Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 02614/23.1BELSB |
Data do Acordão: | 01/25/2024 |
Tribunal: | PLENO DA SECÇÃO DO CA |
Relator: | ANA CELESTE CARVALHO |
Descritores: | COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO PROCURADOR GERAL DA REPÚBLICA MINISTÉRIO PÚBLICO AUTORIDADE DO CASO JULGADO CASO JULGADO FORMAL INTERPRETAÇÃO DA LEI ESTATUTO DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS |
Sumário: | I – A determinação dos pressupostos processuais, de entre os da competência do tribunal, exige que se atenda à relação material controvertida tal como ela é apresentada pelo autor e ao pedido que dela decorre. II - Por a questão de a presente ação ter sido considerada instaurada contra a Conselheira Procuradora-Geral da República e não ter sido impugnada por qualquer das partes, nem ter sido posta em causa no Acórdão do STA, ora recorrido, por nele não se pôr em causa que a presente ação tem como Entidade Demandada a Conselheira Procuradora-Geral da República e basear toda a sua decisão nessa circunstância, tal decisão transitou em julgado, não integrando o objeto de pronúncia deste Tribunal Pleno. III - Haverá caso julgado formal se a sentença ou o despacho incidirem apenas sobre a relação processual, circunscrevendo-se a sua força obrigatória à questão processual concreta julgada no processo (artigo 620.º do CPC) e caso julgado material quando a sentença ou despacho respeitarem ao mérito da causa subjacente à relação material controvertida, passando a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, nos termos do n.º 1, do artigo 619.º do CPC. IV - No presente caso está em causa a autoridade de caso julgado, que produz o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão, de modo que o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial ou pressuposto necessário, que será tido em conta na decisão que há-de ser posteriormente proferida, ou seja, a decisão antecedente constitui uma premissa da decisão subsequente. V - A autoridade de caso julgado implica a proibição de novamente ser apreciada certa questão, podendo atuar independentemente da tríplice identidade exigida pelo artigo 581.º do CPC. VI - Bem ou mal, o que não se pode agora reapreciar, por ter sido decidido por sentença com força de caso julgado formal, tem de se entender que a presente ação foi instaurada contra a Procuradora-Geral da República, ou seja, contra quem figura no disposto na subalínea viii), da alínea a), do n.º 1, do artigo 24.º do ETAF, que prevê o “Procurador-Geral da República”. VII - Constitui tarefa do juiz fixar o sentido com que o enunciado linguístico deve valer para o caso, mas, de entre todos os sentidos possíveis, não só deve partir do texto legal, o qual tem a função negativa, de eliminar os sentidos que não tenham qualquer apoio na letra da lei, como tem a função positiva, por que, se o texto apenas comportar um sentido, é esse o sentido da norma e, se tem mais do que um sentido, impõe que se atribua o significado mais natural e direto, ao invés da interpretação mais forçada ou contrafeita. VIII - A atividade jurisdicional é uma função que se encontra subordinada à lei (n.º 2, do artigo 8.º do Código Civil) e a função de controlo que se encontra conferida ao poder judicial encontra-se limitada aos casos de constitucionalidade (artigo 204.º da Constituição), visando assegurar a respetiva conformidade às valorações previamente assumidas pelo legislador. IX - O juiz tem legitimidade democrática para descobrir e aplicar aos casos o direito que já é e já existe, carecendo de legitimidade para opções inspiradas em diretivas políticas ou conceções de política-legislativa. X - Atento o decidido de que a presente ação se considera instaurada contra a Procuradora-Geral da República, não há dúvidas de que esta integra a subalínea viii), da alínea a), do n.º 1, do artigo 24.º do ETAF, segundo a qual compete à Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo conhecer dos processos em matéria administrativa relativos a ações ou omissões das entidades previstas nas respetivas alíneas. XI - Sendo a presente ação pré-contratual, em que é peticionada a condenação da entidade adjudicante à emissão de diversos atos administrativos, além da impugnação do ato de adjudicação, no âmbito de um procedimento de formação de contrato, que tem por objeto a aquisição de bens, submetido à disciplina dos artigos 100.º e seguintes do CPTA, está em causa uma ação administrativa, cuja pretensão respeita a matéria administrativa e relativa a ações da entidade que vem referida na subalínea viii), da alínea a), do n.º 1, do artigo 24.º do ETAF, envolvendo a prática de atos administrativos, no exercício de poderes de autoridade da Entidade Demandada. XII - Na formulação legal da alínea a), do n.º 1, do artigo 24.º do ETAF, ao referir-se expressamente a entidades, afigura-se evidente a finalidade de preservação do prestígio das instituições e de quem, em cada momento, personifica a respetiva entidade, por tanto se preverem entidades, como os seus respetivos presidentes, como consta das várias subalíneas [v.g. subalíneas ii) e vii), mas, também, nos casos das subalíneas i), iv), v) e viii)]. XIII - Em todos os casos das subalíneas da alínea a), do n.º 1, do artigo 24.º do ETAF, estão previstos órgãos de soberania e os mais altos cargos públicos, assim como, os seus respetivos titulares, onde se inclui o Procurador-Geral da República. XIV - Estão em causa órgãos de soberania e outros altos cargos públicos, em que sobressaem razões protocolares, ou seja, razões que se articulam e conjugam com a configuração do Supremo Tribunal Administrativo como um verdadeiro tribunal supremo, por ser o competente para julgar litígios em que intervenham as mais altas figuras do Estado português. XV - Se o legislador confere ao mais alto tribunal da Jurisdição Administrativa e Fiscal o papel de guardião ou de regulador do sistema da Justiça Administrativa e Fiscal, intencionalmente, manteve a competência primária para certas matérias (alíneas b), f) e i), do n.º 1, do artigo 24.º do ETAF) e para certas entidades (alíneas a) e e), do n.º 1, do artigo 24.º do ETAF), algo que se afigura absolutamente evidente no contexto do sistema normativo que configura o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. |
Nº Convencional: | JSTA000P31858 |
Nº do Documento: | SAP2024012502614/23 |
Recorrente: | MINISTÉRIO PÚBLICO E OUTROS |
Recorrido 1: | A..., S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |