Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01437/16
Data do Acordão:05/16/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:COOPERATIVA
IMPOSTO DE SELO
LETRA
TAXA MÍNIMA
VERBA
TAXA
ESTATUTO
FISCAL
Sumário:I- Se a sentença pressupôs, implícita e necessariamente, a constitucionalidade das normas que haviam sido questionadas, aplicando-as em função da interpretação que teve como legalmente adequada, não ocorre omissão de pronúncia.
II- Não obstante a liquidação do imposto caiba, em regra, aos sujeitos passivos (art. 23º do CIS) não fica afastada a competência da AT para proceder a liquidação adicional, nos termos gerais previstos na LGT e no IRC (art. 67º do CIS), quando a liquidação resulte de correcções constantes do relatório de inspecção.
III- Contendo a fundamentação da liquidação os elementos mínimos necessários para a sua compreensão [montante de imposto liquidado, montantes de juros liquidados e respectivos períodos (início e fim), a taxa de juro aplicada e a referência à notificação do relatório de inspecção, não se verifica falta de fundamentação da liquidação.
IV- Para efeitos do disposto no art. 8º do EFC (em vigor à data dos factos) na emissão de letras comerciais, sujeita a imposto do selo pela taxa constante da verba 23.1 da TGIS, a taxa a aplicar ao valor das mesmas é de 0,5%, com o mínimo de € 1,00, devendo essa taxa de 0,5% ser considerada a mínima, porque única, dada a inexistência de qualquer outra.
V- Tal interpretação não enferma de inconstitucionalidade por violação do disposto no art. 85º da CRP.
Nº Convencional:JSTA000P23289
Nº do Documento:SA22018051601437
Data de Entrada:12/19/2016
Recorrente:A....,CRL
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


RELATÓRIO
1.1. A……., CRL., recorre da sentença do TAF do Porto, proferida em 26/07/2016, que julgou improcedente a impugnação deduzida contra o acto de liquidação de Imposto de Selo (IS) e juros compensatórios do ano de 2009, no montante global de € 435.405,37.

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
I. A douta sentença recorrida não se pronunciou sobre a questão de inconstitucionalidade, levantada pela Impugnante, do artigo 8º nº 2 do Estatuto Fiscal Cooperativo e da verba nº 23.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo;
II. A questão da inconstitucionalidade de normas se aplicadas ao abrigo de uma determinada interpretação não se pode qualificar como um mero argumento adjuvante da fundamentação de um determinado pedido, mas terá que se qualificar, isso sim, como uma efectiva questão a decidir pois será esta a questão precedente da decisão do tribunal a quo que lhe permitirá consolidar o quadro normativo a aplicar;
III. A omissão de pronúncia na sentença é cominada com o vício de nulidade, nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC, aplicável ex vi o artigo 1º do CPTA e nº 3 do artigo 95º do mesmo CPTA;
IV. A douta sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, tendo violado os normativos precedentemente indicados.
V. A liquidação do imposto sucessório a este propósito se faz com base em liquidações mensais que apuram todos os factos tributários ocorridos no período a que respeitam;
VI. A emissão de uma única liquidação de Imposto do Selo para todo o ano de 2009 viola directamente as normas legais imperativas que determinam o modo mensal de emissão das liquidações, tendo sido preterida uma formalidade legal geradora de invalidade da liquidação;
VII. Pelo que a douta sentença recorrida deveria ter determinado, por este motivo, a anulação da liquidação do imposto do selo — ao não o ter feito, incorreu em erro de julgamento.
VIII. A AT não notificou à contribuinte todas as liquidações de juros compensatórios que contribuíram para o montante apurado como devendo ser pago a este título;
IX. Com esta actuação a contribuinte não pode conferir o cálculo temporal, a taxa de juros aplicada e o valor de juros por cada período;
