Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:069/10.0BEBJA
Data do Acordão:09/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULO ANTUNES
Descritores:PROCURAÇÃO IRREVOGÁVEL
MAIS VALIAS
IRS
Sumário:I - A procuração irrevogável passada em 1989 por parte dos proprietários de imóveis, pais dos impugnantes, é suscetível de produzir efeitos, para efeitos de tributação em sede de mais-valias, desde que associada à prova da transmissão material da propriedade dos prédios a que se refere, ou, pelo menos, das respetivas responsabilidades.
II - Tendo os impugnantes logrado provar a transmissão do poder de propriedade por parte de seus pais, através de procuração irrevogável, com a cessação de posse por parte dos mesmos e o recebimento então em pagamento da quantia de dezanove mil euros e, tendo sido no uso de poderes de substabelecimento contidos ainda na dita procuração que veio a ocorrer a alienação dos ditos imóveis em 2005, através de escritura pública, quando os ditos pais eram já falecidos, esta não pode servir de fundamento à tributação em sede de IRS por mais-valias, nos termos do art. 10.º, n.º 1, a) do C.I.R.S., aos ditos impugnantes que são parte ilegítima.
Nº Convencional:JSTA000P26317
Nº do Documento:SA220200916069/10
Data de Entrada:09/18/2018
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............ E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
I. Relatório

I.1. A Representante da Fazenda Pública interpõe recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, proferida em 28/02/2018, que julgou procedente a impugnação intentada por A…………. e B………………., melhor identificados nos autos, no âmbito da liquidação de IRS, respeitante aos rendimentos do ano de 2005 e juros compensatórios, no montante global de 12.897,90 €.
I.2. Apresentou alegações que rematou com as seguintes conclusões:

