Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0343/12.0BEVIS
Data do Acordão:12/09/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
ADMISSÃO
Sumário:Embora as instâncias tenham decidido a questão invocando jurisprudência deste STA, e o acórdão recorrido tenha procurado concatenar a referida orientação jurisprudencial com a doutrina mais recente, a questão a decidir - que se prende com os deveres tributários do administrador da insolvência e respectivos limites - oferece complexidade jurídica e é de inegável relevância social fundamental (quer para as empresas insolventes, quer para os administradores da insolvência), daí que importe que o órgão de cúpula da jurisdição a revisite, tanto mais que entraram em vigor e 2015 e 2019 novas orientações administrativas sobre a matéria (Circular n.º 10/2015 e INSTRUÇÃO DE SERVIÇO DA DSGCT N.º 60198/2019 – Série I – INSOLVÊNCIAS, datada de 30.10.2019), que condicionam a posição da AT, e que não foram ainda consideradas na jurisprudência deste Supremo Tribunal.
Nº Convencional:JSTA000P28692
Nº do Documento:SA2202112090343/12
Data de Entrada:09/23/2021
Recorrente:MASSA INSOLVENTE DE A..................., LDA.
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTARIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- Relatório -

1 - Massa Insolvente de A………………., LDA., representada por B…………., com os sinais dos autos, vem, nos termos do disposto no artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 13 de maio de 2021, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgara improcedente a acção administrativa especial de pretensão conexa com acto administrativo que intentou contra a Direcção Geral dos Impostos e na qual pedia a declaração oficiosa de cessação de actividade em IVA e IRC da sociedade declarada insolvente.

A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

I. Vem o presente recurso interposto na sequência do acórdão que julgou improcedente o recurso na acção administrativa especial intentada pela aqui recorrente no sentido da improcedência do reconhecimento e declaração de cessação da actividade em sede de IVA e IRC, do sujeito passivo A……………….., LDA., enquanto emergente da respectiva declaração de insolvência e por força da deliberação de encerramento da actividade e prosseguimentos dos autos para a Liquidação do Activo da insolvente.

II. Sendo que o acórdão recorrido decidiu, não apenas não aceitar a determinação da cessão da actividade em sede de IVA e IRC do sujeito passivo, como também determinar um conjunto de obrigações/funções do Administrador da Insolvência, tais como de Contabilista Certificado e de administrador/gerente de empresas, funções que, com o devido respeito e salvo melhor opinião, manifestamente não lhes estão adstritas no termos do CIRE e do EAJ, já que são “administradores da insolvência” e não “administradores da insolvente”;

III. E que, por isso, não pode merecer a concordância da A./recorrente. Tal sucede porque;

IV. Desde logo, cumpre assentar e reconhecer que a sociedade A…………….., LDA. foi declarada insolvente no âmbito do Processo de Insolvência n.º 101/11.0TBSCD, a correr termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Santa Comba Dão, o que ocorreu por sentença datada de 06.04.2011.

V. Por outro lado e no mesmo sentido, nos termos do Relatório apresentado pelo Administrador da Insolvência, o encerramento da actividade do estabelecimento do sujeito passivo era já, à data da declaração de insolvência, um facto constatado;

VI. Tendo sido reconhecido o encerramento do estabelecimento comercial ocorreria em sede de Assembleia de Credores, enquanto emergente da deliberação de prosseguimento da liquidação do activo, coadunado com o requerimento formulado pelo Administrador da Insolvência no sentido do pedido de cessação de actividade ora recorrido;

VII. O que apenas pode ser considerada como a constatação de um facto consumado - o encerramento da actividade do estabelecimento comercial - e já verificado;

VIII. O qual não mereceu qualquer oposição nos autos, quer dos credores, quer da devedora, quer do Tribunal.

IX. Deste modo e sempre com o devido respeito, quer o entendimento da Autoridade Tributária, quer a sentença e o acórdão entretanto recorridos, emergem da actuação, no entender da recorrente, ILEGAL do Fisco, na medida em que a enviesada actividade processual dos Serviços de Finanças resulta da Circular n.º 1/2010, de 02 de Fevereiro a qual, por sua vez, releva da necessidade que a DGImpostos tem de obter rendimento fiscal seja a que título for e dirigindo-se a quem quer que seja;

