Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0347/14.9BEMDL 01285/17
Data do Acordão:02/17/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:RECURSO
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
Sumário:I - Ao invés do que sucedia com a aplicação do (revogado) n.º 5 do art. 280.º do CPPT (redação anterior à, presentemente, em vigor), o, agora, vigente n.º 3 do mesmo normativo, embora na senda de continuar a prever que o recurso (por oposição de julgados) “é sempre admissível”, diferentemente, não determina que seja para o STA, em exclusivo.
II - Na Secção de Contencioso Tributário, do STA, tem vindo a ser entendido, em síntese, que, numa interpretação conjugada com os objetivos das recentes alterações introduzidas, pelo legislador, na matéria dos recursos em processo tributário, o apelo, sui generis, regulado no n.º 3 do art. 280.º do CPPT, tem de ser dirigido contra decisões de mérito e, obviamente, satisfeita, ainda, a condição de o recurso se fundar, exclusivamente, em matéria de direito (caso esta não se verifique, o recurso, sob pena de incompetência hierárquica, tem de ser orientado para o competente Tribunal Central Administrativo (TCA)).
III - O despacho recorrido, comprovada e consensualmente, não é uma decisão de mérito/sentença, porque esta, já, havia sido proferida anteriormente e decidiu a causa principal, bem como, também, não pode adquirir essa qualidade/natureza, em virtude de não haver decidido incidente que apresente a estrutura de uma causa (desde logo, a reclamação da nota justificativa é decidida sem exercício de, específico, contraditório e acompanha a tramitação da reclamação da conta, cuja estrutura, objetivamente, não é duma causa/lide normal - arts. 26.º-A e 31.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP)).
IV - As decisões, proferidas em processos cujo valor da causa e/ou da sucumbência seja inferior ao da alçada do tribunal de que se recorre, continuam a ser, em princípio, sempre, passíveis de recurso, por oposição de julgados (art. 280.º n.º 3 do CPPT), que, nos casos de as visadas não serem de mérito, tem de ser interposto para o TCA competente (e não, como no passado, obrigatoriamente, para o STA).
Nº Convencional:JSTA000P27194
Nº do Documento:SA2202102170347/14
Data de Entrada:10/27/2020
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:PE......- PARQUE EÓLICO........, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;
# I.

O/A representante da Fazenda Pública (rFP), ao abrigo do disposto no artigo (art.) 280º n.º 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) (Na redação conferida pela Lei n.º 118/2019 de 17 de setembro.), recorre, para este Supremo Tribunal, do despacho (pág. 748 segs. (SITAF)), proferido no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Mirandela, na parte em que indeferiu reclamação, contra apresentada nota discriminativa e justificativa de custas de parte.

Conclui a sua alegação, nestes moldes: «


1. Vem o presente recurso jurisdicional interposto, ao abrigo do n.º 3 do artigo 280.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, do despacho que indeferiu a reclamação relativamente à não comprovação das despesas, alegadamente, (porque não documentadas), suportadas com honorários do mandatário judicial, apresentada pela Fazenda Pública, ora recorrente, da nota discriminativa e justificativa de custas de parte que lhe foi remetida pela parte vencedora;
2. A questão de direito, ora controvertida, já foi alvo de pronúncia em outros tribunais de igual grau do Tribunal a quo em pelo menos cinco decisões judiciais, externadas que foram em sentido oposto ao da decisão aqui sindicada (vide, anexos);
3. O pagamento, à parte vencedora, do montante compensatório devido em razão das despesas que a mesma incorreu com os honorários do mandatário judicial está na dependência da comprovação do valor efectivamente suportado pelas aludidas despesas;
4. No caso dos presentes autos, a parte vencedora limitou-se a incluir na nota discriminativa e justificativa de custas de parte, o valor determinado nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 26.º do RCP, sem fazer prova do montante efetivamente incorrido a título de honorários com o respetivo mandatário judicial;
5. Inviabilizando, desse modo, aferir se as despesas incorridas pela parte vencedora, a título de honorários do mandatário judicial, foram superiores, iguais ou inferiores ao valor que resulta da fórmula de cálculo da compensação, ínsita no artigo 26.º, n.º 3, alínea c), do RCP, que lhe seria devida por tais despesas;
6. É que, tal como sustenta a doutrina autorizada sobre a matéria, “A parte vencedora, no todo ou em parte, que tenha pago ao seu mandatário judicial dos referidos honorários, com base na nota elaborada pelo último, em conformidade com as regras estatutárias, deve juntar o respetivo recibo.” (in Regulamento das Custas Processuais, anotado e comentado, 2011, 3.ª Edição, Almedina, pág. 362).