A
São rendimentos da categoria G de IRS, classificados como de “Mais-Valias”, os resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, conforme alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código de IRS;
B
O direito de propriedade é um direito real, de onde, os rendimentos resultantes da sua transmissão onerosa, enquadram-se na previsão tipificada na alínea antes citada;
C
Sendo sujeitos passivos os alienantes desse direito, concretamente, os detentores do direito transmitido, porquanto só os detentores do direito, o poderão transmitir,
D
Entre as diversas formas de aquisição do direito de propriedade, encontra-se a sucessão por morte, inexistindo dúvidas que ocorrendo o decesso dos proprietários de determinado bem sem que tenham disposto do mesmo, o direito de propriedade deste se transmite, segundo as regras da sucessão, para os seus herdeiros.
E
No caso que ora subtemos ao douto julgamento de V. Exªs, os titulares do direito real de propriedade, faleceram sem que, não obstante a procuração que haviam outorgado, o detentor desta houvesse celebrado negócio jurídico que titulasse a transmissão desse direito,
F
De outra parte, a outorga de procuração, não configura a transmissão do direito real de propriedade, mas tão só a atribuição de poderes representativos a outrem, legitimando o representante para praticar atos em nome do representado,
G
Atos que obrigatoriamente produzirão efeitos jurídicos na esfera do representado.
H
Não tendo ocorrido a transmissão do direito real de propriedade em vida dos seus detentores, por ocorrência do óbito do C………… e da D…………, tal direito real de propriedade transmitiu-se para os seus sucessores hereditários,
I
Os efeitos da celebração do negócio jurídico de transmissão do direito real de propriedade, embora celebrado no âmbito do direito de representação concedido através da procuração outorgada pelos detentores desse direito já falecidos, projecta os seus efeitos nos titulares do mesmo, à data da ocorrência do fato tributário,
J
Pelo que, indubitavelmente, são sujeitos passivos do imposto resultante da alienação onerosa do direito real de propriedade, os seus detentores, à data da ocorrência da transmissão,
K
Assim não sendo entendido, o que apenas subsidiariamente admitimos, e porque o negócio celebrado concentra as condições de incidência de imposto tipificadas na norma legal, o ganho resultante da alienação onerosa do direito real de propriedade sobre os imóveis transmitidos, seria ganho dos detentores desse direito, entretanto falecidos,
L
Tal ganho, seria imputável, na proporção das respectivas quotas aos seus legítimos sucessores, sendo o autor, sujeito passivo da liquidação impugnada, na exata proporção da sua quota, na sucessão,
Termos em que, deve o douto Tribunal reconhecer o erro na decisão ora sob recurso, revogando a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, substituindo-a por outra que declare a improcedência da impugnação deduzida e a consequente manutenção, na ordem jurídica, da liquidação efetuada, como é de inteira justiça.
I.3. Os recorridos formularam contra-alegações, tendo concluído nos termos que se seguem:
A. A DECISÃO DA PRIMEIRA INSTÂNCIA NÃO MERECE QUALQUER REPARO.
B. DESDE LOGO, PORQUE NÃO RECORREU A FAZENDA PÚBLICA DA MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA DE ONDE RESULTA QUE:
a. OS PAIS DO AQUI RECORRENTE MARIDO, VENDERAM ATRAVÉS DA PROCURAÇÃO JUNTA AOS AUTOS, EM 1989, OS IMÓVEIS NELA MENCIONADOS,
b. OS PAIS DO ORA RECORRENTE MARIDO APENAS RECEBERAM A QUANTIA DE € 94.771,60 E NÃO A QUANTIA DE € 250.000,00 CONSTANTES DA LIQUIDAÇÃO IMPUGNADA.
c. QUE A TOTALIDADE DO PREÇO DA VENDA, FOI RECEBIDA PELOS MANDANTES NO ANO DE 1989;