X. Isto apesar de, no que diz respeito ao processo de insolvência, tal entendimento já se encontrar AMPLAMENTE desfasado do entendimento legal e administrativo actual;

XI. Seja por força da redacção dada ao art.º 65.º n.º 3 do C.I.R.E. ("Com a deliberação de encerramento da atividade do estabelecimento, nos termos do nº 2 do art.º 156º, extinguem-se necessariamente todas as obrigações declarativas e fiscais, o que deve ser comunicado oficiosamente pelo tribunal à administração fiscal para efeitos de cessação de atividade."), com a redacção introduzida pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, determina como consequência oficiosa da decisão de encerramento do estabelecimento comercial, a cessação de actividade, seja em IVA, seja em IR;

XII. Seja pela Circular n.º 10/2015, no sentido de que, em sede de IRC, “Caso seja deliberado o encerramento de estabelecimento comercial compreendido na massa insolvente (...) é assumida a cessação oficiosa, prevista no n.º 6 do art.º 8.º do Código do IRC (...)”.

XIII. Seja por força da mais recente INSTRUÇÃO DE SERVIÇO DA DSGCT N.º 60198/2019 – Série I – INSOLVÊNCIAS, datada de 30.10.2019, que declara que “O n.º 3 do artigo 65.º do CIRE, estabelece que, com a deliberação de encerramento da actividade do estabelecimento, nos termos do n.º 2 do artigo 156.º, do mesmo código, extinguem-se todas as obrigações declarativas e fiscais, o que deve ser comunicado oficiosamente pelo tribunal à administração fiscal para efeitos de cessação da actividade”.

XIV. Assim, devia ter sido cessada a actividade e não poderia ser assacada responsabilidade ao Administrador da Insolvência, já que este NÃO É GERENTE, NEM NUNCA EXERCEU FUNÇÕES DE GERÊNCIA NA ALUDIDA SOCIEDADE, NEM ANTES, NEM DEPOIS DA SUA NOMEAÇÃO.

XV. O Administrador da Insolvência, nos termos do art.º 81.º do CIRE apenas representa a insolvente PARA EFEITOS PATRIMONIAIS, e NÃO FISCAIS.

XVI. Tal conclusão veio a ser clarificada para o ordenamento jurídico através da redacção dada ao art.º 65.º do C.I.R.E., introduzida pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril. Na realidade;

XVII. O art.º 65.º n.º 2 do CIRE, deitando por terra a argumentação da decisão recorrida no que diz respeito às alegadas obrigações do Administrador de Insolvência, de forma taxativa, veio dispor que “As obrigações declarativas a que se refere o número anterior subsistem na esfera do insolvente e dos seus legais representantes, os quais se mantêm obrigados ao cumprimento das obrigações fiscais, respondendo pelo seu incumprimento.”;

XVIII. Deste modo e no âmbito do processo de insolvência, a redacção dada ao art.º 65.º n.º 3 do C.I.R.E. (Com a deliberação de encerramento da atividade do estabelecimento, nos termos do nº 2 do art.º 156º, extinguem-se necessariamente todas as obrigações declarativas e fiscais, o que deve ser comunicado oficiosamente pelo tribunal à administração fiscal para efeitos de cessação de atividade."), com as redacção introduzidas pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, determina como consequência oficiosa da decisão de encerramento do estabelecimento comercial, a cessação de actividade, seja em IVA, seja em IR.

ASSIM;

XIX. Sempre com o devido respeito por opinião contrária, em sentido inverso ao entendimento ora recorrido, a declaração de insolvência determina a extinção/morte da sociedade, cessando, consequentemente, as respectivas obrigações declarativas e;

POR OUTRO LADO;

XX. A manterem-se quaisquer obrigações declarativas, as mesmas são da responsabilidade dos legais representantes da insolvente e nunca da Administradora da Insolvência, ao contrário do que sufraga a decisão recorrida;

XXI. RESUMINDO, aquele normativo – art.º 65.º n.º 3 do C.I.R.E., com as redacção introduzidas pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril - visa obviar, definitivamente e de uma vez por todas, à pretensão de obrigações declarativas que não estão adstritas às funções da Administradora da Insolvência. Deveras;

XXII. De facto, prevendo a lei a cessação oficiosa da actividade com reporte ao encerramento da actividade do estabelecimento, tal é um facto constatado, designadamente nos termos do Relatório apresentado pelo Administrador da Insolvência;