Nestes termos, e nos demais de direito, doutamente supridos por V. Exas., deverá revogar-se a decisão recorrida, e, em substituição, julgar procedente a reclamação da nota discriminativa de justificativa de custas de parte, assim se fazendo pacífica e reiterada justiça. »

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A recorrida (rda) contra-alegou e concluiu: «


A) Nos termos dos artigos 25.º, n.º 2, alínea d) e 26.º, n.º 3, alínea c) e n.º 5 do RCP, a parte vencedora que tenha constituído mandatário tem direito a ser ressarcida dos custos suportados com os honorários deste, tendo tal compensação como limite máximo o montante correspondente a metade do somatório das taxas de justiça suportadas por ambas as partes ao longo do litígio;
B) Para o efeito, a parte vencedora deve remeter à parte vencida uma nota discriminativa e justificativa de custas de parte que contenha a indicação do montante despendido com os honorários do mandatário judicial, salvo se tal montante for superior ao limite máximo acima referido;
C) Na situação em apreço, tendo os honorários suportados pela Recorrida superado aquele quantitativo - conforme teve o cuidado de mencionar expressamente na nota discriminativa e justificativa de custas de parte apresentada - a sua discriminação não se afigurava obrigatória à luz da aplicação conjugada dos artigos 25.º, n.º 2, alínea d), e 26.º, n.º 3, alínea c), do RCP, claudicando por isso a posição adoptada pela Recorrente e não merecendo, nessa exacta medida, qualquer censura a decisão recorrida;
D) Caso a Recorrente considerasse necessária a comprovação do montante efectivamente despendido pela Recorrida a esse título deveria ter, ao abrigo do princípio do inquisitório previsto no artigo 58.º da LGT, diligenciado pela obtenção da informação alegadamente em falta, nomeadamente oficiando a Recorrida para o efeito em prol da descoberta da verdade material - o que não fez;
E) Esta manifesta violação do princípio do inquisitório não poderá deixar de ter como consequência a improcedência do presente recurso, com a consequente manutenção na ordem jurídica da decisão recorrida;
F) Caso a Recorrida tivesse sido contactada pela Recorrente para comprovação do montante em causa, teria naturalmente apresentado as facturas que atestam ter suportado a título de honorários no âmbito dos presentes autos um montante superior a EUR 1.705,95;
G) No cenário de esse Douto Tribunal ad quem considerar ser necessária a comprovação do montante efectivamente despendido com os honorários dos mandatários judiciais, requer-se que admita a junção aos autos de facturas que atestam ter suportado a título de honorários no âmbito dos presentes autos um montante superior ao reclamado pela Fazenda Pública ou, em alternativa, que determine a baixa dos autos ao Douto Tribunal a quo para seja produzida a prova necessária para a boa decisão da causa.

Nestes termos e nos demais de Direito que esse Douto Tribunal ad quem suprirá, requer-se que julgue totalmente improcedente o presente recurso, mantendo na ordem jurídica a decisão recorrida, nos termos e com os fundamentos supra expostos, tudo com as demais consequências legais.
Subsidiariamente, caso esse Douto Tribunal ad quem considere ser necessária a comprovação do montante efectivamente despendido com os honorários dos mandatários judiciais, requer-se que admita a junção aos autos de facturas que atestam ter suportado a título de honorários no âmbito dos presentes autos um montante superior ao reclamado pela Fazenda Pública ou, em alternativa, que determine a baixa dos autos ao Douto Tribunal a quo para seja produzida a prova necessária para a boa decisão da causa.
Requer-se ainda a esse Douto Tribunal ad quem, na exacta medida da improcedência do presente recurso, a condenação da Fazenda Pública no pagamento de custas de parte, nos termos do artigo 26.º do RCP, tudo com as demais consequências legais. »

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O Exmo. magistrado do Ministério Público emitiu parecer.

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Por despacho do relator, foi levantada a possibilidade de este recurso (por oposição de julgados) não poder ser admitido, para o STA, por inadmissibilidade legal.

Notificadas, a recorrente (rte) veio defender que o recurso deve ser admitido e a rda, o contrário.


