Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:017/19.1BALSB
Data do Acordão:10/23/2019
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
REQUISITOS
ADMISSIBILIDADE
Sumário:I - De harmonia com o disposto no nº 2 do art. 25º do RJAT (DL nº 10/2011, de 20/1) a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
II - A este recurso é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sendo requisito para a sua admissibilidade a existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão recorrida e o acórdão fundamento.
III - Não é de admitir o recurso se não se verifica identidade de situações fácticas e a existência de julgamento contraditório sobre as questões que tenham sido colocadas à apreciação da decisão arbitral recorrida e do acórdão fundamento.
Nº Convencional:JSTA000P25058
Nº do Documento:SAP20191023017/19
Data de Entrada:02/12/2019
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A........... E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A……………… e sua mulher B………………., C……………… e sua mulher D…………….., e E…………….. e sua mulher F……………, apresentaram pedido de constituição do tribunal arbitral no âmbito do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), proc. n,º 235/2018, com vista à apreciação da ilegalidade das seguintes liquidações:
A………………….. e sua mulher B……………., C………………, impugnam as seguintes liquidações:
– n.º 20185000000250, relativa a IRS do ano de 2013, no montante de 132.347,58 Euros o qual inclui o valor correspondente aos juros compensatórios;
– n.º 20185000000391, relativa a IRS do ano de 2014, no montante de 150.328,64 Euros, o qual inclui o valor correspondente aos juros compensatórios e;
– n.º 20185000000729, relativa a IRS do ano de 2015, no montante de 338.791,17 Euros, o qual inclui o valor correspondente aos juros compensatórios.
C………………… e sua mulher D…………….., impugnam as seguintes liquidações:
– n.º 20185000000251, relativa a IRS do ano de 2013, no montante de 116.149,20 Euros, o qual inclui o valor correspondente aos juros compensatórios;
– n.º 20185000000592, relativa a IRS do ano de 2014, no montante de 148.219,62 Euros o qual inclui o valor correspondente aos juros compensatórios e;
– n.º 20185000001325, relativa a IRS do ano de 2015, no montante de 328.908,41 Euros, o qual inclui o valor correspondente aos juros compensatórios.
E……………… e sua mulher F………………. impugnam as seguintes liquidações:
– n.º 20185000004101, relativa a IRS do ano de 2013, no montante de 107.723,94 Euros, o qual inclui o valor correspondente aos juros compensatórios;
– n.º 20185000004170, relativa a IRS do ano de 2014, no montante de 128.057,34 Euros, o qual inclui o valor correspondente aos juros compensatórios e;
– n.º 20185000004378, relativa a IRS do ano de 2015, no montante de 313.486,51 Euros, o qual inclui o valor correspondente aos juros compensatórios.
Foi requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
Na decisão arbitral decidiu-se:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Anular as liquidações de IRS e juros compensatórios n.ºs 20185000000250, 20185000000391, 20185000000729, 20185000000251, 20185000000592, 20185000001325, 20185000004101, 20185000004170 e 20185000004378;
c) Julgar procedente o pedido de indemnização por garantia indevida e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar a cada um dos casais Requerentes a quantia que for liquidada em execução do presente acórdão relativa às despesas que cada um suportou com a prestação da respectiva garantia.
Inconformada, a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA apresentou recurso para Uniformização de Jurisprudência da decisão proferida, ao abrigo do disposto no nº 2, 3 e 4 do artigo 25º e artigo 26º do RJAT, artigo 152º do CPTA e 27º nº 1, al. b) do ETAF, por o mesmo se encontrar em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com o acórdão datado de 15 de Fevereiro de 2011, proferido no processo nº 4255/10 pelo 2º juízo do TCA Sul.

Alegou tendo concluído como se segue:
1) Entre os doutos Acórdãos em causa, o fundamento e o recorrido, decisão prolatada pelo tribunal arbitral no âmbito do processo nº 235/2018- TCAAD, existe oposição susceptível de servir de fundamento ao recurso vertente, uma vez que a questão referente à forma de contagem do prazo de caducidade para a instauração de procedimento destinado à aplicação de cláusulas anti­abuso: se o prazo para a aplicação da disposição anti-abuso se deve contar com o momento decisivo e final (last step doctrine) se a partir do acto ou negócio jurídico a declarar ineficaz, foi decidida diferentemente no Acórdão recorrido e no Acórdão fundamento.
2) Verifica-se a identidade de situações de facto, porquanto quer no Acórdão fundamento quer no Acórdão recorrido os sujeitos passivos foram objecto de um procedimento destinado à aplicação de cláusula anti-abuso prevista no nº 2 do art. 38° da LGT.
3) Em ambas as situações subjacentes ao Ac. recorrido e ao Ac. fundamento, considerou a AT estar em prazo para a aplicação de tal procedimento tendo em conta que os negócios jurídicos efectuados correspondiam a um esquema, pré planeado, traduzido num conjunto complexo de actos que culmina no objectivo fiscal visado.
4) Deste modo, na situação subjacente ao Ac. recorrido a AT entendeu que, quanto aos períodos de tributação anteriores a 2013, verificou-se a caducidade do direito à liquidação, contudo, tendo em conta a denominada "step by step transaction" que leva a considerar a operação como uma única transacção propendendo para um único e fiscal resultado, a disposição anti-abuso pode e deve aplicar-se ao momento decisivo e final representado in casu pela recepção dos pagamentos pela accionista a título de reembolso de dívida e emitiu as liquidações adicionais relativas aos anos/exercícios de 2013 a 2015.