X. Viola a lei (nº 2 do artigo 36º do CPPT) que determina o conteúdo das notificações de liquidações a prática de notificar o contribuinte com menções de reticências, indiciando que haverá outras liquidações, imputando-lhe o ónus de se dirigir a um serviço de finanças para consultar as liquidações que não lhe foram notificadas e cujo valor lhe está a ser exigido.
XI. As liquidações têm que ser notificadas ao contribuinte, e tal notificação terá que conter todos os elementos que permitem compreender o seu fundamento, cálculo e montante, sob pena de invalidade;
XII. O montante das liquidações notificadas à contribuinte a título de juros compensatórios perfaz apenas o valor de € 24.679,86, devendo ser anuladas as liquidações de quaisquer juros compensatórios na parte que excede este valor, por falta de notificação à contribuinte das ditas liquidações;
XIII. Ao não ter decidido assim, a sentença recorrida violou o citado nº 2 do artigo 36º do CPPT.
XIV. Apesar da reformulação do Imposto do Selo através da aprovação da Lei nº 150/99 de 11 de Setembro, o Estatuto Fiscal Cooperativo aprovado pela Lei nº 85/98 (doravante EFC) continuou em vigor;
XV. As cooperativas estão sujeitas a um regime fiscal “especial face ao regime fiscal geral”, caracterizado nomeadamente pela discriminação positiva, no sentido do “apoio e incentivo ao sector cooperativo” (artigo 22º do EPC} em concretização do imperativo constitucional constante do artigo 85º da CRP;
XVI. Este princípio de discriminação positiva, além de concretizado num regime fiscal mais favorável, terá que ser também princípio interpretativo das normas fiscais aplicáveis às cooperativas;
XVII. Resulta claramente do texto da lei do IS de 1999, e da respetiva exposição de motivos, que não foi intenção do legislador revogar o regime especial mais favorável de que gozam as cooperativas neste domínio;
XVIII. Quando aplicável às cooperativas, a Verba 23.1 da TGIS tem que ser interpretada em conjugação com o artigo 8º nº 2 do EFC e, portanto, no contexto da existência de um regime fiscal especialmente favorável e à luz do princípio interpretativo de discriminação positiva destas entidades protegidas constitucionalmente;
XIX. Da interpretação conjugada do artigo 8º nº 2 do EFC com o nº 23.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo, formulada à luz dos princípios constitucionais aplicáveis e do princípio de discriminação positiva na interpretação do regime fiscal das cooperativas, resulta que, enquanto emitentes de letras, as cooperativas estão sujeitas a um imposto de selo que não deverá exceder 1 €, independentemente do valor da letra;
XX. Qualquer interpretação do novo (de 1999) Código e verba 23.1 da Tabela do Imposto do Selo, no sentido de que a redação adotada teria revogado, ou tornado sem conteúdo prático, o benefício fiscal estabelecido pelo nº 2 do artigo 8º do EFC será claramente inconstitucional;
XXI. Ou seja, serão inconstitucionais as normas do artigo 8º nº 2 do Estatuto Fiscal Cooperativo e da verba nº 23.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo se as mesmas forem interpretadas no sentido de que, com a aprovação do Código do Imposto do Selo de 1999 ficou tacitamente revogado o benefício fiscal constante do primeiro normativo citado e que sobre as letras sacadas pelas Cooperativas passou a ser incidente a taxa de imposto do Selo de 0,5% independentemente do valor de cada letra e não a taxa de € 1,00 por cada letra sacada, por violação do artigo 85º da Constituição da República Portuguesa.
XXII. Ao não ter decidido neste sentido, a sentença recorrida violou os normativos legais acabados de citar.
Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente, revogada a sentença recorrida, anulada a liquidação de imposto do selo impugnada, bem como as liquidações de juros compensatórios respectivas.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.