d. QUE A POSSE DO IMÓVEL, FICOU PARA OS MANDATÁRIOS, LOGO COM A OUTORGA DA PROCURAÇÃO E O PAGAMENTO DO PREÇO,
e. QUE O RECORRENTE MARIDO E OS SEUS IRMÃOS, NÃO RELACIONARAM TAMPOUCO AQUELES IMÓVEIS NA RELAÇÃO DE BENS, ENQUANTO SUCESSORES DOS TITULARES INSCRITOS.
C. ORA, É INEQUÍVOCO QUE NO ORDENAMENTO JURÍDICO PORTUGUÊS, VIGORA O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA,
D. ASSIM, A INCIDÊNCIA DOS IMPOSTOS DEVE TER COMO CRITÉRIO O PATRIMÓNIO OU O RENDIMENTO EFETIVO DOS CONTRIBUINTES,
E. RESULTA DA FACTOLOGIA ASSENTE, QUE NÃO FORAM OS AQUI RECORRENTES, QUEM RECEBEU AS QUANTIAS OBJETO DO NEGÓCIO,
F. NA MEDIDA EM QUE NÃO FICOU DEMONSTRADO QUE OS ORA RECORRIDOS AUFERIRAM QUALQUER MAIS VALIA RESULTANTE DA ESCRITURA PÚBLICA OUTORGADA.
G. ALIÁS, CONTRARIAMENTE RESULTA QUE ALIÁS, PORQUE DO PROCESSO DECORRE, INDUBITAVELMENTE QUE FORAM OS MANDANTES, ENQUANTO POSSUIDORES DOS IMÓVEIS, QUEM EFETIVOU O NEGÓCIO, E RECEBEU O PREÇO, NO ANO DE 1989.
H. E O PROCURADOR QUEM O CONCLUIU E RECEBEU O RENDIMENTO RESULTANTE DA ESCRITURA MENCIONADA NOS AUTOS,
I. NÃO SENDO POR ISSO APLICÁVEL O DISPOSTO NO ART. 64.º DO CIRS, POR INEXISTIR QUER A TRANSMISSÃO DOS BENS OU DE PROVEITOS RELACIONADOS COM A REFERIDA TRANSMISSÃO DE BENS,
J. O QUE DETERMINA QUE SOB OS RECORRIDOS NÃO IMPENDE NENHUMA OBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO DE MAIS-VALIAS, INEXISTIDO POR ISSO QUALQUER OMISSÃO DE DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS, E POR CONSEGUINTE, QUALQUER FUNDAMENTO PARA A LIQUIDAÇÃO ADICIONAL, IMPUGNADA, PORQUANTO O ART. 10.º N.º 3 DO CIRS, DETERMINA QUE O MOMENTO DO GANHO SUJEITO A MAIS VALIAS, SE PRESUME NO MOMENTO DA TRADIÇÃO DO BEM, E IN CASU, FICOU INEQUIVOCAMENTE PROVADO QUE ESSA TEVE LUGAR EM 1989, NADA TENDO RECEBIDO OS AQUI RECEBIDOS, EM VIRTUDE DO NEGÓCIO.
K. NÃO RESTAM DÚVIDAS QUANTO À ILEGALIDADE DA LIQUIDAÇÃO E SUBSEQUENTEMENTE A PROCEDÊNCIA DA IMPUGNAÇÃO.
L. SENDO POR DEMAIS EVIDENTE QUE O AQUI RECORRENTE MARIDO, NÃO É SUJEITO PASSIVO DA RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA M. PELO QUE CONSEQUENTEMENTE NÃO PODE SER TRIBUTADO EM IRS, SOB PROVEITOS QUE NUNCA OBTEVE.
N. CASO CONTRÁRIO ESTARÍAMOS PERANTE UMA VIOLAÇÃO CLARA DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA PLASMADO NO ART 8.º DA LGT, O QUAL VISA A TRIBUTAÇÃO PELOS RENDIMENTOS REAIS E EFETIVOS DOS SUJEITOS PASSIVOS.
O. ORA, INEXISTINDO POR PARTE DOS AQUI RECORRIDOS QUALQUER “GANHO RESULTANTE DA TRANSMISSÃO ONEROSA DO DIREITO REAL DE PROPRIEDADE SOBRE IMÓVEIS”
P. É INEQUÍVOCO, COMO BEM DETERMINA A SENTENÇA QUE “NÃO SENDO OS IMPUGNANTES OS SUJEITOS PASSIVOS DA RELAÇÃO TRIBUTÁRIA, NÃO PODE ESTAR SUJEITO AO CUMPRIMENTO DA PRESTAÇÃO TRIBUTÁRIA QUE LHES ESTÁ A SER EXIGIDA ATRAVÉS DA LIQUIDAÇÃO DE I.R.S IMPUGNADA, SOB PENA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE TRIBUTÁRIA, O QUE INQUINA A LEGALIDADE DESTA E DETERMINA A PROCEDÊNCIA DA IMPUGNAÇÃO”
Q. ENTENDIMENTO PERFILHADO NA JURISPRUDÊNCIA, NOMEADAMENTE NO ACÓRDÃO AC. TCA SUL, SECÇÃO CT, DE 27/10/2016, PROC. 07347/14, ALÉM DOS MENCIONADOS NA DOUTA SENTENÇA RECORRIDA.
R. AINDA QUE ASSIM NÃO FOSSE ENTENDIDO, AS LIQUIDAÇÕES SERIAM EM CAUSA SEMPRE SERIAM ANULÁVEIS, POR PRETERIÇÃO DE FORMALIDADES ESSENCIAIS.
NESTES TERMOS, E NOS DEMAIS DE DIREITO APLICÁVEL, E SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS., DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO IMPROCEDENTE E, CONSEQUENTEMENTE, SER MANTIDA A DOUTA SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO, FAZENDO-SE ASSIM OBJETIVA E VERDADEIRA JUSTIÇA!
I.4. O exm.º Magistrado do Ministério Público teve vista dos autos, pronunciando-se no sentido de o recurso não merecer provimento e ser de confirmar a sentença recorrida, com a seguinte fundamentação:

