Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0884/12.0BEBRG
Data do Acordão:12/16/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
RESPONSABILIDADE HOSPITALAR
CONSENTIMENTO
ÓNUS DE PROVA
DANO PATRIMONIAL
DANO NÃO PATRIMONIAL
Sumário:I - O consentimento informado para ser válido e eficaz carece de ser livre e esclarecido, exigindo-se o fornecimento ao paciente da informação adequada relativa ao diagnóstico e estado de saúde, ao prognóstico, à natureza, aos meios e fins/alcance, às consequências secundárias e riscos frequentes, inevitáveis ou possíveis associados ao tratamento/intervenção propostos à luz do que se mostra descrito na literatura médica/científica e das eventuais alternativas ao tratamento/intervenção propostos segundo essa mesma literatura e dos riscos/consequências secundárias que lhe estão associados, e aos aspetos económicos do tratamento.
II - Excetuados casos excecionais, nomeadamente os casos de urgência ou os de expressa previsão/determinação legal, o prévio consentimento informado apresenta-se, em regra, como necessário sempre que um paciente haja de ser submetido a um tratamento ou a um exame ou qualquer outra intervenção no domínio da saúde, seja de carácter preventivo, diagnóstico ou terapêutico.
III - Funcionando o consentimento como causa de exclusão da ilicitude da conduta e constituindo a adequada informação pressuposto da sua validade estamos, então, ante matéria/defesa de exceção como facto impeditivo [cfr. art. 342.º, n.º 2, do CC] pelo que o ónus da prova do consentimento e de que o mesmo foi dado de modo esclarecido impende sobre os sujeitos demandados, nomeadamente o hospital, ónus esse igualmente operante também para o denominado consentimento hipotético.
IV - Ante o reconhecimento de uma situação de violação do dever de informação que conduziu a um consentimento inválido e de que as lesões causadas à integridade física e à liberdade são ilícitas gera-se uma obrigação de indemnizar os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo paciente.
V - Para haver obrigação de indemnizar é condição essencial que o facto ilícito culposo tenha gerado um prejuízo a alguém, sendo que a indemnização deve, sempre que possível, reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido o facto danoso [situação hipotética] [cfr. arts. 562.º, 563.º e 566.º, do CC].
VI - A compensação pelos «danos não patrimoniais» mostra-se ligada à pessoa humana, à sua dignidade e liberdade, não constituindo o juízo que a fixa uma atividade arbitrária já que na sua fundamentação terá de levar em consideração a ponderação da gravidade dos danos medida por um padrão objetivo e não à luz de fatores subjetivos, de uma sensibilidade particularmente «embotada», «aguçada» ou especialmente requintada do lesado(s), mas, também, os fins gerais e especiais prosseguidos pela indemnização neste âmbito e aquilo que é a prática jurisprudencial em situações similares [cfr. arts. 496.º e 08.º, n.º 3, ambos do CC].
Nº Convencional:JSTA00071354
Nº do Documento:SA1202112160884/12
Data de Entrada:04/09/2021
Recorrente:A...............
Recorrido 1:B................ – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. E OUTROS
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO

1. A………………… [doravante A.], devidamente identificada nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga [doravante TAF/BRG] a presente ação administrativa comum, sob forma ordinária, contra CENTRO HOSPITALAR DO ALTO AVE, EPE e C……………. [doravante 1.º/R e 2.º/R.], sendo interveniente B…………… - COMPANHIA DE SEGUROS, SA, peticionando, pela motivação aduzida na petição inicial [fls. 01/42 dos autos - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], a condenação solidária dos RR. no pagamento da quantia de 85.175,00 €, a título de danos não patrimoniais e patrimoniais.

2. O TAF/BRG, por sentença de 29.11.2019 [cfr. fls. 823/849], julgou a presente ação administrativa comum parcialmente procedente e, em consequência, condenou o 1.º/R. «no pagamento de uma indemnização no valor de € 1000,00, por ter realizado intervenção cirúrgica em 20/05/2004, sem prestar informação com vista a obter um consentimento livre, consciente e esclarecido da Autora», tendo absolvido o 2.º/R. do pedido.

3. A A., inconformada, recorreu para o Tribunal Central Administrativo Norte [doravante TCA/N] que, por acórdão de 30.10.2020 [cfr. fls. 991/1039], negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida «ainda que, em parte, com distinta fundamentação».

4. Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA a mesma A., de novo inconformada agora com o acórdão proferido pelo TCA/N, interpôs, então, o presente recurso jurisdicional de revista [cfr. fls. 1053/1075], apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz:
«...
II. O Tribunal Central Administrativo Norte entendeu negar provimento ao recurso interposto pela Autora e manter a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, ainda que, em parte com distinta fundamentação.
III. O Tribunal de primeira instância julgou parcialmente procedente a ação administrativa comum, condenando o Hospital da Senhora da Oliveira-Guimarães, EPE, no pagamento de uma indemnização no valor de 1000,00 €, por ter realizado intervenção cirúrgica em 20/05/2004, sem prestar informação com vista a obter um consentimento informado, livre, consciente e esclarecido da Autora; absolvendo-se o Médico Demandado do pedido.
IV. Entendeu o Tribunal de primeira instância que a conduta da Autora devia ditar a redução, nos termos do artigo 570.º do Código Civil, da responsabilidade dos demandados e consequentemente da indemnização a fixar.
V. O Tribunal de primeira instância julgou provado que a conduta da Autora foi passiva, devido a não ter feito prova de que se tivesse recebido mais informação adequada acerca dos riscos gerais e em especial dos riscos de paralisação da corda vocal em abdução, de imobilidade da hemilaringe em posição paramediana e de lesão nervosa laríngea, teria recusado o consentimento necessário para a intervenção cirúrgica, e ainda que a Autora não podia desconhecer que este tipo de intervenção comportava riscos, tendo tido tempo para refletir sobre se devia recorrer a uma segunda opinião sobre a terapêutica adequada ao seu estado de saúde e respetivos riscos.
VI. Tendo verificado uma conduta passiva da Autora, entendeu o Tribunal de primeira instância que tal conduta era concorrente para a falta de menção integral dos riscos em geral e deste risco em especial.
VII. Passando ao cálculo da indemnização assente em juízos de equidade tendo em conta o exposto na Sentença, após ponderação casuística da individualidade do caso concreto, entendeu o Tribunal de primeira instância atribuir uma indemnização no valor de 1000,00 € (mil euros) à Autora.
VIII. Por seu turno, o Tribunal Central Administrativo Norte, em sede de apreciação da Sentença, considerou que os factos alegados na Sentença não demonstram que a Recorrente tenha contribuído com culpa para a falta de conhecimento dos riscos médicos associados à intervenção cirúrgica, a prestar pelo Recorrido Hospital, não concordando com a Sentença quando aquela atribui à Recorrente um comportamento ético-juridicamente censurável, concorrente com a conduta culposa do Hospital demandado quanto à ausência de consentimento livre, esclarecido e informado, respeitante aos riscos da cirurgia em causa.
IX. No entanto, o Tribunal Central Administrativo Norte entendeu ocorrerem nos autos circunstâncias que podem diminuir a culpa do Recorrido Hospital; mormente pelo facto do diagnóstico quanto ao nódulo em causa e à necessidade de cirurgia, informado à Recorrente se mostrar correto segundo a leges artis, da Recorrente ter sempre exteriorizado vontade de ser operada e de Médico Demandado nunca ter representado o risco verificado como possível.
X. Acresce que, o Acórdão proferido pelo Tribunal "a quo" considerou não se vislumbrar a existência de nexo de causalidade entre a falta e ausência da prestação da informação pelo Hospital com vista a um consentimento informado, livre e esclarecido e a lesão padecida pela Recorrente de "paralisia da corda vocal direita em posição paramediana, com fenda glótica posterior".
XI. A Recorrente discorda deste entendimento, salvo o devido respeito por douto entendimento contrário, porquanto a responsabilidade por atos médicos funda-se principalmente em dois fatores: o primeiro, mais clássico, que se traduz na má prática médica ou no erro técnico; o segundo, que vem adquirindo relevância, na violação dos direitos dos pacientes, realçando-se, entre estes, a sua autonomia, e liberdade de autodeterminação, por desrespeito do dever de informar, que impede o paciente de usufruir da sua liberdade de consentir ou dissentir a intervenção.
XII. O paciente só autoriza a intervenção médica efetuada na sua pessoa, de forma plena e consciente, se estiver na posse e tiver conhecimento dos elementos necessários para tomar essa decisão: só então se pode concluir pela verificação do seu consentimento livre e informado.
XIII. A ofensa à integridade física em que se traduz a intervenção efetuada no corpo do paciente mostra-se ilícita, porquanto o consentimento prestado é ineficaz, visto que inquinado pelo desconhecimento.
XIV. Decidiu o Tribunal Central Administrativo Norte, Tribunal "a quo", que não existe nexo de causalidade entre a ausência do consentimento informado, livre e esclarecido, considerada uma conduta ilícita e culposa e os danos sofridos pela Recorrente, paciente, em consequência da intervenção cirúrgica.
XV. Tem sido entendimento da Jurisprudência e da Doutrina, que perante a ausência ou ineficácia do consentimento informado, livre e esclarecido, são ressarcíveis não só os danos não patrimoniais causados pela violação do direito do paciente à autodeterminação e à liberdade, mas também por violação da sua integridade física (e, eventualmente, da vida) (artigos 70.º e 483.º CC), bem como os danos patrimoniais derivados do agravamento do estado de saúde.
XVI. Perfilha este entendimento designadamente o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 3192/14.8TBBRG.G1.S2, de 24/10/2019 (…), com o seguinte sumário:
"... A responsabilidade civil emergente da realização de ato médico, ainda que se prove a inexistência de erro ou má prática médica, pode radicar-se na violação do dever de informação do paciente relativamente aos riscos e aos danos eventualmente decorrentes da realização do ato médico...", este Acórdão confirma a decisão proferida no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo n.º3192/14.8TBBRG de 10/01/2019, (…), onde se dispõe:
"...
1. Nem só a má prática médica ou o erro técnico é fundamento de responsabilidade médica, também o é a violação dos direitos dos pacientes, realçando-se, entre estes (mas existem muitos outros), a sua autonomia e autodeterminação, por desrespeito do dever de informar, que impede que o paciente usufrua da sua liberdade.
2. Porque sem a devida informação o paciente não pode dar um consentimento esclarecido e válido, o médico que omite tais informações, ao realizar o procedimento, age sem o consentimento (eficaz) do paciente e por isso tem que responder por todas as consequências danosas que o seu ato ilícito provocou.
3. Consistindo então o ato danoso no próprio procedimento médico, seja porque se entende que tudo se deve passar como se o consentimento não tivesse sido dado, porque este estava inquinado por falta de informação, seja porque se entende que há que presumir que, caso a informação fosse prestada, o paciente não aceitaria o procedimento, impõe-se a indemnização dos danos que este não teria tido se não fosse a realização do procedimento, encontrando-se desta forma uma relação de causalidade adequada entre a realização do tratamento sem a devida informação e as lesões originadas por este...
Assim, seja porque se entende que há que presumir que, caso a informação fosse prestada, a Autora não aceitaria o procedimento, seja porque se entende que tudo se deve passar como se esta não o tivesse dado, porque este estava inquinado por falta de informação, consistindo então o ato danoso no próprio procedimento médico, havendo que indemnizar os danos que a Autora não teria tido se não fosse a realização do procedimento, encontra-se sempre aqui uma relação de causalidade adequada entre a realização do tratamento sem a devida informação e as lesões originadas por este."
XVII. No mesmo sentido decidiu o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, Processo nº308/09.0TBCBR.C1 de 11/11/2014, com o seguinte sumário:
"... 3. A ação de responsabilidade civil médica pode fundar-se no erro médico e/ou na violação do consentimento informado. Enquanto que na primeira, com a regras de arte se visa salvaguardar a saúde e a vida do paciente, na segunda o bem jurídico tutelado é o direito à autodeterminação nos cuidados de saúde".
XVIII. Bem como o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/11/2017, Processo nº23592/11.4T2SNT.L1.S1, (…), onde consta no sumário:
… Muito embora, naturalisticamente, não tenha sido a falta de informação que provocou “a lesão do nervo lingual direito” e demais danos que vêm provados, nem se tenha provado que a autora só aceitou submeter-se à intervenção porque não foi devidamente informada quanto aos respetivos riscos, porque, se tivesse sido, não a teria aceitado, a perspetiva jurídica correta para avaliar da existência do direito a uma indemnização, no caso concreto, é antes a de determinar se deve ser ressarcido o concreto dano consistente na perda da oportunidade de decidir correr o risco da lesão do nervo e das suas consequências.
… Tal perda de oportunidade, em si mesma, enquanto dano causado pela falta de informação devida é, em abstrato, suscetível de ser indemnizada, tendo a sua proteção como sustentação material o direito à integridade física e ao livre desenvolvimento da personalidade (arts. 25.º, n.º 1 e 26.º, n.º 1, da CRP e art. 70.º, n.º 1, do CC), incluindo-se no seu conteúdo, nomeadamente, o poder do titular de decidir em que agressões à sua integridade física consente, assim afastando a ilicitude das intervenções consentidas (cfr. n.º 2 do art. 70.º e art. 81.º do CC).
… Nesta perspetiva, tendo ficado provado que: “Os RR. nunca informaram a A. da existência de algum risco na cirurgia a realizar, fosse ao nível de lesão de algum nervo ou qualquer outra, nem sequer mencionaram à A. que fosse uma cirurgia, uma extração especialmente complicada”, está ostensivamente demonstrado o concreto nexo de causalidade naturalístico, questionado pelos recorrentes, e preenchido o requisito da causalidade adequada (art. 563.º do CC).
…Tendo o acórdão recorrido ponderado, designadamente, que a lesão do nervo lingual provocou dores, encortiçamento da hemilíngua direita e limitações da vida habitual da autora que se mantiveram por bastante tempo e tendo em conta que o critério essencial de aferição da indemnização equitativa, segundo o disposto no n.º 1 do art. 496.º do CC, é o da gravidade do dano, é de manter o valor de € 18.000, calculado pela Relação, a título de danos não patrimoniais.
XIX. Na mesma esteira segue o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/06/2015, Processo n.º1263/06.3TVPRT.P1.S1 (…) foi decidido o seguinte:
“… O consentimento do paciente é um dos requisitos da licitude da atividade médica (artigos 5.º da CEDHBioMed e 3.º, n.º 2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia) e tem que ser livre e esclarecido para gozar de eficácia: se o consentimento não existe ou é ineficaz, a atuação do médico será ilícita por violação do direito à autodeterminação e correm por sua conta todos os danos derivados da intervenção não autorizada".
XX. Acresce que a Doutrina também vem perfilhando este entendimento, nomeadamente o Professor Doutor Jorge Ferreira Sinde Monteiro, em que perante a ausência ou ineficácia do consentimento informado, livre e esclarecido, serão ressarcíveis não só os danos não patrimoniais causados pela violação do direito do paciente à autodeterminação e à liberdade, mas também por violação da sua integridade física (e, eventualmente, da vida) (artigos 70.º e 483.º CC), bem como os danos patrimoniais derivados do agravamento do estado de saúde (Consentimento informado em Direito Civil e Penal 2019.Lisboa: Centro de Estudos Judiciários 2019, disponível na internet em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebook_civil.php).
XXI. Deste modo, a Recorrente considera que no caso em apreço serão ressarcíveis quer o dano moral causado por violação da sua liberdade de autodeterminação, por violação da autonomia individual e por privação da possibilidade de procurar uma segunda opinião médica perante o conhecimento da existência de riscos, quer as lesões que foram causadas à sua integridade física.
XXII. Em sede de matéria de facto provada constam os seguintes danos causados à integridade física da Recorrente, em consequência da intervenção ilícita de hemitiroidectomia direita realizada pelo Médico Demandado: após a cirurgia realizada pelo segundo Réu em 20/05/2004 a Autora deixou de poder realizar esforços, limitando a sua ação a nível pessoal, profissional e lúdico, a Autora vive angustiada e ansiosa com receio de ter crises de falta de ar (dispneia) graves ou de se engasgar de um momento para o outro, no local de trabalho a Autora necessita de percorrer distâncias entre o armazém e o seu posto de trabalho durante o horário laboral, de subir e descer escadas, o que muito lhe custa após a intervenção cirúrgica em causa nos autos e já lhe causou vários episódios de falta de ar graves, com necessidade de ser assistida pelos seus colegas de trabalho; mais resultou provado que a Autora se queixou ao segundo Réu de dificuldade em comer alimentos sólidos e secos como arroz, bolachas, maçãs ou pão, entre outros, por engasgamento fácil; dificuldade em dosear o ar que inspira e expira, principalmente enquanto fala, carrega pesos, realiza esforços; dificuldade em controlar o refluxo faringolaríngeo; crises frequentes de falta de ar, tosse e sensação de engasgamento (alíneas JJ), XX), ZZ), DDD) constantes da matéria de facto provada.
Mais resulta da matéria julgada provada que com referência a uma escala de 1 a 10 pontos, a aspiração recorrente e/ou incompetência laríngea atinge 10 pontos, cfr. fls. 404 e ss. dos autos, ou seja cfr. relatório da perícia médico legal.
XXIII. O consentimento informado deve compreender informação sobre o diagnóstico e estado de saúde, meios e fins do tratamento, prognóstico, natureza do tratamento proposto, consequências secundárias do tratamento proposto, riscos e benefícios do tratamento proposto, em especial riscos frequentes e riscos graves, alternativas ao tratamento proposto, seus riscos e consequências secundárias, aspetos económicos do tratamento.
XXIV. No que concerne aos riscos, a obrigação de informação deve estender-se àqueles que são normais e previsíveis, no caso em apreço resulta do relatório pericial e da alínea RR da matéria de facto provada que "A lesão nervosa laríngea é um risco descrito da cirurgia tiroideia e a paralisia da hemilaringe direita um risco possível da hemitiroidectomia direita" pelo que o Médico demandado tinha obrigação de representar o risco como possível, mesmo perante a dimensão do nódulo e a sua localização, por ser um risco identificado e descrito em estudos médicos e bibliografia médica.
XXV. Pelo exposto, salvo o devido respeito por douto entendimento contrário, a Recorrente considera que no caso em apreço serão ressarcíveis quer o dano moral causado por violação da liberdade de autodeterminação, por violação da autonomia individual, quer as lesões que foram causadas à sua integridade física.
XXVI. Mais considerou o Tribunal Central Administrativo Norte, o seguinte: "... que apesar da Sentença proferida na primeira instância não ter referido o disposto no artigo 496.º do Código Civil, não deixou de ponderar a culpa do lesante, que julgou atenuada pela conduta omissiva da Recorrente, nem as demais circunstâncias do caso (v.g. a indicação médica para a necessidade de cirurgia, ademais como único ato passível de aferir da benignidade ou malignidade do nódulo/tumor diagnosticado à Recorrente na parte direita da tiroide, de natureza e evolução imprevisível; a falta de prova de qualquer deficiente e/ou malformada técnica médico-cirúrgica, sendo a paralisia da hemilaringe direita um risco possível na hemitiroidectomia direita; o facto de o Médico Demandado nunca ter representado o referido risco como possível, atenta a dimensão do nódulo e sua localização, a falta de prova por parte da Recorrente de que se tivesse recebido mais informação acerca do referido risco em particular, teria, mesmo sabendo que a cirurgia era necessária e urgente, optado por não se submeter à intervenção cirúrgica em causa)...
XXVII. "... Neste contexto e nos termos do disposto no artigo 494.º, 496.º/1/4 e 566.º n.º3 do CC, cientes de que a equidade apela a valores, entre outros de razoabilidade, de justa medida das coisas e de igualdade, atestados pelo circunstancialismo do caso concreto, ponderando a culpa do lesante (que se tem por significativamente atenuada não por concorrência de culpas (que afastamos) mas pelo facto de o diagnóstico quanto ao nódulo em causa e à necessidade de cirurgia, informado à Recorrente, se mostrar correto segundo a leges artis, de a Recorrente ter sempre exteriorizado vontade em ser operada, e de o Médico Demandado nunca ter representado o referido risco como possível, atenta a dimensão do nódulo e sua localização) bem como o demais ponderado na sentença e que se acompanha, julgamos adequado e equitativo o valor de 1.000,00€ (mil euros) fixado pelo Tribunal a quo, a título de dano não patrimonial - dano ao direito/liberdade de autodeterminação da Recorrente - e no pagamento do qual o Recorrido Hospital foi condenado ...", em consequência foi negado provimento ao recurso apresentado pela Autora.
XXVIII. O Tribunal a quo entendeu que a culpa do lesante seria significativamente atenuada pelo facto de o diagnóstico quanto ao nódulo em causa e à necessidade de cirurgia, informado à Recorrente se mostrar correto segundo a leges artis, de a Recorrente ter exteriorizado vontade em ser operada e de o Médico Demandado nunca ter representado o risco como possível atenta a dimensão do nódulo e a sua localização.
XXIX. Ora, resulta e consta da matéria de facto provada que a lesão nervosa laríngea sofrida pela Recorrente é um risco descrito na cirurgia tiroideia conforme literatura e estudos médicos, conforme relatório pericial, pelo que o Médico Demandado tinha obrigação de ter representado o risco de lesão nervosa laríngea com paralisia da corda vocal e imobilidade da hemilaringe direita que se veio a verificar.
XXX. Acresce que, ainda que a Recorrente, paciente, demonstrasse e exteriorizasse vontade de ser operada, a decisão da realização e necessidade da cirurgia incumbe ao Médico.
XXXI. Por último, apesar da cirurgia ser necessária ou medicamente indicada não é suficiente para determinar a sua licitude ou diminuir a culpa do lesante e não afasta a obrigação de informar e esclarecer, sendo exigível o conhecimento e o esclarecimento sobre a índole, o alcance, envergadura e possíveis consequências e complicações da intervenção cirúrgica.
XXXII. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga decidiu que a conduta da Autora devia ditar a redução, nos termos do disposto no artigo 570.º do Código Civil, da responsabilidade dos Demandados e, consequentemente, da indemnização a fixar.
XXXIII. Todavia, apesar do Tribunal Central Administrativo Norte, tribunal a quo, ter decidido que "... assiste, em parte, razão à Recorrente na crítica que dirige à sentença recorrida uma vez que os factos alegados na sentença não demonstram que a mesma tenha contribuído, com culpa, para a falta de conhecimento dos riscos médicos associados à intervenção cirúrgica, a prestar pelo Recorrido Hospital", ainda assim, apesar da Recorrente não ter tido uma conduta concorrente para a falta de menção integral dos riscos e em especial dos riscos de paralisia da corda vocal direita e imobilidade da hemilaringe direita, não sendo de aplicar o disposto no artigo 570.º do Código Civil, o Tribunal a quo decidiu manter o valor fixado a título de indemnização.
XXXIV. O fundamento para a redução da indemnização fixada na sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, consistiu na conduta passiva da Autora concorrente para a falta de menção integral dos riscos em geral e dos riscos verificados em especial, tendo o Tribunal a quo decidido que os factos alegados na sentença não demonstram que a Autora tenha contribuído, com culpa, para a falta de conhecimento dos riscos médicos associados à intervenção, salvo o devido respeito por douto entendimento contrário, não deve haver redução da responsabilidade dos Demandados e da indemnização a atribuir.
XXXV. A equidade desempenha um papel corretor e de adequação da indemnização às circunstâncias do caso, todavia o recurso à equidade não afasta a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível, com a ponderação e atenção às circunstâncias do caso.
XXXVI. Os danos não patrimoniais supra descritos são ressarcíveis, como os incómodos, a angústia, a ansiedade, a lesão da intangibilidade pessoal e íntima da paciente, ainda, a violação da liberdade em si mesma.
XXXVII. O Código Civil consagra, em pleno, o princípio da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais (art. 496.º, n.º 1) e o critério da fixação equitativa da indemnização correspondente (art. 496.º, n.º 3).
XXXVIII. O consentimento informado do paciente, por força do primado da dignidade da pessoa humana e da sua autodeterminação, é um requisito essencial da licitude da intervenção cirúrgica.
XXXIX. O facto da cirurgia ser medicamente indicada, não é suficiente para determinar a sua licitude, exigindo-se o conhecimento do doente e o esclarecimento sobre a índole, alcance, envergadura e possíveis consequências da intervenção ou tratamento.
XLI. O Código Civil não enumera os danos não patrimoniais, confiando ao Tribunal o encargo de os apreciar, no quadro das várias situações concretas, estabelece que o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo Tribunal, atendendo à Jurisprudência e a soluções de fixação de montantes indemnizatórios em situações paralelas ou similares, tendo em consideração o sentido das decisões sobre a matéria, os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, fazendo-se a comparação do caso concreto com situações análogas equacionadas noutras situações judiciais, não se perdendo de vista a sua evolução e adaptação às especificidades do caso sujeito - os padrões de indemnização que vêm sendo adotados pela jurisprudência, nomeadamente os mais recentes, constituem também circunstância a ter em conta no quadro das decisões que façam apelo à equidade.
XLII. Posto isto, a Recorrente defende que no caso em análise o Tribunal "a quo" fixou uma indemnização "simbólica", porquanto a Jurisprudência tem atribuído indemnizações mais elevadas para situações similares/paralelas de inexistência ou ineficácia de consentimento informado, livre e esclarecido, nomeadamente as seguintes decisões: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/11/2017, Processo nº23592/11.4T2SNT.L1.S1, (…) (montante fixado a título de danos não patrimoniais de 18.000,00 €); Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/06/2015, Processo n.º1263/06.3TVPRT.P1.S1, (…) (montante fixado a título de danos não patrimoniais de 25.000,00 €); Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10/01/2019, Processo n.º3192/14.8TBBRG-G1, (…) (indemnização fixada no montante de 35.000,00 €).
XLIII. Perante todo o exposto, a recorrente entende ter ocorrido violação do disposto no artigo 496.º, n.º 4, 494.º e 566.º, n.º 3 do Código Civil, porquanto apesar da equidade desempenhar um papel corretor e de adequação da indemnização às circunstâncias do caso, o Tribunal Central Administrativo Norte não atendeu à Jurisprudência e às decisões proferidas em situações paralelas ou semelhantes, não atendeu aos critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, no fundo, aos padrões de indemnização que vêm sendo adotados pela jurisprudência, que também constituíam circunstâncias a sopesar no quadro do Acórdão a proferir pelo Tribunal a quo.
XLIV. Por último, apesar da cirurgia ser necessária ou medicamente indicada não é suficiente para determinar a sua licitude ou diminuir a culpa do lesante e não afasta a obrigação de informar e esclarecer, sendo exigível o conhecimento e o esclarecimento sobre a índole, o alcance, envergadura e possíveis consequências e complicações da intervenção cirúrgica.
XLV. Perante todo o exposto, a recorrente entende ter ocorrido violação do disposto no artigo 496.º, n.º 4, 494.º e 566.º, n.º 3 do Código Civil, no Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo em 30/10/2020, por apesar da decisão em crise afirmar apelar a valores de razoabilidade, de justa medida das coisas e de igualdade; de facto não atendeu a tais valores e não recorreu à equidade a fim desta desempenhar um papel corretor e de adequação da indemnização às circunstâncias do caso.
XLVI. Na verdade, o Tribunal Central Administrativo Norte não atendeu à Jurisprudência e às decisões proferidas em situações paralelas ou semelhantes, não atendeu aos critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, no fundo, aos padrões de indemnização que vêm sendo adotados pela jurisprudência, que também constituíam circunstâncias a sopesar no quadro do Acórdão a proferir; pelo que a Recorrente entende dever ser fixada uma quantia superior à fixada, a título de compensação pelos danos não patrimoniais que a Recorrente sofreu em consequência da cirurgia realizada em 20/05/20024.
XLVII. Por último, em função das razões supra aduzidas, sustentadas em jurisprudência e doutrina, verifica-se a existência de nexo de causalidade entre a ausência de consentimento informado livre e esclarecido e as lesões padecidas pela Recorrente, pelo que, salvo o devido respeito por douto entendimento contrário, a Recorrente considera que no caso em apreço serão ressarcíveis quer o dano moral causado por violação da liberdade de autodeterminação, por violação da autonomia individual, quer as lesões que foram causadas à sua integridade física …».