1.4. A Mma. Juíza recorrida, pronunciando-se sobre a invocada nulidade por omissão de pronúncia, sustentou (cfr. Fls. 90) que a mesma não ocorre, pois que não deixou de apreciar a questão da constitucionalidade da norma, embora não a tenha enquadrado especificamente, assim como o próprio impugnante não o fizera.

1.5. O MP emite Parecer nos termos seguintes:
«Recurso interposto pela impugnante A……., CRL, sendo recorrida a A.T.
Questões invocadas:
I - se a douta sentença recorrida ao não se ter pronunciado sobre a questão de inconstitucionalidade levantada pela impugnante do art. 8º nº 2 do Estatuto Fiscal Cooperativo (EFC) e da verba 23.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (IS) constitui omissão de pronúncia e nulidade cominada com o vício de nulidade, nos termos da al. d) do nº 1 do art. 615º do CPC, aplicável ex vi do art. 1º do C.P.T.A. e nº 2 do art. 95º do mesmo C.P.T.A.;
II - se ao se ter decidido que com a emissão de uma única liquidação de IS para todo o ano de 2009 não foram violadas as normas legais que determinam o modo mensal de emissão das liquidações e preterida formalidade legal geradora de invalidade da liquidação, ocorrendo por isso erro de julgamento;
III - se tal também ocorre, por violação do art. 36º nº 2 do C.P.P.T., por as liquidações não terem sido notificadas com todos os elementos, nomeadamente, quanto ao cálculo temporal de juros compensatórios, sua taxa e seu valor por cada período, invocando-se ser o seu valor apenas de € 24.679,86;
IV - e, apesar da reformulação do IS pela Lei nº 150/99, de 11/9, o EFC aprovado pela Lei nº 85/98 continuou em vigor, nomeadamente, no que respeita ao seu art. 8º, nº 2, a interpretar conjugadamente com o nº 23.1 da Tabela Geral de IS, em termos de ser devida a taxa de € 1,00 por cada letra sacada;
V - se é inconstitucional a interpretação contrária, por violação do art. 85º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Emitindo parecer sobre as mesmas:
I - Da omissão de pronúncia quanto à questão da inconstitucionalidade
Afigura-se que, tendo a impugnante invocado a inconstitucionalidade na impugnação apresentada, melhor seria que na sentença recorrida se tivesse ainda conhecido da mesma.
No entanto, ainda assim, é de admitir que se tenha conhecido implicitamente da questão, não ocorrendo por isso a invocada omissão de pronúncia e inconstitucionalidade.
II – Do erro de julgamento por ter sido emitida uma única liquidação de IS
Não identifica a recorrente as normas legais que invoca para que se decida que se devia ter procedido à emissão das liquidações mensalmente e ter sido preterida, assim, formalidade legal.
Aliás, se a liquidação resulta de correções constantes do relatório de inspeção, sendo tal um procedimento que se rege por normas próprias que o recorrente desconsiderou, tais normas existem embora fora do Código do IS.
III – Do erro de julgamento por notificação dos compensatórios em violação do art. 36º nº 2 do C.P.P.T.
Nos termos do artigo 36º nº 2, do C.P.P.T., «as notificações conterão sempre a decisão, os seus fundamentos e meios de defesa e o prazo para reagir contra o acto notificado, bem como a indicação da entidade que o praticou e se o fez no uso de delegação ou subdelegação de competências».
Quanto a juros compensatórios, resulta ainda do artigo 40º, nº 1, do C.I.S.:
«sempre que por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação ou a entrega de parte ou da totalidade do imposto devido, acrescerão ao montante do imposto juros compensatórios, de harmonia com o artigo 35º da L.G.T.».
Por seu turno, dispõe o artigo 35º nº 1 da L.G.T.: «são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária».
E ainda do nº 9 do artigo 35º da L.G.T., «a liquidação deve sempre evidenciar claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios, explicando com clareza o respectivo cálculo e distinguindo-o de outras prestações devidas».
Ora, a liquidação total de juros não obedece a essas normas.
Se o recorrente apenas apura um valor devido a esse título [que] é de € 24.679,86, haveria que se proceder à sua correção.
IV - Do erro de julgamento consistente na não aplicação do previsto no artigo 8º nº 2 do EFC, em conjugação com o previsto na verba 23.1 da Tabela Geral de IS.
A liquidação em imposto de selo que incidiu sobre operações tituladas por letras e livranças, sacadas em 2009 pela impugnante, cooperativa que tem por objeto o comércio por grosso de produtos farmacêuticos.
À mesma não podia deixar de se aplicar o previsto no artigo 8º nº 2 do E.F.C., aprovado pela Lei n. 85/98, de 18 de dezembro, em que se previu que “pelas letras e outros títulos de crédito em que intervenham na qualidade de sacador, as cooperativas ficam sujeitas o imposto do selo pelo taxa mínima.”
A tal não impede o previsto na verba 23-1 tem ainda um “mínimo”.
Por outro lado, não tinha então sido ainda sido revogado o dito E.F.C., o que apenas veio a ocorrer em 2011.
Acresce que o dito art. 8º nº 2 do E.F.C. não resulta inequivocamente revogado, ainda que tacitamente, da reformulação dada ao C.I.S. pela Lei nº 150/99, de 11/9.
Tal revogação só seria de admitir, caso resultasse uma derrogação injustificada em face dos princípios da legalidade e da igualdade da tributação.
Ora, não é de excluir que mesmo, após o referido C.I.S., não se tenha querido continuar a apoiar a atividade cooperativa.
Aliás, o facto das situações de isenção terem passado a constar dos artigos 5º e 6º do C.I.S., incluindo as subjetivas, em que não são referidas as cooperativas, não será determinante, considerando que no dito art. 8º nº 2 se previa um desagravamento fiscal que não propriamente uma situação de isenção.
Finalmente, a previsão do imposto de selo ser um encargo do sacado e devedor constante do art. 3º nº 3 al. j) do CIS também não será determinante.
Sendo sujeito passivo do imposto as entidades emitentes das letras e livranças, conforme previsto no art. 2º nº 1 al. f) do CIS, é nas mesmas que terá de se procurar capacidade contributiva.
Aliás, estando o imposto estruturado apenas em termos de incidir sobre atos, contratos, documentos e títulos, papéis outros factos e situações jurídicas previstas na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens, conforme previsto ainda seu artigo 1º, não resulta permitido mais.
E como a lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador, nos termos do artigo 7º, nº 3, do Código Civil, afigura-se ser de admitir a aplicação do dito art. 8º nº 2 do EFC, conforme defendido pelo recorrente.
V - Da inconstitucionalidade suscitada por referência ao art. 85º da CRP
Resulta prejudicada em face do que se defende no ponto anterior.
Concluindo
O recurso é de proceder, sendo de revogar o decidido com fundamento na procedência do que se defende quanto às I e IV questões.»

