Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0384/21.7BEVIS
Data do Acordão:12/09/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:PRESCRIÇÃO
CITAÇÃO
Sumário:I - A jurisprudência do STA, há muito, defende, esmagadoramente, que nos casos onde “o prazo de prescrição foi interrompido pela citação, a cessação da eficácia do facto interruptivo é diferida para a data da decisão que ponha termo ao processo, sem prejuízo de dever equiparar-se a essa decisão aquela que declare a execução fiscal em falhas” ou, noutra formulação, “a interrupção decorrente da citação do executado inutiliza todo o tempo decorrido até à data em que se verificou o facto interruptivo e obsta ao início da contagem do novo prazo enquanto o processo executivo não findar”.
II - A citação, enquanto causa interruptiva do instituo da prescrição, transversal a todo o tipo de dívidas (civis, tributárias – art. 49.º n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) - e equiparadas…), detém e opera com um duplo efeito; instantâneo (interrompe, no sentido de que faz parar a contagem e inutiliza todo o tempo decorrido anteriormente) e, por outro lado, duradouro (não deixa começar a correr novo prazo de prescrição até ao termo do processo, v.g., em que decorra a cobrança coerciva da dívida).
Nº Convencional:JSTA000P28659
Nº do Documento:SA2202112090384/21
Data de Entrada:10/29/2021
Recorrente:A………....
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

# I.

A…………, …, recorre de sentença, proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Viseu, em 1 de outubro de 2021, que julgou improcedente reclamação de decisão do órgão da execução fiscal e decidiu não se encontrarem prescritas dívidas, coercivamente exigidas, de IRS.
O recorrente (rte) produziu alegação, onde conclui: «

01. Reportando-se a dívida que deu origem ao processo de execução fiscal a IRS, caracterizado como imposto de obrigação única, cujo prazo de prescrição, se inicia (…) a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (…). Cfr. artigo 48º, n.º 1 da LGT, e, reportando-se o imposto in quetio ao ano de 2009, cuja formação do facto tributário decorreu entre o dia 01.01.2009 e o dia 31.12.2009, o dia 01.01.2010, marca o início da contagem do prazo de prescrição, de oito anos, que, contado de forma contínua, se tornou completo em 01.01.2018.

02. Do elenco de factos enunciados pelo Órgão de Execução Fiscal como actos de tramitação essenciais no processo executivo, apenas a citação do devedor constitui facto interruptivo do prazo de prescrição iniciado a 01.01.2010.

03. Considerou o Órgão de Execução Fiscal e o Tribunal que a citação do executado tem um duplo efeito, um efeito instantâneo, inutilizando todo o tempo decorrido anteriormente, e outro efeito duradouro, que implica que o novo prazo de prescrição não inicia a sua contagem enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo, equiparando-se a esta, a declaração em falhas do processo executivo, que in casu, foi declarada em 01.01.2021.

04. Tal interpretação não pode colher, porque a lei não sanciona com efeito suspensivo a citação do devedor executado.

05. A citação, em execução fiscal, determina apenas a verificação de um efeito jurídico de produção instantânea, que se materializa na inutilização no prazo prescricional, decorrido desde o momento em que a dívida se tornou exigível (in casu o primeiro dia do ano seguinte ao da verificação do facto tributário) e, a verificação do evento que por imposição de lei, interrompe a contagem do prazo.

06. Inexiste no seio do processo executivo, qualquer facto interruptivo (como se alega na decisão em crise) efeito duradouro.

07. O alegado efeito duradouro no decurso do prazo de prescrição invocado pelo Tribunal a quo, apenas pode ter na sua génese a verificação de um acto que a lei qualifique como facto suspensivo do prazo de prescrição.

08. E que no caso dos autos, já vimos que de entre os actos materialmente relevantes para efeitos do cômputo do prazo de prescrição, inexistiu qualquer acto que tenha determinado a suspensão do prazo de prescrição.

09. Dito de outro modo, uma vez que, desde o seu início da contagem do prazo de prescrição em 08.04.2010, e antes de o mesmo se tornar completo 08.04.2018, este prazo apenas se interrompeu com a concretização da citação do devedor executivo (07.04.2011) e reiniciou o seu cômputo em 08.04.2011, tornando-se completo em 08.04.2019.