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Cumpridas as formalidades legais, compete conhecer e decidir.

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# II.


O despacho recorrido é do seguinte teor: «


Fls. 672 e ss do suporte físico do processo

Da compensação por honorários do Mandatário Judicial.
De acordo com o voto de vencido no acórdão do STA de 17/12/2019, Proc. 0906/14.0BEVIS-S1, que aqui se segue, “As custas de parte são um conceito normativo que corresponde, não a tudo quanto a parte vencedora despendeu com o processo, mas apenas àquela parte do que, tendo sido despendido, o CPC e o RCP permitem que a parte recupere em virtude de ter obtido vencimento (total ou parcial) na causa e na medida desse vencimento (cfr. arts. 529.º, n.º 4, e 533.º, do CPC). Nelas se inclui a compensação à parte vencedora das despesas suportadas com honorários do mandatário judicial por ela constituído, compensação que a lei computa em 50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, a menos que o valor efectivamente pago a título de honorários seja inferior àquele [cfr. art. 533.º, n.º 2, alínea d), e art. 26.º, n.ºs 3, alínea c), e 5, do RCP].
A meu ver, nem o elemento literal (sendo este o ponto de partida e o limite da actividade hermenêutica) nem qualquer outro elemento interpretativo permitem extrair da lei, designadamente do RCP, o sentido de que se exige à parte vencedora que tenha constituído mandatário judicial, em ordem a obter da parte vencida a compensação legalmente devida pelas despesas com honorários do mandatário judicial, a comprovação do pagamento dos honorários a este pagos e, muito menos, mediante a apresentação do respectivo recibo; exige-se-lhe apenas a apresentação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte. Essa compensação, que consta da condenação em custas [cfr. arts. 527.º, n.º 1, 529.º, n.º 1 e 607.º, n.º 6, todos do CPC, e art. 26.º, n.º 1, do RCP], será de 50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, a menos que os honorários não tenham atingido esse valor, caso em que deverá ser inscrito o seu efectivo valor em rúbrica autónoma na nota de custas de parte a apresentar pela parte vencedora, nos termos da alínea c) do n.º 2 do art. 25.º do RCP. (…)
Note-se que a apresentação da nota justificativa e discriminativa de custas de parte não equivale a um pedido de condenação da parte vencida, designadamente dos honorários suportados ou de parte deles (como parece resultar da reiterada referência a “honorários peticionados” feita no acórdão), em que competiria ao autor a alegação e comprovação dos factos constitutivos do seu direito. Essa nota visa tão-só discriminar e liquidar a responsabilidade que resulta da já proferida condenação em custas e interpelar o devedor para o pagamento.
A interpretação adoptada no acórdão cria por via jurisprudencial mais um requisito para percepção das custas de parte. Que esse requisito é salvo o devido respeito, manifestamente impertinente resulta do facto de o mesmo não poder ser observado em situações como aquelas em que o mandato judicial é exercido no âmbito de um contrato de trabalho ou em regime de avença, situações em que a parte vencedora não terá como comprovar a relação directa entre os pagamentos efectuados ao mandatário judicial e o concreto processo. (…)
A interpretação adoptada no acórdão dá também origem a uma intolerável situação de desigualdade, na medida em que por certo ninguém sustentará a exigência de qualquer comprovativo de pagamento quando a compensação a título de custas de parte for devida pelo patrocínio de entidades públicas por licenciado em direito ou em solicitadoria com funções de apoio jurídico, que a lei faz equivaler, para esse efeito, à constituição de mandatário judicial (cfr. art. 25.º, n.º 3, do RCP).
Poderá também questionar-se, pelo menos no que respeita às pessoas singulares, se a exigência de revelação do montante dos honorários pagos ao mandatário judicial não constituirá uma injustificada intromissão no domínio da esfera privada dos cidadãos.
Finalmente, a interpretação adoptada no acórdão parece transformar o incidente de reclamação da nota justificativa (que, a meu ver, tem o seu âmbito delimitado à verificação da medida da responsabilidade, mediante aferição da correcção da liquidação efectuada pela parte vencedora) numa verdadeira “acção dentro de uma acção”, em que se poderia discutir não só o pagamento, como até o valor dos honorários pagos pela contraparte - eventualmente, com alegação e exigências de prova mais complexas do que a própria acção a que respeitam as custas de parte - numa solução legislativa que, manifestamente, não pode ter sido querida pelo legislador.
Se, porventura, a parte vencida souber (e a AT, aqui reclamante, sempre saberá se foi ou não emitido recibo e por que valor) que o valor dos honorários efectivamente pago pela parte vencedora ao seu mandatário não atingiu 50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora e se na nota discriminativa não foi apresentado aquele valor [como o impõe a alínea c) do n.º 2 do art. 25.º do RCP], sempre poderá recusar o pagamento e, se o credor avançar com a execução, poderá discutir o montante efectivamente pago a título de honorários em sede de oposição à execução (cfr. art. 731.º do CPC). Nem se diga que tal não será possível por o título executivo ser uma sentença. É que o título executivo neste caso é compósito, integrado pela sentença condenatória e pela certidão da nota discriminativa (que liquida a responsabilidade por custas de parte) e só aquela tem os seus fundamentos de oposição limitados pelo art. 729.º do CPC.”
Assim, de acordo com o art.º 26.º, n.º 3, al. c) do RCP, a parte vencida é condenada ao pagamento de 50 % do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, sempre que seja apresentada a nota referida na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior.
Este preceito ( art.º 25.º, n.º 2, al. d) dispõe o seguinte:
“2 - Devem constar da nota justificativa os seguintes elementos:
d) Indicação, em rúbrica autónoma, das quantias pagas a título de honorários de mandatário ou de agente de execução, salvo, quanto às referentes aos honorários de mandatário, quando as quantias em causa sejam superiores ao valor indicado na alínea c) do n.º 3 do artigo 26.º;
(…)”
Portanto, e apesar de não fazer explicitamente menção de que os honorários suportados superam o montante de 50 % do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, tem se entender que, face ao disposto no art.º 25.º, n.º 2, al. d) do RCP citado, a parte vencedora não está obrigada a indicar, em rúbrica autónoma, as quantias pagas a título de honorários de mandatário, só estando obrigada a indicar tais quantias quando elas sejam inferiores.
Indefere-se a reclamação neste segmento.
(…). »