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgou-se provada a factualidade seguinte:
1. Em cumprimento da Ordem de Serviço n° 01201100363, emitida pela Direcção de Serviços de Inspecção Tributária, a impugnante foi alvo de uma acção inspectiva de âmbito parcial, que teve como objectivo a análise da Declaração Modelo 22 de IRC e do Imposto de Selo do exercício de 2009 — cfr. fls. 74 e ss., do processo administrativo apenso (doravante, apenas, PA).
2. A impugnante é uma cooperativa que tem por objecto “Comércio por grosso de produtos farmacêuticos” a que se corresponde o CAE 046460 - cfr. fls.15 e ss., do PA).
3. Do relatório de inspecção, a fls. 26 a 32, do PA em anexo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, consta o entendimento da AT sobre a questão do Imposto de Selo de 2009, que levou à conclusão seguinte: (...) Quanto à taxa a aplicar na liquidação do imposto, como já foi referido, as letras estão sujeitas a imposto de selo de que trata o ponto 23-1 da TG anexa ao CIS, actualmente 0,5% sobre o respectivo valor, com o mínimo de € 1,00 (200$00 na redacção inicial). A citada verba 23.1 a par da verba 23.2 veio sujeitar a imposto de selo as mesmas situações resultantes do anterior RIS e da tabela anexa, ou seja, os títulos de crédito representados por letras e livranças. Trata-se igualmente da manutenção do regime existente, com a única diferença de que a taxa de letras passou a ser uniforme, enquanto, anteriormente, a taxa era diferenciada por escalões, passando a ser proporcional a partir de determinado montante. Como se depreende da exposição efectuada, com a entrada em vigor do CIS, deixaram de existir vários escalões de taxas aplicáveis ao valor das letras passando a existir uma única taxa (0,5%) que determinará o imposto a liquidar, estabelecendo, contudo, um valor mínimo a pagar, valor esse que não constituiu, com certeza, uma taxa mínima. (...) Por tudo o que aqui ficou dito, constata-se que a A…… não liquidou o imposto de selo à taxa constante da verba 23.1 da Tabela anexa ao CIS. Neste sentido, elaborou-se o quadro infra, onde se determina o imposto em falta. (...) Com base nos fundamentos expostos, resulta uma correcção em sede de imposto de selo que ascende a € 399.036,64.
4. Em face do assim apurado os SIT procederam a correcções meramente aritméticas, em sede de imposto do selo para o ano de 2009, no montante de € 399.036,64 — cfr. fls. 16 e ss., do PA.
5. Aquela correcção deu origem à liquidação de imposto do selo n° 20116430002095, no montante de € 399.036,64, acrescida de juros compensatórios no montante global de € 36.368,73 — fls. 12, dos autos e 16 e ss., do PA.
6. A impugnante foi notificada do relatório de inspecção — fls. 15 e ss., do PA.
7. A impugnante foi notificada da liquidação de juros compensatórios —fls. 13, do PA.
8. Por não se conformar com a liquidação, a impugnante deduziu a presente impugnação.
9. O montante das liquidações foi pago em 01.02.2012 —fls. 75, do PA.

3.1.
a) Apreciando, em primeiro lugar, a alegação da impugnante no sentido de que a AT não deveria ter agregado os períodos de Imposto de Selo numa única liquidação referente ao ano de 2009 [antes deveria ter efectuado uma liquidação de IS por cada mês do ano de 2009, calculando o imposto que, no seu entendimento, seria de liquidar adicionalmente e fazendo a liquidação por cada período (de /01 a /12)], até porque, no que concerne aos juros, a AT desagregou o valor do IS liquidado por períodos, calculando os juros compensatórios que seriam devidos em cada período, a sentença concluiu que:
— nenhuma ilegalidade se verifica neste âmbito, pois que se trata de uma forma de procedimento que em nada contende com os direitos da impugnante, já que, apesar de a liquidação ter sido emitida pelo valor total anual, teve por referência os meses de Janeiro a Dezembro;
— apesar de a impugnante alegar que tal forma de liquidar contende com os seus direitos, nomeadamente, no que diz respeito ao cálculo temporal para efeitos de caducidade ou de prescrição da prestação tributária, limita-se a enunciar tais circunstâncias, sem contudo demonstrar a veracidade do que diz, além de que nada obsta a que possa ser invocada, caso se verifique, a caducidade do direito de liquidar ou a prescrição relativamente a cada um dos períodos temporais a que alude: o que sucede é que, no caso, tal não se verifica e por isso mesmo é que a impugnante alega mas não concretiza;
— já no que concerne aos juros compensatórios e analisando a demonstração da liquidação que foi remetida à impugnante constata-se que a notificação contém os elementos mínimos necessários para a sua compreensão [contém o montante de IS liquidado, os montantes de juros liquidados e os respectivos períodos (início e fim), a taxa de juro aplicada, sendo a impugnante advertida que “Para consultar, na totalidade, as demonstrações da liquidação deverá dirigir-se a um Serviço de Finanças”], tendo, além disso, a impugnante sido notificada do relatório de inspecção do qual constam todos os cálculos efectuados. E não tendo a impugnante usado daquela faculdade nem tendo recorrido ao disposto no nº 1 do art. 37º do CPPT, requerendo a notificação fundamentada das liquidações, ficou sanada qualquer irregularidade.
b) Em segundo lugar, a sentença apreciou a questão da ilegalidade da liquidação, por errada interpretação e aplicação do disposto no art. 22º do Código do Imposto de Selo (CIS) e no art. 8º, nº 2 do Estatuto Fiscal Cooperativo (EFC) quanto à taxa a aplicar sobre o montante de cada letra comercial.
E concluiu, igualmente, pela improcedência deste fundamento da impugnação e pela consequente legalidade da liquidação impugnada.
Considerou o seguinte:
— tendo o CIS (aprovado pela Lei nº 150/99 de 11/9), substituído o Regulamento do Imposto do Selo (RIS), aprovado pelo DL n° 12700, de 20/11/1926, bem como a TGIS (aprovada pelo DL n° 21916, de 28/11/1932, sendo que também as alterações posteriores não fazem qualquer referência à revogação dos regimes especiais, então verifica-se uma desarticulação entre o n° 2 do art. 8º do EFC e a nova redacção dada pela Lei 150/99 à verba 23.1 da TGIS, que sujeita a imposto de selo as letras, à taxa de 0,5% sobre o respectivo valor, com o mínimo de € 1,00, pois, deixando de existir vários escalões de taxas aplicáveis ao valor das letras, como era considerado anteriormente à reforma do IS, a redacção do art. 8º do EFC deve ser analisada face à nova legislação do Imposto do Selo;
— existe, agora, uma única taxa, uniforme de 0,5%, que determina o imposto a liquidar e um valor mínimo a pagar de € 1,00, não constituindo este valor mínimo uma taxa mínima;
— portanto, para a emissão de letras comerciais, estando sujeitas a imposto do selo pela taxa constante da verba 23.1 da TGIS, a taxa a aplicar ao valor das mesmas é de 0,5%, com o mínimo de € 1,00, devendo aquela taxa de 0,5% ser considerada a mínima, porque única, dada a inexistência de qualquer outra.