5) No acórdão recorrido, o resultado elisivo em termos fiscais, verificou-se tendo sido utilizada a situação tributária da empresa "G…………", a qual beneficia da isenção de IRC, para efectuar os empréstimos de capitais a entidades terceiras e beneficiando da correspondente recepção dos acréscimos patrimoniais enquanto dividendos dedutíveis ao abrigo do art. 46° do CIRC, em vez de juros susceptíveis de tributação em sede de lucro tributável da A. nos termos do art. 20°, nº 1, al. c) do CIRC.
6) Donde, em ambos os casos esteve em causa a aplicação da cláusula anti-abuso prevista no nº 2 do art. 38° da LGT tendo os Tribunais analisado a excepção da caducidade do direito de instaurar o procedimento anti-abuso, atendendo a que a AT aplicou a "step transaction doctrine" , isto é, considerou que a disposição anti­abuso podia e devia aplicar-se ao momento final e decisivo que é representado no caso do Ac. fundamento pela recepção de acréscimos patrimoniais como dividendos dedutíveis em vez de juros e no caso do Ac. recorrido no reembolso aos sócios gerentes após a distribuição (ou redistribuição) de resultados pela sociedade H…………. SGPS beneficiando da eliminação da DTE a que se refere o artigo 51° do CIRC.
7) Verifica-se a identidade da questão de direito, uma vez que quer o Acórdão fundamento quer a decisão arbitral recorrida, analisaram a questão da caducidade na vertente da aplicação desta step transaction doctrine, como uma operação traduzida num conjunto complexo de actos propendendo para um único resultado final, tendo em conta que este tinha sido o entendimento da AT.
8) E, deste modo, ambos os Acórdãos, recorrido e fundamento, analisaram o artigo 38° nº 2 da LGT e o art. 63° nº 3 do CPPT, este último tendo em conta a redacção da norma até à entrada em vigor da Lei nº 64-B/2011, que estabelecia um prazo de caducidade de 3 anos.
9) Contudo, o Acórdão fundamento e o Acórdão arbitral recorrido decidiram diferentemente quanto à questão de direito enunciada.
10) Assim, enquanto para a decisão arbitral recorrida a step by step transaction não se aplica, uma vez que se considera que o prazo de caducidade para a aplicação do procedimento para a aplicação da cláusula anti-abuso se conta a partir da data da realização do negócio jurídico objecto das disposições anti-abuso, in casu, seria os negócios de vendas de acções realizadas em 2006, já para o Ac. fundamento se deve concluir pela aplicação da step by step transaction sendo que o prazo para a aplicação da cláusula anti-abuso se conta, tendo em conta uma sucessão de actos/negócios propendendo para um fim um resultado fiscal, a partir do acto final que é o resultado fiscal consubstanciado em cada acto final de recebimento de dividendos.
11) Acresce ainda que, entre a emissão do Acórdão fundamento e do Acórdão arbitral recorrido, não ocorreu qualquer modificação legislativa que fosse susceptível de interferir na resolução da vertente questão de direito controvertida, no sentido de servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados na determinação da solução jurídica, uma vez que ambos os Acórdãos (recorrido e fundamento) tiveram em conta a redacção do nº 3 do art. 63° do CPPT quer na redacção inicial quer na que esteve em vigor até à Lei nº 64-B/2011.
12) E que se entende que se justifica, no caso, o presente recurso para uniformização de jurisprudência, pela existência de contradição entre o Acórdão arbitral recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito, sendo certo, igualmente, que a orientação perfilhada na decisão impugnada não está de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
13) Encontra-se, pois, preenchido o condicionalismo previsto nos arts. 25° n.º 2 do RJAT, 152º nº 1 do CPTA e 27º nº 1 al. b) do ETAF.
14) Por outro lado, o presente conflito de jurisprudência deve ser resolvido de acordo com o deliberado no Acórdão fundamento, dado que a decisão arbitral recorrida, ao ter considerado que não é aplicável in casu a step by step transaction doctrine fez, salvo o devido respeito, uma incorrecta interpretação e aplicação do artigo 38° nº 2 da LGT e nº 3 do art. 63° do CPPT, este último quer na redacção inicial quer na introduzida pela Lei nº 64-A/2008, de 31/12, que estabelecia um prazo de caducidade de 3 anos.
15) Na verdade, no Ac. fundamento, o Tribunal pronunciou-se, nomeadamente, sobre se, no caso concreto, já teria ou não decorrido o prazo de caducidade de 3 anos aplicável ao procedimento específico de aplicação da norma anti abuso que constava do CPPT acabando por acolher, a este respeito o last step doctrine segundo a qual a disposição anti-abuso pode e deve aplicar-se ao momento decisivo e final - que é representado, no caso aqui em análise, pela recepção do pagamento de uma dívida, em vez de dividendos.
O acolhimento de tal doutrina permitiu ao Tribunal concluir que os procedimentos inspectivos em questão naquele Processo (começados em 2004), foram iniciados em tempo, ou seja, dentro do prazo legal de três anos, apesar dos negócios jurídicos em discussão terem sido celebrados em 1996 e 1997.