***

A previsão do art. 280.º n.º 3 do CPPT (na redação introduzida pela Lei n.º 118/2019 de 17 de setembro, aqui, sem reservas, aplicável), estabelece que, em matéria de recursos das decisões proferidas em processos judiciais tributários, além de outros casos, aqui, não cabidos, “é sempre admissível recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência, de decisões que perfilhem solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou de outro tribunal tributário”.
No seguimento dos precedentes e pertinentes contributos jurisprudenciais, podemos assentar que, o tipo de recurso em apreço, por “oposição de julgados”, tinha (e tem) como requisitos, a exigência de que as decisões, opostas, respeitem à mesma questão fundamental de direito, com situações fácticas substancialmente idênticas, tenham sido proferidas no domínio do mesmo quadro legal/legislativo e perfilhem soluções, expressas, explícitas, antagónicas.

A estas exigências doutrinárias, clássicas, acrescem, do ponto de vista formal, a necessidade de a decisão recorrida (inscrita em processo cujo valor da causa e/ou da sucumbência seja inferior ao da alçada do tribunal de que se recorre) perfilhar “solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou de outro tribunal tributário”, bem como, a obrigatoriedade de todas estas últimas se mostrarem transitadas em julgado. Esta obrigação justifica-se (apesar de não expressamente prevista na lei), porque, estando a discutir-se soluções jurídicas, com posterior escolha da correta, só poderem valer e ser relevantes decisões (fundamento) definitivas, imutáveis, em ordem a evitar-se a eventualidade da respetiva alteração e possível perda de valor, importância/substrato, quanto ao sentido do correspondente veredicto, para efeitos de assegurar a oposição com a decisão recorrida (a única sem trânsito em julgado).
Outrossim, ao invés do que sucedia com a aplicação do (revogado) n.º 5 do art. 280.º do CPPT (redação anterior à, presentemente, em vigor (« A existência de alçadas não prejudica o direito ao recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisões que perfilhem solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior. »)), o versado n.º 3, embora na senda de continuar a prever que o recurso (por oposição de julgados) “é sempre admissível”, diferentemente, não determina que seja para o STA, em exclusivo. Por outro lado, na Secção de Contencioso Tributário, do STA, tem vindo a ser entendido (Se não, por unanimidade, pelo menos, maioritariamente.), em síntese, que, numa interpretação conjugada com os objetivos das recentes alterações introduzidas, pelo legislador, na matéria dos recursos em processo tributário, o apelo, sui generis, regulado no n.º 3 do art. 280.º do CPPT, tem de ser dirigido contra decisões de mérito (sentenças) e, obviamente, satisfeita, ainda, a condição de o recurso se fundar, exclusivamente, em matéria de direito (caso esta não se verifique, o recurso, sob pena de incompetência hierárquica, tem de ser orientado para o competente Tribunal Central Administrativo (TCA)).