5. Devidamente notificadas apenas a referida interveniente, aqui ora recorrida, veio produzir contra-alegações [cfr. fls. 1082/1090], culminando-as com o seguinte quadro conclusivo:
«
2. Do elenco dos factos provados (factos L, M, N, Q e R) e não provados (facto 1.) que a recorrente não impugnou - decorre cristalinamente que a não submissão à cirurgia não era uma opção, já que, dada a dimensão do nódulo, a operação teria forçosamente de realizar-se, sob pena de grave risco para a saúde da recorrente, uma vez que só a intervenção cirúrgica permitiria saber se o tumor era benigno ou maligno.
3. Face ao quadro fáctico assim determinado e assente e tendo o segundo réu Dr. C……………. atuado de acordo com as leges artis e sem dolo, nenhuma responsabilidade lhe poderá ser assacada à luz da lei em vigor à data dos factos (DL 48.051, de 21 de novembro de 1967), contrariamente ao que é defendido nas doutas alegações a que se responde …».

6. Pelo acórdão da formação de apreciação preliminar deste Supremo Tribunal prevista no n.º 5 do art. 150.º do CPTA, datado de 11.03.2021, veio a ser admitido o recurso de revista [cfr. fls. 1102/1105].

7. A Digna Magistrada do Ministério Público (MP) junto deste Tribunal notificada nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA emitiu parecer no sentido de que fosse «concedido provimento parcial ao recurso, entendendo-se que o acórdão recorrido deve ser revogado», alterando-se «o valor da indemnização atribuída à Recorrente nos termos propostos e, no restante, manter-se válida a sentença do TAF de Braga» [cfr. fls. 1114/1221], pronúncia essa que objeto de contraditório mereceu resposta por parte da A./recorrente reiterando a posição sustentada nas alegações [cfr. fls. 1130].

8. Sem vistos legais, mas com prévio envio do projeto de acórdão, foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.

DAS QUESTÕES A DECIDIR
9. Constituem objeto de apreciação nesta sede os assacados erros de julgamento acometidos pela A. ao acórdão recorrido quanto ao juízo no mesmo efetuado, visto entender haver violação, nomeadamente, do disposto nos arts. 70.º, 483.º, 494.º, 496.º, e 566.º do Código Civil [CC], e, nessa medida, deveria ter sido julgada totalmente procedente a pretensão indemnizatória deduzida [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].

FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO
10. Resulta assente nos autos o seguinte quadro factual:
10.1) O Centro Hospitalar do Alto Ave, EPE - Guimarães/Fafe pertence ao que se designa Serviço Nacional de Saúde e resultou da fusão do Hospital de São José-Fafe com o Hospital da Senhora da Oliveira Guimarães EPE, efetuada através do DL n.º 50-A/2007, de 28.02.
10.2) O 2.º/R. exerce as funções de médico assistente graduado de cirurgia geral ao serviço do 1.º/R..
10.3) O 2.º/R. – C………….. - transferiu a sua responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros no exercício da sua profissão para a Seguradora D……………. - cfr. Apólice PT/…………./……...
10.4) Por ter acusado alguns episódios de cansaço, a A. foi aconselhada a apurar se padecia de alguma doença relacionada com a tiroide.
10.5) A A. foi encaminhada para os serviços do Hospital de São José-Fafe, pelo seu médico de família, Dr. E…………… por lhe ter sido diagnosticado em exame de rotina um nódulo na glândula tiroide.
10.6) Este diagnóstico havia sido efetuado pelo médico assistente da A. em função de uma ecografia que demonstrava a existência de um nódulo de 10x8mm de diâmetro - cfr. Relatório pericial de fls. 359 e ss. dos autos.
10.7) A A. foi admitida na consulta de cirurgia do 1.º/R. em 03.12.2003.
10.8) Como meio auxiliar de diagnóstico, o 2.º/R. solicitou a realização de uma biópsia aspirativa ecoguiada à formação nodular localizada na hemitiroide direita da A. no decorrer do mês de janeiro de 2004.
10.9) A A. efetuou a biópsia aspirativa ecoguiada prescrita pelo 2.º/R. no «Centro de ................, Lda.».
10.10) No referido exame constatou-se que a A. padecia de uma formação nodular com cerca de 10mm de diâmetro na hemitiroide direita, tendo os produtos obtidos na biópsia aspirativa ecoguiada seguido para estudo citopatológico.
10.11) Extrai-se do exame citológico:
«Natureza da peça: Punção biópsia aspirativa guiada para nódulo de 10mm de diâmetro, da hemitiroide direita.
Relatório: o exame citológico das lâminas enviadas mostra esfregaços com sangue e cédulas epiteliais tireoideias com formação de folículos, compatível com tumor folicular.
Conclusão: Quadro citológico compatível com tumor folicular» - cfr. Relatório pericial de fls. 363 e segs. dos autos.
10.12) O tumor folicular é uma patologia que não pode ser diagnosticada completamente sem ser em sede cirúrgica.
10.13) Só com a cirurgia é possível aferir se o referido tumor folicular é benigno ou maligno.
10.14) Em fevereiro de 2004, em consulta externa de cirurgia geral do Hospital de Fafe, o R. … transmitiu à A. que tinha um tumor na tiroide e que, atentos os resultados dos exames, aconselhava cirurgia, tão rápido quanto possível - cfr. Relatório pericial de fls. 363 e segs. dos autos.
10.15) O 2.º/R. não consultou um colega endocrinologista, ou recorreu a acompanhamento multidisciplinar.
10.16) O 2.º/R. não aconselhou a A. a efetuar uma consulta com um médico especialista da tiroide.
10.17) A A. confiou na opinião médica do Dr. C……………
10.18) A A. fez corresponder tumor a cancro e sempre exteriorizou vontade em ser operada.
10.19) À data da intervenção cirúrgica, a A., apesar de contar com 29 anos, exteriorizava sintoma de cansaço.
10.20) Nas consultas que tiveram lugar antes do internamento, o 2.º/R. não esclareceu a A. de que a intervenção cirúrgica comportava risco de paralisação da corda vocal em abdução, de imobilidade da hemilaringe em posição paramediana, de edema da comissura posterior traduzindo refluxo faringolaríngeo e de insuficiência glótica.
10.21) Em 17.03.2004, por ocasião de internamento, a A. prestou consentimento para tratamento e operação - cfr. de fls. 106 e segs. dos autos.
10.22) Porém, a A. encontrava-se constipada, razão que levou ao adiamento do ato cirúrgico - cfr. de fls. 114 e segs. dos autos.
10.23) Em 19.05.2004, a A. volta ao Hospital demandado para ser internada e presta novo consentimento para tratamento e operação - cfr. de fls. 117 e segs..
10.24) Os consentimentos prestados tinham o seguinte teor:
«Eu abaixo assinado(a), declaro que aceito ser internado(a) de livre vontade e sou solidário(a) com todas e quaisquer decisões quer médicas quer cirúrgicas, que os médicos considerem necessárias para o meu interesse e tratamento.
Aceito a administração de anestesia local ou geral conforme for considerado necessário, assim como a de todos os atos médicos, medicamentosos e de diagnóstico que tiverem por fim o diagnóstico e tratamento adequados.
Aceito de livre vontade todas as normas vigentes e comuns aos regulamentos hospitalares» - cfr. de fls. 106 e 117 dos autos.
10.25) A A. é, assim, internada com diagnóstico pré-operatório: tumor folicular do lobo direito da tiroide - cfr. Relatório pericial de fls. 363 e segs. dos autos.
10.26) Em 20.05.2004, a operação realizou-se, a saber: hemitiroidectomia D. Redy-vac - cfr. Relatório pericial de fls. 363 e segs. dos autos.
10.27) Com efeito, a A. submeteu-se à intervenção cirúrgica denominada hemitiroidectomia direita em 20.05.2004 nas instalações da Unidade de Fafe do Centro Hospitalar do Alto Ave, EPE, à data da cirurgia denominado Hospital de São José - Fafe.
10.28) A intervenção cirúrgica efetuada em 20.05.2004 foi realizada com anestesia geral.
10.29) Em 22.05.2004, tem alta clínica - cfr. Relatório pericial de fls. 363 e segs. dos autos.
10.30) Decorreram, aproximadamente, três meses entre a consulta médica da qual resultou informação sobre a necessidade de se submeter a uma cirurgia e a realização dessa mesma cirurgia.
10.31) Extrai-se do relatório de exame histológico, datado de 26.05.2004, «… a natureza da peça/produto: lobo direito da glândula tiroide, com a seguinte descrição macroscópica: retalho de tecido tiroideu de 16g, compreendendo lobo direito, no qual se identifica formação nodular de 0,8cm de diâmetro, com áreas esbranquiçadas e outras vítreas. Não se identificam glândulas paratireoides na peça cirúrgica. Descrição Histológica: o exame histórico mostra nódulo de bócio coloide. Diagnóstico: Nódulo de bócio coloide. Não se observam sinais de malignidade».
10.32) A hemitiroidectomia direita consiste na remoção de metade da glândula tiroide, correspondente à remoção dos lobos superior e inferior direitos.
10.33) Os nódulos únicos com menos de 10mm [1cm] não têm importância clínica necessitando apenas de controlo anual conforme folheto de informação ao doente da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia Diabetes e Metabolismo.
10.34) Após a intervenção cirúrgica, o 2.º/R. efetuou consultas à A. em 02.06.2004, em 29.09.2004, em 03.12.2004, em 13.04.2005, em 26.10.2005 e finalmente em 11.10.2006 - cfr. documento de fls. 29 dos autos.
10.35) Nessas consultas, a A. queixou-se ao 2.º/R. dos sintomas que passou a padecer após intervenção cirúrgica, tais como:
- dificuldade em comer alimentos sólidos e secos como arroz, bolachas, maçãs ou pão, entre outros, por engasgamento fácil - limitações alimentares;
- dificuldade em dosear o ar que inspira e expira, principalmente enquanto fala, carrega pesos, realiza esforços - limitações respiratórias;
- dificuldade em controlar o refluxo faringolaríngeo;
- crises frequentes de falta de ar, tosse e sensação de engasgamento.
10.36) O 2.º/R. fez corresponder estes sintomas à ansiedade e stress.
10.37) Em 2008, a A. realiza TC da laringe, do qual resultou Relatório com seguinte teor:
«Relatório Clínico do Dr. C…………………… (CHAA-Unidade de Fafe, 10.03.2011):
Inscrita na consulta de cirurgia desde o dia 03.12.2003 por nódulo da tiroide. Efetuou CBA com o diagnóstico histológico de “tumor folicular” pelo que foi proposta para cirurgia tendo efetuado em 20.05.2004 hemitiroidectomia direita. Exame histológico da peça - Nódulo coloide. O pós-operatório decorreu sem complicações. Foi seguida na consulta externa até 26.10.2005 sem incidentes ou intercorrências assinaláveis. Desde essa data deixou de comparecer a consultas».
«Relatório de TC da laringe (Dr. F…………., 12.01.2008): Não se detetam alterações do contorno da orofaringe. Valéculas e epiglote com aspeto normal. Assimetria dos seios piriformes, verificando-se uma distensão do seio piriforme direito sem correspondente à esquerda. Medialização da cartilagem aritenoide havendo um certo espessamento à esquerda. Medialização da cartilagem aritenoide havendo um certo espessamento da prega ariepiglótica direita. As cordas vocais têm aspeto simétrico e com normal densidade. Normalidade da gordura do espaço para-laríngeo. No andar infraglótico não detetamos alterações, apresentando a traqueia calibre normal e normal morfologia da sua secção transversal. Nas reconstruções efetuadas no plano sagital e coronal, constata-se alteração da topografia da cartilagem aritenoide e da prega ariepiglótica direita, sem outras alterações valorizáveis. Efetuou-se ainda alguns “scans” durante a realização da manobra de Valsalva para distensão dos seios piriformes, tendo-se também nesta fase constatado uma assimetria destes e medialização da banda ariepiglótica direita e respetiva cartilagem aritenoide, sem outras alterações relevantes …» - cfr. de fls. 364 e 365 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
10.38) O Dr. G……………. observou a A. no consultório em 27.11.2009 por motivo de ter crises frequentes de dispneia aguda, informando a A. de que o exame da laringe por laringoscopia [fibroscopia] revelou a existência de uma paralisia da corda vocal direita em abdução, compatível com as queixas apresentadas pela paciente, com antecedentes de tiroidectomia parcial.
10.39) Desde a cirurgia que a A. apresentava queixas de dispneia de esforço [médios e grandes esforços], engasgamento fácil e episódios de laringoespasmo paroxístico.
10.40) Em setembro de 2010, a A. apresentava o seguinte quadro clínico:
«Relatório médico da Dra. H………………..» (02.09.2010): «… observei a paciente supracitada que apresentava uma história de hemitiroidectomia direita há 6 anos, desde então com queixas de dispneia de esforço (médios e grandes esforços), engasgamento fácil e episódios de laringoespasmos paroxístico. Avaliação Percetivo-Auditiva: Voz com parâmetros de intensidade, timbre e frequência dentro da normalidade. TMF: normal. Ressonância: adequada. Sinais de tensão muscular cervical em fonação: ligeiros. Avaliação videolaringoestroboscópica: efetuou avaliação endoscópica com endoscópio rígido, sob luz continua e estroboscópica. Observou-se uma imobilidade da hemilaringe direita em posição paramediana com moderado prolapso anteromedial da aritnoide ipsilateral, mas sem sinais de atrofia. Boa compensação contralateral com fenda glótica posterior ligeira. Edema da comissura posterior traduzindo refluxo faringolaríngeo. Com a luz estroboscópica a vibração era simétrica em amplitude e a onda mucosa preservada. Foi medida com IBP. A ponderar cirurgia de medialização para controlo da aspiração e redução da dispneia de esforço que possivelmente traduz insuficiência glótica» - cfr. de fls. 364 verso dos autos.
10.41) Assim, a intervenção cirúrgica realizada a 20.05.2004 pelo 2.º/R. causou à A. as seguintes lesões: paralisia da corda vocal direita em posição paramediana, com fenda glótica posterior - cfr. Relatório pericial de fls. 402 e segs. dos autos.
10.42) Estas lesões têm carácter permanente, sem prejuízo de melhorar com cirurgia de medialização - cfr. Relatório Médico de Dra. H……………..
10.43) A lesão nervosa laríngea é um risco descrito na cirurgia tiroideia - cfr. Relatório pericial de fls. 402 e segs. dos autos.
10.44) A lesão ocorrida por ocasião da intervenção cirúrgica não foi imediatamente detetada face à inexistência de disfonia, que é o sinal de alarme mais evidente da lesão da inervação laríngea, face ao tom de voz normal e boa compensação da hemilaringe contra lateral - cfr. Relatório pericial de fls. 402 e segs. dos autos.
10.45) O refluxo faringolaríngeo não é consequência direta da cirurgia - cfr. Relatório pericial de fls. 402 e segs. dos autos.
10.46) Contudo, as queixas de refluxo faringolaríngeo são exacerbadas por uma laringe paralítica, tornando-se francamente mais sintomático do que o previsível numa laringe funcionante, podendo ser agravado por situações de stress - cfr. Relatório pericial de fls. 402 e segs. dos autos.
10.47) Com referência a uma escala de 1 a 10 pontos, a aspiração recorrente e/ou incompetência laríngea atinge 10 pontos - cfr. de fls. 404 e segs. dos autos.
10.48) Desde o ano de 2010, a A. foi acompanhada pelo Dr. I……………….. médico especialista em otorrinolaringologista que lhe recomendou consultar a colega Dr. H……………., também otorrinolaringologista, e efetuou várias sessões de terapia da fala na unidade de Guimarães do Centro Hospitalar do Alto Ave, EPE.
10.49) Após intervenção cirúrgica, a A. deixou de poder realizar esforços, limitando a sua ação a nível pessoal, profissional e lúdico.
10.50) Sem prejuízo do acima referido, a A. pratica ioga há cinco anos e pilates há três meses.
10.51) A A. vive angustiada e ansiosa com receio de ter crises de falta de ar [dispneia] graves ou de se engasgar de um momento para o outro.
10.52) Para o apuramento das razões que justificavam as queixas apresentadas, a A. despendeu a quantia de 175,00 € nas seguintes consultas e exames médicos:
1. consulta de otorrinolaringologia com a Dr.ª H…………….. ......... 60,00 €;
2. consulta de otorrinolaringologia com o Dr. G……………. … 60,00€;
3. exame de estroboscopia realizado na «………… - Clínica de otorrinolaringologia, Lda.» ........................... 55,00 € - cfr. documentos de fls. 40 a 42 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
10.53) Quando foi contratada pela ……………….., em 2008, empresa para a qual ainda trabalha, a A. informou que tinha dificuldades respiratórias e que não podia andar percursos a pé e/ou carregar objetos pesados.
10.54) A A. continuou a trabalhar para a mesma entidade patronal após a intervenção de hemitiroidectomia direita.
10.55) A A. trabalha no escritório de uma empresa, com necessidade de percorrer distâncias entre o armazém e o seu posto de trabalho durante o horário laboral, de subir e descer escadas, o que muito lhe custa após a intervenção cirúrgica em causa nos autos e já lhe causou vários episódios de falta de ar, graves, com necessidade de ser assistida pelos seus colegas de trabalho.