16) Aquilo que a norma prevista no nº 2 do artigo 38° da LGT preconiza é a ineficácia para efeitos fiscais dos negócios jurídicos dirigidos à eliminação dos impostos que seriam devidos, definindo claramente que, nesta circunstância, a tributação deve ser efectuada de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência, o que significa proceder à tributação dos dividendos auferidos pelos sujeitos passivos em sede de IRS, de acordo com as regras daquele diploma, nomeadamente, no caso de rendimentos enquadrados na categoria E, quando são colocados à disposição dos respectivos beneficiários. Isto é, os contribuintes devem ser tributados no momento em que se verifica o aumento da sua capacidade contributiva.
17) Tratando-se de um imposto de obrigação única e periodicidade anual, os pagamentos recebidos pelos contribuintes a título de dividendos deverão ser tributados no período de tributação em que são auferidos, como não poderia deixar de ser. Por outro lado, a caducidade do direito à liquidação desses rendimentos ocorre no final do ano seguinte ao seu recebimento.
18) Deste modo, não tem razão o Ac. recorrido quando faz operar o início do prazo de caducidade com a realização do negócio jurídico, in casu, alienação de acções.
19) Efectivamente, muito embora a AT tenha tido conhecimento da realização dos negócios jurídicos em causa, associados à H…………… SGPS, não era possível ainda nessa altura à AT ter uma perspectiva global das operações em questão, uma vez que nos encontramos perante um conjunto complexo de actos, sujeitos a uma arquitectura global, nos quais vamos encontrar eventos preparatórios - como aqueles que tiveram lugar em 2006 - tal como outros com características complementares, pelo que somente na sua visão completa e num horizonte temporal alargado, se detecta o desenho elisivo.
20) A doutrina das step by step transactions - que o Ac. fundamento acolhe - enquadra-se perfeitamente a este caso, porquanto envolve uma sucessão de actos coordenados entre si, que ocorreram em momentos diversos, com o objectivo comum de conseguir uma vantagem fiscal para um conjunto de contribuintes pertencentes todos à mesma família e cujo elemento resultado de todo o esquema ocorre com o pagamento da dívida aos então AA.
21) Assim, embora a letra da lei refira a expressão “realização do negócio” daí não se retira, como o faz o Ac. recorrido, que o prazo se deva contar a partir dessa realização, porquanto, a maior parte das vezes não basta esse acto para se conseguir aferir pelo comportamento elisivo do contribuinte, que só se revela com o acto final a vantagem fiscal obtida, sendo certo que a maior parte das vezes estamos perante esquemas complexos, verdadeiras engenharias financeiras que só se vêm a revelar como abusivas quando, a final, é obtida determinada vantagem fiscal pelo sujeito passivo.
22) No caso em apreço discorda-se em absoluto do concluído pelo Ac. recorrido quando infere que os negócios de venda das acções gerando as correspondentes dívidas criaram sem mais as condições para vir a serem usufruídas as vantagens fiscais.
23) O comportamento elisivo dos sujeitos passivos só ficou determinado, a final, com a transformação dos dividendos em reembolso de dívida.
24) Pelo que, está correcto o entendimento da AT de visualizar a operação como um todo propendendo para um único e final resultado fiscal. No caso dos autos deve aplicar-se a step transaction doctrine defendida pelo Ac. fundamento o que significa que o direito de instaurar procedimento não tinha caducado à data em que a AT o instaurou.
Do pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça:
Finalmente, tendo em conta que o valor do recurso é superior a 275.000,00€ vem a recorrente requerer que seja emitida pronúncia e que seja deferida a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do nº 7 do art. 6° do RCP, uma vez que, estamos em sede de recurso para uniformização de jurisprudência, não há lugar à produção de prova testemunhal e se pede que o Tribunal analise e decida sobre questão que não se afigura revestir grande complexidade, não se justificando, pois, que a recorrente seja onerada com o pagamento de um remanescente tão elevado, cfr. art. 6° nº 7 do RCP.
Termos em que e, com o douto suprimento de V. Exas., deve decidir-se no sentido de que existe oposição de julgados, conhecer-se do objecto do presente recurso e resolver-se o conflito de jurisprudência quanto à questão de direito enunciada, no sentido do deliberado no Acórdão fundamento, uma vez que a decisão arbitral recorrida fez uma incorrecta apreciação e aplicação do artigo 63° nº 3 do CPPT, quer na redacção inicial quer na introduzida pela Lei 64-A/2008, de 31/12, aos factos.

Contra-alegaram os recorridos tendo concluído:
A) Inexistência de Oposição de Julgados
a) Não é verdade que o acórdão fundamento tenha baseado a sua decisão na invocação de uma last step doctrine (a questão é o last), se é que tal doutrina existe!
b) O que o acórdão fundamento afirmou é algo bem diferente: «uma vez que nos encontramos perante um conjunto complexo de atos sujeitos a uma arquitetura global, nos quais vamos encontrar eventos preparatórios (…), tal como outros com características complementares somente na sua visão completa se detetando o desenho elisivo».
c) A questão do «último passo» (último pagamento) nem sequer se suscitou no caso sujeito à apreciação pelo TCAS.
d) No caso apreciado pelo TCAS, ao tempo da invocação da CGAA ainda não tinha ocorrido a caducidade do direito à liquidação relativamente a qualquer um dos pagamentos implicados por tal distribuição de dividendos. No caso apreciado pelo CAAD tal caducidade havia ocorrido relativamente a 6 exercícios.
