Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0643/16.0BELLE
Data do Acordão:05/06/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:COIMA
NULIDADE
DESCRIÇÃO DOS FACTOS
Sumário:I - O requisito da decisão administrativa de aplicação de coima “descrição sumária dos factos” [cfr. art. 79.º, n.º 1, alínea b), primeira parte, do RGIT] tem de ser interpretado em correlação necessária com o tipo legal no qual se prevê e pune a infracção imputada ao arguido, pelos que os factos que importa descrever sumariamente na decisão de aplicação da coima não são senão os factos essenciais que integram o tipo de ilícito em causa.
II - Não é nula por violação do disposto na segunda parte da alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT – que impõe à decisão de aplicação da coima a «indicação das normas violadas e punitivas» – a decisão que, fazendo a indicação daquelas normas, não menciona a moldura abstracta da coima.
III - O requisito da decisão administrativa de aplicação de coima “indicação dos elementos que contribuíram para a […] fixação” da coima [cfr. art. 79.º, n.º 1, alínea c), do RGIT] deve ter-se por cumprido se, embora de forma sintética e padronizada, refere os elementos que contribuíram para a fixação da coima.
Nº Convencional:JSTA000P25847
Nº do Documento:SA2202005060643/16
Data de Entrada:07/09/2019
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:MINISTÉRIO PÚBLICO E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1 – A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que, em 29 de Abril de 2019, julgou procedente o recurso de contra-ordenação interposto por A……….., contra a decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Lagoa, de aplicação de uma coima única, no montante de € 2.587,13, proferida no âmbito dos processos apensos de contra-ordenação n.ºs 1066-2016/060000028810, 1066-2016/060000028918 e 1066-2016/060000029027, pela prática de infracção contra-ordenacional prevista e punida pelos artigos 5.º, n.º 1, al. a) e 7.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho (falta de pagamento de taxa de portagem), vem dela interpor recuso para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando, para tanto, alegações que concluiu do seguinte modo:
1 - O Tribunal a quo fez errada aplicação e interpretação dos preceitos dos artigos 79 nº 1 al. b) do RGIT, e, artigos 5 nº 1 al. a) e 10 da Lei nº 25/2006 de 30 de Junho.
2 - Na medida em que, a figura delituosa recortada in abstracto no artigo 5 nº 2 da Lei nº 25/2006 é o facto da falta de pagamento da taxa de portagem devida pela circulação de veículos automóveis em infra estruturas rodoviárias, e, não se tratando de um delito que exija a intervenção de um certo círculo de pessoas, a qualidade do sujeito activo da infracção não é um elemento essencial do tipo.
3 - E, entrando em linha de conta que o artigo 79 nº 1 al. 2 do RGIT pretende assegurar ao arguido a possibilidade de exercício dos seus direitos de defesa, é manifesto que se basta com a descrição sumária, sem o rigor da sentença penal, da factualidade essencial da contra ordenação imputada.
4 - Por isso, dentro deste entendimento e perante o conteúdo da decisão administrativa sub judice, é de concluir que o arguido tem perante si material mais que suficiente para se aperceber do ilícito contraordenacional que lhe é imputado e exercer os seus direitos de defesa; e, note-se, efectivamente conseguiu essa finalidade, como decorre da p.i de recurso.
5 - Logo, ao decidir anular tal decisão, a pretexto de não terem sido cumpridos os requisitos enumerados no art. 79 nº 1 al. b) do RGIT, apegando-se a que tinha de ser mencionada a qualidade do agente, é evidente o erro de julgamento.
6 - Sendo, aliás, em abono deste ponto de vista que se acha fundamentado o douto acórdão de 1/23/2019, proferido no processo 02017/17.1BEVIS 0189/18 pelo STA.
Assim, de harmonia com exposto, e max. ex. supl., deve ser concedido provimento ao presente recurso e revogada a, aliás, douta sentença recorrida, para se fazer JUSTIÇA».


2 O Recorrido apresentou contra-alegações que concluiu da seguinte forma:
A) O Recorrido não aceita o entendimento da Recorrente ao afirmar que a falta de pagamento da taxa de portagem nos processos de contraordenação n.ºs 10662016060000029027, 10662016060000028918 e 10662016060000028810, é a conduta tipificada como contraordenação, e que é a descrita no art.º 5º n.º 2 da Lei 25/2005 de 30 de junho, ou seja, que pode ser praticada por qualquer pessoa.

B) E que a qualidade do agente infrator (o seu desconhecimento) não seja um elemento essencial do tipo.