11. Resultou como não provado:
11.1) Considerando os resultados dos exames clínicos obtidos antes da cirurgia, a A. poderia apenas ser submetida a vigilância e se necessário ser-lhe ministrada a terapêutica adequada, ao invés de ser submetida a uma intervenção cirúrgica invasiva.

DE DIREITO
12. Presente o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação do objeto do presente recurso de revista e das questões no mesmo suscitadas.

13. Discute-se nos autos pretensão indemnizatória fundada na responsabilidade civil extracontratual do hospital R., pretensão essa que, estribada na petição inicial, na responsabilidade civil por erro médico/violação das leges artis [stricto sensu] e por violação do consentimento informado, ora se mostra reconduzida apenas a esta última dado a pretensão assente no primeiro fundamento haver improcedido e o juízo produzido nesse segmento não haver merecido qualquer impugnação.

14. Centrando-nos naquilo que constitui o objeto do dissídio nesta sede, ou seja, verificação do preenchimento in casu dos pressupostos da responsabilidade civil em saúde com base em violação do consentimento informado, temos que esta responsabilidade radica ou pode ocorrer seja pela falta de informação, seja pela falta de consentimento ou de consentimento inválido, cientes de que, neste âmbito, se mostram como operantes e válidos os pressupostos legalmente exigidos em geral para a responsabilidade civil extracontratual, ou seja, está dependente da verificação cumulativa dos pressupostos do facto, da ilicitude, da culpa, do dano e do nexo de causalidade entre o facto e o dano.

15. Considerou o TAF/BRG que ocorrendo, no caso, os pressupostos do facto, da ilicitude e da culpa, dado estarmos ante emissão de consentimento não informado, resultou, todavia, da discussão verificada uma situação de culpa do lesado [art. 570.º do CC], porquanto «[a] paciente não conseguiu fazer prova de que se tivesse recebido mais informação - informação adequada acerca deste risco em particular - teria recusado o consentimento necessário para a intervenção cirúrgica, e - claro - no pressuposto de que a cirurgia era necessária», que «entre o diagnóstico e a realização da cirurgia contaram-se aproximadamente três meses, além de que a Autora prestou não um – mas dois – consentimentos para internamento/intervenção cirúrgica», sendo que «[à] luz das regras da experiência, a Autora não podia desconhecer que este tipo de intervenção comportava riscos, tendo tido inclusivamente tempo para refletir sobre se deveria recorrer a uma segunda opinião sobre a terapêutica adequada ao seu estado de saúde e respetivos riscos», pelo que fixou a indemnização devida pelo 1.º/R à A. em 1.000,00 €.

16. O TCA/N acabou por manter o valor arbitrado a título de indemnização, considerando para tal que, pese embora a realidade factual apurada não permitir fundar um juízo de imputação de culpa à A., impunha-se, todavia, a manutenção do quantum por força da existência de circunstâncias que diminuem a culpa do 1.º/R. atento o disposto nos arts. 494.º e 496.º do CC [na suas palavras «que se tem por significativamente atenuada, não por concorrência de culpas (que afastamos) mas pelo facto de o diagnóstico quanto ao nódulo em causa e à necessidade de cirurgia, informado à Recorrente, se mostrar correto segundo a leges artis, de a Recorrente ter sempre exteriorizado vontade em ser operada, e de o Médico Demandado nunca ter representado o referido risco como possível, atenta a dimensão do nódulo e sua localização» e consideradas «as demais circunstâncias do caso (v.g. a indicação médica para a necessidade de cirurgia, ademais como único ato passível de aferir da benignidade ou malignidade do nódulo/tumor diagnosticado à Recorrente na parte direita da tiroide, de natureza e evolução imprevisível; a falta de prova de qualquer deficiente e/ou malformada técnica médico-cirúrgica, sendo a paralisia da hemilaringe direita um risco possível na hemitiroidectomia direita; o facto de o Médico Demandado nunca ter representado o referido risco como possível, atenta a dimensão do nódulo e sua localização; a falta de prova por parte da Recorrente de que se tivesse recebido mais informação acerca do referido risco em particular, teria, mesmo sabendo que a cirurgia era necessária e urgente, optado por não se submeter à intervenção cirúrgica em causa»], tanto mais que «não se vislumbra existir nexo de causalidade entre a falta de informação em causa e “a paralisia da corda vocal direita em posição paramediana, com fenda glótica posterior” de que a Recorrente passou a padecer em consequência da intervenção cirúrgica e enquanto risco possível da mesma».

17. A A. insurge-se contra este juízo, discordando do mesmo dado que incurso em erro de julgamento, pois resulta, por um lado, demonstrado e ocorre o nexo de causalidade entre o ato causador da lesão [ausência in casu de um consentimento informado, dada a omissão na comunicação dos riscos associados à intervenção cirúrgica a que foi submetida] e o dano, e que, por outro lado, ocorre desacerto na determinação e cômputo dos danos indemnizáveis e que por si foram sofridos.

Analisemos.

18. Dúvidas não podem existir de que um dos requisitos da licitude da atividade médica é o consentimento do paciente e de que à A., enquanto paciente, assistia à data o direito à informação [cfr., entre outros, os arts. 05.º da Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e da Dignidade do Ser Humano face às Aplicações da Biologia e da Medicina/Convenção sobre os Direitos Humanos e a Biomedicina (vulgo Convenção de Oviedo - doravante CDHBio - aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 1/2001, publicada no DR I.ª Série, de n.º 2, de 03.01.2001 - e que vigora no nosso ordenamento ante o disposto no n.º 2 do art. 08.º da Constituição da República Portuguesa (CRP)), 157.º do Código Penal (CP), 38.º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos (CDOM/1985 publicado na Revista Ordem dos Médicos n.º 3/85 - «dever de esclarecimento …» - a que seguiram o art. 44.º do CDOM/2009 - Regulamento n.º 14/2009, publicado no DR, II.ª Série, n.º 8, de 13.01.2009, e o atual art. 19.º do CDOM/2016 - Regulamento n.º 707/2016, publicado no DR, II.ª Série, n.º 139, de 21.07.2016), Base XIV, n.º 1, al. e), da Lei n.º 48/90, de 24.08 (vulgo Lei de Bases da Saúde então em vigor e revogada pela atual Lei n.º 95/2019, de 04.09 - ver nesta Base 2, n.º 1, als. d) e e)] e à emissão de um consentimento informado [de um consentimento livre e esclarecido] [cfr. arts. 25.º da CRP, 05.º da CDHBio, 38.º do CDOM/1985 (arts. 45.º do CDOM/2009 e 20.º do CDOM/2016), 156.º e 157.º ambos do CP, 70.º, n.º 1, do Código Civil (CC) e Base XIV, n.º 1, al. b), da referida Lei n.º 48/90 (atual Base 2, n.º 1, al. f))], direitos esses entretanto explicitados/evidenciados ou reforçados por e noutros instrumentos normativos que foram sendo depois produzidos [cfr., entre outros, os arts. 03.º, n.º 2, al. a), da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE - publicada no Jornal Oficial da União Europeia, C 303, de 14.12.2007), 03.º e 07.º da Lei n.º 15/2014, de 21.03 (diploma que procedeu à consolidação dos direitos e deveres do utente dos serviços de saúde, já sucessivamente alterado) e 135.º, n.º 11, do Estatuto da Ordem dos Médicos (aprovado pelo DL n.º 282/77, de 05.07 na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 117/2015, de 31.08)].

19. Cotejando no que releva para a análise do dissídio o pertinente quadro normativo temos que se extrai do referido art. 05.º da CDHBio que «[q]ualquer intervenção no domínio da saúde apenas pode ser efetuada depois da pessoa em causa dar o seu consentimento de forma livre e esclarecida» [n.º 1], sendo que «[a] esta pessoa deverá ser dada previamente uma informação adequada quanto ao objetivo e à natureza da intervenção, bem como às suas consequências e os seus riscos» [n.º 2] e que «[a] pessoa em causa poderá, a qualquer momento, revogar livremente o seu consentimento» [n.º 3], prevendo-se no n.º 1 do art. 38.º do CDOM que o médico «deve procurar esclarecer o doente, a família ou quem legalmente o represente, acerca dos métodos de diagnóstico ou de terapêutica que pretende aplicar», assistindo-lhe, nos termos do n.º 3 do mesmo preceito, o direito de recusa de continuidade de assistência «[s]e o doente ou a família, depois de devidamente informados, recusarem os exames ou tratamentos indicados…» [sublinhados nossos].

20. Estipula-se, ainda, no n.º 1 da Base XIV da Lei de Bases de Saúde, respeitante ao estatuto dos utentes, que assiste o direito aos mesmos de «[d]ecidir receber ou recusar a prestação de cuidados que lhes é proposta, salvo disposição especial da lei» [al. b)] e de serem «informados sobre a sua situação, as alternativas possíveis de tratamento e a evolução provável do seu estado» [al. e)].

21. E do art. 157.º do CP decorre que o «consentimento só é eficaz quando o paciente tiver sido devidamente esclarecido sobre o diagnóstico e a índole, alcance, envergadura e possíveis consequências da intervenção ou do tratamento, salvo se isso implicar a comunicação de circunstâncias que, a serem conhecidas pelo paciente, poriam em perigo a sua vida ou seriam suscetíveis de lhe causar grave dano à saúde, física ou psíquica» [sublinhados nossos].