e) No caso apreciado pelo TCAS, este considerou que o “esquema abusivo” só se tornou compreensível com o pagamento dos dividendos. No caso apreciado pelo CAAD, ficou provado que a AT teve a possibilidade de conhecer venda de ações pretensamente abusiva em 2006, através de declarações específicas que a lei para tal fim prevê, no mesmo ano através da contabilização dos créditos dos vendedores, e, ainda, através dos pagamentos (prestações do preço) efetuados desde 2007.
f) O Tribunal Arbitral, efetivamente, manifestou não sufragar o entendimento do TCAS.
g) Porém, o Tribunal Arbitral não fundamentou a sua decisão apenas neste seu entendimento. Antes considerou, expressamente, que, mesmo admitindo ser correto o entendimento propugnado pelo TCAS, a caducidade teria ocorrido no caso em apreço.
h) A decisão do CAAD envolveu a apreciação de uma questão de sucessão de leis no tempo, a qual não se colocava no caso apreciado pelo TCAS.
i) Em resumo, não se verificam os pressupostos da existência de oposição de julgados porquanto:
· existem diferenças factuais relevantes entre os casos subjacentes às decisões em confronto, que, só por si, poderiam justificar diferentes decisões;
· o acórdão fundamento nunca afirmou, de modo expresso, a aceitação da “last step doctrine» invocada pela AT.
· o acórdão recorrido, apesar de não sufragar fundamentação do TCAS, teve o cuidado de, numa dupla fundamentação, expressamente afirmar que mesmo aceitando como bom o entendimento do TCAS, a caducidade do direito à liquidação sempre teria ocorrido no caso decidendo.
· o quadro normativo aplicável sofreu, entretanto, alteração significativa.

B) Manutenção do decidido pelo acórdão recorrido
j) Admitindo-se, por mera hipótese, a existência de oposição de julgados, a fundamentação e decisão do acórdão recorrido, devem prevalecer.
k) O que está em causa, repete-se, é a requalificação de um negócio jurídico (no caso, compra e venda de ações), da qual resultou para o comprador uma obrigação de pagamento e não, diretamente, a requalificação de tais pagamentos, pois estes não são a parte da obrigação abusivamente criada, mas sim a forma da sua extinção.
l) Há que entender que o esquema elisivo se completa com o primeiro pagamento.
m) Estando em causa pagamentos que se poderão desdobrar ao longo de dezenas de anos, entender que o direito à aplicação da CGAA existe até ao 4.º ano seguinte ao do último pagamento significaria aceitar uma incerteza jurídica durante décadas, o que, manifestamente não é conforme as exigências de um Estado de Direito.
n) Não pode ser aceite a inércia da AT durante seis anos, quando é certo que o instituto da caducidade do direito à liquidação visa, precisamente, exigir à AT que defina, num prazo razoável, as suas pretensões tributária.
o) Um tal entendimento conduziria a uma injustificada desigualdade entre os sujeitos passivos que tenham praticado um mesmo “esquema abusivo”: aqueles em que o pagamento fosse recebido mais rapidamente beneficiariam de um prazo menor para a aplicação do CGAA.
p) A requalificação ou negação da validade de atos praticados no «passado» para deles extrair consequências «presentes» foi recusada pelo Acórdão do STA (Nº 669/16, de 10/05/2017, cuja doutrina, ainda tendo por base uma factualidade totalmente diferente, consideramos integralmente transponível para o presente caso, por ser em tudo idêntica a razão de decidir.
q) Em conclusão: os princípios da segurança jurídica e da confiança obrigam a que se entenda que nos esquemas elisivos constituídos por diferentes “etapas”, o prazo de caducidade para invocação da CGAA se conte desde o momento em que o esquema se revele na sua totalidade, o que acontece com o primeiro e não com o último pagamento, isto se os negócios jurídicos tidos por abusivos sido, antes, comunicados à AT em cumprimento de dever legal de declaração da sua ocorrência.
r) Decidiu bem o CAAD no acórdão recorrido ao considerar ferido de caducidade o direito da AT aplicar a CGAA no caso em apreço, pelo que a sua decisão deve ser mantida, caso se conclua pela existência de oposição de julgados.
s) Assim não se entendendo, deve o processo ser remetido ao CAAD e aí reconstituído o Tribunal Arbitral, uma vez que este, por ter concluído pela verificação da exceção da caducidade, se absteve de apreciar, por desnecessária, a questão da qualificação como «abusiva» das operações em causa, sendo certo que, no entender dos Recorrentes, os factos provados apenas permitirão concluir que as operações em causa não foram primacialmente ditadas por um propósito de economia fiscal abusiva.

O Ministério Público notificado, pronunciou-se no final do seu parecer da seguinte forma, “(…)sendo diversas as situações de facto subjacentes, não é de afastar o decidido no acórdão proferido pelo C.A.A.D., sendo certo que esse acórdão também não resulta em desacordo com a orientação perfilhada na mais recente jurisprudência consolidada do S.T.A..
Nestes termos, não é possível tomar conhecimento do recurso interposto.”.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Nos termos do nº 6 do artº 663º do CPC, dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto considerada provada pela decisão recorrida, bem como a que consta do probatório do acórdão fundamento que se encontra disponível em dgsi.pt.


O presente recurso vem interposto, ao abrigo do art.º 25.º, nº2, do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (regime da arbitragem Tributária), da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no âmbito do processo nº 235/2018-T, a qual, como anteriormente se viu, considerou procedente o pedido formulado pelos aqui recorridos.
Invoca a Administração Tributária que tal decisão arbitral está em alegada oposição com a doutrina do acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo de 15/02/2011, proferido no âmbito do processo nº 4255/10.