XXIII. Sendo que, revelando-se que a deliberação do encerramento do estabelecimento comercial ocorreria em sede de Assembleia de Credores, conjuntamente com a deliberação de prosseguimento da liquidação do activo e o requerimento formulado pelo Administrador da Insolvência no sentido do pedido de cessação de actividade ora recorrido,

XXIV. Apenas pode ser considerada como a constatação de um facto consumado - o encerramento da actividade do estabelecimento comercial - e já verificado, deliberado na Assembleia de Credores realizada;

XXV. Devendo assumir-se, ainda que analogicamente, a aplicação do sobredito normativo, no sentido da cessação oficiosa da actividade da devedora para efeitos de IVA e IRC, conforme peticionado.

XXVI. Outra interpretação que não esta consubstancia uma inaceitável preponderância da Fazenda Nacional em detrimento dos restantes intervenientes processuais, mormente, por força da necessidade de contratação de um profissional de contabilidade, À CUSTA DA MASSA INSOLVENTE e em DETRIMENTO DOS RESTANTES CREDORES, UNICAMENTE PARA A ENTREGA DE DECLARAÇÕES DETERMINADAS PELO FACTO DE A EMPRESA SE ENCONTRAR DECLARADA INSOLVENTE, LOGO, SEM ACTIVIDADE TRIBUTÁVEL.

XXVII. Tais dificuldades advêm do facto de a decisão recorrida confundir o processo de insolvência com o regime de liquidação de sociedades, por não ter atendido à especificidade da tramitação de um processo de insolvência;

XXVIII. O qual encontrando-se disposto em diploma ESPECIAL, prevalece sobre as regras GERAIS. De facto,

XXIX. Impõe-se a revogação da decisão recorrida no sentido de condenar a Administração Fiscal a reconhecer que a sua orgânica legislativa, regulamentar e procedimental não se encontra, ao fim de inúmeros anos de vigência quer do C.P.E.R.E.F., quer do actual C.I.R.E., adequada às especificidades do processo de falência / insolvência.

XXX. Só assim se justifica que a Administração Fiscal se mantenha obsessivamente a confundir o instituto da “liquidação” de sociedades com o instituto da “insolvência”. Ora,

XXXI. os mesmos não são comparáveis / compagináveis, dispensando-se a aqui exponente de discorrer longamente sobre as disparidades / conflitualidade que ostentam as situações em causa já que;

XXXII. A insistência em encarar o Administrador da Insolvência enquanto representante pessoal da sociedade insolvente constitui uma inaceitável exigência em termos de invasão da vida profissional do Administrador da Insolvência nomeado pelo Tribunal;

XXXIII. Já que, conforme supra referido, os Administradores da Insolvência não estão adstritas funções de Contabilistas Certificados e de administradores/gerentes de empresas, no termos das competências que lhe estão atribuídas no CIRE e no EAJ, já que são “administradores da insolvência”, com vista à liquidação do seu activo, e não “administradores da insolvente”;

XXXIV. razão pela qual não pode a recorrente concordar com o acórdão recorrido, no sentido de exigir o que o C.I.R.E. não exige, ou levantar obstáculos ao adequado desempenho das funções do Administrador da Insolvência. É que;

XXXV. Em caso de declaração de insolvência, as normas fiscais cedem perante a prevalência das normas que regulam o processo de insolvência, RAZÃO DE SER DA CAPACIDADE DE INTERVENÇÃO DECISÓRIA E DA COMPETÊNCIA MATERIAL DO JUIZ DO PROCESSO PARA ORDENAR À ADMINISTRAÇÃO FISCAL O CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES JUDICIAIS;

XXXVI. Não existe nesta linha de entendimento qualquer divergência ou incompatibilidade entre as normas do CIRE e as normas da Lei Geral Tributária/LGT e do Código de Procedimento e de Processo Tributário/CPPT, já que o carácter indisponível destas normas, encontrando o seu fundamento no princípio da legalidade da administração tributária nas suas relações com os devedores, terá de se reduzir à concepção de que, atenta a especificidade do processo de insolvência e a tendencial igualdade dos credores do insolvente, NÃO devem ser invocadas de modo a postergar a auto- regulação dos credores;