10. O entendimento de que a verificação de um acto de interrupção do prazo de prescrição, constituiu um acto de verificação instantânea é perfilhado por LIMA GUERREIRO, ANTÓNIO⁵, em anotação ao artigo 49º da Lei Geral Tributária, ao considerar que este normativo tem (…) carácter interpretativo de se entender que é requisito da contagem do prazo de prescrição a exigibilidade da dívida, que se suspende nas circunstâncias desenhadas por essa norma. Em caso de impedimento legal à exigibilidade da dívida, não pode, na verdade, contar-se o prazo de prescrição. [s]empre que a cobrança coerciva se suspenda por motivo de pagamento em prestações ou reclamação, impugnação ou recurso, suspende-se igualmente o prazo de prescrição. Enfatizando este insigne Mestre que [o]bviamente não é toda e qualquer reclamação, impugnação, ou recurso que têm a eficácia interruptiva da prescrição, mas apenas a reclamação, impugnação ou recurso com eficácia suspensiva da execução fiscal, nos termos do artigo 169º do CPPT, e apenas enquanto a suspensão de mantiver. É apenas assim, a partir da prestação efectiva da garantia que ocorre o aludido efeito suspensivo, já que apenas esta tem aptidão para parar o processo.

11. Concluindo na sua anotação, com a clarificação de que [o] presente artigo estabelece um elenco fechado de causas de suspensão ou interrupção da prescrição (…) sendo por isso (…) insusceptível de integração analógica, nos termos do número 11º do CC.

⁵ LIMA GUERREIRO, ANTÓNIO, Lei Geral Tributária - Anotada, Editora Rei dos Livros, pg. 231 e 232.

12. Da correcta interpretação do normativo em exame (art. 49º, 1 e 4 da LGT) decorre, que o prazo de prescrição apenas se interrompe uma única vez, com o evento que se verificar em primeiro lugar (art. 49º, 1 da LGT - consuma-se assim o efeito de verificação instantânea) e ficará suspenso, se no seu decurso, ocorrer algum acto a que a lei (art. 49º, 4 da LGT) determine a paragem do prazo, até que ocorra trânsito em julgado do processo contencioso que vier a ser despoletado na sequência da citação do devedor executado (reclamação, impugnação, recurso ou oposição), e concomitantemente, no processo executivo, tenha sido objecto de suspensão por efeito de prestação de garantia idónea e de valor adequado, nos termos do disposto no art. 169º do CPPT.

13. Poderá igualmente, ocorrer suspensão do prazo de prescrição, se no seu decurso, for requerido e autorizado pelo Órgão de Execução Fiscal o pagamento em prestações, com concomitante prestação de garantia idónea, nos termos do disposto no art. 196º e 198º do CPPT.

14. Na hipótese sub judice e por referência ao elenco de actos relevantes listados pelo Órgão de Execução Fiscal é possível apurar, por um lado, que após a citação não foi impulsionado qualquer reacção contenciosa face à divida em execução (reclamação, impugnação, recurso ou oposição), acompanhada da prestação de garantia idónea e de valor adequando para garantir o pagamento do crédito de IRS em cobrança coerciva.

15. Não pode proceder a decisão objecto de recurso, uma vez que não tendo corrido qualquer efeito suspensivo do processo executivo, o prazo de prescrição contou-se continuamente desde 08.04.211, até se tornar completo em 08.04.2019.

16. A favor da conclusão que acabamos de postular, está o princípio elementar e basilar da certeza e da segurança jurídica, postulado no art. 2º da Constituição da República Portuguesa.

17. E nos termos do qual, [a] República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.

18. Conclusão diversa (como que foi seguida pelo Tribunal a quo, ao conferir efeito duradouro ao acto de citação) apontaria para uma limitação dos direitos liberdades e garantias do cidadão, que não de coaduna com o Estado de Direito Social.