22. Ora através da exigência da emissão/obtenção de um consentimento informado do paciente visa-se assegurar a integridade [física/psíquica] e dignidade pessoal e a salvaguarda da esfera de autonomia ou de liberdade de autodeterminação pessoal daquele [cfr. arts. 25.º e 26.º da CRP, e 70.º do CC; vide, na jurisprudência, o Ac. deste Supremo Tribunal de 09.03.2000 (Proc. n.º 042434), § 4, consultável in: «www.dgsi.pt/jsta» (sítio a que se reportarão também todas as demais citações de acórdãos deste Tribunal sem expressa referência em contrário) ou «www.dre.pt/»; na doutrina, Guilherme F.F. de Oliveira, «Estrutura jurídica do ato médico, consentimento informado e responsabilidade médica», in: RLJ, Ano 125, págs. 72/73; Álvaro da Cunha G. Rodrigues, «Responsabilidade médica em direito penal…», pág. 311; Carla Amado Gomes, «With great power comes great responsibility: apontamentos sobre responsabilidade civil médica e culpa do paciente», in: «Responsabilidade na prestação de cuidados de saúde» (2013) (Coordenação Carla Amado Gomes, Miguel Assis Raimundo e Cláudia Monge), págs. 64/65, consultável em «www.icjp.pt»; Miguel Assis Raimundo, «Consentimento informado, causalidade e ónus da prova em responsabilidade hospitalar», in: «Responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas - Anotações de Jurisprudência», (2013) (Coordenação Carla Amado Gomes e Tiago Serrão), págs. 145/146, consultável em «www.icjp.pt»], presente que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos [TEDH] vem considerando que constitui ingerência na vida privada de uma pessoa a realização/submissão a intervenção médica sem que a mesma haja dado o consentimento informado [cfr. art. 08.º da CEDH] [cfr., entre outros, os Acs. do TEDH de 22.07.2003, Y.F. v. Turquia, (n.º 24209/94), § 33, de 13.05.2008, Juhnke v. Turquia, (n.º 52515/99), § 76, de 07.10.2008, Bogumil v. Portugal (n.º 35228/03), § 84, consultáveis in: «www.echr.coe.int/» - sítio a que se reportarão também todas as demais citações de acórdãos daquele Tribunal sem expressa referência em contrário].

23. Afirmou este Supremo Tribunal no seu citado acórdão de 09.03.2000 [Proc. n.º 042434] que «[a] prestação de cuidados médicos deixou de ser uma "arte silenciosa" (cfr. Guilherme de Oliveira, "O fim da "arte silenciosa" (o dever de informação dos médicos)", RLJ-128, 70 e segs. e 101 e segs. e "Estrutura Jurídica do Ato Médico, Consentimento Informado e Responsabilidade Médica”, RLJ-125º, 33 e segs.). Não apenas num plano de técnica médica, na medida em que a informação interessa à "aliança terapêutica" entre médico e doente; mas já num plano jurídico, com o sentido de que o paciente tem direito a uma opção esclarecida de consentimento ou de recusa do tratamento», sendo que «[p]ara viabilizar essa opção, que decorre do direito essencial de cada pessoa se autodeterminar, incide sobre o médico o correspondente dever de, em princípio, informar os pacientes sobre o seu estado e esclarecê-los sobre as terapêuticas, os riscos e as expetativas de cura. Dizemos "em princípio" porque esse dever de informar cessa perante circunstâncias particulares em que, avaliado o grau de reatividade e outras circunstâncias particulares do doente, a informação possa comprometer gravemente a cura ou ter efeitos nefastos, designadamente em casos de prognósticos fatais (cfr. arts. 38.º e 40.º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos, publicado na Revista da Ordem dos Médicos, n.º 3/85)».

24. Excetuados casos excecionais, nomeadamente os casos de urgência ou os de expressa previsão/determinação legal, o prévio consentimento informado apresenta-se, em regra, como necessário, como mandatório, sempre que um paciente haja de ser submetido a um tratamento ou a um exame ou qualquer outra intervenção no domínio da saúde, seja de carácter preventivo, diagnóstico ou terapêutico [cfr., entre outros, Rui Nunes, «Consentimento informado e boa prática clínica», in: Revista Julgar (número especial/2014), pág. 133], porquanto o consentimento não é exigido unicamente para atos médicos terapêuticos, mas também para os atos/exames complementares de diagnóstico invasivos que comportem, potenciem ou envolvam riscos ou inconvenientes relevantes.

25. Com efeito, com maior ou menor probabilidade e gravidade os atos médicos podem envolver riscos para o paciente, tanto mais que uns estão mais próximos e outros mais longínquos, tornando e impondo-se, nessa medida, ponderar da sua realização, considerando os princípios da beneficência e da não maleficência, da adequação/necessidade e da autonomia/autodeterminação.

26. O consentimento para ser operante, válido e eficaz carece de ser livre e esclarecido, termos em que para o assegurar dos fins e dos interesses que estão na sua base exige-se o fornecimento ao paciente da informação adequada relativa ao diagnóstico e estado de saúde, ao prognóstico, à natureza, aos meios e fins/alcance, às consequências secundárias e riscos frequentes, inevitáveis ou possíveis associados ao tratamento/intervenção propostos à luz do que se mostra descrito na literatura médica/científica e das eventuais alternativas ao tratamento/intervenção propostos segundo essa mesma literatura e dos riscos/consequências secundárias que lhe estão associados, e aos aspetos económicos do tratamento [cfr. art. 157.º do CP; na doutrina, vide, Guilherme F.F. de Oliveira, in: loc. cit. (RLJ/Ano 125), pág. 169; André Dias Pereira, «O consentimento informado na relação médico-paciente», págs. 443 e segs.; Álvaro da Cunha G. Rodrigues, in: ob. cit., págs. 345/347; Maria João Estorninho e Tiago Macieirinha, «Direito da Saúde», págs. 273/274; Miguel Assis Raimundo, in: loc. cit., págs. 150/152; Carla Amado Gomes, in: loc. cit., págs. 65/67; Vera Lúcio Raposo, em «Do ato médico ao problema jurídico», págs. 221/236].

27. Exigência de termos e conteúdo de modo e por forma a que o paciente fique ou esteja dotado de toda a informação necessária que o habilite à tomada de uma decisão informada, consciente e ponderada, seja esta no sentido de se submeter aos procedimentos propostos, seja para os recusar ou para os adiar até quando lhe fosse possível, seja para ir ouvir uma segunda opinião, ou ainda para escolher outro profissional que repute mais qualificado e/ou outro local/estabelecimento para submissão e realização do tratamento/intervenção proposto.

28. A este propósito considerou este Supremo Tribunal no seu acórdão de 09.03.2000 [Proc. n.º 042434] que «[e]m regra, os elementos informativos relevantes são aqueles que uma pessoa média, no quadro clínico que o paciente apresenta, julgaria necessários para tomar uma decisão [padrão do doente médio]. Mas, como corolário do propósito básico ao serviço do qual está o dever de informação médica, para determinar o modo e o conteúdo do esclarecimento a prestar devem também ser considerados aspetos da circunstância concreta do doente que o médico conheça e que sejam necessários para decisão consciente naquele caso», envolvendo e corporizando o conteúdo do dever de informação em presença de necessária elasticidade e plasticidade em função do perfil do paciente concreto e das circunstâncias do caso concreto.

29. E ainda no mesmo âmbito sustenta Guilherme F.F. de Oliveira que a «informação suficiente é um requisito da validade do consentimento» e que «[p]rovado que não foi prestada informação ou que ela foi insuficiente para sustentar um consentimento esclarecido, o consentimento obtido é anulado e o ato médico passa a ser tratado como um ato não autorizado, com as consequências civis e penais…», sendo que «[e]ntre o dever de informar e o dever de obter o consentimento, situa-se o dever de averiguar se o interessado entendeu as explicações que lhe foram dadas; sem a satisfação deste dever, nada garante que o consentimento foi realmente esclarecido, embora o médico tenha aparentemente cumprido a obrigação de informar» [in: loc. cit. (RLJ/Ano 125), págs. 168/169], pois consentimento documentado não se confunde com consentimento informado, pressupondo e reclamando este não um momento puramente formal e burocrático, mas, ao invés, a existência de um processo comunicativo de informação e de esclarecimento entre médico e paciente.

30. De notar que, neste contexto, o direito do paciente a não querer saber não isenta, nem exime, o médico do dever/obrigação de obter/recolher o consentimento informado do seu paciente, ciente de que tal direito não decorre, nem se pode extrair, minimamente, do facto de o paciente nada ter ou haver querido perguntar ao médico, porquanto paciente que não pergunta não significa que seja paciente que não queira saber, tanto mais que diversas podem ser as razões que estão na origem de tal comportamento.

31. De referir, por outro lado, que um consentimento de paciente prestado de forma tabelar, de forma genérica [vulgo «consentimento em branco»], não cumpre, nem satisfaz, as exigências para que estejamos ante um consentimento informado [cfr., entre outros, os Acs. do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 22.03.2018 (Proc. n.º 7053/12.7TBVNG.P1.S1), de 24.10.2019 (Proc. n.º 3192/14.8TBBRG.G1.S2) consultáveis in: «www.dgsi.pt/jstj» - sítio a que se reportarão também todas as demais citações de acórdãos daquele Tribunal sem expressa referência em contrário].

32. Para além disso, temos que funcionando o consentimento como causa de exclusão da ilicitude da conduta e a adequada informação constitui pressuposto da sua validade então estamos ante matéria/defesa de exceção como facto impeditivo [cfr. n.º 2 do art. 342.º do CC] razão pela qual o ónus da prova do consentimento e de que o mesmo foi dado de modo esclarecido deve recair ou impender sobre a instituição de saúde/médico demandados [cfr., entre outros, na jurisprudência, os Acs. do STJ de 02.06.2015 (Proc. n.º 1263/06.3TVPRT.P1.S1), de 16.06.2015 (Proc. n.º 308/09.0TBCBR.C1.S1), de 22.03.2018 (Proc. n.º 7053/12.7TBVNG.P1.S1), de 08.09.2020 (Proc. n.º 148/14.4TVLSB.L1.S1), de 26.11.2020 (Proc. n.º 21966/15.0T8PRT.P2.S1), e de 02.12.2020 (Proc. n.º 359/10.1TVLSB.L1.S1); na doutrina, vide, entre outros, André Dias Pereira, in: ob. cit., págs. 187 e segs. e em «Responsabilidade civil em saúde e violação do consentimento informado na jurisprudência portuguesa recente», in: Revista Julgar n.º 42 (2020), págs. 136/137; Jorge F. Sinde Monteiro, «Aspetos particulares de responsabilidade médica», in: «Direito da saúde e bioética», pág. 150; Miguel Assis Raimundo, in: loc. cit., págs. 150 e 156; Vera Lúcio Raposo, in: ob. cit., págs. 242/246; Cláudia Monge, «Responsabilidade civil na prestação de cuidados de saúde nos estabelecimentos de saúde públicos e privados», in: «Responsabilidade na prestação de cuidados de saúde» (2013) (Coordenação Carla Amado Gomes, Miguel Assis Raimundo e Cláudia Monge), pág. 30], tanto mais que seria difícil ao paciente fazer prova de um facto negativo [de que não foi informado ou de que não foi adequadamente esclarecido].

33. Revertendo à situação sub specie e respondendo às questões objeto de dissídio impõe-se concluir, uma vez munidos e cientes dos considerandos expendidos, no sentido da procedência do recurso, não podendo manter-se o acórdão recorrido.

34. Explicitando e motivando o nosso juízo importa, desde logo, referir que, presente a realidade factual apurada [cfr., mormente, n.ºs 10.5) a 10.18), 10.20), 10.21), 10.23) a 10.49), 10.51) a 10.55)] e não apurada [cfr. n.º 11.1)], ressalta estar demonstrada a ocorrência ou a existência do necessário nexo de causalidade entre o facto ilícito/culposo adveniente da conduta do 1.º/R. e os danos alegados e sofridos pela A..

35. Na verdade, atentos os entendimentos expressos quer quanto aos fins de tutela e proteção nos quais se estriba a exigência do consentimento informado, quer quanto às exigências em termos do seu conteúdo e, bem assim, à regra relativa ao ónus probatório a considerar neste âmbito, temos que daí deriva que não foi obtido, no caso, um consentimento informado para a realização e submissão da A. à intervenção médica, seja porque os consentimentos prestados se traduzem ou corporizam meros «consentimentos em branco», que não satisfazem, nem cumprem minimamente as exigências legalmente impostas à luz do quadro normativo supra convocado, seja porque a A. não foi informada e esclarecida dos potenciais riscos que envolviam aquela intervenção e que estavam documentados na literatura médica/científica e de, assim, ter podido emitir uma decisão esclarecida e informada, mormente de recusa de submissão à intervenção proposta [cfr., nomeadamente, n.ºs 10.7) a 10.18), 10.20), 10.21), 10.23), 10.24) a 10.27), 10.41) a 10.43) da factualidade provada], sendo que foi em decorrência daquela intervenção cirúrgica, realizada no 1.º/R. sem o necessário consentimento informado válido e eficaz e, como tal, em incumprimento dos deveres que sobre o mesmo impediam, que advieram para a A. lesões no respetivo património [despesas tidas com consultas e exames médicos para apurar as razões das queixas por si apresentadas após o pós-operatório da intervenção no 1.º/R., computados em 175,00 € - n.º 10.52) dos factos provados] e na sua integridade física e psíquica [lesões físicas permanentes (paralisia da corda vocal direita em posição paramediana, com fenda glótica posterior, geradora de aspiração, potenciadora/exacerbadora das queixas de refluxo faringolaríngeo, e de, numa escala de 1 a 10 pontos, atingir o nível máximo de 10 pontos em termos de aspiração recorrente e/ou incompetência laríngea); angústia e ansiedade decorrentes do receio de crises de falta de ar ou de receio de se engasgar; impossibilidade de realizar certos esforços físicos e limitação da sua ação a nível pessoal, profissional e lúdica; necessidade de acompanhamento médico e submissão a várias sessões de terapia da fala - n.ºs 10.41), 10.45) a 10.51), 10.53) a 10.55) dos factos provados].