C) O Recorrido discorda que baste tão-somente o não pagamento da taxa de portagem devida pela circulação do veículo automóvel em infraestruturas rodoviárias.

D) E que a descrição sumária dos factos não inclui a identidade do agente, e que basta ao Recorrido ter a noção e aperceber-se que o facto lhe é imputado.

E) O Recorrido não consegue aperceber-se de um facto quando à data dos factos não era o proprietário, nem possuidor, nem fruidor do veículo automóvel em questão.

F) O Recorrido não pode aperceber-se de um facto que não lhe diz respeito e que não cometeu.

G) Entende o Recorrido que há nulidade da decisão de aplicação da coima, por falta de descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas,

H) Nos termos do artigo 79.º, n.º 1, alínea b), do RGIT, “tem como finalidade informar o arguido da conduta, por si praticada, que preenche o tipo contra-ordenacional, pelo que, se tal informação for prestada, tal requisito dá-se por preenchido.”.

I) Contudo, esta norma não refere quem é o agente a quem deve ser imputada a responsabilidade contra-ordenacional.

J) Para se saber a quem deve ser imputada essa responsabilidade, é necessário recorrer ao estatuído no artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 25/06, de 30 de Junho.

K) Essa identificação, sob pena de não produzir efeitos, terá de indicar, cumulativamente, nome, residência e número de identificação fiscal, ou no caso de cidadão estrangeiro que não o tenha, o número da carta de condução (cfr. n.º 2 do mesmo artigo).

L) O n.º 3 do mesmo artigo, é uma norma que responsabiliza o condutor que faça o seu veículo transpor um local de deteção de veículos, sem que proceda ao pagamento da taxa de portagem.

M) Se não for possível identificar o condutor, deve notificar-se a pessoa em nome da qual o veículo se encontra registado, ou o seu detentor, para esta, no prazo de 15 dias úteis, proceder ao pagamento, demonstrar que o veículo se encontrava a ser utilizado abusivamente por terceiros ou efetuar a identificação do condutor com a indicação do nome e residência completo, bem como do número de identificação fiscal ou, no caso de cidadão estrangeiro que o não tenha, do número da carta de condução.

N) Se o titular do registo ou detentor do registo nada disser no dito prazo de 15 dias úteis, é responsabilizado em vez do condutor.

O) Ou seja, a Contra-ordenação prevista no artigo 5.º, n.º 2 da Lei 25/06, pode ser imputada a qualquer uma das pessoas referidas no artigo 10.º do mesmo diploma.

P) Assim a norma constante do n.º 2, do referido artigo 5.º, não contém todos os elementos do tipo contra-ordenacional, faltando-lhe a identificação do agente, isto é, da pessoa que adota a conduta aí descrita, devendo este elemento objetivo do tipo ser encontrado no dito artigo 10.º.

Q) Tendo em conta o princípio nulla poena sine lege, só há lugar a sanção se o tipo legal descrever o facto típico que é composto pela conduta do agente.

R) Para que se cumpra a “descrição sumária dos factos” na decisão de aplicação da coima terá de haver referência, à qualidade do arguido que leva à sua configuração como agente da contra-ordenação: condutor, proprietário, adquirente com reserva de propriedade, usufrutuário, locatário em regime de locação financeira ou detentor do veículo.

S) A decisão que aplicou a coima apenas refere a “data e hora da infracção”, o “local”, a “Saída” e a identificação da viatura – cfr. alíneas E), G) e I) do probatório - sendo totalmente omissa quanto à qualidade do Recorrido (à concreta imputação da conduta ao agente) que justifica a sua responsabilização contra-ordenacional para preencher o tipo legal.

T) A infração imputada não se basta com uma pura omissão de um dever de agir (o pagamento da taxa de portagem), devendo conter a descrição típica, para além disso, um elemento adicional (a qualidade do responsável: condutor, proprietário, adquirente com reserva de propriedade, usufrutuário, locatário em regime de locação financeira ou detentor do veículo) que, ao constituir pressuposto da punição por ser um elemento objetivo do tipo, tem de estar suportado em factos descritos na decisão de aplicação da coima vide com as necessárias adaptações, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo processo n.º 0593/09.

U) A decisão administrativa ao aplicar a coima, nenhuma referência, direta ou indireta, expressa ou por remissão, se encontra em relação a esse facto e era essencial que ele fosse descrito para que a decisão administrativa da coima não se encontrasse ferida de nulidade.