19. Neste mesmo sentido se pronunciou o Digníssimo Procurador do Ministério Público, no âmbito do processo sancionado com número 01360/17⁶ ao prescrever quer [a]o contrário dos demais actos interruptivos previstos no nº 1 do artigo 49º, o acto de citação não se refere a processo, que tem natureza duradoura, mas sim a um acto instantâneo cujos efeitos se esgotam na prática do acto. E nessa medida, a atribuição de efeitos duradouros por referência ao processo de execução fiscal, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 327º do Código Civil, numa aplicação subsidiária, como defende o ilustre conselheiro Jorge Lopes de Sousa na obra supra citada (pág. 62), ainda que de forma pouco conclusiva, é que se nos afigura não ser permitida, por contender com a previsão dos actos interruptivos previstos no nº 1 do artigo 49º da LGT e exceder os limites ali previstos, violando dessa forma as garantias do contribuinte.

⁶ Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 01.01.2018, proferido no âmbito do processo n.º 01360/17, disponível em www.dgsi.pt

20. E mais acrescenta, [n]a verdade, não é inócua a limitação dos efeitos apenas ao acto de citação, sob pena de o processo de execução fiscal poder estar indefinidamente pendente, como ocorre no caso concreto, em que desde a data da citação do Recorrente não foi praticado qualquer acto por parte do órgão de execução fiscal, com as consequências gravosas que daí resultam para o executado, o que viola os princípios da certeza e segurança jurídica ínsitos ao princípio do estado de direito consagrado no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa.

21. Concluindo que (…) pese embora a jurisprudência reiterada do STA sobre esta matéria, que o regime de prescrição plasmado no artigo 49º da LGT não comporta os efeitos duradouros da citação previstos no nº 1 do artigo 327º do Código Civil pelo que damos razão ao Recorrente, por à data da apresentação do seu requerimento a dívida exequenda já se encontrar prescrita. E nessa medida, impõe-se a revogação da sentença recorrida que assim não o entendeu, devendo o recurso ser julgado procedente, e declarando-se prescrita a obrigação tributária respeitante ao IRC de 2004, por ter decorrido o prazo de 8 anos previsto no artigo 48º, nº 1, da LGT.

22. Igual interpretação é seguida pela Meritíssima Juiz do Supremo Tribunal Administrativo, Ana Paula Lobo⁷ onde se pode ler quanto infra se transcreve: (…) a consideração de que a citação para o processo de execução constitui um facto interruptivo e simultaneamente suspensivo do prazo de prescrição decorre apenas de um entendimento doutrinal sobre a matéria que, em nosso entender não tem apoio no texto legal aplicável – art.º 49.º da Lei Geral Tributária-.

⁷ Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 01.01.2018, proferido no âmbito do processo n.º 01360/17, disponível em www.dgsi.pt

23. Elucidando a sua premissa de entendimento, esclarece, [o] n.º 1 do referido preceito indica processos e procedimentos cuja instauração conduzem à interrupção do prazo de prescrição: reclamação, recurso hierárquico, impugnação, pedido de revisão oficiosa, todos de iniciativa do contribuinte, sendo a suspensão do prazo de prescrição nessas circunstâncias um travão a que tais processos, de iniciativa do contribuinte possam ser utilizados apenas, ou principalmente para obter a prescrição da dívida tributária. Interrompido o prazo de prescrição, nestas circunstâncias, atinge-se o equilíbrio dos interesses em confronto da Administração Tributária de arrecadar receitas e do contribuinte de defesa dos seus direitos. Interrompido o prazo de prescrição naquelas circunstâncias, quando formulado em juízo ou perante a Administração Tributária um pedido do contribuinte que se arroga com o direito de não pagar o tributo liquidado, se o contribuinte tiver razão fica sem sentido a obrigação de pagar o tributo. Se o contribuinte não tiver razão a Administração Tributária fica com mais tempo que aquele que dispunha antes de formulada essa pretensão do contribuinte – que veio a apresentar-se injustificada – para cobrar a quantia tributária devida, o que servirá para refrear os ímpetos dilatórios.

Mas para além destes processos/procedimentos - reclamação, recurso hierárquico, impugnação, pedido de revisão oficiosa - com efeito interruptivo do prazo de prescrição, indicou o legislador um facto, o único facto interruptivo – a citação – que em sede de direito tributário apenas ocorre no processo de execução fiscal, isto é quando foi já desencadeado o procedimento de cobrança coerciva e, de novo e formalmente a Administração Tributária renova a sua intenção de cobrar o montante exequendo. Diversamente, no direito civil a citação ocorre também, em processos declarativos do direito. Todos os demais processos possíveis na jurisdição tributária não conduzem a qualquer citação, mas à notificação da parte requerida.