3.2. Em discordância com o assim decidido a impugnante recorre invocando, para além da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia quanto à alegada inconstitucionalidade do nº 2 do art. 8º do EFC e da verba 23.1 da TGIS, mais 3 questões atinentes a alegados erros de julgamento, por:
- se ter decidido que com a emissão de uma única liquidação de IS para todo o ano de 2009 não foram violadas as normas legais que determinam o modo mensal de emissão das liquidações e preterida formalidade legal geradora de invalidade da liquidação;
- se ter decidido que não ocorre violação do nº 2 do art. 36º do CPPT, por as liquidações não terem sido notificadas com todos os elementos, nomeadamente, quanto ao cálculo temporal de juros compensatórios, sua taxa e seu valor por cada período;
- se ter decidido que, apesar da reformulação do IS pela Lei nº 150/99, de 11/9, o EFC aprovado pela Lei nº 85/98 continuou em vigor, nomeadamente, no que respeita ao nº 2 do seu art. 8º, a interpretar conjugadamente com o nº 23.1 da Tabela Geral de IS, em termos de ser devida a taxa de € 1,00 por cada letra sacada, interpretação esta que, no entendimento da recorrente, viola o disposto no art. 85º da CRP.
Estas são, portanto, as questões a decidir no recurso.
Vejamos.

4.1. Quanto à omissão de pronúncia no que respeita à inconstitucionalidade do nº 2 do art. 8º do EFC e da verba 23.1 da TGIS
Prevista no art. 125º do CPPT e na al. d) do nº 1 do art. 615º do CPC, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia está directamente relacionada com o comando constante do nº 2 do art. 608º deste último diploma: o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
No caso, a impugnante alegou na PI da impugnação, que «Qualquer interpretação do novo (1999) Código e verba 23.1 da Tabela do Imposto de Selo, no sentido de que a redação adotada teria revogado, ou tornado sem conteúdo prático, o benefício fiscal estabelecido pelo nº 2 do artigo 8º do EFC será claramente inconstitucional por violação do artigo 85º da Constituição da República Portuguesa».
Ora, apesar de não ter emitido pronúncia expressa sobre a questão, a sentença teve que pressupor, implícita e necessariamente, a constitucionalidade das normas em causa (afastando, assim, a invocada inconstitucionalidade), quando entendeu que há uma desarticulação entre o disposto no n° 2 do art. 8º do EFC e o preceituado pela Verba 23.1 da TGIS (Lei 150/99), devendo a redacção do art. 8º do EFC ser analisada face à nova legislação do Imposto do Selo e quando concluiu que existe, agora, uma única taxa, uniforme de 0,5%, que determina o imposto a liquidar e um valor mínimo a pagar de € 1,00, não constituindo este valor mínimo uma taxa mínima. Ou seja, a sentença como a Mma. Juíza sustenta no despacho em que se pronunciou sobre a arguição desta nulidade, pressupôs, implícita e necessariamente, a constitucionalidade das normas que haviam sido questionadas, aplicando-as em função da interpretação que teve como legalmente adequada, improcedendo, assim, neste contexto, a referida alegação de nulidade da sentença.