V) A decisão recorrida, e perante a insuficiência da descrição apontada, padece de uma nulidade insuprível.

W) Mais, tendo em conta princípio da separação de poderes, não compete ao Tribunal, mas à Administração, imputar à Recorrente o preenchimento do tipo, designadamente no que respeita ao elemento objetivo “agente da contra-ordenação”, no ponto, referindo que entende que o Arguido praticou a Contra-ordenação prevista no artigo 5.º, n.º 2, da Lei n.º 25/06, de 30 Junho, por ser responsável pelo pagamento da taxa de portagem na qualidade de condutor, proprietário, adquirente com reserva de propriedade, usufrutuário, locatário em regime de locação financeira ou detentor do veículo.

X) Perante isto, não pode ter-se como adequadamente cumprido, na decisão de aplicação da coima recorrida, o requisito da descrição sumária dos factos, a que alude a alínea b), do n.º 1, do artigo 79.º do RGIT, enfermando a mesma, assim, da nulidade insuprível prevista na alínea d), do n.º 1, do artigo 63.º, do mesmo diploma legal.

Y) E por ser nula a decisão recorrida, devem também anular-se os termos subsequentes do processo, de acordo com o disposto no n.º 3, do artigo 63.º do RGIT, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas na Petição Inicial.

Termos em que deverá manter-se a decisão Recorrida anulando-se todo o processo por enfermar de nulidade insuprível. Fazendo-se assim Justiça!».


3 - O Ministério Público apresentou resposta ao recurso que concluiu da seguinte forma:
I. A questão a decidir é a de saber se a sentença de 29/04/2019 enferma de erro de julgamento por considerar que a decisão de fixação de coima proferida nos processos de Contra-Ordenação nº 10662016060000029027, 10662016060000028918 e 1066201660000028810 não contém a descrição sumária dos factos exigida pelo art. 79º nº 1 al. b) RGIT porque não imputou ao arguido o preenchimento do tipo legal ou seja, não refere a que título ou em que qualidade (art. 10º nº 3 da Lei 25/2006, 30/06) o arguido praticou a contra-ordenação prevista no nº 5 nº 1 al. a) Lei 25/06 já que a norma do nº 2 do art. 5º não contém todos os elementos do tipo contra-ordenacional, faltando-lhe a identificação do agente, isto é, da pessoa que adopta a conduta aí descrita, devendo este elemento objectivo do tipo ser encontrado no referido artigo 10º.

II. “Em qualquer tipo de ilícito objectivo é possível identificar os seguintes conjuntos de elementos: os que dizem respeito ao autor; os relativos à conduta; e os relativos ao bem jurídico” (Prof. Jorge Figueiredo Dias in Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, pág. 278 e 287, Coimbra Editora 2004);

III. No ilícito contra-ordenacional em causa os elementos típicos do autor estão previstos no art. 10º da Lei 25/2006, 30/06; os elementos respeitantes à conduta susceptível de consubstanciar o ilícito contraordenacional encontram-se no art. 5º da mesma Lei; e a punição ou coima aplicável é determinada de acordo com as regras constantes do art. 7º do mesmo diploma legal;

IV. Autor da conduta qualificada como contra-ordenação no art. 5º da Lei 25/2006, 30/06, tanto poderá ser o condutor do veículo, como o seu proprietário, o adquirente com reserva de propriedade, o usufrutuário, o locatário em regime de locação financeira ou o detentor do veículo;

V. Tudo depende do prévio e correcto cumprimento, por parte das concessionárias, as subconcessionárias, as entidades de cobrança das taxas de portagem ou as entidades gestoras de sistemas electrónicos de cobrança de portagens, consoante os casos, da notificação prevista no nº 1 do art. 10º da Lei 25/2006, 30/06;

VI. A qualidade do agente é pois, quanto a nós, um elemento essencial do tipo.

VII. A decisão que aplicou a coima é totalmente omissa quanto à identificação do agente da infracção, isto é, não contém uma referência ainda que sumária relativa aos elementos típicos do autor da prática da contra-ordenação tal como vem estabelecido no art. 10º nº 3 da Lei 25/2006, 30/06 e que constitui pressuposto da punição.

VIII. A decisão baseia-se na presunção de que o arguido é o responsável pela prática das contra-ordenações mas omite os factos que fundamentam tal presunção.