XXXVII. Os citados normativos têm o seu campo de aplicação na relação tributária, em sentido estrito, não encontrando apoio no contexto do processo especial como é o processo de insolvência, onde o Estado deve intervir também com o fito de contribuir para uma solução, se essa for a vontade dos credores, numa perspectiva ampla de auto- regulação e de desjudicialização;

XXXVIII. Colocando-se a questão da recusa da cessação da actividade e da obrigatoriedade da entrega das declarações fiscais por parte do Administrador da Insolvência, no caso da obrigação de alteração do registo fiscal das empresas a mesma é da competência oficiosa da Administração Fiscal pelo menos desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 122/2009 de 21 de Maio, encontrando-se os Administradores dispensados da entrega de tal elemento declarativo por se referir a facto que, nos termos do Código do Registo Comercial e no artigo 38.º, n.º 2, alínea b) do CIRE, têm de ser levados obrigatoriamente a registo;

XXXIX. Por sua vez e na parcela das declarações anuais de IRC e a partir do conhecimento da declaração da insolvência da empresa com o registo informático do facto nos termos supra expostos ou, até, pela notificação realizada nos termos do disposto no art.º 181.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário a Administração Fiscal não detém legitimidade para exigir da massa insolvente, maxime, dos Administradores, a apresentação das declarações periódicas de rendimentos através da aplicação do disposto no n.º 6, alínea a) do art.º 109.º do CIRC.

XL. Ora, a decisão recorrida envereda no erro de desconsiderar que, dos autos de insolvência, resulta não só a declaração da insolvência do sujeito passivo, mas igualmente a INEXISTÊNCIA de actividade da sociedade, por força da verificação do encerramento do seu estabelecimento comercial e a deliberação de prosseguimento dos autos para a LIQUIDAÇÃO DO ACTIVO.

XLI. Assim, com a declaração da insolvência e NÃO EXISTINDO actividade da sociedade insolvente, não há volume de negócios algum, elo que a consequência prática é a de não se dever considerar valores a título de proveitos e/ou de encargos suportados pela devedora;

XLII. Sendo que, não é necessária qualquer prova adicional, quer não aquela que já resulta amplamente dos autos e que se revela como um FACTO NOTÓRIO, dispensado de prova, nos termos do disposto no art.º 514.º, n.º 2 do CPCivil.

XLIII. Nesta óptica a pretensão da Administração Fiscal em considerar inexistentes custos e proveitos obtidos ou incorridos em determinado ano ou exercício económico, constitui violação do princípio da tributação do lucro real, porque se não foram declarados pela contribuinte, num determinado ano ou exercício, todos os proveitos e lucros a ele economicamente imputáveis o lucro que vier a apurar não pode, naturalmente, corresponder ao lucro real desse ano ou exercício.

XLIV. O mesmo sucede em sede de IVA, na previsão da falta de actividade comercial da insolvente, que deixou de existir, susceptível de tributação em sede de IVA,

XLV. encontrando-se os Administradores dispensados da apresentação das declarações periódicas de IVA, por força da formulação da declaração de cessação de actividade em IVA, permitida pelo art.º 33.º, n.º 1, alínea b) do CIVA ou através da actuação oficiosa do Fisco nos termos do disposto no art.º 33.º, n.º 2, parte final do mesmo diploma;

XLVI. falecendo, como ela, qualquer pretensão de cumprimento de quaisquer obrigações declarativas, seja em IVA, seja em IRC, por parte da Massa Insolvente, na medida em que;

XLVII. A Massa Insolvente, em momento subsequente à decisão de decretamento da insolvência, NUNCA teve qualquer actividade comercial susceptível de legitimar as obrigações declarativas ou as liquidações pretendidas impor pela Administração Tributária.

FINALMENTE;

XLVIII. Ainda que assim não se entendesse, entendeu o Acórdão recorrido que as obrigações fiscais persistiam, não só após a declaração de insolvência, mas igualmente após a deliberação de encerramento do estabelecimento comercial da insolvente e até ao encerramento da Liquidação, na esfera do Administrador da Insolvência, com fundamento de que o art.º 65.º n.º 1 do CIRE se manteve inalterado.

XLIX. Ora, sempre com o devido respeito, a decisão recorrida incorre num grave erro de entendimento ao obliterar o teor do n.º 2 do art.º 65.º do CIRE, que estabelece de que “2. As obrigações declarativas a que se refere o número anterior subsistem na esfera do insolvente e dos seus legais representantes, os quais se mantêm obrigados ao cumprimento das obrigações fiscais, respondendo pelo seu incumprimento.”.