4.2. Quanto ao alegado erro de julgamento por ter sido emitida uma única liquidação de Imposto de Selo
Sustenta a recorrente que a liquidação do imposto se faz com base em liquidações mensais que apuram todos os factos tributários ocorridos no período a que respeitam, pelo que a emissão de uma única liquidação de para todo o ano de 2009 viola directamente as normas legais imperativas que determinam o modo mensal de emissão das liquidações, tendo sido preterida uma formalidade legal geradora de invalidade da liquidação.
Não acompanhamos, porém, estra alegação.
Com efeito, por um lado, não obstante a liquidação do imposto caiba, em regra, aos sujeitos passivos (art. 23º do CIS) não fica afastada a competência da AT para proceder a liquidação adicional, nos termos gerais previstos na LGT e no IRC (art. 67º do CIS), como no caso sucedeu, uma vez que a liquidação resulta de correcções constantes do relatório de inspecção, procedimento este que se rege por normas próprias, sendo que, por outro lado, a recorrente também não identifica as normas legais imperativas que invoca no sentido de que se devia ter procedido à emissão das liquidações mensalmente e ter sido preterida, assim, formalidade legal invalidante da liquidação.
Aliás, como a sentença recorrida sublinha, trata-se de «uma forma de procedimento que em nada contende com os direitos da impugnante, pois, apesar de a liquidação ter sido emitida pelo valor total anual, teve por referência os meses de Janeiro a Dezembro» e «embora a impugnante alegue que tal forma de liquidar contende com os seus direitos, nomeadamente, no que diz respeito ao cálculo temporal para efeitos de caducidade ou de prescrição da prestação tributária» não se vê que não possa ser invocada, caso se verifique, a caducidade do direito de liquidar ou a prescrição relativamente a cada um dos períodos temporais a que alude».
Improcede, portanto, este alegado fundamento do recurso.

4.3. Quanto ao erro de julgamento por a liquidação, na parte referente aos juros compensatórios, ter sido notificada em violação do disposto no nº 2 do art. 36º do CPPT
Dispõe-se neste normativo que «As notificações conterão sempre a decisão, os seus fundamentos e meios de defesa e o prazo para reagir contra o acto notificado, bem como a indicação da entidade que o praticou e se o fez no uso de delegação ou subdelegação de competências».
Já no nº 1 do art. 40º do CIS, estabelece-se que «sempre que por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação ou a entrega de parte ou da totalidade do imposto devido, acrescerão ao montante do imposto juros compensatórios, de harmonia com o artigo 35º da LGT».
Por sua vez, nos nºs 1 e 9 do art. 35º da LGT prevê-se:
«1. São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária».
«9. A liquidação deve sempre evidenciar claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios, explicando com clareza o respectivo cálculo e distinguindo-o de outras prestações devidas».
Ora, como se diz na sentença, atentando na demonstração da liquidação que foi remetida à impugnante constata-se que contém os elementos mínimos necessários para a sua compreensão [contém o montante de IS liquidado, os montantes de juros liquidados e os respectivos períodos (início e fim), a taxa de juro aplicada (sendo que a impugnante é ali advertida que “Para consultar, na totalidade, as demonstrações da liquidação deverá dirigir-se a um Serviço de Finanças”], além de que, a impugnante foi, igualmente, notificada do relatório de inspecção do qual constam todos os cálculos efectuados.
Assim, como se diz na sentença, não tendo a impugnante recorrido ao disposto no nº 1 do art. 37º do CPPT, requerendo a notificação fundamentada das liquidações, ficou sanada qualquer irregularidade.
Acresce que, ao invés do que sustenta o MP, não é no acto de liquidação (na parte referente aos juros compensatórios) que estão suprimidos os 3 meses (Outubro a Dezembro) em falta: eles só não são mencionados no ofício de notificação; sendo que, por outro lado, eventual falta ou irregularidade da notificação da liquidação, relevando em sede de exigibilidade da respectiva dívida ou em, caso não haja sido efectuada dentro do prazo de caducidade, relevando também em termos de caducidade da liquidação (quer se admita a respectiva invocação em sede impugnação ou de oposição à execução) é questão que no caso não vem sequer alegada.
Não se verificando, de todo o modo, como acima se disse, a alegada falta de fundamentação das apontadas liquidações de juros compensatórios, na parte que excede a quantia de 24.679,86 Euros.

4.4. Quanto ao erro de julgamento por não ter sido aplicado o disposto no nº 2 do art 8º do EFC, em conjugação com o disposto na verba 23.1 da TGIS

4.4.1. A recorrente sustenta, como se viu, que não tem que pagar 0,5% sobre o montante de cada letra, mas antes o montante de 1.00 Euro, independente do valor da letra, pois que não obstante as sucessivas alterações ao EFC, o nº 2 do seu art. 8º, manteve-se inalterado, continuando a estabelecer que pelas letras e outros títulos de crédito em que intervenham na qualidade de sacador, as cooperativas ficam sujeitas a imposto do selo pela taxa mínima; daí que, na tese da impugnante, a nova tabela de IS que tem uma taxa única de 0,5% com o valor mínimo de € 1,00 tem de ser interpretada em conjugação com este nº 2 do art. 8º do EFC, e a única interpretação capaz de conciliar ambas as normas é a de que quando a cooperativa seja devedora de imposto de selo como emitente e sacadora de letra não deverá pagar mais que o valor mínimo de imposto, ou seja, 1 Euro.
Por sua vez, a AT entende que a taxa a aplicar, nos termos do disposto no art. 22º do CIS, será a que consta da tabela anexa (que no caso das letras corresponde à verba 23.1, ou seja a taxa de 0,5% incidente sobre o respectivo valor da letra, com o mínimo de € 1,00).
Vejamos.