Neste Supremo Tribunal o Ministério Público sustenta que não se verificam os requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no artº 152º do CPTA: identidade das situações de facto subjacentes às decisões em confronto.
No mesmo sentido se pronuncia a recorrida nas suas contra-alegações, pelo que, não deve o recurso ser admitido.
Assim, e face ao circunstancialismo fáctico-jurídico supra descrito cumpre apreciar, antes de mais, se se verificam os requisitos do recurso por oposição quanto à mesma questão fundamental de direito previsto pelo artº 25º, nº 2 do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, DL nº 10/2011, de 20/1)
De harmonia com o disposto no nº 2 do art. 25º do RJAT (DL nº 10/2011, de 20/1) a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
A este recurso é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral. (cfr. o nº 3 do mesmo art. 25º)
O único requisito explicitamente referido para a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência (152º do CPTA) é a existência de contradição entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito.
Na ausência de qualquer expresso tratamento legislativo neste âmbito serão de assim de manter os critérios jurisprudenciais já firmados no domínio da LPTA e do ETAF quer relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deverá existir contradição, quer quanto à verificação da oposições de julgados.
Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação sempre que, durante o intervalo da sua publicação, não tenha sido introduzida qualquer alteração legislativa substancial que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.
No que concerne à existência da oposição, exige-se que a mesma norma jurídica tenha sido interpretada e aplicada diversamente numa idêntica situação de facto, não podendo ser considerada quando relativamente a um dos acórdãos em oposição vier a ser detectada uma divergência sobre a factualidade apurada que puder ser determinante para a aplicação de um diferente regime jurídico.
A oposição deverá decorrer de expressa resolução da questão de direito suscitada, não sendo atendível a oposição implícita dos julgados, o que implica que tenha havido julgamento contraditório sobre questões que tenham sido colocadas à apreciação do tribunal e sobre as quais este carecia de emitir pronúncia – cf., neste sentido, Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Dicionário de Contencioso Administrativo, Ed. Almedina, pags. 608/609, e, entre muitos outros, acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 05.05.1992, in AP. DR de 29.11.1994, pag. 426, de 18.02.1998, recurso 28637, de 26.09.2007, recurso 452/07, de 21.05.2008, recurso 460/07, de 13.11.2013, recurso 594/12, de 26.03.2014, recurso 865/13, de 07.05.2014, recurso 60/14, de 25.02.2015, recurso 964/14, e de 18.03.2015, recurso 525/14, todos in www.dgsi.pt.
Note-se, em todo o caso, que, conforme determina o n.° 3 do artigo 152.°, “o recurso não é admitido se a orientação perfilhada na decisão impugnada estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo”.

A recorrente entende que foi dada uma resposta antagónica pelo tribunal arbitral e pelo TCA SUL à questão de saber qual o modo de contagem do prazo de caducidade para a instauração de procedimento destinado à aplicação de cláusulas anti­abuso: se o prazo para a aplicação da disposição anti-abuso se deve contar desde o momento decisivo e final (last step doctrine) se do acto ou negócio jurídico a declarar ineficaz.
Vejamos então o que se disse o TCA SUL e o tribunal arbitral sobre esta questão.

O TCA SUL referiu-se-lhe nos seguintes termos:
No caso "sub judice", deve o Tribunal começar por analisar a excepção de caducidade do direito de instaurar o procedimento anti-abuso, nos termos do art°.63. n°.3. do C. P. P. Tributário, deduzida pela A., a qual obsta ao conhecimento do mérito da causa.
Na contestação, a autoridade recorrida pugna pela total improcedência da presente excepção.
Haverá que examinar o citado art.º 63, n.º 3, do C. P. P. Tributário, na redacção da Lei 15/2001, de 5/6.
Dir-se-á, antes de mais, que é hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.art°.11, da L.G. Tributária; art.º 9, do C.Civil…
Vejamos o texto da norma a interpretar, o qual prescreve:
"O procedimento referido no número anterior pode ser aberto no prazo de três anos após a realização do acto ou da celebração do negócio jurídico objecto da aplicação das disposições anti-abuso".
Na "facti species" que integra a previsão da norma vamos encontrar portanto "o prazo de três anos após a realização do acto ou da celebração do negócio jurídico objecto da aplicação das disposições anti-abuso".
Haverá, em consequência, que saber qual o termo inicial do consagrado prazo de três anos.
Entende a A. que os negócios jurídicos que devem abarcar a previsão da norma no caso concreto são os contratos de mútuo realizados nos anos de 1995 a 1997, situação que, manifestamente, impediria a aplicação da norma geral anti-abuso ao caso "sub judice" devido a caducidade do direito de instaurar o procedimento anti-abuso (cfr.n°.4, als. d), f) e g), da matéria de facto provada).
Ora, no caso dos autos, encontramo-nos perante um conjunto complexo de actos sujeito a uma arquitectura global, nos quais vamos encontrar eventos preparatórios, como aqueles a que quer dar realce a A., tal como outros com características complementares, somente na sua visão completa se detectando o desenho elisivo. São as denominadas "step by step transactions" nas quais se encontra uma "facti species" complexa, envolvendo uma sucessão de actos/negócios coordenados entre si, embora possam ocorrer em momentos temporais diversos, e com o objectivo comum de conseguir uma vantagem fiscal. Face a esta espécie de operações, deve o aplicador da lei operar um tratamento integrado visualizando-as como uma única transacção, propendendo para um único e final resultado.