Sobre esta exigência do apelo visar decisões de mérito/sentenças, importa, desde logo, ter presente:

- em processo judicial, as decisões de mérito contrapõem-se às decisões de forma, integrando a primeira categoria todas as que se debruçam sobre o fundo da causa, no sentido de que apreciam e julgam, decidindo, a relação substantiva (de direito substantivo) em litígio, enquanto as segundas, correspondem às que são proferidas, num processo, com o objetivo de regular e cumprir as exigências formais de cada lide, especificamente;

- a sentença (exemplo-tipo, sacramental, das decisões judiciais de mérito), é, por definição (Artigo 152.º n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC).), “o ato pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa”;

- os despachos de mero expediente (paradigma de decisões formais) são destinados “a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes”;

- no devir de um processo judicial é viável (e frequente) a pendência de matérias/questões controvertidas, de diversa natureza, a que se impõe o juiz prover, por regra, mediante a prolação de despacho(s) (que, por facilidade de raciocínio, comparação e exposição, podemos rotular de decisórios).

Posto isto, como, entre outros, se argumentou no acórdão, do STA, de 28 de outubro de 2020 (279/18.1BEMDL), no tratamento do aspeto que nos ocupa, não podemos, ainda, olvidar que “a última reforma processual tributária, na parte respeitante aos recursos jurisdicionais, foi determinada por um objectivo de apreciação das competências da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, com o firme propósito de libertar este Tribunal dos recursos relativos a questões consideradas de menor importância, em termos idênticos aos anteriormente reconhecidos ao Supremo Tribunal de Justiça e à Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (cfr., respectivamente, artigos 678.º do CPC e 151º do CPTA). (Cfr. Despacho da Ministra da Justiça de 13-10-2016 (…) e a “ Exposição de Motivos” que acompanhou a Proposta de Lei n.º 168/XIII, disponível para consulta em (…).

E embora seja certo que com esse objectivo se visava a criação de condições adequadas ao exercício da primordial função que deve estar reservada àquela Secção - de orientação e uniformização da jurisprudência tributária - e que o recurso previsto no n.º 3 do artigo 280.º do CPPT teve em vista precisamente a uniformização de decisões, é evidente que também se tem de reconhecer que o legislador considerou que apenas as decisões contidas em sentenças (citado n.º 3 do artigo 280.º) ou em acórdãos (conforme artigo 284.º também do CPPT) revestiam dignidade suficiente para assumir a qualidade de “questão carecida de uniformização de decisões”.

Em suma, o legislador não considerou que a existência de meros despachos de incidentes, que decidam em sentido oposto questão de mérito incidental assumam relevância bastante para poderem ser objecto do recurso previsto no n.º 3 do artigo 280.º, n.º 3 do CPPT.

Entender o contrário seria, aliás, admitir que o legislador simultaneamente legislou em sentidos opostos, ou seja, enquanto, nas situações de recurso per saltum, restringia significativamente as competências da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo a decisões de mérito da causa (n.º 1, do artigo 280.º do CPPT), contrariamente, permitia que fossem susceptíveis de recurso jurisdicional quaisquer despachos proferidos pelos tribunais fiscais em sentido oposto, bastando para tanto mais de três despachos em sentido oposto, qualquer que fosse a sua natureza ou valor, desta forma vulgarizando um recurso que o legislador manifestamente quis que fosse excepcional (cfr. n.º 3, in fine, do artigo 9.º do CC)