36. Ante as normais situações de ignorância, de fragilidade, de ansiedade e de nervosismo dos pacientes confrontados com a doença e daquilo que é o estabelecimento de laços de «confiança», quiçá mesmo de «crença», na relação paciente/médico exige-se, como atrás referido, uma ativa e a devida informação/esclarecimento por parte do médico ao seu paciente quanto ao diagnóstico e estado de saúde, ao prognóstico, à natureza, aos meios e fins/alcance, às consequências secundárias e riscos frequentes, inevitáveis ou possíveis associados ao tratamento/intervenção propostos à luz do que se mostra descrito na literatura médica/científica, recaindo, de harmonia com o entendimento supra explicitado, sobre a instituição hospitalar/médico o ónus da prova de que a intervenção em saúde realizada ao paciente o foi no quadro de um consentimento informado.

37. Na situação sub specie para além de material e formalmente o consentimento prestado pela A. não cumprir as exigências legalmente impostas temos, ainda, que o mesmo resulta prestado sem o devido esclarecimento da A. da sua situação/estado de saúde e das suas opções, já que a decisão/vontade de submissão à intervenção cirúrgica, estribada na confiança quanto à opinião do médico que a assistiu, derivou fortemente do facto de a mesma erradamente ter feito corresponder o tumor que tinha a um cancro e de nenhum risco lhe haver sido comunicado pelo médico como possível vir a ser produzido na ou com a intervenção cirúrgica proposta [cfr. nºs 10.14), 10.17) a 10.20) da matéria de facto provada], erro de perceção/conhecimento e ausência de relevante prestação de informação quanto aos riscos [paralisação da corda vocal em abdução, de imobilidade da hemilaringe em posição paramediana, de edema da comissura posterior traduzindo refluxo faringolaríngeo e de insuficiência glótica] que não foram afastados/comunicados, inquinando, desta feita, a valia e validade do consentimento dado.

38. E o que ora se afirma e conclui não resulta infirmado pelo facto de a intervenção cirúrgica proposta e realizada constituir a única via/meio de diagnóstico da natureza do tumor folicular [se maligno ou se benigno] [cfr. nº 10.12) e 10.13) da factualidade provada] e de a A. ter manifestado vontade de à mesma se submeter, pois, para além da ausência de consulta de endocrinologista e da submissão da A. a consulta de médico especialista da tiroide e do recurso a acompanhamento multidisciplinar [vide n.ºs 10.15) e 10.16) da referida factualidade], e de os nódulos únicos com menos de 10mm [1cm] não terem importância clínica necessitando apenas de controlo anual conforme folheto de informação ao doente da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia Diabetes e Metabolismo [vide n.º 10.33) da mesma factualidade], sempre ressalta, ainda, que da factualidade apurada não resulta demonstrado que a A. sempre manteria a vontade manifestada de se submeter à intervenção cirúrgica proposta ante e se uma vez confrontada com os riscos que a mesma envolvia, prova essa do consentimento hipotético cujo ónus impendia sobre o 1.º/R. e que o mesmo não logrou atingir [cfr., neste sentido, entre outros, os Acs. do STJ de 02.06.2015 (Proc. n.º 1263/06.3TVPRT.P1.S1), e de 08.09.2020 (Proc. n.º 148/14.4TVLSB.L1.S1); André Dias Pereira, em loc. cit. e revista citada, págs. 141/142 e 145/146; Miguel Assis Raimundo, in: loc. cit., págs. 156; Vera Lúcio Raposo, in: ob. cit., pág. 244].

39. É que esta defesa excecional, a ser admitida genericamente para os casos de violações menos graves do dever de informação e com observância de «requisitos muito exigentes» ou «dentro de um apertado enquadramento» [cfr. Ac. do STJ de 08.09.2020 (Proc. n.º 148/14.4TVLSB.L1.S1) e André Dias Pereira, em loc. cit. e revista citada, pág. 145], constituindo problema de causalidade, carecia de ser demonstrada e vertida na factualidade provada pelo 1.º/R., ao invés do entendimento das instâncias, não podendo presumir-se, nem ser «facilitada» pelo julgador ante a ausência de um substrato factual no qual tal juízo quanto a um consentimento hipotético pudesse fundar-se, tanto mais que a criação de condições que potenciam ou agravam a probabilidade de produção ou da verificação de efeitos negativos ou nefastos em violação da liberdade/dignidade pessoal não podem deixar de relevar no juízo de responsabilidade.

40. Ora tendo a A. sido submetida a intervenção cirúrgica sem o devido consentimento as consequências negativas que dela advieram para a sua esfera jurídica responsabilizam quem a executou mesmo que tecnicamente bem realizada, sendo que, contrariamente ao entendimento sustentado pelas instâncias, não resultou demonstrado, nem tal se pode minimamente extrair da factualidade apurada, que in casu exista uma fundada presunção de que a A., enquanto paciente, não teria recusado a intervenção se tivesse sido devidamente informada, e nem de que os danos pela mesma sofridos sempre se teriam produzido mesmo que ela se tivesse recusado submeter à intervenção ante aquilo que seria a normal evolução da sua condição clínica.

41. De notar que deriva do art. 563.º do CC, enquanto preceito no qual se estabelece o regime do nexo de causalidade em matéria de obrigação de indemnizar, que a esta «só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão».

42. Consagra-se no referido artigo, tal como tem vindo a ser entendido na doutrina e na jurisprudência, a teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa, teoria justificada pela ideia de que o prejuízo deve recair sobre quem, agindo ilicitamente, criou a condição do dano, pelo que o facto ilícito que, no caso concreto, foi efetivamente condição do resultado danoso só deixa de ser causa adequada se, na ordem natural das coisas, for de todo em todo indiferente para a produção do dano [cfr., entre outros, Acs. deste Supremo Tribunal de 16.05.2006 (Proc. n.º 0874/05), de 14.10.2009 (Proc. n.º 0155/09), de 08.09.2011 (Proc. n.º 0858/10), de 22.11.2011 (Proc. n.º 0628/11), de 13.03.2012 (Proc. n.º 0477/11), de 24.04.2013 (Proc. n.º 0183/13), de 25.03.2015 (Proc. n.º 01932/13), de 19.05.2016 (Pleno) (Proc. n.º 0576/10), de 22.03.2017 (Proc. n.º 01356/14), de 04.10.2017 (Proc. n.º 0198/15), de 08.03.2018 (Proc. n.º 0446/16), de 12.07.2018 (Proc. n.º 0428/18), de 15.10.2020 (Proc. n.º 0322/04.1BECTB)].

43. Tal como afirmava Antunes Varela «só quando para a verificação do prejuízo tenham concorrido decisivamente circunstâncias extraordinárias, fortuitas ou excecionais (que tanto poderiam sobrevir ao facto ilícito como a um outro facto lícito) repugnará considerar o facto (ilícito) imputável ao devedor ou agente como causa adequada do dano» [in: “Das Obrigações em Geral”, 10.ª Ed., pág. 894].

44. Daí que, nesta vertente, a causalidade adequada não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, porquanto como sustentava o Autor acabado de citar «[p]ara que haja causa adequada, não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano», visto que «[e]ssencial é que o facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como frequentemente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano» já que «[n]ada impede mesmo que as outras condições do efeito danoso consistam num facto fortuito ou até num ato doloso ou negligente de terceiro», e sendo que a causalidade adequada «não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. (…) É esse processo concreto que há-de … caber aptidão geral ou abstrata do facto para produzir o dano» [in: ob. cit., págs. 894/895 (nota 1)/896].

45. Frise-se, ainda, que para que um dano seja considerado como efeito adequado de certo facto não é necessário que ele seja previsível para o autor do facto, sendo, todavia, essencial que o facto constitua em relação ao dano uma causa objetivamente adequada.

46. Daí que carecendo a cirurgia do necessário consentimento da paciente, que o mesmo para ser válido teria de ser devidamente informado e que incumbia à instituição hospitalar, aqui 1.º/R., quer a demonstração de que transmitiu à A., enquanto sua paciente/utente, as necessárias informações quanto aos riscos advenientes ou comportados por aquela cirurgia e de que lhe deveria ter dado conhecimento, quer de que a A. não teria recusado a intervenção se tivesse sido devidamente informada, temos que, não se mostrando como válido e eficaz o consentimento obtido nem demonstrada a não recusa da A. se devidamente informada, isso implica ou acarreta a ilicitude da intervenção realizada no corpo daquela paciente, privando-a da liberdade de escolha, com o consequente dever de a indemnizar/compensar pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados e por ela sofridos já que integralmente abrangidos e concretizados pelos riscos documentados e não informados/comunicados, não podendo, por isso, manter-se o juízo impugnado que negou tal nexo de causalidade e desconsiderou os danos peticionados.

47. No sentido de que o reconhecimento de uma situação de violação do dever de informação conduz a um consentimento inválido e de que as lesões causadas à integridade física e à liberdade são ilícitas, gerando-se, assim, uma obrigação de indemnizar os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo paciente vide a jurisprudência produzida neste âmbito [cfr., entre outros, os Acs. do STJ de 02.06.2015 (Proc. n.º 1263/06.3TVPRT.P1.S1), de 16.06.2015 (Proc. n.º 308/09.0TBCBR.C1.S1), de 02.11.2017 (Proc. n.º 23592/11.4T2SNT.L1.S1), de 22.03.2018 (Proc. n.º 7053/12.7TBVNG.P1.S1), de 24.10.2019 (Proc. n.º 3192/14.8TBBRG.G1.S2), de 08.09.2020 (Proc. n.º 148/14.4TVLSB.L1.S1), e de 02.12.2020 (Proc. n.º 359/10.1TVLSB.L1.S1)] e, bem assim, a doutrina [vide, entre outros, Vera Lúcio Raposo, in: ob. cit., págs. 216 e segs.; André Dias Pereira, em loc. cit. e revista citada, pág. 141].

48. Centrando, agora, a análise na apreciação do acometido erro de julgamento respeitante ao segmento dos danos indemnizáveis e da fixação do seu quantum, temos que assistirá igualmente razão nas críticas endereçadas pela A. ao acórdão recorrido.

49. É certo que para haver obrigação de indemnizar é condição essencial que o facto ilícito culposo tenha gerado um prejuízo a alguém, sendo a indemnização deve, sempre que possível, reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido o facto danoso (situação hipotética) [cfr. arts. 562.º, 563.º e 566.º do CC].

50. No caso vertente o dever de indemnizar que impende sobre o 1.º/R. compreende, desde logo, os danos patrimoniais sofridos pela A. e que, como referido supra, envolvem as despesas tidas pela A. com consultas e exames médicos a que foi submetida para apurar as razões das queixas por si apresentadas no pós-operatório à intervenção realizada no 1.º/R., computados em 175,00 € [cfr. n.º 10.52) dos factos provados] e pelo mesmo assim devidos.

51. Peticionou a A. ainda a condenação do referido R. no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais sofridos no montante de 80.000,00 €.

52. O dever de indemnizar abarca também os danos não patrimoniais, importando quanto a estes atender ao regime legal que decorre do art. 496.º do CC.

53. Decorre deste preceito que na fixação da indemnização deve atender-se aos «danos não patrimoniais» que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito [n.º 1], sendo o montante fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.º, isto é, tomando em consideração o grau de culpabilidade do agente e as demais circunstâncias do caso [n.º 3].

54. A lei não enuncia ou enumera quais os «danos não patrimoniais» indemnizáveis antes confiando aos tribunais, ao julgador, o encargo ou tal tarefa à luz do que se disciplina no citado art. 496.º, n.º 1, do CC.

55. A fixação do quantum debeatur relativo à indemnização a arbitrar pelos «danos não patrimoniais» mostra-se uma tarefa árdua e difícil, que envolve sempre margem de controvérsia, posto que o seu montante, como supra já aludimos, deve ser «fixado equitativamente» [cfr. n.º 3 do citado art. 496.º do CC].

56. Presente que a compensação pelos «danos não patrimoniais» constitui algo que se mostra ligado à pessoa humana, à sua dignidade e liberdade, a mesma não se trata de uma atividade arbitrária já que convoca e impõe a emissão dum juízo que terá de levar em consideração na sua fundamentação a ponderação da gravidade dos danos, medida por um padrão objetivo e não à luz de fatores subjetivos, de uma sensibilidade particularmente «embotada», «aguçada» ou especialmente requintada do(a) lesado(a) [cfr., entre outros, Acs. deste Supremo Tribunal de 31.05.2005 (Proc. n.º 0127/03), de 16.05.2006 (Proc. n.º 01188/05), de 08.11.2007 (Proc. n.º 0643/07), de 14.07.2008 (Proc. n.º 0572/07), de 01.10.2008 (Proc. n.º 063/08), de 12.11.2008 (Proc. n.º 0682/07), de 28.01.2009 (Proc. n.º 0884/08), de 28.01.2010 (Proc. n.º 0266/08), de 22.04.2015 (Proc. n.º 0197/15), de 12.07.2017 (Proc. n.º 0865/15), de 15.03.2018 (Proc. n.º 01089/16), de 04.04.2019 (Proc. n.º 0279/14.0BALSB-S1)], mas, também, os fins gerais e especiais prosseguidos pela indemnização neste âmbito e aquilo que é a prática jurisprudencial em situações similares, em especial por este Tribunal, a qual ganha foros de particular importância, cientes de que nem outra coisa deriva ou se extrai, aliás, do que se mostra previsto no n.º 3 do art. 08.º do CC.