Trata-se da "step transaction doctrine", a qual se deve aplicar ao caso dos autos…
Pois bem, quando assim sucede, como se julga ser o caso em análise, a disposição anti-abuso pode e deve aplicar-se ao momento decisivo e final que é representado, "in casu", pela recepção de acréscimos patrimoniais como dividendos dedutíveis, em vez de juros, que seria o que aconteceria na ausência da operação compósita evasiva (cfr.n°.4, als. q) a v), da matéria de facto provada).
Como a recepção dos acréscimos patrimoniais enquanto dividendos dedutíveis (ao abrigo do art°.46, do C.I.R.C.), em vez de juros susceptíveis de tributação em sede de lucro tributável da A. (nos termos do art°.20, n°.1, al. c), do C.I.R.C.), se verificou nos anos de 2000, 2001 e 2002 (cfr.n°.4, als. t) a v), da matéria de facto provada), e o procedimento de inspecção externa em consequência do qual foi estruturado o despacho objecto do presente recurso contencioso foi iniciado em 26/11/2003, para os exercícios de 2000 e 2001, e em 5/3/2004, para o exercício de 2002 (cfr.n°.3 da matéria de facto provada), deve concluir-se que os procedimentos inspectivos em causa nos presentes autos foram iniciados em tempo, assim não ocorrendo a caducidade dos mesmos.
Face ao exposto, deve considerar-se improcedente este primeiro fundamento da presente acção.
(…)
Quanto à questão da caducidade do direito de a Administração Tributária aplicar as disposições anti-abuso consagradas nos artigos referenciados, por não se contar o mesmo a partir dos contratos de mútuo, momento em que ainda nada se podia aferir quanto ao comportamento elisivo por parte da A, diremos que, como assertivamente refere o recorrido nas suas contra-alegações, a contagem de tal prazo só se pode iniciar aquando da dedução dos dividendos, sendo esta a contagem objectivamente possível, até porque, em silogismo lógico, os fins de elisão fiscal só são determináveis qualitativamente e quantitativamente através do acto de dedução dos dividendos nas declarações de rendimentos de IRC dos exercícios em causa, em vez da sua tributação a título de juros por remuneração do capital aplicado pela A. Por isso que não se verifica a caducidade do direito da AF de accionar a tributação pelo recurso às normas anti-abuso.

Por sua vez escreveu-se na decisão recorrida:
3.1.2. O momento relevante para determinar o início do prazo para instauração do procedimento previsto no artigo 63.º do CPPT.
O artigo 63.º do CPPT, na redacção inicial, estabelecia o seguinte, no que aqui interessa:
1 - A liquidação dos tributos com base em quaisquer disposições antiabuso nos termos dos códigos e outras leis tributárias depende da abertura para o efeito de procedimento próprio.
2 - Consideram-se disposições antiabuso, para os efeitos do presente Código, quaisquer normas legais que consagrem a ineficácia perante a administração tributária de negócios ou actos jurídicos celebrados ou praticados com manifesto abuso das formas jurídicas de que resulte a eliminação ou redução dos tributos que de outro modo seriam devidos.
3 - O procedimento referido no número anterior pode ser aberto no prazo de três anos após a realização do acto ou da celebração do negócio jurídico objecto da aplicação das disposições antiabuso.
A Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, alterou o n.º 3, que passou a ter a seguinte redacção:
3 – O procedimento referido no n.º 1 pode ser aberto no prazo de três anos a contar do início do ano civil seguinte ao da realização do negócio jurídico objecto das disposições anti-abuso.
Com a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, deixou de ser feita qualquer referência a prazo para a abertura do procedimento para aplicação da cláusula geral antiabuso.
Antes de mais, na análise da questão da caducidade, há que ter em conta que, nos casos em apreço, a tributação com aplicação da CGAA apenas é viável com o afastamento da relevância fiscal dos negócios de venda de acções celebrados em 2006.
Na verdade, em termos civilísticos, está-se perante negócios de vendas de acções, que, em 2006, geraram dívidas para com os accionistas, e de amortizações dessas dívidas operadas pelos pagamentos operados em 2013, 2014 e 2015 (além de outros anteriores). Nenhum desses negócios e amortizações é inválido em termos civilísticos, pelo que produziram os seus efeitos cíveis de as vendas gerarem dívidas e a as amortizações as extinguirem parcialmente.
Assim, a qualificação dos pagamentos como pagamento de dividendos só é viável com a desconsideração dos efeitos fiscais dos negócios que geraram as dívidas, pois, se os efeitos cíveis destes também forem relevantes para efeitos fiscais, terá de se concluir que existiam em 2013, 2014 e 2015 dívidas a reembolsar, não havendo qualquer artifício ou fraude em pagar o que se deve.
Por outro lado, como resulta do teor expresso do n.º 3 do artigo 63.º do CPPT, nas redacções anteriores à da Lei n.º 64-B/2011, os factos relevantes para a contagem do prazo de três anos eram «a realização do acto ou da celebração do negócio jurídico objecto da aplicação das disposições antiabuso» (redacção originária) e «o início do ano civil seguinte ao da realização do negócio jurídico objecto das disposições anti-abuso» (redacção da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro).
Isto é, à face destas redacções anteriores à Lei n.º 64-B/2011, não se permitia a liquidação com base na CGAA mesmo que as vantagens fiscais fossem obtidas no 4.º ano a contar daquele em que foi celebrado o negócio do negócio, ainda dentro do prazo de caducidade do direito de liquidação.