1.Na construção do conceito de rendimento tributável em sede de IRS o legislador fiscal consagrou uma conceção de acréscimo patrimonial que alarga a base de incidência a todo o aumento de poder aquisitivo, incluindo nela as mais-valias e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos (rendimento-acréscimo); superando uma conceção restrita de rendimento-produto exclusivamente dirigida à tributação dos ganhos que sejam a contrapartida da utilização de factores de produção: salários, juros, rendas e lucros (preâmbulo do CIRS nº 5; desenvolvimento em José Guilherme Xavier de Basto IRS Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos Coimbra Editora 2007 pp.39/45)
2.No caso concreto ficou provado que os pais do impugnante masculino outorgaram procuração irrevogável a E…………… em 22 março 1989 e venderam através da procuração os bens imóveis nela identificados, tendo recebido a totalidade do preço acordado: 19 000 000$00 (94 771,60€) (factos provados O)
Nesta medida o único incremento patrimonial tributável como mais-valias que ingressou na esfera económica e jurídica dos mandantes da procuração, sendo o ganho constituído pela diferença entre o valor de aquisição (não apurado) e o valor de realização dos imóveis -19 000 000$00 (arts. 9º nº1 al.a), 10º nºs 1 al. a) e 4 al. a) CIRS) CIRS)
É irrelevante que o ganho obtido e incorporado no património dos mandantes da procuração tenha resultado de uma operação económica sem título jurídico válido (escritura pública, exigida na compra e venda de bens imóveis - art.875º CCivil), na medida em que o carácter ilícito da transmissão dos bens não obsta à sua tributação quando estejam preenchidos os pressupostos das normas de incidência aplicáveis (art.10º LGT)
Em consequência, ao impugnante masculino apenas poderia ser imputado aquele ganho na qualidade de sucessor dos falecidos mandantes da procuração, segundo a sua quota ideal nos bens transmitidos por morte (art.64º CIRS)
As mais-valias resultantes da venda dos imóveis efectuada em 2005 (génese da liquidação impugnada) devem ser imputadas exclusivamente ao transmissário dos poderes conferidos pela procuração, outorgada pelos mandantes a E…………… : F………………… (factos provados B) E) L).
I.5. Tal parecer foi notificado às partes, sem que tenha obtido qualquer resposta.
I.6. Foram colhidos “vistos” dos exm.ºs Conselheiros adjuntos, mas, tendo cessado funções o 2.º adjunto, intervém o actual 2.º adjunto do ora relator, com dispensa de visto, tendo acesso aos autos através do SITAF.
I.7. Sendo de definir o objecto do recurso de acordo com as conclusões da recorrente, consiste o mesmo em saber se a procuração irrevogável que foi passada por parte dos progenitores do ora impugnante é suscetível de produzir efeitos, ou, caso assim se não entenda, se o ganho resultante da alienação onerosa é imputável aos seus sucessores, de modo a serem sujeitos sujeitos passivos da obrigação tributária a que se refere o art. 10.º n.º 1 a) do C.I.R.S. (tributação em sede de IRS por mais-valias), ao contrário do que decidido foi.
II. Fundamentação.
II. 1. De facto.
A sentença recorrida julgou como provados os seguintes factos:
A) Os Impugnantes foram notificados do ofício nº 2194, de 26/11/2009, emanado do Serviço de Finanças de Odemira, com o seguinte teor (No original é ainda legível na parte a seguir com sombra “de 10 dias”, “declaração de” e “ vez que”.):



