Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0891/13 |
Data do Acordão: | 11/13/2013 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | VALENTE TORRÃO |
Descritores: | RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL PRESSUPOSTOS |
Sumário: | I - O recurso de revista excecional previsto no artº 150º do CPTA só é admissível se for claramente necessário para uma melhor aplicação do direito ou se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental. II - Não se justifica, à luz da apontada disposição legal, a admissão de revista para reapreciar a questão de saber se, para efeitos de reversão de dívida de sociedades comerciais contra o responsável subsidiário e, estando provada a gerência de direito, quais são os factos que se devem considerar como suficientes para se dar como provada a efetiva gerência, e a culpa na insuficiência patrimonial da devedora originária nos termos do n° 1 do artº. 24° da LGT, tendo em conta que o sócio gerente, assinou documentos que vinculam a sociedade, designadamente escrituras públicas de alienação de património da mesma. |
Nº Convencional: | JSTA000P16572 |
Nº do Documento: | SA2201311130891 |
Data de Entrada: | 05/20/2013 |
Recorrente: | FAZENDA PÚBLICA |
Recorrido 1: | A............ |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I. A Fazenda Pública veio, ao abrigo do disposto no artº 150º do CPPT, recorrer do acórdão do TCA Sul, de 22.01.2013, proferido no Processo nº 0604/12, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui: A) Quanto à questão de saber, para efeitos de reversão de dívida de sociedades comerciais contra o responsável subsidiário e, estando provada a gerência de direito, quais são os factos que se devem considerar como suficientes para se dar como provada a efetiva gerência, e a culpa na insuficiência patrimonial da devedora originária nos termos do n° 1 do artº. 24° da LGT, tendo em conta que o sócio gerente, assinou documentos que vinculam a sociedade, designadamente escrituras públicas de alienação de património da mesma, verificam-se assim, os requisitos que permitem a interposição de recurso de revista para o STA, nos termos do artº. 150º do CPTA. B) Uma vez que, tal questão assume relevância jurídica ou social, aferida em termos da utilidade jurídica, com capacidade de expansão da controvérsia que ultrapasse os limites da situação singular, decorrendo, da interposição do presente recurso a possibilidade da melhor aplicação do direito, tendo como escopo a uniformização do direito, dado que tal questão tem capacidade para se repetir num número indeterminado de casos futuros. C) Assim, tal questão assume particular relevância jurídica ou social, atenta a necessidade de uma melhor aplicação do direito neste e em outros casos futuros, tendo em conta não só a pertinência da questão jurídica centrada na determinação do regime de responsabilização do sócio, gerente de direito, para responder pela dívida da sociedade, mas também, pelo facto de, face às inúmeras decisões desfavoráveis do TCA Sul, se mostrar assaz pertinente que o órgão de cúpula da justiça administrativa tributária, embora tendo em conta que a gerência de facto sempre se há de apurar em cada caso em concreto, contudo se pronuncie, de forma genérica, sobre se certos factos são suficientes para que a AT consiga dar por provada a gerência de facto e a culpa na insuficiência patrimonial. D) Deve, pois, ser admitido o presente recurso de revista, uma vez que o mesmo versa sobre matéria de interpretação complexa, acerca da qual é admissível existirem dúvidas interpretativas na aplicação do quadro legal da responsabilização, pelo exercício da gerência de facto, dos administradores, diretores e gerentes de direito, que pode interessar a um leque alargado de interessados e eventuais casos pendentes em Tribunal, tendo já sido inclusivamente interposto, sobre esta mesma questão, recurso de que servirá para uma melhor e, a partir da pronúncia do STA, uniforme aplicação do direito. E) Quanto ao mérito do presente recurso, o Acórdão ora recorrido fez, salvo o devido respeito, uma errada interpretação e aplicação do artº. 24°, n° 1 da LGT, aos factos, pelo que, não se deva manter. F) De facto, considerou o Acórdão ora recorrido que, pese embora o recorrido ter sido nomeado administrador da sociedade, e de ser único gerente no período entre 05/04/2001 e 06/08/2004, ao