L. Assim, ao Administrador da Insolvência não se encontra adstrita qualquer obrigação declarativa e fiscal, já que tais obrigações “subsistem na esfera do insolvente e dos seus legais representantes”.

LI. Já o Administrador da Insolvência NÃO É GERENTE da insolvente.

LII. Aliás, a propósito da representação da sociedade declarada insolvente no processo crime, vem a jurisprudência decidindo que, OBVIAMENTE, é aos legais representantes da insolvente (e não da Massa Insolvente) que cabe tal representação.

LIII. Reiterando-se todo o entendimento jurisprudencial suficientemente alegado supra e ainda a redacção dada ao art.º 65.º do C.I.R.E., introduzida pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, mormente os seus n.ºs 2 e 3, quando coadunado com a Circular n.º 10/2015 e a mais recente INSTRUÇÃO DE SERVIÇO DA DSGCT N.º 60198/2019 – Série I – INSOLVÊNCIAS, datada de 30.10.2019, têm aplicabilidade ao presente caso.

LIV. Pelo que concluindo, o n.º 3 do art.º 65.º, veio também DEITAR POR TERRA toda argumentação da Fazenda Nacional que tão vincadamente de agarrava à pretendida manutenção das obrigações tributárias até ao encerramento da liquidação.

LV. Ora, dispõe aquele normativo6, com a redacção introduzida pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, que determina como consequência oficiosa da decisão de encerramento do estabelecimento comercial, a cessação de actividade, seja em IVA, seja em IR.

LVI. Aquela redacção apenas pretendeu concretizar e clarificar o que vinha sendo entendimento maioritário da jurisprudência, ou seja;

POR UM LADO;

a. De que a declaração de insolvência determina a extinção/morte da sociedade, cessando, consequentemente, as respectivas obrigações declarativas e;

POR OUTRO LADO;

b. Que, a manterem-se quaisquer obrigações declarativas, as mesmas são da responsabilidade dos legais representantes da insolvente e nunca do Administrador da Insolvência;

LVII. É neste contexto interpretativo a que se pugna pela revogação da decisão recorrida, como necessidade de repor a legalidade da situação, condenando a Administração Tributária à prática do acto devido, urgindo-se a Administração Fiscal ao seu cumprimento integral, assim se fazendo JUSTIÇA!

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – A Excelentíssima Magistrada do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal não emitiu parecer sobre a admissão da revista.

4 – Dá-se por reproduzido, para todos os legais efeitos, o probatório fixado no acórdão recorrido (folhas 16 a 18 da respectiva numeração autónoma)

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir da admissibilidade do recurso.


- Fundamentação -

5 – Apreciando.

5.1 Dos pressupostos legais do recurso de revista.

O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista excepcional, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 4 do artigo 150.º do CPTA (porquanto está em causa recurso de decisão proferida em acção administrativa especial, regulado pela Lei processual Administrativa).

Dispõe o artigo 150.º do CPTA, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:

1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.

3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.

4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

5 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.

E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.

Embora as instâncias tenham decidido a questão invocando jurisprudência deste STA, e o acórdão recorrido tenha procurado concatenar a referida orientação jurisprudencial com a doutrina mais recente, a questão a decidir - que se prende com os deveres tributários do administrador da insolvência e respectivos limites - oferece complexidade jurídica e é de inegável relevância social fundamental (quer para as empresas insolventes, quer para os administradores da insolvência), daí que importe que o órgão de cúpula da jurisdição a revisite, tanto mais que entraram em vigor e 2015 e 2019 novas orientações administrativas sobre a matéria (Circular n.º 10/2015 e INSTRUÇÃO DE SERVIÇO DA DSGCT N.º 60198/2019 – Série I – INSOLVÊNCIAS, datada de 30.10.2019), que condicionam a posição da AT, e que não foram ainda consideradas na jurisprudência deste Supremo Tribunal.

Justifica-se, pois, a admissão do recurso dada a relevância jurídica e social fundamental da questão, pelo que esta será admitida.


- Decisão -

6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em admitir o recurso.

Custas a final.

Lisboa, 9 de Dezembro de 2021. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Francisco Rothes – Aragão Seia.