Os efeitos da interrupção do prazo de prescrição não estão determinados na legislação tributária. Estamos, pois, face a uma lacuna que deve integrar-se, por força do disposto no art.º 2.º, d) da Lei Geral Tributária, tendo em conta a natureza da matéria em causa, pelo Código Civil por ser este o diploma onde se encontra regulamentada.

Mas a integração de lacunas, com recurso a legislação complementar há-de fazer-se no estrito limite da lacuna em causa, sem recolher dos regimes do Código Civil mais do que aquilo que falta na regulamentação tributária, em respeito ao que estabelece o art.º 2.º da Lei Geral Tributária que a si própria se indica como sendo a primeira lei que regula as relações jurídico tributárias. Nada em qualquer outra lei ou diploma pode regular as relações jurídico-tributárias, como a que aqui está em causa, em detrimento do regime que expressamente para elas consagre a Lei Geral Tributária que é a primeira das legislações a elas aplicáveis.

Consagra o art.º 326.º, n.º 1 do Código Civil, que a interrupção do prazo de prescrição, «inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo». Esta é a parte do referido preceito que define as consequências da interrupção do prazo de prescrição e é só esta questão que ao Código Civil é preciso ir buscar regulamentação, porque apenas quanto ao efeito da interrupção se verifica uma falta de regulamentação na legislação tributária. Tudo o mais que consta do referido artigo se reporta a uma causa de suspensão da prescrição que opera no direito civil, mas que no direito tributário só poderia ser aplicada, caso a lei o determinasse expressamente ou por remissão para os efeitos suspensivos do prazo de prescrição constantes da lei civil.

24. Com efeito em face dos argumentos que decorrem da letra do normativo aplicável (art. 49º da LGT), da interpretação doutrinal e jurisprudencial que dele é feito, dúvidas não restam que a falta de estatuição das leis tributárias de que os prazos de suspensão da prescrição em direito civil, quando haja ocorrido citação, se aplicam, também ao prazo de prescrição das dívidas tributárias constituí um crasso erro de aplicação do direito constituído.

25. Em rigor, a Lei Geral Tributária definiu os casos em que se suspende o prazo de prescrição (art. 49º, n.º 4 e 5 da LGT), sem fazer qualquer menção ou remissão para as situações em que no direito civil se suspende o prazo de prescrição.

26. A Lei Geral Tributária limitou-se a enunciar as situações em que, no direito tributário, se deve ter por suspenso o prazo de prescrição, o que afasta, só por si a existência de qualquer lacuna sobre esta matéria.

27. Deste modo a remissão que no art.º 326.º se faz para o disposto no art.º 327.º, ambos do Código Civil não é aplicável no direito tributário que dispõe de regulamentação própria sobre a matéria na Lei Geral Tributária.

28. A interpretação professada pelo Tribunal a quo de que a citação no processo de execução além de interromper o prazo de prescrição, também o suspende até ao trânsito em julgado da sentença que puser termo ao processo, não tem apoio no texto legal, e como tal, constitui uma interpretação que derroga as regras de interpretação da lei constantes do art.º 9 do Código Civil, aqui aplicável por força do disposto no art.º 2.º da Lei Geral Tributária, por não haver no texto legal um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

29. Daí que tenha que se concluir como o veio a fazer a Meritíssima Juiz do Supremo Tribunal Administrativo, Ana Paula Lobo⁸, no sentido de que [o] legislador tributário não atribuiu efeito suspensivo à citação do executado para a execução, não há nenhum texto legal que aponte nesse sentido. A conclusão inversa, socorre-se de uma interpretação que ultrapassa quer a letra da lei quer a lógica do sistema. (…) A interpretação de que deve ter-se por aplicável ao processo tributário o texto integral dos artigos 326 e 327.º do Código Civil, é uma interpretação manifestamente desconforme com a Constituição da República Portuguesa.