B) Anexos a este ofício foram as escrituras públicas de compra e venda e procuração emitida pelos proprietários dos imóveis com o seguinte teor:












C) A este responderam os Impugnantes com requerimento nos seguintes termos:


D) Na mesma data do ofício de A) foi implementada acção inspectiva com base da ordem de serviço nº OI200900405 sendo o seu objeto o apuramento da matéria colectável em sede de IRS do ano de 2005 atento o facto de não terem sido declaradas as vendas ocorridas nesse ano no anexo G;

E) Na sequência desta foi elaborado relatório, datado de 28/12/2009, concluindo do seguinte modo:

“(…) I. Conclusões
Omissão de rendimentos de mais-valias (categoria G de IRS) no valor de € 41.653,75 obtidos com a alienação dos imóveis abaixo identificados, o que constitui infracção ao disposto no nº 1 do artigo 22º conjugado com a alínea a) do nº 1 do art. 10º do Código de IRS, facto punível pelo nº 1 do art. 119º do RGIT



(…)
III. Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria colectável
Na sequência do cruzamento de informação relativa à alienação de bens imóveis foi detetada a venda, em Outubro de 2005 dos prédios acima indicados.
Na data da venda esses prédios constavam em nome de C…………. (nif ………..), falecido em 1999/05/11 e cônjuge D…………… (nif …………..), falecida em 2003/01/27, tendo a alienação sido efectuada com base na procuração por eles passada em 1989/03/22 no seu e interesse do mandatário, E……………. que, posteriormente e sem reservas (em 13/10/1999), substabeleceu em F…………… (nif ……….), que nessa qualidade interveio na escritura de venda soa referidos prédios.
Uma vez que os titulares dos prédios já eram falecidos na data da venda foi questionada a DSIRS relativamente à identificação dos sujeitos passivos do imposto por aquela venda.
Na já mencionada informação nº 2531/09, que mereceu despacho concordante da Directora de Serviços (…) conclui-se que, de acordo com o estabelecido na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do Código de IRS é na data da alienação que se consideram obtidos os ganhos resultantes da transmissão porque só nessa altura se verificou a transmissão do direito de propriedade dos bens em questão, decorrendo do disposto no art. 64º do CIRS que tais ganhos se mostrem imputáveis aos sucessores dos falecidos segundo a respetiva quota ideal e assim sujeitos a tributação de acordo com as regras legais aplicáveis ou seja as definidas nos artigos 43º, 44º e 45º, todos do CIRS.
Tendo os titulares originais falecido em 1999/05/11 e 2003/01/27, constituem estas as datas de aquisição dos direitos por parte dos herdeiros – A………….. e G……………., residentes em Odemira e Aljezur respetivamente – relevando como valor de aquisição o “valor patrimonial” dos prédios nessas datas, por aplicação do disposto no art. 45º do CIRS.
De acordo com o cálculo constante do mapa demonstrativo que se segue a mais-valia fiscal obtida foi de € 41.653,75 por aplicação das regras de cálculo constante do art. 43º do CIRS.
(…)
Nos termos do nº 2 do art. 43º do CIRS a mais-valia fiscal corresponde a 50% da mais-valia, ou seja, o rendimento líquido da categoria G é de 41.653,75 (83.307,49 X 50% = 41.652,75). A sujeição a IRS da referida venda integrando a categoria G encontra-se prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do Código do IRS.
(…)
IX. Direito de Audição
No decurso do prazo concedido para exercer o direito de audição consagrado no art. 60º do RCPIT e artigo 60º da LGT o sujeito passivo não se pronunciou pelo que as correcções propostas deverão converter-se em definitivas (…)”.
F) Os Impugnantes foram notificados quanto a este relatório em 31/12/2009;

G) Os Impugnantes haviam sido notificados quanto ao projecto de relatório, em 17/12/2009, para, querendo, exercerem o direito de audição no prazo de 10 dias;

H) Os Impugnantes apresentaram requerimento com vista ao exercício do direto de audição em 28/12/2009;

I) Em 04/12/2009 já havia sido emitida a liquidação adicional de IRS, com o nº 20095004986842, apurando imposto a pagar no montante de 14.741,63, tendo sido parcialmente compensado em 10/12/2009;

J) Foram, ainda, liquidados juros compensatórios no montante de 272,56 €;