IX. Perante a inexistência de elementos factuais relativos à conduta humana que integrem o elemento objectivo das infracções cuja prática lhe é atribuída o arguido desconhece a que título lhe foi aplicada a coima e vê-se impedido de exercer cabalmente o seu direito de defesa, direito esse consagrado no art. 32º nº 10 CRP, já que não defender-se simultaneamente e de forma adequada na qualidade de condutor, de proprietário do veículo, de adquirente com reserva de propriedade, de usufrutuário, de locatário em regime de locação financeira ou de detentor do veículo.

X. Em consequência, a decisão que aplicou a coima está ferida de nulidade insuprível, conforme decorre do regime dos arts. 79º nº 1 al. b) e 63º nº 1 al. d) RGIT.

Pelos motivos expostos entende-se que a sentença recorrida deve ser confirmada.

4 - O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal notificado, remeteu para o teor da resposta do Ministério Público.


5 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.


II – Fundamentação

1. De facto
No despacho decisório deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A) Em 10-08-2016, foi instaurado no Serviço de Finanças de Lagoa, contra A……….. o processo de Contra-ordenação n.º 10662016060000028918 (cfr. fls. 2 dos autos no SITAF, do processo n.º 644/16.9BELLE, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
B) Em 10-08-2016, foi instaurado no Serviço de Finanças de Lagoa, contra A…………. o processo de Contra-ordenação n.º 10662016060000028810 (cfr. fls. 2 dos autos no SITAF, do processo n.º 645/16.7BELLE, idem).
C) Em 11-08-2016, foi instaurado no Serviço de Finanças de Lagoa, contra A………… o processo de Contra-ordenação n.º 10662016060000029027 (cfr. fls. 2 dos autos no SITAF, do processo n.º 643/16.0BELLE, ibidem).
D) Em 04-09-2016, foi proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lagoa, no âmbito do processo de Contra-ordenação referido na alínea A), decisão de aplicação de coima ao arguido, ora Recorrente, no montante de €804,87, acrescida de €76,50 de custas processuais (cfr. fls. 22 a 32 dos autos no SITAF, do processo n.º 644/16.9BELLE, ibidem);
E) Consta da decisão mencionada na alínea antecedente, a seguinte descrição sumária dos factos: “(…)
(…)”(cfr. fls. 22 a 32 dos autos no SITAF, do processo n.º 644/16.9BELLE, ibidem);
F) Em 04-09-2016, foi proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lagoa, no âmbito do processo de Contra-ordenação referido na alínea B), decisão de aplicação de coima ao arguido, ora Recorrente, no montante de €901,39, acrescida de €76,50 de custas processuais (cfr. fls. 17 a 25 dos autos no SITAF, do processo n.º 645/16.7BELLE, ibidem);
G) Consta da decisão mencionada na alínea antecedente, a seguinte descrição sumária dos factos: “(…)
(cfr. fls. 17 a 25 dos autos no SITAF, do Processo n.º 645/16.7BELLE, ibidem);
H) Em 04-09-2016, foi proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lagoa, no âmbito do processo de Contra-ordenação referido na alínea C), decisão de aplicação de coima ao arguido, ora Recorrente, no montante de €880,87, acrescida de €76,50 de custas processuais (cfr. fls. 26 a 37 dos autos no SITAF, do processo n.º 643/16.0BELLE, ibidem);
I) Consta da decisão mencionada na alínea antecedente, a seguinte descrição sumária dos factos: “(…)
(cfr. fls. 26 a 37 dos autos no SITAF, do processo n.º 643/16.0BELLE, ibidem);
J) Em 14-11-2016, foi proferido despacho pela Chefe do Serviço de Finanças de Lagoa, a apensar os processos de Contra-ordenação n.ºs 10662016060000028810, 10662016060000028918 e 10662016060000029027 e a aplicar aos mesmos a coima única de €2.663,63, acrescida de custas no montante de €76,50 (cfr. fls. 35 a 36 do Documento n.º 004362303 dos autos no SITAF, do processo n.º 643/16.0BELLE, ibidem).



2. Do Direito

A decisão recorrida julgou procedente o recurso de contra-ordenação interposto pelo ora Recorrido, declarando nula a decisão de aplicação da coima proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lagoa nos processos de contra-ordenação n.º 1066-2016/060000028810, nº 1066-2016/060000028918 e nº 1066-2016/060000029027, anulando os termos subsequentes daquele processo e determinado a remessa dos autos ao referido serviço de finanças, no entendimento de que “não pode ter-se como adequadamente cumprido, na decisão de aplicação da coima recorrida, o requisito da descrição sumária dos factos, a que alude a alínea b), do n.º 1, do artigo 79.º do RGIT, enfermando a mesma, assim, da nulidade insuprível prevista na alínea d), do n.º 1, do artigo 63.º, do mesmo diploma legal”.