4.4.2. O imposto de selo, como salienta o Prof. Saldanha Sanches ( Manual de Direito Fiscal, 3ª ed., 2007, pag. 436.), é regulado por dois códigos interdependentes: o Código do Imposto do Selo (CIS) e a Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), a qual contém as respectivas taxas e concretiza, por ordem alfabética, os factos tributários.
Neste sentido, o artigo 1º do CIS [aprovado pela Lei nº 150/99, de 11/9, a qual aprovou, igualmente, a Tabela Geral anexa àquele mesmo CIS ( Nos termos do art. 1º dessa Lei nº 150/99 os novos CIS e TGIS substituem, respectivamente, o Regulamento do Imposto do Selo, aprovado pelo Decreto nº 12700, de 20/11/1926, e a TGIS aprovada pelo Decreto nº 21916, de 28/11/1932, e alterações posteriores.)] determinava, na redacção à data dos factos, que ele incide «sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens».
Sendo que também o nº 1 do art. 9º do CIS determina que o valor tributável do imposto é o que resultar da Tabela Geral, estatuindo o nº 1 do art. 22º do mesmo CIS que as taxas do imposto são as constantes da dita Tabela, em vigor no momento em que o imposto é devido.
Ora, referenciando os «Títulos de crédito» na Verba 23 da TGIS consta o seguinte:
23.1 - Letras - sobre o respectivo valor, com o mínimo de (euro) 1 -------- 0,5%
23.2 - Livranças - sobre o respectivo valor, com o mínimo de (euro) 1 ---- 0,5%
23.3 - Ordens e escritos de qualquer natureza, com exclusão dos cheques, nos quais se determine pagamento ou entrega de dinheiro com cláusula à ordem ou à disposição, ainda que sob a forma de correspondência - sobre o respectivo valor, com o mínimo de (euro) 1 --- 0,5%
23.4 - Extractos de facturas e facturas conferidas - sobre o respectivo valor, com o mínimo de € 0,5 ---- 0,5%» (a redacção desta verba 23.4 foi introduzida pelo art. 32º da Lei nº 55-B/2004, de 30/12).
Por sua vez, no art. 8º da Lei nº 85/98, de 16/12 (Estatuto Fiscal Cooperativo (EFC), dispõe-se:
«1 - As cooperativas são isentas de imposto do selo sobre os livros de escrituração e demais documentos e papéis, bem como nos actos preparatórios e nos necessários à constituição, dissolução e liquidação, e ainda nos títulos de capital, títulos de investimento, obrigações ou outros títulos que emitirem, e nos contratos que celebrarem quando o selo constitua seu encargo.
2 - Pelas letras e outros títulos de crédito em que intervenham na qualidade de sacador, as cooperativas ficam sujeitas a imposto do selo pela taxa mínima.» ( Este EFC foi revogado pelo art. 147º da Lei nº 64-B/2011, de 30/12, encontrando-se, actualmente, os benefícios às cooperativas estabelecidos no art. 66º-A do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).)