57. Nessa medida, importa ter presente o entendimento jurídico dogmático que a natureza do dano não patrimonial vem assumindo na jurisprudência com uma dimensão quantitativa proporcional à relevância que a sociedade dá aos valores do dano, o que aponta para a aplicação de indemnizações “não miserabilistas” e que, assim, se mostrem ajustadas à realidade e a compensar, com dignidade, os padecimentos causados.

58. Mas se a gravidade deste tipo de danos se deve medir por um padrão objetivo, temos, todavia, que na sua apreciação deverão ser tidas em linha de conta as circunstâncias de cada caso, cientes de que o julgador deverá atender, na decisão a proferir no que respeita à valoração pecuniária dos «danos não patrimoniais», em cumprimento do normativo legal que o manda julgar de harmonia com a equidade, aos fatores expressamente referidos na lei e, bem assim, a outras circunstâncias que emergem da factualidade provada, tudo com o objetivo de, após a adequada ponderação, poder concluir a respeito do valor pecuniário que considere justo para, no caso concreto, compensar o(a) lesado(a) pelos danos que a esse título sofreu.

59. Ora entre as várias subcategorias ou especializações que podemos encontrar dentro da categoria geral do «dano não patrimonial», consoante o aspeto da vida ou da personalidade que ficou afetado, temos: i) o «dano existencial» [correspondente àquele que afeta toda a vida relacional da pessoa lesada com a sua família e a esfera íntima da pessoa]; ii) o «dano estético» [respeitante à afetação do aspeto físico e a beleza corporal da pessoa lesada, envolvendo a avaliação personalizada da imagem em relação a si própria e perante os outros, ou seja, o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima]; iii) o «dano biológico» [enquanto dano corporal ou à saúde traduzido na diminuição psicossomática da pessoa lesada e que compreende vários fatores, suscetíveis de afetar as atividades laborais, recreativas, sociais, vida sexual e sentimental («prejuízo da saúde geral, da longevidade e de afirmação social»), no qual se consideram ou avultam o dano da dor e o défice de bem estar, e em que se atendem aos danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e ao corte na expectativa de vida, assumindo um carácter dinâmico, na medida em que tende a agravar-se com o avançar da idade da pessoa lesada, produzindo consequências na mensuração do dano não patrimonial e/ou do dano patrimonial]; iv) o «dano da perda de autonomia» [que se prende com a afetação da liberdade de iniciativa, a auto realização e a autoestima]; v) o «dano psicológico» [traduzido na angústia e depressão e ligado ao dano da perda da alegria de viver, que altera a forma como a pessoa lesada vê e sente o mundo no seu quotidiano]; vi) o «dano da afirmação pessoal» [que se prende com a alteração da forma como a pessoa lesada se insere no mundo e se sente a si mesma perante os outros]; vii) o «dano da incapacidade laboral» [que, para além da perda de rendimentos, enquanto dano patrimonial futuro, se prende com a retirada à pessoa lesada da sensação de utilidade e de produtividade, acarretando a perda de autoestima e do sentido da vida]; viii) o «pretium doloris» [que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária], e ix) o «pretium juventutis» [respeitante ao dano da perda da possibilidade de gozar os anos da juventude e no qual se realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada «primavera da vida»] [cfr., entre outros, os Acs. deste Supremo Tribunal de 07.10.2010 (Proc. n.º 0870/09), de 04.04.2019 (Proc. n.º 0279/14.0BALSB-S1), de 31.10.2019 (Proc. n.º 0183/14.2BEBRG); e os Acs. do STJ de 05.07.2007 (Proc. n.º 07A1734), de 25.11.2009 (Proc. n.º 397/03.0GEBNV.S1) e de 02.06.2015 (Proc. n.º 1263/06.3TVPRT.P1.S1)].

60. Como afirmado por este Supremo no seu acórdão de 31.05.2005 [Proc. n.º 0127/03 supra referido] a «personalidade física e moral dos indivíduos é protegida por lei contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa ilícita - artigo 70.º do CC» e que «em princípio, a dor moral causada por facto ilícito é abrangida pelo n.º 1 do artigo 496.º», mas que isso pode não acontecer, mormente em situações de «dor insignificante, uma simples maçada ou incómodo, que um cidadão comum retém como inerente às vicissitudes normais da vida em sociedade» visto não atingirem «a gravidade merecedora da tutela do direito, em sede de atribuição de indemnização por danos não patrimoniais».

61. Cientes dos considerandos expendidos temos que, ponderada a factualidade lograda apurar com relevância neste segmento [cfr. n.ºs 10.41), 10.45) a 10.51), 10.53) a 10.55) dos factos provados] no seu confronto com o que constituía a alegação feita no articulado inicial, resulta a existência in casu na esfera jurídica da A./recorrente de danos de natureza não patrimonial.

62. E, ante o entendimento/motivação supra desenvolvidos, devem ser atendidos e considerados no juízo equitativo a realizar as lesões físicas permanentes de que ficou a padecer a A. [paralisia da corda vocal direita em posição paramediana, com fenda glótica posterior, geradora de aspiração, potenciadora/exacerbadora das queixas de refluxo faringolaríngeo, e de, numa escala de 1 a 10 pontos, atingir o nível máximo de 10 pontos em termos de aspiração recorrente e/ou incompetência laríngea], bem como angústia e a ansiedade sentidas pela A. decorrentes do seu receio de crises de falta de ar e/ou do seu receio de se engasgar, assim como a impossibilidade de realizar certos esforços físicos e a limitação da sua ação a nível pessoal, profissional e lúdica, para além do facto de ter tido necessidade de submissão a acompanhamento médico e a várias sessões de terapia da fala.

63. Tal realidade factual lograda apurar nos autos mostra-se como idónea e bastante para ter como demonstrada, no caso, a existência na esfera jurídica da A. de danos de natureza não patrimonial, danos esses que, à luz de um padrão/juízo objetivo, se revelam como dotados claramente da magnitude de «gravidade» imposta pelo art. 496.º, n.º 1, do CC, cabendo, agora, presente aquilo que é o quadro situacional a atender no caso sub specie, aferir do acerto e adequação do juízo de equidade realizado pelo TCA/N no que tange ao quantum arbitrado a título de indemnização pelos «danos não patrimoniais», computado no montante de 1.000,00 €.

64. Como referido não se trata de uma atividade arbitrária já que convoca e impõe a emissão dum juízo que terá de levar em consideração na sua fundamentação a ponderação da gravidade dos danos, os fins gerais e especiais prosseguidos pela indemnização neste âmbito e a prática jurisprudencial em situações similares.

65. Assim, quanto aos litígios que concretamente têm sido julgados envolvendo a violação do dever de obtenção de consentimento informado para realização de intervenções em saúde e aos montantes que a este título ali têm sido fixados ressaltam, nomeadamente e na ausência de decisões deste próprio Supremo Tribunal neste específico domínio da responsabilidade civil extracontratual, as condenações de:
- 25.000,00 € [no Ac. do STJ de 02.06.2015 (Proc. n.º 1263/06.3TVPRT.P1.S1) - em que a ali A. ficou a padecer, nomeadamente, de repuxamento dos grandes lábios vaginais para a parte superior da face interna das coxas, provocado pela exérese de pele destas regiões nas cirurgias anteriores; dores e afetação da vida sexual];
- 18.000,00 € [no Ac. do STJ de 02.11.2017 (Proc. n.º 23592/11.4T2SNT.L1.S1) - em que a ali A. sofreu lesão do nervo lingual que lhe provocou dores, encortiçamento da hemilíngua direita e limitações da vida habitual: a A. «mulher saudável, militar no ativo … não conseguiu praticar treino físico e não conseguiu realizar as provas exigidas pela sua condição de militar nos anos 2009 a 2011 …. Ainda hoje, decorridos oito anos após a extração do … dente, a A. mantém dor permanente no pavimento da cavidade oral à direita e hemilíngua direita, com sensação de formigueiro, com parestesia, com sensação de encortiçamento, com grande dificuldade e dor na mastigação, não consegue mastigar com o lado direito, continua a acontecer-lhe morder a língua inadvertidamente, mantendo a insensibilidade na hemilíngua direita, mantém a dificuldade em articular a fala e em pronunciar corretamente algumas palavras»];
- 28.000,00 € [no Ac. do STJ de 22.03.2018 (Proc. n.º 7053/12.7TBVNG.P1.S1) - em que a ali A., com 83 anos de idade, em virtude de perfuração cólica de que foi vítima em, teve que ser assistida em hospital (onde efetuou consulta e exames, sofreu três intervenções cirúrgicas, vários períodos de internamento hospitalar que totalizaram 49 dias); sofreu dores durante cerca de 1 mês e meio; e em que após intervenção cirúrgica no dia 17.03.2011 teve de usar um saco de colostomia, carecendo, até novembro de 2011, de ajuda de terceira pessoa para se vestir e despir, assim como para cuidar da sua higiene, sendo que o uso do aludido saco fez a mesma A. sentir-se desconfortável, diminuída, com perda de autoestima e vergonha, reduzindo as suas saídas e o convívio com amigas];
- 12.500,00 € [no Ac. do STJ de 24.10.2019 (Proc. n.º 3192/14.8TBBRG.G1.S2) - em que a ali A. ficou a padecer, nomeadamente, de dificuldades mastigatórias, diminuição de continência oral, alterações faciais designadamente a nível do lábio superior bem como com a reabsorção radicular nos dentes, com um dano estético permanente de grau 1/7 e um quantum doloris é fixável em 4/7, com perda da autoestima e da autoconfiança que antes detinha como sua característica pessoal];
- 140.000,00 € [no Ac. do STJ de 08.09.2020 (Proc. n.º 148/14.4TVLSB.L1.S1) - em que a ali A. sofreu dores grau 6 numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo ficado sem baço e com um defeito importante na parede abdominal, com fraqueza da mesma, bem como cicatrizes permanentes em todo o abdómen, e com uma perturbação persistente do humor com moderada repercussão na sua autonomia pessoal, social e profissional, condicionante de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 15 pontos];
- 150.000,00 € [no Ac. do STJ de 02.12.2020 (Proc. n.º 359/10.1TVLSB.L1.S1) - em que a ali A. na sequência de intervenção a que foi submetida sofreu: infeção/padecimentos que atingiram um quantum doloris grau 6 numa escala de 7; viu o rosto ficar desfigurado, em decorrência das sequelas advindas daquela infeção e respetivo tratamento, representando um dano estético correspondente a um grau 7 numa escala de 7 e um prejuízo de afirmação pessoal correspondente ao grau 7 numa escala de 7; enorme desgosto e tristeza, bem como sentimentos de ansiedade perante o seu futuro, passando a viver num ambiente de tristeza e consternação e de quase isolamento, evitando o contacto com outras pessoas, com fácil irritabilidade, fadiga, dificuldade de concentração, perturbações do sono (insónias), humor deprimido e dificuldades ao nível das funções executivas (desorganização no planeamento e na orientação para a tarefa)].

66. Munidos do enquadramento e dos antecedentes considerandos desenvolvidos temos que a A. logrou provar os danos que a título de «danos não patrimoniais» alegara ter sofrido como se pode claramente extrair do confronto entre a articulação em sede de petição inicial e a factualidade dada como provada [vide antecedentes §§ 61 e 62], sendo que tais danos, como já referido, assumem, em concreto, gravidade merecedora da tutela do direito [cfr. n.º 1 do art. 496.º do CC], não corporizando simples e insignificante maçada ou incómodo que um cidadão comum retém como inerente às vicissitudes normais da vida em sociedade.

67. Assim, impondo-se a atribuição de indemnização para a sua reparação, temos que ponderados os danos sofridos pela A., sua gravidade e amplitude; a atuação/conduta desenvolvida pelo 1.º/R. que, à luz do contexto factual logrado provar pelo mesmo e ónus sobre si impendente [seja quanto à existência de consentimento informado, seja quanto ao consentimento hipotético] não conduz a uma atenuação substancial da sua responsabilidade com reflexo no cômputo dos danos; os fins gerais e especiais a que se inclina a indemnização deste tipo de danos e aquilo que, em várias situações e circunstâncias vem sendo a prática jurisprudencial ilustrada supra [vide antecedente § 65] [mais similares ou diametralmente diversas quanto à concreta atuação/conduta, às lesões sofridas e ao grau de gravidade das mesmas], entende-se como adequado e equitativo, de harmonia com o disposto no n.º 3 do mesmo normativo e ainda do art. 566.º do mesmo Código, fixar o montante de indemnização global atualizado devido à A. a este título em 16.000,00 €, revendo, nessa medida, o juízo do TCA/N.

68. Flui, por conseguinte, de tudo o exposto a procedência do recurso jurisdicional que se nos mostra dirigido e, em decorrência, importa revogar o acórdão recorrido.

DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em:
A) conceder parcial provimento ao recurso jurisdicional sub specie, e, em consequência, revogar o acórdão recorrido;
B) condenar o 1.º/R. a pagar à A. uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos no valor total de 16.175,00 € [175,00 € (a título de danos patrimoniais) e 16.000,00 € (a título de danos não patrimoniais, valor este já atualizado)], não sendo devidos juros moratórios dado não peticionados;
C) absolver do restante pedido os ora ainda demandados.
Custas a cargo de recorrente e recorridos [1.º/R. e interveniente], neste Supremo e nas instâncias na proporção do vencimento e decaimento, tudo sem prejuízo do apoio judiciário de que a A./recorrente beneficia [cfr. fls. 26].
D.N..
Lisboa, 16 de dezembro de 2021

Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator por vencimento)
Ana Paula Soares Leite Martins Portela
Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (vencida, conforme declaração de voto que segue)

Declaração de voto de vencido:
Vencida. Apresentei um projecto em que propunha que se negasse provimento ao recurso, considerando, no essencial, inaplicável ao caso dos autos qualquer responsabilidade civil emergente do alegado deficiente cumprimento da obrigação de assegurar a prestação de um consentimento livre e esclarecido por parte da A., pelas razões que, sumariamente, elenco.
Primeiro, a prestação de cuidados de saúde decorre em contexto orgânico-institucional e não contratual
A tese que fez vencimento transpõe, no essencial, para a prestação de cuidados médicos no âmbito do SNS a construção jurisprudencial-doutrinal que o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a desenvolver no âmbito de uma responsabilidade médica fundada na relação médico-doente em contexto de prestação de serviços de saúde sob relações jurídicas comerciais de direito privado (referimo-nos, entre outros, aos acórdãos do STJ de 18.03.2010 - P. n.º 301/06.4TVPRT.P1.S1, de 02.06.2015 - P. n.º 1263/06.3TVPRT.P1.S1, de 16.06.2015 - P. n.º 308/09.0TBCBR.C1.S1, de 22.03.2018 - P. n.º 7053/12.7TBVNG.P1.S1, de 08.09.2020 - P. n.º 148/14.4TVLSB.L1.S1, de 02.12.2020 - P. n.º 359/10.1TVLSB.L1.S1).
Considero que não é correcto fazer a transposição acrítica desta tese para o âmbito da prestação de cuidados de saúde no SNS, em que as relações jurídicas existentes são de direito público, precisamente porque está em causa um utente de um serviço público e um funcionário de uma entidade pública empresarial, ou seja, estamos no domínio de relações jurídicas reguladas pelo direito administrativo, o que não pode ser ignorado. Como ignoradas não podem ser as regras do regime da responsabilidade civil extracontratual do estado e demais entidades públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007.
A construção jurisprudencial desenvolvida pelo STJ tem por base a responsabilidade emergente de uma relação jurídico-contratual de base comercial, que se estabelece entre o médico e o doente e que é regulada pelo direito privado, no âmbito da qual se impõem especiais cautelas pela vulnerabilidade do doente (assimetria informativa) e pelo carácter inevitavelmente lucrativo da actividade para o respectivo prestador, que está na base da sua actuação em mercado. A relevância da prestação de um consentimento informado, essencial para o exercício da escolha do consumidor dos serviços de saúde, é, obviamente, inquestionável. E as regras que determinam o cumprimento daquela obrigação extraem-se do contexto regulatório público da actividade aqui essencialmente ancorado nas regras emanadas pela ordem profissional, que é o regulador público da profissão.
Ora, as regras que impõem o incumprimento daquela obrigação e que determinam a responsabilidade pela sua omissão ou cumprimento defeituoso não podem, em nosso entender, ser transpostas qua tale para o domínio da prestação de cuidados de saúde a um utente do SNS. Neste segundo caso, a relação médico-doente não tem uma matriz jurídico-contratual comercial, pois toda a prestação dos cuidados de saúde está organizada sob regras orgânico-funcionais, que determinam que o cumprimento daquela obrigação de garantia de prestação de um consentimento informado por parte do utente do serviço se tenha de aferir com base em outros pressupostos jurídicos, pois, desde logo, inexiste neste contexto qualquer preocupação com a sujeição de um doente a actos desnecessários por razões lucrativas. Mas vejamos todos os pressupostos que distinguem as situações:
- o utente do SNS não tem direito a escolher o prestador dos cuidados de saúde, pelo que a relação com os clínicos e demais profissionais e colaboradores que o assistem nunca repousa numa relação de tipo contratual - o utente tem a possibilidade de “aceder” e “circular” no âmbito das instituições do SNS de acordo com “os princípios definidos para a rede de referenciação técnica em articulação com os cuidados de saúde primários” – artigo 4.º, alínea a) do Regime Jurídico e Estatutos Aplicáveis às Unidades de Saúde do Serviço Nacional de Saúde (Decreto-Lei n.º 18/2017, de 10 de Fevereiro, na sua redacção actualizada) – e o utente do SNS tem direito a escolher, no âmbito do sistema de saúde e na medida dos recursos existentes e de acordo com as regras de organização, o serviço e agentes prestadores Base XIV, n.º 1, al. a) da Lei de Bases da Saúde [Lei, n.º 48/90, de 24 de Agosto, na sua redacção actualizada pela Lei n.º 27/2002 (não sendo aplicável neste caso a Lei n.º 95/2019, de 4 de Setembro, que, contudo, mantém a mesma “limitação” à liberdade de escolha) e artigo 2.º da Lei n.º 15/2014, de 21 de Março];
- ao utente do serviço hospitalar (é esse o caso dos autos) seguido em consulta externa é atribuído um médico assistente segundo as regras de funcionamento interno da instituição hospitalar em causa e todo o “percurso” terapêutico e de diagnóstico está subordinado a regras organizacionais e de funcionamento da instituição administrativa, que é totalmente alheia à vontade do utente na escolha dos concretos prestadores daqueles serviços; mais, no caso de cirurgias, a mesma é efectuada pelo médico de serviço no dia em que o doente é escalado para cirurgia e não pelo médico que faz o seguimento do doente em consulta externa;
- ao utente do SNS só recentemente passou a ser garantido o direito a segunda opinião médica dentro do SNS, como corolário do direito ao consentimento livre e esclarecido, o que depende da regulamentação interna desse direito no âmbito da instituição hospitalar; e este direito não tem sequer formulação legal expressa no leque dos direitos do utente, plasmados no capítulo II da já mencionada Lei n.º 15/2014;
- os profissionais a exercer a prática clínica no SNS cumprem as tarefas a que regulamentarmente estão obrigados, segundo as regras deontológicas e observando as leges artis; e a obrigação de prestação das informações necessárias para a obtenção de um consentimento livre e esclarecido não se integra, neste contexto, no exclusivo âmbito das obrigações deontológicas do médico como sucede na prática privada, antes integra o leque das tarefas cuja concretização tem de ser regulamentada pela instituição hospitalar. É que o utente, como vimos, está a cargo da instituição/ serviço público (é ela que regulamenta os seus cuidados) e não de um concreto profissional de saúde, pelo que é a instituição quem tem de definir, por via regulamentar, quem, quando e de que forma é responsável pela prestação das informações necessárias e pela obtenção do consentimento livre esclarecido dos doentes.
É, pois, neste contexto orgânico-funcional que têm de ser analisados os pressupostos do cumprimento da obrigação de assegurar que o doente presta um consentimento livre e esclarecido e não num contexto de base contratual, como o que está subjacente à jurisprudência do STJ, em que um doente “contrata” os serviços de um concreto médico ou outro profissional de saúde, o qual assume perante o doente todos os riscos da intervenção que vai praticar.

Segundo, a obrigação de assegurar que o doente presta um consentimento livre e esclarecido, para efeito de responsabilidade civil por facto ilícito, tem de resultar de uma obrigação normativa expressamente regulada, como impõem o princípio da legalidade e o princípio fundamental da segurança jurídica
Em segundo lugar, a obrigação de assegurar que o doente presta um consentimento livre e esclarecido ante os actos médicos a que se submete — uma obrigação integrada no “movimento pela humanização dos cuidados médicos” e de um maior “envolvimento” do doente na decisão (autodeterminação) sobre os actos médicos —, independentemente dos preceitos constitucionais de que se faz derivar por via hermenêutica, tem a sua origem expressa em regras de direito internacional que entraram em vigor entre nós no início deste século [Convenção para a protecção dos direitos do homem e da dignidade do ser humano face às aplicações da biologia e da medicina: convenção sobre os direitos do homem e a biomedicina, de 1998, que foi aprovada para ratificação entre nós em 2001; Carta dos Direitos das Pessoas Doentes da OMS e a Carta Europeia dos Direitos dos Pacientes, de 2001] e cuja eficácia no âmbito das relações jurídicas intersubjectivas carece de regulação pelo legislador.
Por isso, o recorte das concretas obrigações em que se materializa o dever de constituir o doente na prestação de um consentimento livre e esclarecido, no sentido que a Entidade Reguladora da Saúde define no Relatório Sobre “A Carta dos Direitos dos Utentes” de 2011, como “o direito dos utentes de, após devidamente informados sobre o seu estado de saúde, sua evolução, tratamentos a efectuar, riscos associados e eventuais tratamentos alternativos, decidir, por livre vontade, dar o seu consentimento para um acto médico, participação em investigação ou ensino clínico (…) o direito dos utentes à autodeterminação, ou seja, à sua capacidade e autonomia para decidir sobre si próprios”, só pode resultar, por razões de segurança jurídica para efeitos da imputação de responsabilidade civil, de uma concreta regulação daquelas obrigações no plano legal, maxime, legislativo. Algo que, para os utentes do SNS tinha uma formulação genérica na alínea e) do n.º 1 da Base XIV da Lei de Bases da Saúde (Lei, n.º 48/90, de 24 de Agosto, na sua redacção actualizada pela Lei n.º 27/2002) e que só veio a ser expressamente densificado como direito geral do utente no artigo 7.º da Lei n.º 15/2014.
Acresce que, o modo como tem de ser assegurada a prestação de consentimento livre e esclarecido resulta, segundo o legislador, de orientações emanadas pela Divisão da Qualidade da DGS (artigo 25.º, al. h) do Decreto-Lei n.º 122/97, de 20 de Maio), ou seja, a regulamentação in concreto do modo de exercício daquela obrigação de informação no âmbito do SNS decorre das normas aprovadas pela DGS. Compulsada a respectiva Norma [Norma n.º 015/2013, actualizada em 04/11/2015], concluímos que o consentimento informado, esclarecido e livre, dado por escrito, para a realização de “actos cirúrgicos e/ou anestésicos, com excepção as intervenções simples de curta duração para tratamento de afecções sobre tecidos superficiais ou estruturas de fácil acesso, com anestesia local” apenas passou a ser exigido a partir desta data 2013 (ponto 5, al. r da Norma), assim como na “realização de actos diagnósticos ou terapêuticos invasivos majores” (ponto 5, al. s da Norma), contrastando com outros casos em que uma tal forma de consentimento já era exigida com anterioridade (v., por exemplo, para a realização de técnicas invasivas em grávidas esta forma de consentimento é exigida desde 2001 ex vi da Circular Normativa n.º 16/DSMIA, de 5 de Dezembro de 2001).
No já mencionado Relatório Sobre “A Carta dos Direitos dos Utentes” de 2011, publicado pela Entidade Reguladora da Saúde, pode ainda ler-se que o consentimento a prestar pelo utente pode ser “expresso, quando prestado pelo utente activamente, na forma oral (sendo neste caso livremente revogável a qualquer momento) ou tácito ou implícito, quando resulta de factos que com toda a probabilidade revelem tal consentimento (vd. artigo 217.º do CC)”.
Daqui se infere que, à data dos factos: i) da falta de norma que expressamente impusesse a prestação de um consentimento expresso e/ou escrito para o acto a praticar, resultava que o consentimento poderia ser tácito ou implícito, pelo que era irrelevante para este efeito a “falta de densidade” do documento assinado pela A.; ii) inexistindo uma regra funcional a determinar que o dever de obter o consentimento informado recaia sobre o médico, não pode o mesmo ser responsabilizado por qualquer omissão ou incumprimento, até porque o utente é do serviço e não seu, o que significa que falta, in casu, o pressuposto da ilicitude da sua conduta para que, nos termos do disposto no artigo 9.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (RRCEEEP), possa ser assacada qualquer responsabilidade ao médico e, consequentemente, para que se possa falar de responsabilidade do Estado por facto ilícito ex vi do disposto nos artigos 7.º a 10.º do RRCEEEP; iii) também não pode aplicar-se neste caso a responsabilidade pela faute du service, nem uma responsabilidade de tipo objectivo, atento o facto de um tal tipo de responsabilidade visar situações de risco, o que corresponde à prática médica no contexto complexo da organização funcional do SNS, mas não à alegada obrigação acessória de informação; iv) por último, também não é possível imputar objectivamente ao estabelecimento de saúde, que para este efeito é uma entidade administrativa subordinada ao princípio da legalidade, o incumprimento em 2004 de uma obrigação que a lei apenas veio a consagrar em 2014.
Por todas estas razões, a solução que fez vencimento configura, em nosso entender, uma decisão judicial violadora dos princípios da segurança jurídica e da legalidade da administração.

Por último, também o circunstancialismo do caso não permitia alcançar um resultado diverso daquele que foi determinado pelas instâncias, de circunscrever a indemnização aos danos morais decorrentes do sofrimento pela demora na identificação da lesão. Concorrem decisivamente para este resultado os factos de se ter dado como provado: i) que não havia um meio de diagnóstico alternativo para determinar se o tumor era benigno ou maligno; ii) que a lesão sofrida era um resultado comum naquele tipo de intervenção; e iii) que a A. não conseguiu provar, porque não alegou, que se tivesse tido efectivo conhecimento de todos os concretos riscos possíveis da intervenção cirúrgica não se teria submetido àquele tipo de procedimento. Concordamos com a decisão recorrida na parte em que concluiu que a factualidade apurada não permitia fazer recair sobre o médico e o hospital o risco da lesão, uma vez que falhava o nexo de adequação, ou seja, não era possível imputar a lesão à falta de comunicação de todos os riscos, tendo em conta que da factualidade se inferia que o resultado provável in casu seria sempre a produção da lesão, pelo que relevaria a causa virtual.
Suzana Tavares da Silva.