A Fazenda Pública discorda do decidido, alegando que “não podia o Tribunal recorrido ter decidido que a omissão da indicação da qualidade do responsável constitui nulidade insuprível no processo, por violação do artigo 79 nº 1 al. b) do RGIT”, pois tal entendimento viola, também, a interpretação sufragada pelo “Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 1/23/2019, processo nº 0207/17.1BEVIS 0189/18, num caso em tudo semelhante”.

A recorrida, contra-alegando, pugna pela manutenção do julgado recorrido, assim como o Ministério Público na resposta que apresentou às alegações.

Cumpre decidir.

Sobre a questão do que deve entender-se por “descrição sumária dos factos” no âmbito destes processos contra-ordenacionais pronunciou-se já este Supremo Tribunal Administrativo, em jurisprudência consolidada, firmando o seguinte entendimento, que pode ler-se, por todos, no acórdão de 17 de Outubro de 2018, exarado no processo n.º 1004/17.0BEPRT, de que não juntamos cópia por se encontrar disponível, na íntegra, em www.dgsi.pt, limitando-nos, por isso, a transcrever alguns trechos dessa decisão:

«(…) A «descrição sumária dos factos» imposta pela alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT e, bem assim, os demais requisitos da decisão de aplicação da coima enumerados nesse número «devem ser entendidos como visando assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão» (JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, Áreas Editora, 2010, 4.ª edição, anotação 1 ao art. 79.º, pág. 517. ). Por isso, essas exigências «deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos» (Ibidem.), assim assegurando o direito de defesa ao arguido [cfr. art. 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa].

Quanto à descrição sumária dos factos na decisão administrativa, disse GERMANO MARQUES DA SILVA, em intervenção no Centro de Estudos Judiciários: «em resposta à questão de «qual o limite para a descrição sumária dos factos enquanto garantia de defesa» a minha resposta é também sumária: deve descrever o facto nos seus elementos essenciais para que o destinatário possa saber o que lhe é imputado e de que é que tem de se defender sem necessidade de consultar outros elementos em posse da administração» (Cfr. Contra-ordenações Tributárias 2016 [Em linha], Centro de Estudos Judiciários, 2016, pág. 20, disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_contraordenacoes_t_2016.pdf.).

(…)

Salvo o devido respeito, bastando-se a lei como uma descrição sumária dos factos, afigura-se-nos que esta exigência se há-de considerar satisfeita quando, como no caso sub judice, o elemento essencial do tipo – a falta de pagamento da taxa de portagem pela circulação de veículo automóvel em infra-estruturas rodoviárias, designadamente auto-estradas e pontes – está descrito na decisão administrativa; e está, não apenas por referência à norma que prevê a contra-ordenação, o que não seria suficiente, mas mediante a descrição detalhada do comportamento: falta de pagamento de taxas de portagem referente ao veículo identificado pela respectiva matrícula e com referência aos trajectos expressamente indicados, com indicação dos locais, datas e horas a que se verificaram as infracções e aos montantes das respectivas taxas (…)».

Não existindo razão para divergir deste entendimento no âmbito do presente recurso e verificando-se que a factualidade integrante da contra-ordenação imputada ao arguido é descrita sumariamente nas decisões de aplicação de coima em termos que permitem o cabal exercício dos seus direitos de defesa, não padece de nulidade a decisão administrativa de aplicação da coima, contrariamente ao julgado.

Questão diversa é o facto de o arguido, ora recorrido, no recurso que interpôs da contra-ordenação, ter sindicado a imputação subjectiva dos factos ilícitos sumariamente descritos na decisão administrativa de aplicação da coima, juntando para tal elementos de prova e requerendo outros – cfr. a respectiva petição de recurso de contra-ordenação, a fls. 1 a 119 do processo (SITAF).

Há, pois, que conhecer da questão que é colocada ao Tribunal, depois de realizadas as diligências probatórias tidas por necessárias.

Assim, pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e ordenar a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé para prosseguimento da tramitação com conhecimento do recurso judicial, se a tal nada mais obstar.


Sem custas [nos termos dos artigos 94.º, n.º 3 e 4 do RGCO e 66.º do RGIT].

Lisboa, 6 de Maio de 2020. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) – Paulo José Rodrigues Antunes – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.