que acresce o facto de ter celebrado enquanto tal, escrituras públicas de venda de património da sociedade devedora originária, o Acórdão recorrido considerou que não foi feita a prova positiva necessária ao preenchimento do conceito de culpa na diminuição do património societário. G) Ora, nos termos da legislação comercial, resulta que os administradores ou gerentes, uma vez nomeados e tendo iniciado o exercício das suas funções, são titulares de poderes/deveres funcionais. H) Tais administradores e/ou gerentes formam e exteriorizam a vontade da pessoa coletiva, vinculando-a, com a sua assinatura, Perante terceiros, praticando atos que lhe foram atribuídos, em nome e no interesse da pessoa coletiva, atos cujos efeitos se irão reproduzir na esfera jurídica desta última. I) Pelo que, parece-nos mais adequado concluir que, conjugando a natureza contratual e pessoal da gerência com a inerência da titularidade do cargo à capacidade de exercício, em sede normativa da responsabilidade subsidiária, das expressões legais, deriva claramente a presunção de que quem tem a titularidade do cargo de gerente leva à prática do seu exercício. J) E que, comprovada a gerência de facto, e a prática de atos em representação da sociedade, também é feita “prova positiva” da factualidade necessária ao preenchimento do conceito de culpa do gerente na insuficiência do património da devedora originária para satisfazer as dívidas exequendas. Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V Exas., deve ser admitido o presente recurso de revista e, analisado o mérito do recurso, deve ser dado provimento ao mesmo, revogando-se o Acórdão recorrido, com todas as legais consequências. II. O MºPº emitiu o parecer que consta de fls. 229/230 no qual se pronuncia pela não admissão do recurso, louvando-se na seguinte argumentação: “A revista excecional foi consagrada no C.P.T.A., mas não no C.P.P.T. - assim, não consta qualquer referência à mesma nos arts. 279º. e ss. do C.P.P.T. É certo que tem sido admitida como possível pela 2ª. secção do S.T.A., com base no previsto no artº. 42º alínea, a) do E.T.A.F. e na aplicação subsidiária e com adaptações do que se encontra previsto no artº. 150º do C.P.T.A. A ser de entender assim, a sua admissão depende, a final, de requisitos de ordem formal, de acordo com o previsto ainda no nº 2 do dito artº 150º. Ou seja, a questão em causa deve ter relevo jurídico ou social, e revestir ainda de importância fundamental ou a decisão a proferir ser claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. Quanto à questão ter importância fundamental ou de ser claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, significa-se ser a mesma emergente de legislação nova passível de sérias divergências (efeito preventivo), ou de ter sido foi resolvida ao arrepio do entendimento uniforme da jurisprudência ou mesmo da doutrina (efeito reparador). E quanto a questão ter relevo social, são ainda assinalados na lei como interesses importantes da comunidade ou ligadas aos direitos dos consumidores, a saúde, o ambiente, a ecologia, a qualidade de vida e o património cultural e histórico, segundo o previsto no artº. 99º, nº 2 do C.P.T.A. …A questão em causa é relativa aos pressupostos de que depende a aplicação do previsto na alínea a) do nº. 1 do artº. 24º. da LG.T. Ora, a mesma não é nova, nem se mostra decidida ao arrepio do entendimento dominante. É certo que no recurso interposto se cita alguma jurisprudência constante de 2 acórdãos do T.C.A. Sul e, ainda, um outro antigo acórdão do S.T.A., bem como doutrina, com base no que se defende ser de presumir da titularidade do cargo o exercício de funções. Com efeito, no acórdão recorrido, cita-se acórdão do TCA Sul em que se adotou o entendimento de ser um ónus da A.T. provar a culpa do gerente na insuficiência do património, conforme previsto na alínea a) do n.º 1 do referido artº. 24º. É certo que no recurso interposto se cita alguma jurisprudência em contrário constante de 2 acórdãos do T.C.A. Sul e, ainda, um outro antigo acórdão do S.T.A., bem como doutrina, em que se decidiu ser possível presumir da titularidade do cargo o exercício de funções. De tal parece não ser possível inferir ter-se decidido contra o entendimento dominante. …3. Concluindo, parece que o dito recurso de revista excecional não é de admitir, por não se encontrar consagrado no C.P.P.T., nomeadamente, nos arts. 279. e ss. do C.P.P.T., nem estarem reunidos os requisitos previstos no artº 150º do C.P.T.A”. III. Colhidos os vistos legais cumpre agora decidir. IV. Com interesse para a decisão foram dados como provados os seguintes fatos: A) Em 16/12/2005 foi instaurado no serviço de finanças de Lisboa 2 o processo de execução fiscal n.