Note-se que a redacção do n.º 3 do artigo 280.º do CPPT foi modificada de forma a harmonizá-la com o regime geral dos recursos e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 118/19, designadamente com a introdução no processo fiscal do critério da sucumbência (…) e com a restrição da admissibilidade do recurso per saltum no contencioso tributário às situações em que a decisão proferida conhece do mérito da causa (artigo 280.º, n.º 1 do CPPT), passando ainda a impor que, nas situações em que ocorra oposição com decisões de tribunais superiores, incluindo do Supremo Tribunal Administrativo, essa oposição se tenha de verificar relativamente a mais de três decisões. («iii) Recurso per saltum: restringiu-se a aplicabilidade do recurso per saltum no contencioso tributário, previsto no n.º 1 do artigo 280.º, através da exclusão do seu âmbito das questões processuais, nomeadamente a ineptidão da petição inicial, o erro na forma de processo, entre outros, assumindo o STA como um verdadeiro tribunal de cúpula da jurisdição administrativa, limitando o recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, para além do já admitido requisito da fundamentação exclusivamente em matéria de direito, às situações em que a decisão proferida for de mérito» - cfr. “Exposição de Motivos” que acompanhou a Proposta de Lei n.º 168/XIII, integralmente disponível em (…).”.

Estando envolvido, in casu, um despacho igual (de indeferimento de reclamação, contra nota discriminativa e justificativa de custas de parte) ao que foi versado no aresto acabado de coligir, não vemos, sobretudo, versando os argumentos aduzidos pela rte (limitam-se a defender/insistir nas razões capazes de conduzirem à revogação da decisão recorrida), fundamento para infletirmos, no sentido do judiciado.

O despacho recorrido, comprovada e consensualmente, não é uma sentença, porque esta, já, havia sido proferida anteriormente e decidiu a causa principal, bem como, para nós, também, não pode adquirir essa qualidade/natureza, em virtude de não haver decidido incidente que apresente a estrutura de uma causa (desde logo, a reclamação da nota justificativa é decidida sem exercício de, específico, contraditório e acompanha a tramitação da reclamação da conta, cuja estrutura, objetivamente, não é duma causa/lide normal - arts. 26.º-A e 31.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP)).

Outrossim, de igual modo, não acolhemos o argumento de que o despacho em apreço pôs fim, decidiu, resolveu, determinada pretensão, de uma parte processual, isto é, foi proferido sobre o mérito daquela. Com esta amplitude, pouco ou não sobraria, das várias decisões que um processo judicial comporta, não suscetível de integrar o conceito de “decisão de mérito”.

Apesar disto, embora não seja o caso (do despacho recorrido), cogitamos a existência de decisões que, não se debruçando sobre o fundo da causa, ou seja, não julguem e decidam a relação substantiva (de direito substantivo) em litígio, sejam, só por si, capazes de pôr termo, findarem, uma causa, em relação às quais, obviamente, não temos, por princípio, reservas, sobre a admissibilidade de recurso, por oposição de julgados, para o STA (cumpridas as demais condições legais), porque, no mínimo, têm de, para o efeito, ser consideradas equiparáveis a decisões de mérito.

Um parêntesis, final, para mencionar:

- a anterior, vasta, jurisprudência, do STA, em torno do funcionamento do art. 280.º n.º 5 CPPT (redação revogada), em função das alterações legislativas, contemporaneamente, ocorridas, não deixando de ser respeitada nos recursos interpostos no âmbito dessa normatividade, apresenta-se-nos, em particular, quanto à defesa de que o apelo em causa podia abranger outras decisões além das de mérito, incompatível com o cenário legislativo decorrente das alterações introduzidas pela Lei n.º 118/2019 de 17 de setembro, destacadamente, no ponto em que o n.º 1 do art. 280.º do CPPT impõe recurso, para a Secção de Contencioso Tributário do STA, de decisão proferida sobre o mérito (“decisão proferida for de mérito”), quando, antes, se bastava com a exigência de matéria (disputada) exclusivamente de direito, estando em causa quaisquer decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância, de mérito e/ou de forma;

- a solução que defendemos não comporta qualquer diminuição das garantias das partes, em sede de recursos jurisdicionais, porquanto as decisões, proferidas em processos cujo valor da causa e/ou da sucumbência seja inferior ao da alçada do tribunal de que se recorre, continuam a ser, em princípio, sempre, passíveis de recurso, por oposição de julgados (art. 280.º n.º 3 do CPPT), que, nos casos de as visadas não serem de mérito, tem de ser interposto para o TCA competente (e não, como no passado, obrigatoriamente, para o STA).


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# III.


Ante o exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos não admitir este recurso, por oposição de julgados.

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Custas pela recorrente.

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[texto redigido em meio informático e revisto]


Lisboa, 17 de fevereiro de 2021.- Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.