º, n.º 1 do CPPT), passando ainda a impor que, nas situações em que ocorra oposição com decisões de tribunais superiores, incluindo do Supremo Tribunal Administrativo, essa oposição se tenha de verificar relativamente a mais de três decisões. («iii) Recurso per saltum: restringiu-se a aplicabilidade do recurso per saltum no contencioso tributário, previsto no n.º 1 do artigo 280.º, através da exclusão do seu âmbito das questões processuais, nomeadamente a ineptidão da petição inicial, o erro na forma de processo, entre outros, assumindo o STA como um verdadeiro tribunal de cúpula da jurisdição administrativa, limitando o recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, para além do já admitido requisito da fundamentação exclusivamente em matéria de direito, às situações em que a decisão proferida for de mérito» - cfr. “Exposição de Motivos” que acompanhou a Proposta de Lei n.º 168/XIII, integralmente disponível em (…).”.
Estando envolvido, in casu, um despacho igual (de indeferimento de reclamação, contra nota discriminativa e justificativa de custas de parte) ao que foi versado no aresto acabado de coligir, não vemos, sobretudo, versando os argumentos aduzidos pela rte (limitam-se a defender/insistir nas razões capazes de conduzirem à revogação da decisão recorrida), fundamento para infletirmos, no sentido do judiciado. O despacho recorrido, comprovada e consensualmente, não é uma sentença, porque esta, já, havia sido proferida anteriormente e decidiu a causa principal, bem como, para nós, também, não pode adquirir essa qualidade/natureza, em virtude de não haver decidido incidente que apresente a estrutura de uma causa (desde logo, a reclamação da nota justificativa é decidida sem exercício de, específico, contraditório e acompanha a tramitação da reclamação da conta, cuja estrutura, objetivamente, não é duma causa/lide normal - arts. 26.º-A e 31.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP)). Outrossim, de igual modo, não acolhemos o argumento de que o despacho em apreço pôs fim, decidiu, resolveu, determinada pretensão, de uma parte processual, isto é, foi proferido sobre o mérito daquela. Com esta amplitude, pouco ou não sobraria, das várias decisões que um processo judicial comporta, não suscetível de integrar o conceito de “decisão de mérito”. Apesar disto, embora não seja o caso (do despacho recorrido), cogitamos a existência de decisões que, não se debruçando sobre o fundo da causa, ou seja, não julguem e decidam a relação substantiva (de direito substantivo) em litígio, sejam, só por si, capazes de pôr termo, findarem, uma causa, em relação às quais, obviamente, não temos, por princípio, reservas, sobre a admissibilidade de recurso, por oposição de julgados, para o STA (cumpridas as demais condições legais), porque, no mínimo, têm de, para o efeito, ser consideradas equiparáveis a decisões de mérito.
Um parêntesis, final, para mencionar: - a anterior, vasta, jurisprudência, do STA, em torno do funcionamento do art. 280.º n.º 5 CPPT (redação revogada), em função das alterações legislativas, contemporaneamente, ocorridas, não deixando de ser respeitada nos recursos interpostos no âmbito dessa normatividade, apresenta-se-nos, em particular, quanto à defesa de que o apelo em causa podia abranger outras decisões além das de mérito, incompatível com o cenário legislativo decorrente das alterações introduzidas pela Lei n.º 118/2019 de 17 de setembro, destacadamente, no ponto em que o n.º 1 do art. 280.º do CPPT impõe recurso, para a Secção de Contencioso Tributário do STA, de decisão proferida sobre o mérito (“decisão proferida for de mérito”), quando, antes, se bastava com a exigência de matéria (disputada) exclusivamente de direito, estando em causa quaisquer decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância, de mérito e/ou de forma; - a solução que defendemos não comporta qualquer diminuição das garantias das partes, em sede de recursos jurisdicionais, porquanto as decisões, proferidas em processos cujo valor da causa e/ou da sucumbência seja inferior ao da alçada do tribunal de que se recorre, continuam a ser, em princípio, sempre, passíveis de recurso, por oposição de julgados (art. 280.º n.º 3 do CPPT), que, nos casos de as visadas não serem de mérito, tem de ser interposto para o TCA competente (e não, como no passado, obrigatoriamente, para o STA). ******* # III. Ante o exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos não admitir este recurso, por oposição de julgados. * Custas pela recorrente. ***** [texto redigido em meio informático e revisto] Lisboa, 17 de fevereiro de 2021.- Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes. |