4.4.3. Entende-se na sentença recorrida que se verifica uma desarticulação entre o n° 2 do art. 8º do EFC e a redacção constante da Verba 23.1 desta nova TGIS aprovada pela citada Lei nº 150/99, que sujeita a imposto de selo as letras, à taxa de 0,5% sobre o respectivo valor, com o mínimo de 1,00 Euro.
E, com efeito, também se nos afigura que tal desarticulação é manifesta, pois que enquanto anteriormente, relativamente às letras, se estabelecia (nos artigos 93º-A, 101º e 102º da anterior Tabela — aos quais corresponde a actual Verba 23 da TGIS) uma taxa proporcional e fixada por escalões até determinado montante, a partir do qual passava a ser uniforme, o legislador de 1999 estabeleceu uma taxa única e uniforme (de 0,5%) aplicável em qualquer das situações referidas na referida Verba 23 da TGIS (ou seja, às letras, livranças, outros escritos e extractos de factura, e qualquer que seja o valor destes).
E embora se concorde com o teor do Parecer do MP, quanto à alegação de que o nº 2 do art. 8º do EFC não resulta inequivocamente revogado, ainda que tacitamente, da reformulação dada ao CIS pela mencionada Lei nº 150/99 (sendo que a lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador — nº 3 do art. 7º do CCivil), afigura-se-nos, contudo, que prevendo a lei agora (na Verba 23.3) uma única taxa, uniforme, de 0,5%, aplicável independentemente do montante tributável (ou seja, do valor da letra) e salvaguardando um valor mínimo a pagar de 1,00 Euro, não pode fazer-se equivaler este montante mínimo (a pagar) ao conceito de taxa mínima referida naquele nº 2 do art. 8º do EFC. Este normativo (que, no caso vertente, estava, então, ainda em vigor) há-de, portanto, interpretar-se em conjugação com o disposto na Verba 23.3 da TGIS, pelo que a taxa mínima aplicável será, no caso, como concluiu a sentença recorrida, a taxa (única e uniforme) de 0,5%.
Na verdade, não se vê que possa ignorar-se a relevância da própria interpretação literal da norma, pois que, apesar de a interpretação da lei não ser mais do que fixar o seu sentido e o alcance com que ela deve valer (o escopo final para que converge todo o processo interpretativo é o de pôr a claro o verdadeiro sentido e alcance da lei ( Cfr. Manuel de Andrade, Ensaio sobre a teoria da interpretação das leis, pp. 21 e 26.), a letra representando, naturalmente, o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação, funcionado o texto também como limite de busca do espírito ( Cfr. Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, Lisboa, 1978, p. 350.).
Em suma, devendo a lei fiscal ser interpretada como quaisquer outra (art. 9º do CCivil e art. 11º da LGT) e considerando que, neste âmbito, o próprio princípio da legalidade tributária especialmente protege certas categorias de normas, em termos da respectiva interpretação, adquirindo, então, a letra da lei um particular relevo no âmbito da identificação dos sujeitos passivos do imposto, da especificação dos factos e tipos legais sujeitos e da determinação das taxas aplicáveis (não sendo admissível interpretação que extravase os limites estritos da interpretação extensiva que seja claramente acomodável na letra da lei), bem decidiu a sentença recorrida quando conclui que, para efeitos do disposto no art. 8º do EFC (em vigor à data dos factos) na emissão de letras comerciais, sujeita a imposto do selo pela taxa constante da verba 23.1 da TGIS, a taxa a aplicar ao valor das mesmas é de 0,5%, com o mínimo de € 1,00, devendo essa taxa de 0,5% ser considerada a mínima, porque única, dada a inexistência de qualquer outra.
Improcede, portanto, também este alegado fundamento do recurso.

4.5. Quanto ao erro de julgamento por alegada violação do art. 85º da Constituição (CRP)

4.5.1. Para a recorrente será inconstitucional qualquer interpretação do novo CIS (de 1999) e Verba 23.1 da TGIS, no sentido de que a redacção ali adoptada teria revogado, ou tornado sem conteúdo prático, o benefício fiscal estabelecido no nº 2 do art. 8º do EFC, ou seja, essas normas serão inconstitucionais se forem interpretadas no sentido de que, com a aprovação do CIS de 1999 ficou tacitamente revogado o benefício fiscal constante daquele art. 8º e que sobre as letras sacadas pelas Cooperativas passou a ser incidente a taxa de imposto do Selo de 0,5% independentemente do valor de cada letra e não a taxa de € 1,00 por cada letra sacada.
Não vemos, todavia, que se verifique tal inconstitucionalidade.
Sob a epígrafe «Cooperativas e experiências de autogestão», dispõe o apontado art. 85º da CRP:
«1. O Estado estimula e apoia a criação e a actividade de cooperativas.
2. A lei definirá os benefícios fiscais e financeiros das cooperativas, bem como condições mais favoráveis à obtenção de crédito e auxílio técnico.
3. São apoiadas pelo Estado as experiências viáveis de autogestão.»

4.5.2. O preceito do n° 2 «sublinha o favor constitucional das cooperativas, definindo as formas de fomento à criação e actividade das cooperativas, impondo à lei a definição de benefícios fiscais e financeiros, bem como o estabelecimento de condições privilegiadas em matéria de acesso ao crédito e ao auxílio técnico (imposição constitucional de legislação). Trata-se de um exemplo flagrante de discriminação positiva do sector cooperativo em relação a outros sectores, designadamente o sector privado» ( Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. 1, 4ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, Anotação III ao art. 85º, pp. 1009 e 1010.).
A norma constitucional não impede, porém, o legislador ordinário de definir o âmbito de sujeição a imposto ou concessão de benefícios fiscais às cooperativas.
Acresce que, como acima se deixou dito, nem, por um lado, a sentença afirmou (ou agora se afirma) a revogação tácita do nº 2 do art. 8º do EFC (sendo certo que o mesmo apenas veio a ser expressamente revogado pelo art. 148º da Lei nº 64-B/2011, de 30/12, a qual, igualmente, no seu art. 145º, aditou ao EBF o actual art. 66º-A, estabelecendo os benefícios às cooperativas, e em cujo nº 12 se inclui, aliás, a isenção de imposto de selo sobre os actos, contratos, documentos, títulos e outros factos, quando este imposto constitua seu encargo), nem, por outro lado, poderia falar-se em taxa de 1,00 Euro por cada letra sacada, pois que este montante diz respeito ao valor mínimo de imposto a pagar e não à taxa a aplicar.
Não se vê, portanto, que a sentença enferme do erro de julgamento que a recorrida lhe imputa, por alegada violação do art. 85º da CRP.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 16 de Maio de 2018. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Aragão Seia.