30. Considerando-se que [o] art. 327º do Código Civil não tem aqui aplicação seja porque não estamos em face de uma lacuna, seja porque o seu texto está vocacionado para relações jurídico privadas em que o titular do direito carece de título executivo que obterá com a sentença, situação muito diversa da que existe numa execução fiscal, em que o título é emitido pelo credor - certidão de dívida -. Para além disso no domínio das relações jurídico-privadas, uma vez obtido o título, com a sentença proferida no processo que deu causa à suspensão do prazo de prescrição dispõe o credor de novo prazo de prescrição alargado a prazo geral para executar o título obtido, ao abrigo do art.º 311.º do Código Civil. Diversamente, nas relações jurídico tributárias o credor emite o título executivo, pode executá-lo quando entender utilizando os seus próprios serviços, ou a Administração Tributária, consoante os casos, e o legislador por razões de segurança jurídica entendeu que a prescrição, nesta matéria não devia ultrapassar oito anos, período muito inferior ao do prazo geral de prescrição das dívidas privadas cuja cobrança é sempre efectuada por entidades absolutamente independentes do credor. Se a prescrição de oito anos é para valer apenas até à citação do executado em processo de execução fiscal, e a partir daí não corre até à cobrança da dívida demore ela um ou 30 anos, poderá dizer-se que há prescrição das dívidas tributárias?

⁸ Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 01.01.2018, proferido no âmbito do processo n.º 01360/17, disponível em www.dgsi.pt

31. [o] art.º 49.º da Lei Geral Tributária apresenta opções coerentes, expressas na sua letra, indicando os factos interruptivos no n.º 1, a impossibilidade de quanto ao mesmo prazo de prescrição funcionarem dois factos interruptivos, no n.º 3, tudo sem prejuízo de se verificarem um ou mais factos suspensivos da prescrição, indicados no n.º 4, desde que determinem a suspensão da cobrança da dívida.

32. Concluindo que [a] matéria de prescrição está sujeita ao princípio da legalidade, não sendo possível adoptar sobre a matéria interpretações que, sem apoio no texto da lei, art. 9.º, n.º 2 do Código Civil, criem efeitos suspensivos do prazo de prescrição, importados do direito civil sem que para eles haja remissão expressa, ou se verifique qualquer lacuna a preencher.

Os efeitos suspensivos do prazo de prescrição são situações excepcionais que têm que resultar inequivocamente de opções do legislador expressas, não deduzidas e sem acolhimento mínimo no texto e lógica dos preceitos, sob pena de, neste caso, esvaziarem de conteúdo útil qualquer estabelecimento de limites temporais para a cobrança da dívida, como acontece com a interpretação professada pela sentença recorrida.

Sendo as causas de suspensão do prazo de prescrição uma das garantias dos contribuintes, quando referidas às relações jurídico-tributárias, estão estritamente subordinadas ao princípio da legalidade tributária de reserva de lei formal, consagrado no nº 2 do art. 103º da Constituição da República, pelo que, acompanhando as palavras de Benjamim Rodrigues, in “A Prescrição no Direito Tributário”, Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis Editores, 1999, pp. 261 e 266, diremos que hão-de elas englobar, “(…) todo o critério de decisão ou de qualificação de quaisquer efeitos concernentes à prescrição tem de constar da norma de tributação emitida nos sobreditos termos”, incluindo, por conseguinte, “a enunciação das suas causas de interrupção ou suspensão”. A interpretação das causas de suspensão expressas na sentença recorrida quanto à suspensão do processo de execução após a citação do executado apresenta-se, pois, em meu entender, ferida de inconstitucionalidade, por violação dos arts. 103º, nº 2, e 165º, nº 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa.

33. Aqui chegados, e, face de quanto vem de se expender, dúvida não subsistem de que no caso dos autos, a citação apenas interrompeu o prazo de prescrição, e, que por força do seu decurso, a dívida tornou-se inexigível ao devedor, porquanto, a dívida em cobrança coerciva, prescreveu em 08.01.2019.

34. Ao não reconhecer e declarar a prescrição da dívida em execução, o Tribunal a quo violou os artigos 49º da LGT, os arts. 9º e 11º do Código Civil e, ainda o artigo 2º da CRP.