K) Os prédios objeto de compra e venda em 2005 e citados no relatório de inspecção não foram feitos constar em qualquer das relações de bens apresentadas aquando do falecimento dos mandantes da procuração referida em B) para efeitos de organização do processo de Impostos sobre as Sucessões e Doações;
L) O mandatário constituído através da procuração citada em B) substabeleceu sem reserva em 13 de outubro de 1999 em F……………. todos os poderes que lhe haviam sido conferidos por aqueles mandantes com referência aos bens imóveis nela indicados;

M) Não satisfeito voluntariamente o valor liquidado, e antes mencionado, foi instaurado contra o aqui Impugnante processo de execução fiscal no SF de Odemira com o nº 0302201001001388 com vista à sua cobrança;

N) Após a outorga da procuração citada em B) os aí mandantes não mais tiveram a posse dos bens imóveis descritos passando esta para a titularidade do mandatário nela inscrito;

O) Os pais do Impugnante marido, mandantes na procuração citada em B) venderam através desta os bens imóveis nela citados e recebido a totalidade do preço então acordado que foi de 19.000.000$00, ou seja, 94.771,60 €.

P) Este negócio permitiu que os subscritores da procuração passassem a ter uma vida mais tranquila e despreocupada.
II.2. De direito.
Na sentença recorrida, após se apreciar a procuração irrevogável passada por parte dos progenitores do impugnante marido, com poderes de alienação e com cláusulas de irrevogabilidade, considerou-se que se transmitiram ao procurador, Dr. E…………., os poderes correspondentes ao exercício do poder de propriedade com possibilidade de substabelecimento.
A recorrente pretende pôr em causa o decidido sem fundamento.
No caso, os impugnantes lograram provar que ocorreu a transmissão dos poderes de propriedade por parte dos pais do impugnante, bem como foi dado como provado que os mesmos não mais tiveram a posse dos referidos imóveis cujos poderes correspondentes ao exercício do direito de propriedade passaram para o referido mandatário.
E quanto aos efeitos de procuração irrevogável que seja passada decidiu-se já pelo acórdão do acórdão do S.T.A. de 4-12-2019, proferido no processo n.º 0813/05.7BEALM, acessível em www.dgsi.pt, na esteira da doutrina e da jurisprudência do T.C.A. Sul que cita, que a procuração irrevogável é suscetível de produzir efeitos, para efeitos de tributação em sede de mais-valias, desde que associada à prova da transmissão material da propriedade dos respetivos prédios, ou pelo menos das respetivas responsabilidades.
Tendo na mesma sido incluídos poderes de substabelecimento, e vindo a alienação a ser efetuada desse modo em 2005, esta não pode servir de fundamento à tributação em sede de IRS por mais-valias, nos termos do art. 10.º, n.º 1, a) do CIRS, por partes dos impugnantes, cujos pais alienaram os imóveis em causa em 1989, sendo certo ter sido então recebido o pagamento do total de dezanove mil euros que então aqueles receberam.

Aliás, falecidos estes em 1999 e 2003, não resulta que os impugnantes tenham englobado esses imóveis no seu acervo hereditário, de acordo com o que foi declarado pelo impugnante na relação de bens apresentada por óbito daqueles, em que os mesmos não foram também incluídos.
Não ocorre, pois, o erro de direito que é imputado ao decidido na sentença a respeito do art. 10.º n.º 1 a) do C.I.R.S. ao se ter decidido que os impugnantes são parte ilegítima por não serem titulares de direitos reais aos ditos imóveis respeitantes.
Quanto aos impugnantes serem os detentores dos imóveis em causa à data da alienação efetuada em 2005, é matéria sobre a qual não ocorreu pronúncia na sentença recorrida, e que, não tendo sido invocada como indevidamente omitida, impede agora que se toma conhecimento dela.
III. Decisão:

Os Juízes Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.

Lisboa, 16 de setembro de 2020. - Paulo Antunes (relator) - Francisco Rothes - Aragão Seia.