Esta constatação revela a introdução da CGAA no nosso direito com um regime fortemente restritivo da aplicabilidade da CGAA, decerto pelos efeitos perturbadores da segurança jurídica indissociavelmente associados à dissonância entre os efeitos cíveis e os efeitos fiscais.
Não havia, assim, no nosso direito vigente até à redacção dada ao artigo 63.º do CPPT pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, suporte legal para o entendimento defendido pela Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo de que «a disposição anti-abuso se deve aplicar ao momento em que se consuma a vantagem fiscal que não seria alcançada sem recurso aos negócios jurídicos em discussão», nem para o entendimento dos Requerentes que referem o momento da apresentação das declarações previstas no artigo 138.º do CIRS.
Efectivamente, como se refere no acórdão arbitral proferido no processo n.º 420/2014-T «o legislador mantendo-se na terminologia do artigo 38.º, n.º 2 da LGT, pretendesse que o prazo em questão tivesse como referência a consumação da vantagem fiscal almejada com o acto ou negócio jurídico cuja ineficácia é visada pela aplicação da cláusula antiabuso, tê-lo-ia dito. A referir-se ao negócio jurídico, e não à vantagem fiscal, fica claro, crê-se, que o legislador pretendeu – bem ou mal – reportar-se àquele, e não a esta, para determinar o início do prazo que consagrou no artigo 63.º, n.º 3 do CPPT, através da Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro».
A “step transaction doctrine”, invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, consiste na consideração do conjunto complexo de actos ou negócios jurídicos que surgem numa arquitectura global, planeada, composta por actos ou negócios jurídicos preparatórios e complementares, para além do acto ou negócio jurídico que é objectivamente censurado, na medida em que somente através da sua visão completa se detecta o desenho elisivo…
Porém, tal teoria não cabe, na sua totalidade, na letra da norma prevista no art. 63.º, n.º 3 do CPPT, quer na redacção inicial e quer na introduzida pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, que fazem referências explícitas à realização do negócio como momento relevante para determinar o início do prazo de três anos, imediatamente (na redacção inicial) ou a partir do início do ano civil subsequente (na redacção de 2008). A letra da lei encontra-se centrada no acto ou negócio jurídico, tendo o legislador optado por utilizar a expressão “realização do negócio” (art. 63.º, n.º 3 do CPPT) … em vez de outras como “efeito do negócio” ou “finalidade do acto” ou «produção de vantagens fiscais».
Nem mesmo se pode considerar relevante para influenciar o início do prazo para abertura do procedimento o momento em que o negócio entra na esfera de conhecimento da Administração Tributária, pois, pelo contrário, impõe-se a contagem do prazo desde o início do ano civil ao da realização do negócio, apesar de as declarações de rendimentos nos impostos periódicos só devam ser apresentadas vários meses depois.
É certo que o prazo para instauração da CGAA contado nos termos previstos no artigo 63.º, n.º 3, do CPPT (nas redacções referidas) se afigura demasiado curto, tendo em conta que pode iniciar-se antes do momento em que devem ser cumpridas obrigações declarativas que permita à Autoridade Tributária e Aduaneira aperceber-se do negócio abusivo, mas é esse o prazo que decorre do que está estabelecido na lei, e terá, decerto, sido o reconhecimento da sua insuficiência que estará subjacente à alteração legislativa de 2011, que eliminou o prazo…
Assim, o entendimento de que o início do prazo se deva contar da produção de efeitos do negócio não tem na letra do artigo 63.º, n.º 3, do CPPT, “um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”, imprescindível para a admissibilidade de uma interpretação jurídica (art. 9.º, n.º 2 do CC)…
Por isso, à face das redacções do artigo 63.º do CPPT que vigoraram antes de a Lei n.º 64-B/2011 ter eliminado o prazo especial para instauração de procedimento anti-abuso com base no momento da realização do negócio jurídico, a doutrina das "step by step transactions", a que se refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, apenas poderia ter aplicação, no nosso direito, para efeitos de apurar a caducidade, quando um negócio, só por si, não tivesse potencialidade de criar as condições para obtenção de vantagens fiscais que não advinham de outro negócio alternativo … e essas condições só ficarem reunidas com a conjugação de vários negócios ou actos, nomeadamente aqueles em que um negócio fosse repartido em várias etapas com o propósito de alterar os efeitos fiscais que lhe corresponderiam se lhe fosse dada a qualificação cível adequada.
No caso em apreço, os negócios de vendas das acções, gerando as correspondentes dívidas, criaram, sem mais, as condições para virem a ser usufruídas as vantagens fiscais, pois o sobre o seu reembolso de dívidas não incide tributação.
De qualquer modo, a entender-se que era necessário que fosse efectuado algum reembolso para serem evidenciados os efeitos práticos da criação das dívidas, os momentos de 2007 em que ocorreram os primeiros reembolsos parciais de todas as dívidas determinarão o início dos prazos de caducidade em relação a todos os Sujeitos Passivos.
3.1.3. Análise da questão da caducidade
Como se refere no acórdão arbitral de 09-05-2013, proferido no processo n.º 123/2012-T …, nas redacções que vigoraram até à entrada em vigor da Lei n.º 64-B/2011, resultava do n.º 3 do artigo 63.º para o sujeito passivo a “garantia” de que o procedimento para aplicação da cláusula geral antiabuso não poderia ser aberto decorrido o prazo previsto.