° 3247200501168568 à sociedade “B…………, Lda”, para a cobrança de IRC do exercício de 2001, no montante total de 79.596,16€, cujo prazo limite de pagamento voluntário terminou em 05/11/2005, e o processo de execução fiscal n.° 3247200601198742, instaurado a 15/12/2006, referente a IRC de 2001, cujo prazo limite de pagamento voluntário terminou a 05/07/2006 (cfr. documentos no Processo de Execução Fiscal apenso de fls. 1 e verso, e fls. 4 dos autos). B) A liquidação de IRC de 2001, no montante total, cujo prazo limite de pagamento voluntário terminou a 05/07/2006, foi emitida em 04/05/2006 (cfr. documentos junto ao processo de execução fiscal). C) Em 01/03/2007 foi lavrada certidão de citação da sociedade “B…………, Lda”, para os termos dos processos de execução fiscal por afixação, nos termos do art° 240.° do CPC (cfr. documentos de fls. 12 do Processo de Execução Fiscal apenso). D) O Oponente outorgou escrituras públicas na qualidade de sócio gerente da sociedade “B…………, Lda” em 23/02/1999, 14/07/2000, 15/03/2004 (cfr. fls. 68 a 77 do Processo de Execução Fiscal apenso). E) Em 14/04/2011 foi proferido despacho de reversão da execução fiscal mencionada em A), pelo chefe do serviço de finanças de Lisboa 2, relativamente ao Oponente, na qualidade de responsável subsidiário, nos termos do disposto na alínea a) do n.° 1 do art.° 204.° do CPPT (cfr. documento de fls. 85 e 86 do Processo de Execução Fiscal apenso). F) Em 18/04/2011 foi assinado o aviso de receção que cita o Oponente para os termos do processo de execução fiscal, no montante total 1.674.251,56€ (cfr. documentos do Processo de Execução Fiscal apenso). G) Na matrícula da sociedade “B…………, Lda” da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, 3ª secção, encontra-se inscrito pelo ap. 11/960315 que o Oponente é sócio e gerente da sociedade, juntamente com C………… e D………… e E………… (cfr. certidão da Conservatória do Registo Comercial de fls. 20 e segs. dos autos). H) Na matrícula da sociedade “B…………, Lda” da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, 3ª secção, encontra-se inscrito pela ap. 22/961125 a cessão de funções de gerência de C………… e D………… (cfr. certidão da Conservatória do Registo Comercial de fls. 20 e ss dos autos). I) Na matrícula da sociedade “B…………, Lda” da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, 3ª. secção, encontra-se inscrito pela ap. 19/010420 a cessão de funções de gerência de E………… (cfr. certidão da Conservatória do Registo Comercial de fis. 20 e ss dos autos). J) Na matrícula da sociedade “B…………, Lda” da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, 3ª secção, encontra-se inscrito pela ap. 05/040824 que o Oponente cessou as funções de gerente por renúncia de “040806” (cfr. certidão da Conservatória do Registo Comercial de fls. 20 e segs. dos autos). K) A sociedade desde 15/03/1996 até 24/08/2004 vinculava-se com a assinatura de um dos gerentes (cfr. certidão da Conservatória do Registo Comercial de fls. 20 e ss dos autos). L) A Oposição foi apresentada junto do serviço de finanças de Lisboa 2 em 17/05/2011 (cfr. fls. 5 dos autos). V. Conforme acima referido, está interposto recurso de revista do acórdão do TCA Sul, de 22 de janeiro de 2013, ao abrigo do disposto no artº 150º do CPTA, pelo que importa apreciar agora a sua admissão liminar. V.1. O artº 150º citado, estabelece o seguinte: Sobre essa relevância jurídica ou social, de importância fundamental ou da necessidade da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito, esta Secção tem-se pronunciado de forma reiterada e uniforme, pelo que iremos aqui reproduzir parte do que ficou escrito nesta matéria no recente acórdão de 25.09.2013 – Processo nº 01013/13. “2. Segundo o disposto no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA, “das decisões proferidas em 2.ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, competindo a decisão sobre o preenchimento de tais pressupostos, em termos de apreciação liminar sumária, à formação prevista no n.º 5 do referido preceito legal. |