Julgando-se o Recurso procedente, será feita JUSTIÇA! »


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A representação da Fazenda Pública (rFP) formalizou contra-alegações e sumulou “a douta decisão recorrida porque efetuou uma correta interpretação e aplicação do direito à questão controvertida dos presentes autos, não merece qualquer censura ou reparo, devendo, em consequência, manter-se na ordem jurídica.”, pelo que, deve ser negado provimento ao recurso.

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O Exmo. Procurador-geral-adjunto emitiu parecer, concluindo, após referenciar jurisprudência reiterada e pacífica, do STA, que o presente recurso não merece provimento, devendo manter-se a sentença recorrida no ordenamento jurídico.

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Cumpridas as formalidades legais, compete-nos decidir.

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# II.

Na sentença recorrida, em sede de julgamento factual, consta: «

1) No dia 31/03/2011 foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 1252201101001264 em nome do Reclamante, por dívidas respeitante a IRS do ano de 2009 (conforme autuação e certidão de dívida constantes de Petição Inicial (233350) Documentos da PI (004790772) Pág. 1 de 14/09/2021 19:45:59 e Petição Inicial (233350) Documentos da PI (004790772) Pág. 2 de 14/09/2021 19:45:59);

2) No dia 07/04/2011 o Reclamante foi citado para esse processo de execução fiscal (conforme aviso de receção assinado dos CTT – Correios de Portugal constante de Petição Inicial (233350) Documentos da PI (004790772) Pág. 3 de 14/09/2021 19:45:59);

3) No dia 01/04/2021 o Serviço de Finanças de Pinhel declarou em falhas esse processo de execução fiscal (conforme informação prestada pelo Serviço de Finanças de Pinhel, não impugnada pelo Reclamante, constante de Petição Inicial (233350) Documentos da PI (004790772) Pág. 7 de 14/09/2021 19:45:59); »


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Sobre a questão decidenda neste apelo, importa consignar que a jurisprudência do STA, há muito, defende, esmagadoramente, que nos casos onde “o prazo de prescrição foi interrompido pela citação, a cessação da eficácia do facto interruptivo é diferida para a data da decisão que ponha termo ao processo, sem prejuízo de dever equiparar-se a essa decisão aquela que declare a execução fiscal em falhas” ou, noutra formulação, “a interrupção decorrente da citação do executado inutiliza todo o tempo decorrido até à data em que se verificou o facto interruptivo e obsta ao início da contagem do novo prazo enquanto o processo executivo não findar” (Ver, acórdão, do STA, de 2 de setembro de 2020 (705/19.2BELLE), com vasta indicação doutrinal e jurisprudencial; disponível em www.dgsi.pt).

Em razão desta última, podemos, pois, assentar que a citação, enquanto causa interruptiva do instituo da prescrição, transversal a todo o tipo de dívidas (civis, tributárias – art. 49.º n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) - e equiparadas…), detém e opera com um duplo efeito; instantâneo (interrompe, no sentido de que faz parar a contagem e inutiliza todo o tempo decorrido anteriormente) e, por outro lado, duradouro (não deixa começar a correr novo prazo de prescrição até ao termo do processo, v.g., em que decorra a cobrança coerciva da dívida).

Posto isto, conferido que, in casu, a sentença recorrida apreciou e decidiu (concluindo pela não prescrição), a matéria da, invocada, prescrição de dívida (exequenda), cujo pagamento é exigido ao, aqui, rte, em conformidade com a coligida jurisprudência, só podemos acolher o respetivo julgamento, tanto mais, como, igualmente, se justificou e assumiu, no supra identificado aresto, que o reconhecimento do, dito, efeito duradouro da citação “não viola os princípios constitucionais da legalidade, da certeza e da segurança jurídicas nem as garantias dos contribuintes” [ (Cf., ainda, acórdãos do Tribunal Constitucional (TC) de 26 de setembro de 2012 (890/2011), de 7 de janeiro de 2014 (905/2012) e de 12 de fevereiro de 2015 (179/2013).)].


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# III.

Destarte, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos negar provimento ao recurso.

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Custas pelo recorrente.

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[texto redigido em meio informático e revisto]

Lisboa, 9 de dezembro de 2021. - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.