Assim, o decurso do prazo previsto extinguia o direito potestativo de que gozava a Autoridade Tributária e Aduaneira de instaurar o referido procedimento
Refere-se no processo arbitral n.º 363/2016-T, sobre questão idêntica:
Delimitando temporalmente o direito potestativo do sujeito activo, o prazo estabelecido no artigo 63.º, n.º 3, do CPPT, naquelas redacções, era um prazo de caducidade…
O artigo 12.º, n.º 3, da LGT, ao estabelecer que «as normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes», tem como efeito, relativamente à aplicação da lei no tempo da Lei n.º 64-B/2011, que, relativamente aos direitos de instaurar procedimento para aplicação de cláusula geral antiabuso que ainda não tinham caducado à data da sua entrada em vigor, deixa de se verificar a caducidade, pois a nova lei não prevê prazo para a referida instauração.
(…)
No caso em apreço, a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, não atribui eficácia retroactiva à nova redacção que introduziu no artigo 63.º do CPPT, designadamente a eliminação do prazo para instaurar procedimento de aplicação da cláusula geral antiabuso, pelo que tem de se entender que esta eliminação apenas se verifica para prazos que estivessem em curso à data da sua entrada em vigor, que ocorreu em 01-01-2012 (artigo 215.º daquela Lei)…
Aplicando este regime jurídico ao caso dos autos, constata-se que, como defendem os Requerentes, o direito de instaurar procedimento para aplicação da cláusula geral antiabuso, retirando eficácia fiscal aos negócios celebrados em 2006, extinguiu-se, pois o procedimento foi instaurado em 2017.
Na verdade, o prazo de três anos previsto no artigo 63.º, mesmo contado «do início do ano civil seguinte ao da realização do negócio jurídico objecto das disposições anti-abuso» (como se estabelece na redacção do n.º 3 do artigo 63.º do CPPT introduzida pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro), terá terminado em 31-12-2009, pois os negócios de venda de acções foram celebrados em 2006. Se se entender que o prazo se conta apenas do momento em que se consumam vantagens fiscais necessárias para aplicação da CGAA, o prazo de caducidade terá terminado em 31-12-2010, pois os primeiros reembolsos de todos os Sujeitos Passivos ocorreram em 2007.
Estando integralmente decorrido esse prazo extintivo do direito de a Autoridade Tributária e Aduaneira instaurar procedimento de aplicação da cláusula geral antiabuso à data em que foi eliminado o prazo, em 01-01-2012, com a entrada em vigor da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, esta nova lei não tem com aquele prazo qualquer conexão temporal, pelo que não pode ser aplicada à situação jurídica a que se reporta a extinção do direito.
Assim, tendo o procedimento para aplicação da cláusula geral antiabuso sido instaurado em 2017, conclui-se que a instauração ocorreu depois de estar extinto o prazo aplicável, pelo que esta foi ilegal, por violação do artigo 63.º, n.º 3, do CPPT, na redacção da Lei n.º 64-A/2008.

Resulta de uma leitura comparativa entre os dois textos que o TCA SUL e o tribunal arbitral terão chegado a soluções jurídicas diferentes relativamente à questão colocada nestes autos e que consistia em determinar o termo inicial do prazo de caducidade a que, à data, aludia o artigo 63º, n.º 3 do CPPT.
Porém, na decisão arbitral, fez-se um esforço interpretativo e assumiu-se como boa a interpretação dada à norma, constante daquele n.º 3, ainda que não totalmente coincidente com a aplicada pelo TCA SUL, uma vez que tinha sido objecto de alteração legislativa, e, ainda assim, concluiu-se pela extinção do prazo de caducidade em momento anterior ao da instauração do procedimento tributário próprio.
Ou seja, a norma aplicada pelo TCA SUL não era totalmente coincidente com a que foi aplicada pelo tribunal arbitral, o tribunal arbitral aceitando como boa a interpretação dada pelo TCA SUL, ainda assim, concluiu pela extinção do prazo de caducidade em questão em momento anterior ao da abertura do procedimento tributário.
Por outro lado, enquanto que o TCA SUL considerou que os “ganhos” a tributar resultaram de dedução dos dividendos nas declarações de rendimentos de IRC dos exercícios em causa, em vez da sua tributação a título de juros por remuneração do capital aplicado pela A., na decisão recorrida considerou-se que os mesmos resultaram da qualificação dos pagamentos como pagamento de dividendos só é viável com a desconsideração dos efeitos fiscais dos negócios que geraram as dívidas, pois, se os efeitos cíveis destes também forem relevantes para efeitos fiscais, terá de se concluir que existiam em 2013, 2014 e 2015 dívidas a reembolsar, não havendo qualquer artifício ou fraude em pagar o que se deve.

Em suma, a situação fáctico-jurídica analisada na decisão recorrida e no acórdão fundamento, não atinge a identidade substancial necessária para que se possa concluir terem ocorrido decisões antagónicas quanto à mesma questão fundamental de direito, não se verificando, pois, os requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência previsto nos arts. 25º, nº 2 do RJAT e no 152º do CPTA, nomeadamente a existência de contradição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento, pelo que o presente recurso não deve ser admitido.

Termos em que acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do recurso.
Custas pela recorrente com dispensa do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso.
Comunique-se ao CAAD.
D.n.

Lisboa, 23 de Outubro de 2019. – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (relator) – José Gomes Correia – José Manuel de Carvalho Neves Leitão – Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Paulo José Rodrigues Antunes – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.